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A Teoria do Crescimento Económico e a Teoria da Modernização

Se  é  certo  que  o  discurso  de  Harry  Truman  inaugura  politicamente  a  era  do  desenvolvimento não é menos verdade que no campo científico os anos 1940 marcam  o dealbar de um pensamento sobre a problemática do desenvolvimento. Em verdade,  o campo dos estudos sobre o desenvolvimento, dominado pelos economistas mas de  algum modo surpreendentemente permeável a contribuições de outras ciências sociais  e humanas (sociologia, antropologia, ciência política, geografia)28, emerge logo após o  final  da  II  Grande  Guerra  e é  marcado  essencialmente  por uma  preocupação  com os  problemas  macroeconómicos,  designadamente  os  que  concerniam  as  desigualdades  entre  países  ricos  e  pobres.  Os  estudos  sobre  o  desenvolvimento  do  período  pós‐ guerra eram marcados por um forte optimismo o que leva Brohman (2001) a falar de  uma  “era  do  entusiasmo”,  que,  aliás,  contrapõe  à  “era  da  desilusão”  actual,  onde  se 

28 Esta permeabilidade do campo da produção científica sobre o desenvolvimento ao contributo de uma  diversidade  de  olhares  oriundos  das  diferentes  ciências  sociais  e  humanas  é,  aliás,  uma  marca  que  perdurou  até  aos  dias  de  hoje  nos  quais  se  advoga  precisamente  a  riqueza  hermenêutica  que  a  construção de teorias híbridas sobre o desenvolvimento pode aportar.

esperava que os progressos teóricos e técnicos garantidos por uma ciência positivista a  campos  como  a  economia  permitissem  pensar  o  desenvolvimento  segundo  uma  racionalidade  planificadora,  isto  é,  segundo  uma  lógica  em  que  o  desenvolvimento  seria  traçado  por  planificadores  ao  serviço  do  Estado  usando  as  ferramentas  cientificamente adequadas, o que permitiria promover racionalmente um processo de  crescimento  económico  e,  acreditava‐se,  concomitantemente,  de  desenvolvimento,  cuja  finalidade,  em  face  do  que  acima  referimos  ser  a  preocupação  política  então  dominante,  seria  a  diminuição  drástica  e  rápida  do  fosso  entre  países  ricos  e  países  pobres. 

Este pensamento foi reforçado positivamente pelo êxito do Plano Marshall na  Europa em reconstrução após a devastação da guerra e rapidamente se converteu na  forma de pensamento dominante para analisar as relações entre países do hemisfério  Norte  e  países  do  hemisfério  Sul  e  os  estudos  sobre  o  desenvolvimento  assumiram  então  o  papel  de  avaliar  racionalmente  os  problemas  e  de  gerir  tecnicamente  a  intervenção face àqueles, subentendendo, como é claro, uma relação de subordinação  dos países do Sul face aos do Norte obnubilada pelo discurso da ajuda internacional.  Não esquecendo que neste período se inicia também a designada «guerra fria», entre  os EUA e a União Soviética, os programas de ajuda internacional ao desenvolvimento e  as suas ferramentas conceptuais e técnicas adquirem o valor de armas de arremesso  ideológico no domínio das relações internacionais29. 

A  primeira  corrente  de  pensamento  sistemática  sobre  o  desenvolvimento  sobre  a  qual  nos  debruçaremos  é  a  Teoria  do  Crescimento  Económico  que  precisamente eclodiu no contexto que acabámos de caracterizar. 

A base conceptual da teoria do crescimento económico é essencialmente de  teor económico e mantém fortes afinidades ideológicas com o New Deal americano e  com  os  programas  social‐democratas  europeus.  Esta  perspectiva  foi  popularizada  a  partir  do  final  dos  anos  1940  e  prolongou‐se  até  meados  dos  anos  1950,  sendo  posteriormente absorvida progressivamente por uma outra corrente de pensamento:  a  Teoria  da  Modernização.  Na  génese  da  Teoria  do  Crescimento  Económico  esteve  a 

29 Não é por acaso que a emergência e proliferação dos discursos pós‐desenvolvimentistas se inscrevem  no contexto do fim da «guerra‐fria» e do desmoronamento do bloco de leste (cf. Sachs, 1992).

crítica  à  teoria  económica  neoclássica  ortodoxa  –  que  assentava  na  importância  conferida a um mercado “puro” e no crescimento baseado nas exportações definidas e  partir  do  princípio  das  vantagens  comparativas  entre  nações  –  produzida  pelos  teóricos do crescimento a partir do ponto de vista Keynesiano intervencionista, pondo  em  causa  “the  ability  of  neoclassical  theory  to  translate  its  microeconomic  base  of 

individualized,  short‐run  decision‐making  into  a  dynamic  macroeconomic  theory  for  long‐term development” (Brohman, 2001:12)30. 

