• Nenhum resultado encontrado

Mas  se  estas  foram  e  são  as  correntes  dominantes  do  pensamento  teórico  sobre  o  desenvolvimento  também  é  certo  que  este  domínio  tem  sido  palco,  pelo  menos  desde  os  anos  70  do  século  passado,  do  surgimento  de  um  pensamento  divergente  e  de  um  pensamento  crítico  que,  mais  do  que  estabilizar‐se  em  torno  de  um  modelo  ou  de  uma  teoria  tem  assumido  várias  designações  consoante  a  problemática  ou  enfoque  privilegiado44.  Não  é  seguro,  em  nossa  opinião,  que  os  trabalhos  que  procuram  dar  corpo  a  este  pensamento  alternativo  no  campo  do  desenvolvimento  resolvam  integralmente  as  objecções  radicais  que  as  perspectivas  pós‐desenvolvimentistas  levantam  a  qualquer  discurso  que  tome  o  desenvolvimento  como  propósito  a  realizar  (cf.  início  deste  ponto  do  trabalho),  no  entanto,  na  forma 

44

 Cf. a este propósito o momento deste trabalho em que com base em Amaro (2003) apresentamos as  diferentes  fileiras  que  permitem  organizar  a  diversidade  de  discursos  e  práticas  que  actualmente  povoam o campo do desenvolvimento.

como  formulam  os  problemas  de  desenvolvimento  e  equacionam  possíveis  soluções,  pelo menos potencialmente, não deixam de afastar‐se de um modelo hegemónico de  pensamento, de política e de prática que já provou  ser contraproducente na medida  em que apenas agravou os problemas que, pelo menos para alguns dos optimistas que  o  defendiam  e  defendem,  era  suposto  resolver  (cf.  a  este  propósito  Canário,  1999;  Finger&Asún, 2003).  

Nesse  sentido  vale  a  pena  procurar  compreender  o  modo  como  estas  abordagens alternativas equacionam os elementos que as abordagens dominantes do  desenvolvimento  consideram  imprescindíveis  para  que  o  desenvolvimento  aconteça,  bem como as condições a que estes elementos devem obedecer. Como já sabemos, na  perspectiva  dominante  do  desenvolvimento,  estes  elementos  passam,  por  exemplo,  pelo  investimento  uma  vez  que  o  crescimento  económico  depende  daquele  e  este  é  entendido como uma importante dimensão do desenvolvimento, senão mesmo a mais  importante.  Um  outro  elemento  da  concepção  dominante  de  desenvolvimento  é  a  consideração de que estamos perante um processo sequencial e progressivo de fases  ou  estádios  ao  longo  dos  quais  os  benefícios  se  vão  alargando  a  uma  maior  fatia  da  população, aliviando assim fenómenos como a pobreza e a desigualdade. Um terceiro  elemento  diz  respeito  ao  papel,  e  mais  ainda  à  difusão,  da  tecnologia  e  de  “outros 

atributos  da  modernização”  (Brohman,  2001:201)  que  se  considera  que,  através  do 

designado  “efeito‐dominó”  (trickle  down  effect),  fará  chegar  os  benefícios  do  desenvolvimento  aos  mais  diversificados  e  necessitados  sectores  da  população.  Um  outro  elemento  constante  desta  concepção  do  desenvolvimento  prende‐se  com  a  definição  deste  como  um  processo  que  se  organiza  de  cima  para  baixo  sendo  que  a  este  “cima”  correspondem  as  instâncias  internacionais  e  as  elites  nacionais,  sociais,  económicas e políticas. Tipicamente, este desenvolvimento é, igualmente, concebido e  desenhado por especialistas nacionais, e por vezes internacionais, a partir do exterior  dos contextos onde se deseja promover e com base num conhecimento especializado  de  base  científica  e  com  uma  expressão  tecnológica  (de  tecnologia  social,  mais  propriamente) que tende a subjugar e a impor‐se, senão mesmo a remetê‐los para o  domínio dos pré‐conceitos, aos saberes locais ou profanos. Podemos ainda associar a  esta lógica hegemónica o facto de que as populações a quem alegadamente se dirigem 

