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A  origem  da  noção  de  desenvolvimento  podemos  encontrá‐la  no  discurso  comum  associada  ao  processo  através  do  qual  as  potencialidades  de  um  objecto  ou  organismo são libertadas até que estes atinjam a sua forma natural, completa (Esteva,  1992:8). Daí rapidamente o seu uso se tornou frequente no domínio do crescimento  natural de plantas e animais para significar a concretização (ou não) do seu potencial  genético.  Acepção  que  encontramos  em  (Riordet,  1996)  onde  se  dá  do  desenvolvimento  a  definição  de:  «croissance  ou  déploiement  de  ce  qui  est  en  germe 

pour les espèces humanes ou végétales». E nesta acepção estava já contido o sentido 

para  a  finalidade  do  desenvolvimento  social  e  que,  mais  tarde,  enformaria  o  seu  discurso programático. 

Mas foi entre meados do século XVIII e do século XIX que o desenvolvimento  deixou de ser apenas a transformação para a forma apropriada de ser para se pensar  como  transformação  em  direcção  a  uma  sempre  mais  perfeita  forma,  tornando‐se  equivalentes,  pelo  menos  no  discurso  científico,  as  noções  de  desenvolvimento  e  de  evolução.  Momento  particularmente  significativo  da  construção  sócio‐histórica  da  noção de desenvolvimento é o que, no último quartel do século XVIII, corresponde à  transposição  para  a  esfera  social  da  metáfora  biológica,  invocando‐se  no  campo  da  história  social  e  política  o  princípio  da  evolução  natural  para  a  compreensão  dos  processos de transformação/mudança societal24.  

A  partir  do  século  XIX,  com  o  esbatimento  das  concepções  metafísicas  do  Universo,  ganham  preponderância  as  perspectivas  que  valorizam  a  ideia  do  auto‐ desenvolvimento e bastam algumas décadas adentro do novo século para que todas as  possibilidades  sejam  abertas  ao  sujeito  humano  como  autor  do  seu  próprio  desenvolvimento,  emancipado  do  desígnio  divino.  Na  sequência,  o  desenvolvimento  haveria  de  se  tornar  a  categoria  central  dos  trabalhos  de  Marx:  revelado  como 

24 Poderíamos aqui destacar os contributos de Justus Moser – o fundador da história social – utilizando a  noção  de  Entwicklung  para  designar  os  processos  de  mudança  social  gradual,  interpretava  a  transformação dos processos políticos a partir do seu paralelo com os processos naturais e, ainda, de  Herder  –  para  a  interpretação  da  história  universal  empregava  a  noção  orgânica  de  desenvolvimento  estabelecendo  um  paralelo  entre  idades  de  vida  e  épocas  da  história  social.  Na  sua  perspectiva,  o  desenvolvimento  histórico  era  a  continuação  do  desenvolvimento  natural  e  ambos  variantes  do  desenvolvimento homogéneo do Cosmos criado por Deus (Esteva, 1992:8).

processo  histórico  que  se  desenrola  com  o  mesmo  carácter  necessário  das  leis  naturais,  incorporando  os  pressupostos  subjacentes  tanto  à  concepção  hegeliana  de  história como ao conceito darwinista de evolução. 

Como  salienta  Esteva  (1992),  quando  a  metáfora  regressou  ao  vernacular,  adquiriu  um  violento  poder  colonizador,  cedo  usado  pelos  políticos.  Converteu  a  história num programa: um necessário e inevitável destino. O modo industrial que não  era  mais  do  que  uma  entre  outras  formas  de  vida  social,  tornou‐se  a  definição  do  estádio terminal de uma via unilinear da evolução social. Este estádio começou a ser  visto como o culminar natural do potencial já existente no Homem do Neolítico, como  a  sua  evolução  lógica.  Assim  a  história  foi  reformulada  em  termos  Ocidentais.  A  metáfora  do  desenvolvimento  deu  a  hegemonia  global  a  uma  genealogia  puramente  Ocidental  da  história  roubando  às  pessoas  de  culturas  diferentes  a  oportunidade  de  definir as formas da sua vida social (idem, ibidem:9). 