A  ideia  de  desenvolvimento  que  protagonizava  era  bastante  redutora,  associando‐o  ao  crescimento  económico  sendo  que  os  factores  sociais  e  culturais  apenas  eram  tidos  em  consideração  pelo  seu  papel  facilitador/obstaculizador  das  mudanças sociais “apropriadas” que acompanhariam o crescimento económico. Nesta  perspectiva  o  desenvolvimento  é  entendido  como  processo  de  formação  de  capital  que,  por  seu  lado,  é  largamente  determinado  pelo  investimento  e  pelos  níveis  de  poupança  que  deveria  ser  canalizada  para  o  investimento  produtivo,  especialmente  em sectores com elevados níveis de crescimento. Neste modelo de desenvolvimento, o  papel  interventivo  do  Estado  é  modesto;  apenas  se  justifica  num  contexto  de  imperfeição  do  mercado  ou  está  reservado  aos  estádios  iniciais  de  descolagem  económica  durante  os  quais  é  desejável  uma  extensiva  intervenção  estatal  mas,  vencida  a  inércia,  o  mercado  conduziria,  de  forma  linear,  o  crescimento  (no  que  na  expressão anglo saxónica se identifica como “market‐driven growth”). 

Os modelos e quadros teóricos da Teoria do Crescimento estavam enraizados  na  história  económica  do  Ocidente  o  que  significa  que,  mesmo  se  aquela  rejeitou  alguns  dos  aspectos  da  economia  neoclássica  no  que  diz  respeito  à  promoção  do  desenvolvimento  em  países  do  Terceiro  Mundo31,  se  estruturava  essencialmente  na 

30  O  autor  identifica  três  áreas  principais  de  crítica  a  partir  do  ponto  de  vista  keynesiano  à  economia  clássica  e  por  referência  ao  desenvolvimento:  1)  A  teoria  neoclássica  é  estática  e  está  centrada  na  alocação (allocations) de certos recursos, enquanto os problemas do desenvolvimento são dinâmicos e  devem concentrar‐se no aumento de recursos de investimento através da estimulação da poupança e  do  investimento;  2)  Os  modelos  neoclássicos  negligenciam  a  rigidez  estrutural,  nas  suas  múltiplas  expressões,  comuns  nos  países  em  desenvolvimento  que  impedem  o  mercado  de  reagir  da  forma  teórica  esperada;  3)  A  ênfase  neoclássica  no  desenvolvimento  baseado  nas  vantagens  comparativas  e  no comércio livre é inapropriado para os países de industrialização tardia.

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  A  expressão «Terceiro Mundo»  que  ao  longo deste capítulo  será utilizada  algumas  vezes  tem  a  sua  génese  em  início  dos  anos  50,  mais  precisamente  em  1952,  e  é  citada  por  um  demógrafo  francês  de  nome Alfred Sauvy no L’Observateur. Aí se diz a determinado momento: «Nous parlons volontiers des 

base  de  uma  visão  Eurocêntrica  do  desenvolvimento,  unicamente  baseada  na  interpretação keynesiana da experiência do capitalismo industrial dos países centrais.  Nesta  perspectiva,  aos  países  que  saíam  de  longas  histórias  de  colonização  era  requerido  que  atravessassem,  numa  espécie  de  “imperativo  da  modernização”  (Brohman, 2001: 13), um conjunto definido de etapas/estádios, à semelhança dos que  se  podiam  de  forma  simplista  identificar  na  história  económica  ocidental,  para  que  alcançassem  um  patamar  de  desenvolvimento  mais  elevado,  isto  é,  um  desenvolvimento “ao estilo Ocidental” (idem, ibidem:13)32.  