estes processos de desenvolvimento são concebidas abstractamente, grande parte das  vezes,  como  simples  indicadores  socioeconómicos,  e  em  que,  consequentemente,  a  participação popular fica sujeita e restringida a um papel de receptor face a uma lógica  de  informação  vertida  pelos  especialistas  ou,  em  alternativa,  a  participações  ritualizadas em  que  o  envolvimento  popular  na  tomada  de  decisão  se  circunscreve  a  alguns  momentos  do  processo  e  raramente  incide  nas  definições  estratégicas  e  programáticas.  Finalmente,  em  íntima  articulação  com  esta  definição  abstractizante  das pessoas a quem se dirige o desenvolvimento, importa ainda salientar que a fonte  de legitimidade para estes processos de intervenção, particularmente até à década de  80,  se  encontra  no  Estado  como  figura  a  quem  se  reconhece  o  estatuto  de  representante e garante de um bem comum universal, isto é, de um bem comum e de  uma normatividade extensível de modo uniforme aos diferentes contextos territoriais  subordinados  à  autoridade  daquele  Estado,  o  que,  como  explicita  Canário  (1999),  conduziu  essencialmente  a  uma  intervenção  em  prol  do  desenvolvimento  marcada  pelo seu carácter centralista, homogeneizador e sectorializado. A partir da década de  1980, esta legitimidade vem‐se progressivamente ancorando na aliança entre a Ciência  e o Estado, isto é, na aliança entre um discurso científico, produzido normalmente por  especialistas recrutados pelo próprio Estado, e um discurso político que fundando‐se  numa pretensa legitimidade incontornável da ciência na definição dos rumos a seguir  em  termos  de  desenvolvimento,  transmuta  o  saber  científico  em  decisões  políticas,  veiculadas  muito  mais  através  de  um  discurso  tecnocrático  do  que  verdadeiramente  político. 

Neste  exercício  de  análise  das  putativas  alternativas  que  se  constroem  no  domínio  do  desenvolvimento  vale  a  pena,  igualmente,  procurar  perceber  como  são  equacionadas questões que, a não ser retoricamente, não estão presentes com grande  centralidade  nos  discursos  dominantes  do  desenvolvimento,  designadamente  a  questão  da  satisfação  das  necessidades  humanas,  da  participação  e  do  poder  dos  sujeitos nos processos de desenvolvimento ou do imperativo de um desenvolvimento  equitativo e preocupado com a dimensão da justiça da redistribuição dos efeitos das  políticas  e  das  práticas  de  desenvolvimento  na  medida  em  que,  eventualmente,  os  modos originais como delas se dá conta permitirá romper, se não com o substrato da 

ideia  de  desenvolvimento,  com  a  ideologia  desenvolvimentista  ainda  dominante  nestes tempos de “capitalismo de casino” ou de “turbo‐capitalismo”, como os designa  Matthias Finger e José Manuel Asún (2003). 

O  gérmen  das  perspectivas  alternativas  de  desenvolvimento  encontra‐se,  como  seria  de  esperar,  nos  olhares  críticos  da  ideologia  desenvolvimentista  que  se  estruturam  logo  após  a  II  Grande  Guerra.  Estes  olhares  cépticos  sobre  as  exclusivas  virtuosidades  do  crescimento  económico  do  pós‐guerra  começam  a  ter  alguma  expressão logo a partir dos finais dos anos  1960/inícios dos anos 1970 (cf. Brohman,  2001; Canário, 1999) quando se toma consciência de que este crescimento económico  é incapaz de responder a diversas finalidades do desenvolvimento, como por exemplo,  a criação de emprego – Canário (1999) explicita mesmo que este é o momento em que  se  constata  que  mais  crescimento  económico  não  é  incompatível  com  mais  desemprego – a redução da pobreza e das desigualdades entre países ricos e pobres  (ou  do  Norte  e  do  Sul)  ou  entre  diferentes  regiões  dentro  de  um  mesmo  país  ou  a  satisfação das necessidades básicas de muitos milhões de pessoas. Estas constatações  inscrevem‐se,  aliás,  no  prolongamento  da  análise  que  alguns  autores  fazem  aos  designados “Trinta Gloriosos” anos que se seguem ao fim da II Guerra Mundial e onde  se  acentua  que  para  a  maioria  da  população  mundial  mais  do  que  gloriosos  estes  foram  anos  dolorosos  por  causa  de  uma  efectiva  degradação  das  suas  condições  de  vida (cf. Amaro, 2003).  

