O trabalho que se dá a ler está organizado em quatro secções, antecedidas por uma introdução geral e sucedidas pelas considerações finais. A primeira secção, relativamente autónoma, surgiu da necessidade de criar uma infra‐estrutura mental, um quadro de leitura amplo que particularmente dê conta dos modos como a problemática do desenvolvimento e da relação entre educação e desenvolvimento tem sido produzida nas narrativas científicas, desde que aquele emerge como objecto de reflexão.
Não é certamente uma abordagem exaustiva das diversas teorias e abordagens ao desenvolvimento, mas essencialmente, na economia da pesquisa e do pensamento do pesquisador, constitui um esforço de identificação das coordenadas dentro das quais o desenvolvimento tem sido dominantemente pensado que nos ajudou a reflectir como o processo analisado incorpora, se aproxima e se afasta dos termos em que a questão do desenvolvimento tem sido colocada por diferentes tradições científicas e, fundamentalmente, nos permitiu aprofundar o conhecimento em torno das questões que se colocam ao designado “desenvolvimento alternativo”, com o qual identificamos o caso que analisamos. Com efeito, no que respeita ao tratamento do desenvolvimento procuramos transcender o paradigma dominante desde o fim da II Guerra Mundial marcado intrinsecamente pela adopção de uma visão caracterizada pela associação entre desenvolvimento e crescimento económico e, enquanto crença ocidental (Rist, 2001a), pela consideração do desenvolvimento como progressão civilizacional através de uma sequência de estádios rumo a uma condição semelhante à dos países ocidentais industrializados. Esta perspectiva de desenvolvimento, que não deixa de ser ainda hoje a dominante, supõe uma relação de correspondência positiva entre educação e desenvolvimento que assenta numa relação de anterioridade causal entre educação e desenvolvimento e enfatiza as dimensões produtivas da educação (ou a educação ao serviço do crescimento económico). É no entanto nossa intenção deslocar o foco de análise para o que a literatura vem consagrando, pelo menos desde meados dos anos 1970, como as abordagens do desenvolvimento alternativo. Estas caracterizam‐se essencialmente pela reconceptualização do sentido económico do desenvolvimento, relativizando‐o ao fazê‐lo acompanhar de outras dimensões igualmente consideradas relevantes naqueles processos, algumas delas verdadeiramente com componentes imateriais (intangíveis) como o bem‐estar, a segurança, a equidade, a sustentabilidade...pela consideração do local como escala pertinente para o promover e pensar, pela inclusão nas suas preocupações questões como as da equidade entre géneros e da sustentabilidade ambiental e essencialmente pelos modos alternativos como equaciona a questão da economia, abrindo a porta a fenómenos como a economia solidária e a autogestão.
A segunda secção representa uma oportunidade de sistematicamente desenvolver o conjunto de preocupações teóricas que nos têm ocupado na apreciação da problemática do desenvolvimento local, salientando as ambivalências que eivam a revalorização discursiva desta problemática e de questões afins. Nesta perspectiva, esta terceira secção é também uma oportunidade de nos situarmos teoricamente face a essas ambivalências e de avançarmos com modalidades alternativas de equacionar os problemas e de definir as suas possíveis soluções, o que representa também uma forma de nos situarmos num ponto de vista teórico‐conceptual que necessariamente atravessará a discussão do material empírico. Nesta secção, encontra‐se ainda um segundo momento que poderíamos considerar de clarificação conceptual, em que sistematicamente abordamos algumas noções e problemáticas que considerámos necessárias para enquadrar o leitor na perspectiva de análise desenvolvida posteriormente.
A terceira secção procura responder a duas intenções. Como sugerimos, este trabalho constitui‐se numa oportunidade de reflectir sobre os próprios modos de pesquisar e de produzir conhecimento sobre o campo da intervenção para o desenvolvimento, particularmente sobre a intervenção numa óptica do desenvolvimento local e comunitário. Nesse sentido, nesta terceira secção equacionamos, num primeiro momento, uma possível relação entre a produção de conhecimento no domínio da intervenção para o desenvolvimento e uma dada forma de pensar a cientificidade educativa. Num segundo momento, procuramos justificar as opções epistemológicas e metodológicas que assumimos na condução da pesquisa, detalhando em particular a análise do conjunto de instrumentos que accionámos na produção dos dados e dos modos como procedemos à sua organização e análise.
Por fim, a quarta secção, sintomaticamente intitulada «ilustrações e re‐
interrogações», representa o esforço de convocar tudo o que anteriormente foi
explicitado e fundamentado para organizar uma análise de um caso particular de desenvolvimento comunitário e local, particularmente olhando para ele do ponto de vista da compreensão das dinâmicas educativas que nele estão envolvidas e por ele são promovidas.
Não querendo suicidariamente menosprezar o trabalho desenvolvido ao longo das três primeiras secções, devemos ainda assim afirmar em abono da verdade que na economia da tese essas secções deveriam representar o trabalho invisível de preparação do pesquisador para a análise, e que, em outras circunstâncias, poderíamos mesmo questionar a pertinência da sua inclusão na redacção final da tese. Naturalmente que esta opção nos levaria a considerar que, verdadeiramente, a nossa pesquisa se devia encontrar simplesmente plasmada na quarta secção deste trabalho, em que se assiste ao confronto entre uma utensilagem teórica e os dados empíricos, a primeira depurada em função de uma pertinência que indutivamente lhe conferem os segundos e estes convocados, organizados, analisados e interpretados contra aquele modo particular de equacionar e problematizar teoricamente determinados processos e práticas sociais. Deste “desafio” (ou interpelação) mútuo entre teoria e empiria haveria de resultar uma transformação e eventual acréscimo de conhecimento sobre aqueles processos e práticas sociais que tomamos como foco do nosso trabalho.
Por várias razões, de que a menor não será a “indisciplina” (e, já agora, também alguma saudável e pessoalmente enriquecedora indisciplinariedade) que caracterizou a realização deste trabalho, mas justificadamente também porque nos identificamos com a necessidade de que os trabalhos científicos contenham em si todos os elementos que permitam a sua crítica (como aliás começámos por dizer), a forma final deste trabalho assume a incorporação do que acima designámos trabalho invisível como um primeiro momento lógico do trabalho de pesquisa e de produção de conhecimento, com o inconveniente claro de assim se estabelecer uma distinção formal entre o classicamente designado enquadramento e problematização teórica e o momento da análise da empiria. É certamente uma limitação deste trabalho, muito provavelmente não a mais significativa, mas que, ainda assim, gostaríamos de ter evitado e, por analogia ao conhecido dito de um escritor português que se desculpava perante o interlocutor da sua missiva por essa ser tão longa, dado não ter tido tempo de a encurtar, também a nós não nos resta senão desculpar‐nos por este trabalho ser tão evidentemente organizado do modo dicotómico que acima enunciamos, porque não tivemos o engenho de o tornar mais integrado.