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Programa Mulheres Mil no IFCE Campus de Limoeiro do Norte: uma análise da inserção no mercado de trabalho das egressas, uma possibilidade de protagonismo feminino ou um reforço do papel tradicionalmente destinado às mulheres?

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Academic year: 2021

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CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

MESTRADO PROFISSIONAL EM AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS – MAPP

MARCELA DA SILVA MELO

PROGRAMA MULHERES MIL NO IFCE CAMPUS DE LIMOEIRO DO NORTE: UMA ANÁLISE DA INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO DAS EGRESSAS,

UMA POSSIBILIDADE DE PROTAGONISMO FEMININO OU UM REFORÇO DO PAPEL TRADICIONALMENTE DESTINADO ÀS MULHERES?

FORTALEZA-CE 2019

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PROGRAMA MULHERES MIL NO IFCE CAMPUS DE LIMOEIRO DO NORTE: A INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO DAS EGRESSAS COMO UMA POSSIBILIDADE DE PROTAGONISMO FEMININO OU UM REFORÇO DO PAPEL

TRADICIONALMENTE DESTINADO ÀS MULHERES?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Avaliação de Políticas Públicas.

Área de concentração: Avaliação em Políticas Públicas.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Américo Leite Moreira.

FORTALEZA – CE 2019

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

M486p Melo, Marcela da Silva.

Programa Mulheres Mil no IFCE campus de Limoeiro do Norte: : a inserção no mercado de trabalho das egressas como uma possibilidade de protagonismo feminino ou um reforço do papel tradicionalmente destinado às mulheres? / Marcela da Silva Melo. – 2019.

251 f. : il. color.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Ciências Agrárias, Programa de Pós-Graduação em Avaliação de Políticas Públicas, Fortaleza, 2019.

Orientação: Prof. Dr. Carlos Américo Leite Moreira.

1. Avaliação de Políticas Públicas. 2. Programa Mulheres Mil. 3. Mercado de trabalho. 4. Divisão sexual do trabalho. 5. Dialética inclusão/exclusão. I. Título.

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PROGRAMA MULHERES MIL NO IFCE CAMPUS DE LIMOEIRO DO NORTE: A INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO DAS EGRESSAS COMO UMA POSSIBILIDADE DE PROTAGONISMO FEMININO OU UM REFORÇO DO PAPEL

TRADICIONALMENTE DESTINADO ÀS MULHERES?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Avaliação de Políticas Públicas.

Área de concentração: Avaliação em Políticas Públicas.

Aprovada em: __/__/____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Américo Leite Moreira (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________________________________ Profa. Dra. Alba Maria Pinho de Carvalho

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________________________________ Profa. Dra. Marlene Nunes Damaceno

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À minha mãe e ao meu marido, meus maiores incentivadores e apoiadores. E ao meu avô, Sebastião Camelo (In Memorian), eterno em meu coração.

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Para a realização desta pesquisa foram necessárias centenas e centenas de horas de dedicação desta pesquisadora, por este motivo há quem venha a supor que este trabalho foi realizado apenas por mim: não poderia estar mais longe da verdade.

Foram necessários o envolvimento e o apoio de muitas pessoas. Pessoas que em algum momento de minha vida eram apenas estranhos, e que passaram a fazer parte da minha trajetória - seja pelo sangue ou pelos laços de amizade – mas, todos pelo suporte dado a mim em meus momentos mais difíceis. Devo a todos vocês esta conquista.

Primeira em minha vida, minha mãe, Dona Bete, quem me ensinou a importância do senso crítico, apoiou-me e se sacrificou para minhas vitórias, gratidão não é uma palavra suficiente para expressar o que sinto e sua importância na formação do meu ser.

Agradeço infinitamente: à minha avó Raimundinha, que muito mais que uma avó carinhosa tem sido uma verdadeira mãe para mim, e ao meu avô Sebastião (In Memorian), que do seu jeito simples sempre me motivou a crescer. E, agradeço especialmente, às minhas tias, Célia e Antônia Maria, por terem me oportunizado o acesso à educação de qualidade. E ao meu tio Rodrigues por ter me acolhido em sua casa como sua filha.

Ao meu irmão, José Felipe, por todo o apoio. Assim como aos meus primos, os primeiros irmãos que a vida me deu, e que mesmo à distância, estiveram sempre a me incentivar. Principalmente ao Rodrigo e à Caroline, meus confidentes desde crianças e que me apoiam diariamente e diretamente neste ofício de pesquisadora.