Não  é  de  estranhar,  então,  que,  como  salienta  Brohman  (2001:202),  nos  inícios dos anos 1970 já se tivesse tornado um lugar‐comum afirmar que, mesmo nos  casos  daqueles  que  haviam  conhecido  elevados  índices  de  crescimento  económico  durante  as  décadas  anteriores,  o  crescimento  económico  da  maioria  dos  países,  designadamente  do  dito  Terceiro  Mundo,  tinha  sido  acompanhado  por  uma  desigualdade  social  interna  crescente  que  se  manifestava  num  empobrecimento  de  sectores significativos da população, na diminuição do acesso a recursos produtivos e  numa evidente distribuição desigual dos rendimentos e dos bens. Este lugar‐comum,  aliás,  era  suportado  pela  experiência  das  décadas  de  1950  e  1960  que  haviam  permitido concluir que embora o crescimento económico fosse importante, não era de 

todo suficiente para promover o desenvolvimento, principalmente se este levasse em  consideração dimensões não económico‐financeiras. 

Estas  constatações  estão  na  origem  da  introdução  no  pensamento  e  discussões acerca do desenvolvimento de preocupação com a multidimensionalidade e  os aspectos qualitativos do desenvolvimento (Canário, 1999) o que leva a que muitos  economistas comecem a sugerir que mais importante do que o ritmo do crescimento  parece  ser  a  natureza  deste  crescimento  (Brohman,  2001).  Esta  reflexão,  primordialmente  oriunda  do  campo  da  economia,  apoia‐se  nas  amplas  evidências  empíricas que vinham demonstrando a inconsequência para o combate à pobreza de  uma  noção  de  desenvolvimento  pensado  de  cima  para  baixo  e  do  esperado,  mas  nunca verdadeiramente sentido, “efeito dominó” do crescimento económico baseado  na  industrialização  ou,  no  caso  dos  países  do  Terceiro  Mundo,  na  modernização  do  sector  agrícola.  Com  a  entrada  na  designada  II  Década  do  Desenvolvimento,  proclamada  pela  ONU  para  os  anos  1970  muito  por  força  da  inconsequência  dos  resultados  da  primeira  década  que  abrangeu  os  anos  1960,  são  pois  estes  mesmos  economistas, bem como outros teóricos e práticos do desenvolvimento, que concluem  pelo  desacerto  das  estratégias  que  confundiram  o  desenvolvimento  com  o  investimento  em  estratégias  macroeconómicas  de  crescimento,  para  admitirem  em  alternativa a necessidade de focarem a sua atenção na transformação da qualidade de  vida das pessoas ou, nos seus próprios termos, elegerem como preocupação a questão  dos recursos humanos. 

Durante  os  anos  1970  assistimos  então  a  uma  tentativa  de  promover  programas  de  desenvolvimento  que  rompam  com  a  estrita  e  estreita  articulação  do  desenvolvimento  ao  crescimento  económico  e  que,  segundo  uma  lógica  de  “despadronização”  do  desenvolvimento,  levem  em  consideração  preocupações  tais  como  a  equidade  na  distribuição,  o  alívio  da  pobreza,  a  provisão  das  necessidades  básicas e a adopção de tecnologias adequadas às circunstâncias do contexto em que se  intervém (Brohman, 2001:203). Estes programas integram‐se nas políticas de ajuda ao  desenvolvimento  promovidas  pelos  países  do  Norte  para  os  do  Sul,  mas  os  seus  principais  impulsionadores,  desde  o  início  da  década  de  1970,  são  as  organizações  internacionais como o Banco Mundial ou a Organização Internacional do Trabalho que 

desenvolvem  abordagens  próprias  ao  desenvolvimento.  Embora  tenham  um  papel  mais ao nível da definição de uma nova ou alternativa agenda do desenvolvimento, é  igualmente importante salientar o papel que durante essa década vêm a representar  organismos da ONU como a UNICEF ou a FAO. Como argumenta Brohman (2001:204),  muitas  destas  organizações  adoptaram  uma  espécie  de  ideologia  “neopopulista”  em  contraste  nítido  com  a  estreita  mas  bem  estruturada  teoria  oferecida  pela  teoria  económica neoclássica. A finalidade pretendida era, como já salientámos, redefinir as  finalidades  do  desenvolvimento  através  do  incentivo  à  distribuição  mais  justa  dos  recursos e dos rendimentos por meio da promoção da participação local e do apoio à  emergência de projectos à escala local (ou de pequena escala) utilizando tecnologias  social e ambientalmente adequadas sendo que, tendo presente essa finalidade, estes  programas  e  projectos  definiam  prioritariamente  as  populações  de  contextos  rurais  como actores a envolver e revelavam uma especial preocupação com a adequação dos  programas e projectos às condições e necessidades locais. O pressuposto em termos  de  desenvolvimento  subjacente  a  estes  programas  e  projectos  ia  no  sentido  de  inverter  a  lógica  anteriormente  dominante  de  pensar  e  levar  a  cabo  o  desenvolvimento:  onde  antes  se  privilegiava  uma  intervenção  do  topo  para  a  base  e  segundo  uma  lógica  centralizada  e  concentrada,  encontramos  agora  uma  ênfase  na  ideia  de  que  o  crescimento  e  o  desenvolvimento  aconteceriam  a  partir  da  base  comunitária e segundo uma lógica dispersa (ou globalizada) (Brohman, 2001:204). 