O conceito de desenvolvimento, graças ao sucesso – mas também à crítica –  que conheceu na segunda metade do século XX nos discursos científico, político e da  opinião  pública  e  porque  se  constituiu  em  pedra  de  toque  da  mobilização  para  a  mudança  e  transformação  social  e  individual  e  se  usou  para  avaliar  e  classificar  o  progresso  e  bem‐estar  das  sociedades  e  dos  indivíduos,  “tem  sido  dos  mais 

importantes  e  polémicos  nas  Ciências  Sociais”  (Amaro,  2003:36)25  o  que  leva  mesmo  alguns autores a identificarem as últimas cinco décadas do século XX como a “idade do 

desenvolvimento”  (Sachs,  1992:1).  Nesse  período,  o  desenvolvimento  “ganhou  estatuto científico fundamentado e continuado” (Amaro, 2003: 41) e tanto orientou as 

nações no esforço de reconstrução do pós‐guerra como serviu de bandeira aos países  libertados  da  subordinação  colonial  ou  de  quadro  de  referência  para  a  “mistura  de 

generosidade, suborno e opressão que caracterizou as políticas para o Sul” no âmbito 

da cooperação internacional (Sachs, 1992:1).  

Durante  aquele  período  o  desenvolvimento  tornou‐se  objecto  de  uma  crescente pluralidade de olhares científicos e/ou disciplinares e campo de proliferação 

25  Cabe  no  entanto  ressaltar  que  Roque  Amaro  (2003)  reconhece  que  problemáticas  como  a  da  “mudança”,  do  “progresso”  ou  do  “bem‐estar”  encontram  a  sua  génese  muito  antes,  referindo‐se  particularmente aos trabalhos que sob a perspectiva da ciência económica foram produzidos no século  XVIII por Adam Smith e cuja expressão maior é a obra “A riqueza das nações” de 1776.

de uma diversidade de perspectivas teóricas que conduziram a uma multiplicidade de  intervenções  práticas  substancialmente  distintas  entre  si  e  que  hoje  o  tornam  um  objecto  complexo  não  só  na  sua  compreensão,  mas  essencialmente  na  sua  concretização,  ambas  inevitavelmente  interdisciplinares  (cf.  Tesseirenc,  1994).  Mas,  como  sugere  Roque  Amaro  (2003:36),  a  complexificação  do  campo  do  desenvolvimento dá‐se também a partir do seu forte atravessamento ideológico pelo  que na sua complexidade não é fácil destrinçar o que releva da teoria, da ideologia, da  utopia  ou  das  práticas  sociais,  pois  como  refere  Wolfgang  Sachs  (1992:1)  “o 

desenvolvimento  é  muito  mais  do  que  apenas  uma  questão  sócio‐económica;  é  uma  percepção  que  modela a  realidade,  um  mito  que  conforta sociedades e  uma  fantasia  que liberta paixões”, como já se disse acima. 

Apesar  de  podermos  identificar  no  domínio  da  reflexão  sobre  o  social  referências  precursoras  à  problemática  do  desenvolvimento  em  séculos  passados,  desde  a  Antiguidade  Clássica  e  os  trabalhos  de  Aristóteles,  passando  pela  reflexão  posterior de Santo Agostinho (Rist, 2001a) e, mais perto de nós, no trabalho de Adam  Smith sobre a riqueza das nações que data de finais do século XVIII (Amaro, 2003), ou  que possamos concordar com Riondet (1996:13) quando este sugere que o sistema de  pensamento que permite a emergência deste conceito se constitui nesse século XVIII  no  seio  do  pensamento  Iluminista  e  do  trabalho  de  autores  como  Voltaire,  Montesquieu,  Rousseau,  Condorcet26  que  permitem  a  tomada  de  consciência  da 