Mas, em finais dos anos 1950, a Teoria do Crescimento Económico caíra já em  descrédito  junto  da  maioria  dos  teóricos  do  desenvolvimento  principalmente  pelo  reconhecimento  de  que  a  sua  abordagem  aos  problemas  de  desenvolvimento  socioeconómico e político dos países do Terceiro Mundo a partir de conceitos e teorias  desenvolvidos  a  propósito  de  economias  industriais  centrais  não  era  hermeneuticamente ajustada, bem como pela constatação de que a sua visão unilinear  do  desenvolvimento  como  uma  sequência  de  estádios  não  era  verdadeira  nem  concretizável e muito menos através da prescrição da receita keynesiana para aqueles  países.  

No entanto, foi a aquela teoria que preparou as fundações teóricas e políticas  para a perspectiva que haveria de dominar o panorama dos estudos e dos programas  de  desenvolvimento  durante  os  anos  1960  e  parte  dos  1970.  Falamos  da  Teoria  da  Modernização  que  aprofundando  e  alargando  o  aparelho  conceptual  da  Teoria  do  Crescimento  incorpora  algumas  das  ideias‐chave  da  sua  predecessora,  nomeadamente:  i)  o  desenvolvimento  como  crescimento  económico  baseado  na  industrialização;  ii)  o  papel  crítico  do  aumento  da  poupança  e  do  (seu)  investimento  produtivo;  iii)  a  necessidade  da  intervenção  estatal  na  planificação  do 

deux mondes en présence, de leur guerre possible, de leur coexistence, etc…, oubliant très souvent qu’il 

en existe un troisième, le plus important et, en somme, le premier dans la chronologie. C’est l’ensemble  de ceux que l’on appelle, en style Nations Unies, les pays sous‐développées» (cit. em Riondet, 1996 :26) 32 O  modelo  de  estádios  proposto  por  Rostow  foi  provavelmente  o  mais  popular  dentro  desta  perspectiva  e  nele  se  propugnava  a  ideia  de  que  os  países  evoluem  através  de  uma  sequência  de  estádios de desenvolvimento, conduzindo as sociedades tradicionais a transformar‐se em sociedades de  consumo de massas, típicas do capitalismo moderno.

desenvolvimento  e  iv)  o  desenvolvimento  como  sequência  de  estádios  bebidos  na  experiência histórica dos países do Ocidente.  

 

Na perspectiva de Alvin So (1990), o contexto sócio‐político de emergência da  Teoria  da  Modernização  é  marcado  pela  reunião  de  três  eventos  históricos:  i)  a  emergência  dos  EUA  como  superpotência  mundial;  ii)  o  alastramento  do  movimento  comunista  ao  mundo;  iii)  a  desintegração  dos  impérios  coloniais  das  potências  europeias.  Do  ponto  de  vista  intelectual  ou  teórico,  a  Teoria  da  Modernização  é  claramente  influenciada  no  seu  esforço  de  iluminar  a  modernização  dos  países  do  Terceiro Mundo, quer pela teoria evolucionista33, quer pela teoria funcionalista. 

 

Uma vez que a teoria evolucionista havia ajudado a explicar a transição entre  sociedades  tradicionais  e  sociedades  modernas  na  Europa  Ocidental  no  século  XIX,  muitos pesquisadores integrados na corrente modernizadora acreditaram que de igual  modo poderia iluminar os processos de modernização dos países do Terceiro Mundo.  Com  efeito,  a  Teoria  da  Modernização  e  a  escola  intelectual  que  a  protagoniza  representam  um  esforço  multidisciplinar  para  examinar  as  perspectivas  do  desenvolvimento do Terceiro Mundo onde cada disciplina contribui do seu modo para  a  identificação  de  aspectos  chave  a  respeito  da  modernização.  Assim,  os  sociólogos  focam‐se  na  mudança  das  variáveis‐padrão  e  na  diferenciação  estrutural,  os  economistas  acentuam  a  importância  de  acelerar  os  investimentos  produtivos  e  os  cientistas  políticos  destacam  a  necessidade  de  melhorar  a  capacidade  do  sistema  político.  Apesar  da  sua  natureza  multidisciplinar,  os  pesquisadores  da  Teoria  da  Modernização  partilham  dois  conjuntos  de  assunções  e  metodologias  no  estudo  do  desenvolvimento do Terceiro Mundo. 