Como  acima  se  refere,  duas  das  instâncias  que  durante  a  década  de  1970  marcam  consistentemente,  ainda  que  também  ambivalentemente,  o  campo  do  pensamento  e  das  políticas  de  desenvolvimento,  incorporando  “à  sua  maneira”  as  “novas”  preocupações  do  desenvolvimento,  são  o  Banco  Mundial  e  a  Organização  Internacional do Trabalho. 

O  Banco  Mundial,  particularmente,  cunha  uma  nova  abordagem  do  desenvolvimento:  a  da  «Redistribuição  com  crescimento».  Em  termos  breves  há  que  dizer  claramente,  como  o  faz  Brohman  (2001:25),  que  esta  perspectiva  representa  muito  mais  uma  “modificação”  do  que  propriamente  uma  ”ruptura”  com  as  concepções  desenvolvimentistas  e  para  o  constatar  basta  resumir  algumas  das  suas  premissas centrais. Apesar de considerar que um desenvolvimento sustentável exigiria 

políticas  redistributivas  e  programas  de  apoio  aos  mais  pobres  durante  os  primeiros  estádios  de  desenvolvimento,  ao  invés  de  confiar  apenas  no  “efeito‐dominó”  como  forma  de  fazer  alastrar  os  benefícios  do  crescimento,  a  «Redistribuição  com 

crescimento» manteve a crença anterior no mercado e nos benefícios do crescimento 

conduzido  pelo  mercado,  desde  logo  porque  a  redistribuição  e  o  crescimento  não  eram  vistos  como  contraditórios  mas  antes  como  elementos  complementares  do  desenvolvimento.  Neste  sentido,  a  promoção  de  uma  redistribuição  mais  justa  dos  rendimentos pelos que menos possuíam mantinha‐se dependente da existência de um  crescimento económico rápido. Como sugere Brohman (2001), a receita “tradicional”  do  crescimento  equilibrado  foi  apenas  estendida  para  agora  dar  cobertura  ao  desenvolvimento tanto económico como social. Por outro lado, esta perspectiva muito  mais  do  que  enfatizar  e  promover  a  transformação  das  macro‐políticas,  centrou‐se  essencialmente  na  promoção  de  programas  e  de  projectos  que  visavam  especificamente  as  “bolsas  de  pobreza”,  normalmente  identificadas  administrativamente.  Por  fim,  apesar  de  estar  eivada  de  uma  retórica  sobre  a  participação  das  comunidades,  em  verdade  esta  perspectiva  perpetuou  em  larga  medida  uma  abordagem  do  desenvolvimento  de  tipo  verticalizado  (top‐down)  e  assente,  em  termos  de  intervenção  no  accionamento  dos  dispositivos  típicos  da  engenharia  social.  Por  tudo  isto,  conclui  Brohman  (2001:204‐205),  apesar  de  algum  reconhecimento  da  dimensão  política  do  desenvolvimento  –  considerando  por  exemplo  o  efeito  estabilizador  que  o  aumento  dos  níveis  de  consumo  entre  os  mais  pobres  teria  no  desenvolvimento  a  longo  prazo  –,  em  boa  verdade  esta  perspectiva  tem um contributo muito limitado na proposição de medidas (na verdade são evitadas  essas  medidas)  concretas  para  o  empoderamento  das  organizações  de  base,  comunitárias ou populares que lhes permitam desempenhar um papel mais activo na  decisão política e económica. 