26 De acordo com Riondet (1996:13), na segunda metade do século XVIII erige‐se um sistema de valores  novo num igualmente novo quadro geográfico para o qual se inventa uma designação: o Ocidente. Este  novo  sistema  de  valores  ergue‐se  sobre  os  pilares  do  pensamento  grego  e  judaico‐cristão.  Da  cultura  grega  recupera‐se  a  reflexão  sobre  a  relação  entre  o  Homem  e  a  Natureza  que  tanto  pode  ser  uma  relação  de  desafio  (tal  como  protagonizada  por  Ulisses,  o  herói  ficionado  da  Odisseia),  como  uma  relação pautada pela tentativa de domínio (como no Mito de Prometeu, condenado por roubar o fogo  aos deuses) e ainda o pensamento de Aristóteles acerca de uma concepção cíclica do tempo, em que os  fenómenos sociais são da ordem da reprodução e não podem ser associados aos fenómenos naturais.  Da  cultura  judaico‐cristã  resgata‐se  precisamente  a  modificação  que  esta  elabora  daquela  concepção  cíclica  de  tempo  ao  introduzir‐lhe  a  dimensão  cumulativa  e  que  torna  linear  a  concepção  cristã  da  história,  supondo  uma  génese,  um  desenvolvimento  e  um  fim.  Como  sugere  Riondet  (idem:13),  a  verdadeira  revolução  intelectual  das  Luzes  consistiu  na  complexificação  desta  noção  de  tempo  ao  atravessá‐la pela noção de progresso que, supondo uma lógica cumulativa, torna o devir das sociedades  num  percurso  sempre  inacabado  e  numa  busca  por  um  aperfeiçoamento  sempre  susceptível  de  ser  transcendido. Esta noção de progresso foi incorporada por alguns dos mais reconhecidos pensadores da  época,  como  Leibniz  que  escreve:  «É  necessário  reconhecer  um  certo  progresso  perpétuo  e  absolutamente limitado de todo o universo, de modo que avance sempre para uma maior civilização», 

diferença  entre  a  sua  própria  cultura  e  as  outras  que  por  eles  são  observadas  e  a  invenção de termos para a designar, tais como, o progresso, a civilização, a nação, o  indivíduo, a igualdade, a modernidade, o bem‐estar, ou analisar a história colonial dos  países  Europeus  a  partir  dos  finais  do  século  XIX  como  empreendimento  civilizatório  onde  germinava  a  ideia  do  desenvolvimento  (Rist,  2001,a)  ou  ainda  sugerir  que  os  discursos do pós I Grande Guerra no âmbito da Sociedade das Nações já se referiam ao  sentido civilizacional do desenvolvimento advogando que estes seria uma missão dos  países mais desenvolvidos face aos «desvalidos» (idem:11), o mais frequente é situar a  emergência  dos  estudos  sobre  o  desenvolvimento  no  período  pós  II  Guerra  Mundial  (Brohman,  2001;  Amaro,  2003;  Canário,  1999;  Santos,  2002),  marcados  por  uma  ênfase  acentuada  nas  questões  macroeconómicas,  particularmente  as  que  se  reportavam às desigualdades globais entre países ricos e países pobres e, ainda que o  campo  do  desenvolvimento  tivesse  contributos  de  diversos  olhares  disciplinares  –  sociologia, antropologia, ciência política, geografia, entre outras –, pelo protagonismo  da economia e dos economistas. Os trabalhos do pós‐guerra, produzidos num contexto  de  avanços  conceptuais  e  técnicos  aportados  pelo  olhar  dominante  da  ciência  positivista  ao  campo  da  economia,  contribuíram  para  a  promoção  de  uma  visão  entusiasmante do desenvolvimento profundamente associada às figuras dos técnicos  de  planificação  ao  serviço  do  Estado  e  ancorada  na  possibilidade  de  planificação  racional‐técnica dos processos de crescimento económico que haveriam de contribuir  rapidamente para a diminuição do fosso entre os mais ricos e os mais pobres e, como  tal, para o que se entendia como desenvolvimento. 

O  marco  político  fundador  desta  “era  do  desenvolvimento”  é  comummente  identificado  com  o  discurso  do  Presidente  Truman,  dos  Estados  Unidos  da  América,  realizado  em  Janeiro  de  1949  (Rist,  2001,a:116‐121;  Esteva,  1992:  6‐8)  e  o  seu  posteriormente  célebre  Ponto  IV.  Neste  discurso  de  investidura  é  proposto  um  “audacioso novo programa” que se propõe mobilizar recursos não materiais (a ciência  e  a  tecnologia),  os  actores  sociais  norte‐americanos  (os  capitalistas,  os  agricultores  e  os  trabalhadores)  e  a  comunidade  internacional  em  prol  das  nações  desfavorecidas, 

ou ainda Condorcet para quem «o espírito humano avançará sempre sem jamais encontrar nem os seus 