O  primeiro  conjunto  de  assunções  partilhado  pelos  pesquisadores  da  escola  da  modernização  diz  respeito  a  certos  conceitos  extraídos  da  teoria  evolucionista 

33  A teoria evolucionista clássica tinha as seguintes características: 1) Assumia que a mudança social é  unidireccional, isto é, que as sociedades humanas invariavelmente se movem na direcção de um estado  primitivo a um estado avançado. Nesse sentido, o destino da evolução humana está pré‐determinado;  2) Impunha um juízo de valor sobre o processo evolucionário – o movimento em direcção à fase final é  bom  porque  representa  progresso,  humanidade  e  civilização;  3)  Assumia  que  os  ritmos  da  mudança  social são lentos, graduais e pacíficos – evolucionário e não revolucionário! (So, 1990).

europeia.  De  acordo  com  a  teoria  evolucionista,  a  mudança  social  é  unidireccional,  progressiva  e  gradual,  irreversivelmente  conduzindo  as  sociedades  de  um  estádio  primitivo  a  um  estádio  avançado,  e  tornando  as  sociedades  mais  iguais  entre  si  à  medida  que  avançam  no  trilho  da  evolução.  Assentes  nesta  premissa,  os  teóricos  da  escola da modernização formularam as suas perspectivas com os seguintes traços (So,  1990:33‐34):  i)  a  modernização  é  um  processo  faseado;  ii)  a  modernização  é  um  processo  homogeneizador;  iii)  a  modernização  é  um  processo  de  Europeização  (ou 

Americanização); iv) a modernização é um processo irreversível; v) a modernização é 

um processo progressivo; vi) a modernização é um processo longo.   

O  outro  conjunto  de  assunções  partilhado  pelos  pesquisadores  da  escola  da  modernização é retirado da teoria funcionalista, que enfatiza a interdependência das  instituições  sociais,  a  importância  das  variáveis  padrão  ao  nível  cultural  e  o  processo  imbuído de mudança através do equilíbrio homeostático. Influenciados por estas ideias  de  Talcott  Parsons34,  os  pesquisadores  da  escola  da  modernização  formularam 

34  Uma  componente  forte do substrato  teórico  da  Teoria da  Modernização  é  a  teoria  funcionalista de  Talcott  Parsons  cujos  conceitos  –  tais  como  «sistema»,  «imperativo  funcional»,  «equilíbrio  homeostático» e «variáveis padrão» – entraram nos trabalhos de muitos dos protagonistas da Teoria da  Modernização.  Para  Parsons,  originalmente  um  biólogo,  a  sociedade  humana  é  como  um  organismo  biológico e pode ser estudada enquanto tal: i) pode dizer‐se que as diferentes partes de um organismo  correspondem  às  diferentes  instituições  que  constituem  uma  sociedade  que,  tal  como  no  caso  dos  organismos  vivos  as  partes  estão  inter‐relacionadas  e  são  inter‐dependentes  entre  si  na  sua  acção,  assim também as instituições numa sociedade estão intimamente relacionados entre si. Parsons usa o  conceito  de  «sistema»  para  denotar  a  coordenação  harmoniosa  entre  instituições;  ii)  tal  como  cada  parte  do  organismo  biológico  desempenha  uma  função  específica  para  o  bem  do  todo,  assim  cada  instituição  desempenha  uma  certa  função  para  a  estabilidade  e  o  crescimento  da  sociedade.  Parsons  formula o conceito de «imperativos funcionais» argumentando que há 4 funções cruciais que todas as  sociedades  devem  desempenhar  senão  morrerão:  i)  Adaptação  ao  ambiente  (desempenhada  pela  economia);  ii)  Goal  attainment  (desempenhada  pelo  Governo);  iii)  Integração  (ligando  as  instituições  entre  si)  –  desempenhada  pelas  instituições  legais  e  pela  religião;  iv)  Latency  (manutenção  de  um  padrão de valores de geração em geração) – desempenhada pela família e pela escola. 

A  analogia  da  sociedade  com  um  organismo  vivo  também  conduziu  Parsons  a  formular  o  conceito de «equilíbrio homeostático». Parsons parte da ideia de que um organismo biológico procura  sempre estar num estado uniforme. Se uma parte muda, então as outras mudarão de acordo com essa  mudança  para  restaurar  o  equilíbrio.  De  acordo  com  Parsons  a  sociedade  também  observa  os  ritmos  necessários para a homeostasia; há interacções constantes entre instituições para manter o equilíbrio  homeostático.  Quando  uma  instituição  experiencia  mudanças  sociais,  isso  provoca  uma  reacção  em  cadeia  de  mudanças  em  outras  instituições  de  modo  a  restabelecer  o  equilíbrio.  Nesta  perspectiva,  o  sistema social para Parsons não é estático, estacionário, uma entidade imutável, mas pelo contrário, as  instituições que constituem o sistema estão sempre a mudar e a ajustar‐se. 