Paralelamente, também a OIT (Organização Internacional do Trabalho) cunha  uma  abordagem  ao  desenvolvimento  que  deixou  marcas  ao  longo  dos  anos  1970:  a  abordagem  das  «Necessidades  Básicas».  Esta  perspectiva  vem  igualmente  colocar  a  ênfase  na  necessidade  de  promover  uma  articulação  virtuosa  entre  crescimento  e  redistribuição  e  embora  se  centrasse  bastante  na  satisfação  de  necessidades  da 

população pobre, não considerava que o rápido crescimento económico dos sectores  mais  modernizados  fosse  contraditório  com  aquele  desígnio  e  não  deixava  de  incluir  também  uma  preocupação  mais  macro‐estrutural  que  incidia  na  necessidade  de  mudança  estruturais  internas  nos  padrões  de  desenvolvimento,  designadamente  dos  países  do  Terceiro  Mundo  como  forma,  precisamente  de  atender  aos  sectores  mais  pobres  das suas  populações.  Nas  palavras  de  Brohman  (2001:2005),  esta  perspectiva  desejava  uma  abordagem  mais  equilibrada  do  desenvolvimento,  definindo  de  forma  operatória  um  conjunto  de  “necessidades”  fundamentais  a  serem  satisfeitas  (nomeadamente:  alimentação,  saúde  e  educação)  (cf.  Brohman,  2001;  PNUD,  2006),  bem como dimensões e critérios que orientariam a potencialização dos recursos locais  e  a  atribuição  de  meios  aos  mais  pobres  para  realizarem  o  seu  potencial  de  desenvolvimento. De acordo com o Relatório do Programa das Nações Unidas para o  Desenvolvimento  (1996),  a  abordagem  das  «Necessidades  Básicas»  enfatizava  essencialmente  3  aspectos:  i)  a  importância  do  aumento  do  rendimento,  através  de  uma  produção  eficiente  e  trabalho‐intensiva;  ii)  a  atribuição  aos  serviços  públicos  de  um  papel‐chave  na  redução  da  pobreza:  educação,  serviços  de  saúde;  iii)  a  participação  dos  beneficiários  (a  descrição  concentrada  desta  abordagem  pode  sintetizar‐se na seguinte fórmula: Rendimentos + Serviços Públicos + Participação).  

 

As  críticas  à  perspectiva  das  «Necessidades  Básicas»  vieram  de  vários  quadrantes  ideológicos,  da  direita  à  esquerda,  que  a  consideraram  ora  demasiado  progressista, ora demasiado assistencialista. Com efeito, as críticas à direita e da parte  dos  países  capitalistas  centrais  centravam‐se  no  que  consideravam  ser  uma  ênfase  excessiva  na  necessidade  de  transformações  estruturais  e  nas  medidas  de  redistribuição.  De  outro  quadrante  chegaram  as  críticas  que  salientaram  que,  na  prática, a acção de governos e agências de desenvolvimento se centrou na distribuição  dos serviços públicos básicos, por essa razão a abordagem das «Necessidades Básicas»  foi considerada i) uma “receita” para “contar os pobres, valorizar o cabaz e distribuí‐

lo”; ii) uma acção de cima para baixo; iii) pouco ou nada preocupada com dimensões 

menos  materiais  do  bem‐estar  humano  iv)  conservadora,  por  não  dar  poder  económico aos pobres, já que não enfatizava o seu acesso a bens produtivos nem ao 

crédito.  Por  outro  lado,  ainda,  em  termos  macro‐políticos,  os  países  em  vias  de  desenvolvimento viam o apoio à perspectiva das «Necessidades Básicas» por parte dos  países industrializados como uma forma de desviar a atenção da discussão da política  internacional  e  da  necessidade  de  uma  nova  ordem  económica  internacional  (PNUD,  1996). 

 

Como já se salientou, a década de 1970 foi ainda agitada pelo envolvimento  de outras instâncias internacionais ou transnacionais na discussão e na elaboração de  propostas  em  torno  das  vias  a  seguir  para  o  desenvolvimento.  Estas  organizações  promoveram fóruns e  encontros onde os discursos alternativos e menos alternativos  se  enfrentaram  e  dos  quais  surgiram  algumas  orientações  programáticas  que  marcaram  indelevelmente  o  surgimento  do  discurso  alternativo  à  ideologia  desenvolvimentista dominante. 