inaugurando  assim  um  novo  modo  de  conceber  as  relações  internacionais  e  sintetizando  uma  série  de  ideias  conformes  ao  espírito  da  época  (Rist,  op.  cit.),  marcada pelo sucesso do Plano Marshall na reconstrução da Europa mas também pela  disputa da influência geopolítica e económica com a União Soviética. De acordo com  Gustavo  Esteva  (1992:6)  esta  foi  a  forma  encontrada  de  afirmar  e  consolidar  a  hegemonia da posição norte‐americana no mundo; uma espécie de campanha política  à  escala  global  que  adoptou  como  emblema  o  desenvolvimento.  Em  boa  verdade,  sugere  o  mesmo  autor,  ao  utilizar  pela  primeira  vez  neste  contexto  a  noção  de  subdesenvolvimento,  o  presidente  Truman  não  só  cunhou  uma  poderosíssima  expressão  política  da  hegemonia  americana  –  de  “uma  virulência  colonizadora 

insuspeitada”  (idem:7)  –  que  se  impôs  rápida  e  duravelmente  como  “lugar‐comum”, 

rompendo com duzentos anos de construção social do significado histórico‐político do  termo  desenvolvimento  como,  “nesse  dia,  2  biliões  de  pessoas  tornaram‐se 

subdesenvolvidas”27  (idem,  ibidem:7).  E  assim  se  insinuou  e  instaurou  uma  ordem  cognitiva  –  nas  palavras  de  Esteva  (1992:6)  nunca  antes  uma  palavra  tinha  sido  tão  universalmente  aceite  no  mesmo  instante  em  que  é  politicamente  forjada  –  que  distribui e situa as nações e os indivíduos face a um referente idealizado, que cria uma  percepção de si e do(s) outro(s)  e os (des)mobiliza: “Desde então, o desenvolvimento 

tem  conotado  pelo  menos  uma  coisa:  escapar  da  indigna  condição  designada  subdesenvolvimento  [mas]  para  que  alguém  conceba  a  possibilidade  de  escapar  de  uma condição particular é necessário, primeiro sentir que se caiu nessa condição. Para  os  que  hoje  constituem  2/3  da  população  mundial,  pensar  em  desenvolvimento  –  qualquer tipo de desenvolvimento – requer, em primeiro lugar, a percepção de si como  subdesenvolvido, com toda a carga de conotações que tal implica […] é uma ameaça  que já se concretizou; uma experiência de vida de subordinação, de discriminação e de  subjugação. Dada essa pré‐condição, o simples facto de associar a nossa intenção ao  27Nos termos de Gustavo Esteva (1992:7): “In a real sense, from that time on, they ceased being what  they  were,  in  all  their  diversity,  and  were  transmogrified  into  an  inverted  mirror  of  other’s  reality:  a  mirror that belittles them and sends them off to the end of the queue, a mirror that defines their identity,  which is really that of a heterogeneous and diverse majority, simply in the terms of a homogenizing and  narrow minority”

desenvolvimento  tende  a  anular  a  intenção,  a  contradizê‐la,  a  escravizá‐la”  (Esteva, 

1992:7‐8). 

O poder colonizador do discurso do desenvolvimento é igualmente destacado  por  Arturo  Escobar  (1995)  quando  argumenta  que  a  partir  da  II  Guerra  Mundial  o  discurso  do  desenvolvimento  se  constituiu  num  dispositivo  de  poder‐conhecimento  que  basicamente  inventou  o  Terceiro  Mundo  como  um  objecto  de  intervenção.  De  acordo com este autor, este dispositivo operacionalizou‐se por intermédio de práticas  discursivas progressivamente mais institucionalizadas e profissionalizadas que, por via  do  modo  como  os  países  industrializados  foram  definindo  os  problemas  do  Terceiro  Mundo e as suas putativas soluções, procuraram impor um modelo cultural específico  – a modernidade – e permitiram o estabelecimento de dispositivos de conhecimento e  de  gestão  das  populações  destes  países  pelo  menos  tão  eficazes  como  os  que  vigoravam durante os regimes coloniais (cf. Triantafillou&Nielsen, 2001:71‐72). 

 

A Teoria do Crescimento Económico e a Teoria da