Parsons  formulou  ainda  o  conceito  de  «variáveis  padrão»  para  distinguir  as  sociedades  tradicionais  das  sociedades  modernas.  As  variáveis  padrão  são  as  relações  sociais  chave  que 

implicitamente  o  conceito  de  modernização  com  os  seguintes  traços:  i)  a  modernização  é  um  processo  sistemático:  os  atributos  da  modernidade  formam  um  todo consistente, aparecendo em blocos mais do que isolados. A modernidade implica  mudanças  em  virtualmente  todos  os  aspectos  do  comportamento  social,  incluindo  industrialização, urbanização, mobilização, diferenciação, secularização, participação e  centralização;  ii)  a  modernização  é  um  processo  transformativo:  para  que  uma  sociedade  se  mova  para  a  modernidade  as  suas  estruturas  e  valores  tradicionais  devem  ser  totalmente  substituídos  por  um  conjunto  de  valores  modernos  (modernidade  e  tradição  são  conceitos  assimétricos  nesta  perspectiva);  iii)  a  modernização  é  um  processo  imanente:  devido  à  sua  natureza  sistemática  e  transformadora, a modernização introduziu mudanças no sistema social. Uma vez que  a  mudança  começa  numa  esfera  de  actividade  produzirá  necessariamente  mudanças  comparáveis  em  outras  esferas.  Devido  a  esta  assunção  da  imanência,  a  escola  da  modernização tende a focar‐se nas fontes internas de mudança nos países do Terceiro  Mundo (So, 1990). 

 

A principal ruptura da Teoria da Modernização com a Teoria do Crescimento  Económico  passa  pela  abordagem  ao  desenvolvimento  em  moldes  interdisciplinares,  particularmente  sofisticando  a  análise  a  partir  da  complementaridade  entre  uma  abordagem dos processos de transformação económica e a consideração de teorias da  mudança  social  e  institucional,  o  que  torna  os  modelos  teóricos  mais  complexos  embora  não  necessariamente menos  economicistas  (Brohman,  2001:15).  Com  efeito,  se  a  incorporação  na  análise  de  elementos  não  económicos  tais  como  as  práticas  sociais, crenças, valores e hábitos implicou uma extensão para além do económico das  ideias  até  então  convencionais  sobre  o  desenvolvimento  e  se  aqueles  elementos  passaram  a  constituir‐se  em  elementos  de  que  o  desempenho  económico  depende,  nem por isso se transformaram as ideias de que o desenvolvimento, agora sinónimo de 

permanecem,  são  recorrentes  e  estão  inscritas  no  sistema  cultural  –  o  mais  importante  sistema  na 

teorização de Parsons.  Para  Parsons  há  5 conjuntos  de  variáveis‐padrão  que permitem  caracterizar  as  relações  sociais  das  sociedades  (So,  1990:21‐22):  i)  Afectivas  vs  Afectivas‐neutrais;  ii)  Particulares  vs  Universais;  iii)  Orientação  colectiva  vs  Auto‐orientação;  iv)  Atribuição  vs  Achievement;  v)  Funcionalmente difusas vs Funcionalmente específicas.

modernização, estava profundamente associado ao desempenho económico, nem de  que  aqueles  elementos  deveriam  evoluir  de  modo  consistente  com  a  lógica  do  crescimento económico capitalista. Ou seja, a questão central apenas se deslocou para  a  busca  de  compreensão  de  qual  a  combinação  normas‐instituições  mais  propícia  à  modernização.  Assim,  como  a  ideia  de  modernização  estava  construída  sobre  uma  tipificação  de  padrões  culturais,  sociais  e  económicos  e  atributos  psicológicos  e  se  estabelecia uma forte correlação entre estes e o nível de desenvolvimento presentes  nas  sociedades  Ocidentais,  considerava‐se  que  a  difusão  desses  padrões  e  atributos  nas  sociedades  de  que  estivessem  ausentes  –  papel  reservado  a  instituições  como  a  educação  ou  os  meios  de  comunicação  de  massas  –  seria  a  melhor  via  de  criar  uma  relação  mutuamente  reforçadora  entre  factores  económicos  e  não  económicos  para  suportar o desenvolvimento. Não é de somenos importância salientar novamente que  esta  abordagem  se  afirme  no  contexto  histórico  da  guerra‐fria  de  competição  e  expansão  e  alargamento  da  área  de  influência  que  as  grandes  superpotências  disputam  através  dos  programas  de  ajuda  internacional  e  que,  como  tal,  seja  sustentada  num  discurso  optimista  sobre  a  caminhada  para  o  desenvolvimento  dos  ajudados, de um e de outro quadrante. 