Um dos momentos mais significativos neste sentido foi o Simpósio realizado  em Cocoyoc, no México, em 1974, onde se encontraram “experts” do desenvolvimento  de  todo  mundo  e  onde  se  confrontaram  as  duas  mais  fortes  correntes  que  então  davam  início  à  construção  de  um  pensamento  alternativo  sobre  as  questões  do  desenvolvimento,  nomeadamente,  os  adeptos  das  abordagens  cuja  ênfase  estava  localizada  na  satisfação  das  necessidades  básicas  das  populações  mais  do  que  na  maximização  do  crescimento  e,  do  outro  lado,  os  críticos  da  ideologia  desenvolvimentista  que  estruturam  o  seu  discurso  e  propostas  a  partir  da  confrontação do modelo de desenvolvimento dominante com os limites ecológicos a  que  este  deveria  estar  submetido,  quer  no  que  respeita  ao  consumo  de  matérias‐ primas,  designadamente  os  recursos  energéticos,  quer  no  que  respeita  aos  efeitos  sobre  a  transformação  da  Natureza  e  da  qualidade  de  vida  humana  induzidos  pelas  políticas de proliferação e de modernização industrial (Matthias Finger (1993) designa  estes  limites  ecológicos,  respectivamente  como  os  limites  de  input  e  de  output  do  desenvolvimento). 

A  declaração  que  sai  deste  encontro  de  Cocoyoc  acentua  a  ideia  de  que  qualquer processo de desenvolvimento que não conduza à satisfação das necessidades  humanas  básicas  será  uma  distorção  da  ideia  de  desenvolvimento,  nomeadamente 

aquele assente uma lógica de apelo ao hiper‐consumismo, e, mais ainda, abre espaço  para  as  dimensões  imateriais  do  desenvolvimento  humano  ao  sugerir  que  todo  o  processo de desenvolvimento deveria atender a necessidades tais como a liberdade de  expressão ou a realização no trabalho. 

Se  a  declaração  de  Cocoyoc  é  entendida  por  Brohman  (2001)  como  o  momento do nascimento do desenvolvimento alternativo, ao longo da década de 1970  há ainda outros momentos e instâncias que vêm ajudar a consolidar esta perspectiva  alternativa  como  a  publicação  em  1975  da  obra  “What  now:  another  development”  pela  Fundação  sueca  Dag  Hammarskjöld  onde  se  confrontavam  explicitamente  os  modelos dominantes de desenvolvimento principalmente porque não prestavam uma  atenção  significativa  ao  problema  da  pobreza  maciça  nem  à  questão  da  sustentabilidade (a propósito da relevância desta obra cf. tb. Friedmann, 1996; Santos,  2002).  Mais  uma  vez,  neste  documento  esboçava‐se  “uma  abordagem  humanista 

ampla (...) advogando um desenvolvimento voltado para a satisfação de necessidades,  começando  pelas  dos  pobres  e  assegurando  a  humanização  pela  satisfação  das  suas  necessidades  de  expressão,  criatividade,  convivialidade  e  de  decisão  do  seu  destino” 

(Brohman,  2001:207).  Por  outro  lado,  também  a  International  Foundation  for 

Development  Alternatives,  entidade  estabelecida  na  Suiça  a  partir  de  1976,  emerge 

com o propósito de promover uma alternativa, uma abordagem do desenvolvimento a  partir  da  base  social,  que  intitula  de  “Third  Movement  System”  (cf.  tb.  Friedmann,  1996;  Finger&Asún,  2003:83)  para  dar  conta  de  um  outro  poder  que  não  o  político  (associado  ao  Estado),  que  não  o  económico  (dominado  pelo  capital  transnacional),  mas sim do poder do “povo”, baseado na organização voluntária, que estaria no centro  de um movimento que se dedica a explorar novos métodos de consciencialização e a  aumentar  a  participação  dos  movimentos  de  base  nas  decisões  acerca  do  desenvolvimento,  nomeadamente  através  da  intervenção  junto  de  movimentos  sociais. 

Do  ponto  de  vista  sócio‐político  e  económico  o  que  torna  alternativas  estas  perspectivas  é  essencialmente  uma  inversão  no  modo  como  se  equaciona  a  relação  entre  crescimento  e  redistribuição.  Com  efeito,  a  ideologia  desenvolvimentista  dominante, embora de forma não explicitamente assumida, supõe que a existência de 

desigualdades  entre  pessoas  e  entre  regiões,  pelo  menos  num  primeiro  momento,  é  uma  condição  inevitável  do  crescimento  económico  que  pode,  mais  tarde  ou  mais  cedo,  ser  ultrapassada  pelos  benefícios  do  próprio  crescimento  económico.  Ora,  os