As  principais  características  da  teoria  da  modernização,  na  sua  formulação  clássica (até meados dos anos 1960), são sumariadas por John Brohman (2001:16‐17):  i) «Mesmo se envolve uma mistura de factores de desenvolvimento, a modernização  resulta, para a maior parte dos autores dentro desta teoria, da indução da mudança de  valores,  crenças,  costumes  no  tecido  social  a  partir  da  que  resultaria  mudança  em  outras  esferas  do  desenvolvimento;  ii)  As  diversas  componentes  das  sociedades  (valores,  instituições,  grupos  sociais,  regiões...)  estão  divididas  (e  as  sociedades  separadas entre si) entre esfera tradicional e esfera moderna, que sendo antitéticas ou  estando  puramente  separadas  poderão  apenas  coexistir  a  curto  prazo.  Estas  sociedades “duais” tenderão a desaparecer à medida que a modernidade erradicar a  esfera  tradicional,  no  que  consistirá  realmente  o  processo  de  modernização;  iii)  A  modernização  corresponde  a  um  percurso  cuja  direcção  e  finalidade  inevitável  é  similar  a  todos  os  países  do  Terceiro  Mundo  e  mimetiza  o  percurso  da  história  do  mundo  industrial  capitalista,  mesmo  se  acontece  num  tempo  substancialmente 

distinto;  neste  sentido  modernização  e  ocidentalização  são  sinónimos;  iv)  A  difusão  interna  dos  factores  de  desenvolvimento  (mudança  de  valores  e  atitudes,  inovação  tecnológica...)  nos  países  do  Terceiro  Mundo  necessita  provenir  de  uma  origem  externa de forma a acelerar o processo de modernização e a fechar mais rapidamente  o fosso entre países ricos e países pobres; v) A rapidez da difusão e de todo o processo  de modernização estão criticamente dependentes da elite modernizadora de cada país  que  enquanto  “actor  de  mudança”  promove  a  inovação  e  a  difusão,  pelo  que  as  políticas de desenvolvimento os devem visar privilegiadamente nas primeiras fases da  modernização de modo a facilitar a transformação estrutural; vi) Apesar de a difusão  ter  origem  externa,  a  modernização  depende  essencialmente  de  factores  internos  a  cada sociedade jogando uma particular importância a remoção de barreiras culturais e  sociais  à  modernização,  muitas  das  quais  ligadas  à  manutenção  de  um  sector  tradicional, assumindo‐se assim que os factores que impedem o desenvolvimento (ou  são  causas  do  subdesenvolvimento)  se  prendem  com  questões  da  estrutura  interna  enraizadas  no  passado  e  que  se  a  mudança  estrutural  puder  ser  induzida  então  o  crescimento e a modernização seguir‐se‐ão.» 

 

Na  base  dos  pressupostos  da  teoria  da  modernização,  em  particular  do  dualismo  que  instaura  entre  o  tradicional  e  o  moderno,  encontra‐se  o  resgate  e  a  articulação,  ainda  que  simplista,  das  ideias  dos  sociólogos  clássicos,  nomeadamente  Durkheim e Weber. Do primeiro, a teoria da modernização recupera a distinção entre  sociedades tradicionais e modernas que este elabora a partir das distintas formas de  coesão  social:  as  primeiras  estão  baseadas  numa  forma  de  “solidariedade  mecânica”  que  subentende  a  semelhança  de  grupo  e  a  adesão  a  padrões  rígidos  de  normas  e  valores  tradicionais  e,  as  segundas,  em  contraste,  assentam  numa  “solidariedade 

orgânica” resultado do desenvolvimento de instituições e funções especializadas que 

permitem uma crescente diferenciação social. Por seu turno, Max Weber sugeria que  os  factores  ligados  aos  processos  de  industrialização  seriam  os  responsáveis  pela  distinção  das  sociedades  ocidentais  (europeias)  face  a  outras.  O  resgate  desta  “herança”  procede  no  entanto,  como  já  se  sugeriu  antes,  por  simplificação,