Agradeço e reconheço a importância do meu marido, Carlos André, por sua compreensão pelos meus necessários momentos de reclusão para me dedicar a esta pesquisa. E por esses quase 20 anos juntos, em que tem me apoiado, me motivado, e, por muitas vezes me carregado, quando nem eu mesma acreditava em mim. Meu amor por você e pelo que representa em minha vida é, com certeza, uma das maiores felicidades da minha existência.

Gratidão à vida por minhas filhas, Gabriela e Isabela, que mudaram minha forma de ver e enxergar a vida e o amor, me apoiaram neste momento, por muitas

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À Dona Beta, que mais que minha sogra sempre foi uma verdadeira amiga e me recebeu em sua família como a uma filha. Mulher forte e batalhadora que, mesmo em seu momento de maior fragilidade, me ensina tanto sobre a arte de lutar pela vida. Como eu gostaria que estivesse consciente para presenciar esta conquista e beber comigo “aquela geladinha” em comemoração.

Às minhas amigas Gabriele e Josy, pelo incentivo e paciência. E ao meu grande amigo Daniel Filho, que além de apoio, esteve sempre disponível a me ajudar na localização de alguns livros essenciais a esta pesquisa.

Gratidão à minha amiga de uma vida e colega de mestrado, Mariana, que além de guardar meu lugar nos dias de aula, de dividir material de estudos e trocar ideias, me incentivou quando o cansaço era grande ou quando minha mente não enxergava saída. Obrigada por ter disponibilizado seu tempo, carinho e compreensão quando eu precisava descarregar a frustração. Com você aprendo todos os dias sobre coragem, superação e competência.

À minha amiga-gêmea, Roberta, que mesmo a tantos quilômetros de distância, me instiga, apoia e encoraja com suas palavras, sua forte personalidade e seu amor.

Agradecer verdadeiramente ao meu orientador, Professor Carlos Américo Leite Moreira, não apenas por me receber como sua orientanda, mostrar o caminho a trilhar ou por me responder até nos finais de semana. Mas, sobretudo, pela companhia neste momento de crescimento pessoal e acadêmico que transformou minha forma de enxergar o mundo. E à professora Alba Maria Pinho de Carvalho, por ter aceitado com entusiasmo meu convite em fazer parte da banca e pelo deleite de conviver com uma acadêmica de sua envergadura e generosidade. Gratidão a ambos, sem vocês eu jamais conseguiria ter vivenciado o “empoderamento acadêmico” que proporcionou que este estudo moldasse a evolução da minha essência e do meu ser mulher.

À Professora Marlene Nunes Damaceno, por gentilmente aceitar o convite para compor a banca, por suas contribuições como um dos sujeitos desta pesquisa e por sua receptividade ao receber-me em sua casa.

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experiência. Vocês foram os melhores companheiros nesta longa e penosa viagem. Especialmente à Rosenete e à Keina, pelos momentos de interação que proporcionaram troca de ideias, e companhia quando era necessário rir de desespero. E, ao Haulison que, como chefe e amigo, me incentivou a participar da seleção e a não desistir desta oportunidade.

A todos os professores do MAPP, que fizeram das maratonas de aula, prazerosos momentos de aprendizado e de muitas risadas. E à Vânia pela sua personalidade solícita e gentil, sempre a nos ajudar.

Não poderia deixar de agradecer ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) e ao campus de Acaraú pela oportunidade de cursar este mestrado. E ao IFCE Campus de Limoeiro do Norte por ter aberto as portas e se disponibilizado a cooperar no trabalho de campo.

Agradeço aos servidores da Reitoria e do campus de Limoeiro do Norte do IFCE, sujeitos deste estudo e que disponibilizaram seu tempo. E aos meus colegas de trabalho que torceram por mim.

Gratidão às alunas egressas do Programa Mulheres Mil, realizado no IFCE Campus de Limoeiro do Norte, que deram forma a este estudo e propiciaram uma experiência tão gratificante e transformadora. Interagir com essas mulheres, dar voz às suas dores e às suas alegrias, colocou-me face a face com uma das realidades mais desumanas da humanidade. Enfim, obrigada por mostrarem que todas nós temos um pouco de “Mulheres Mil”.

Por fim, mas não menos importante, agradeço à vida por esta grande aventura até aqui e pela oportunidade de evoluir e encontrar meu motivo de existir profissionalmente nos caminhos a que esta pesquisa me levou. E, ao meu psiquiatra, que me resgatou, no momento em que as demandas de ser pesquisadora, mãe, dona-de-casa, esposa e profissional pesaram em meus ombros.

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“Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.”

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Esse estudo analisou o Programa Nacional Mulheres Mil como ferramenta de capacitação para inserção, no mercado de trabalho, de mulheres consideradas em vulnerabilidade social, com o fito de alcançar emancipação, protagonismo e empoderamento feminino a partir da inclusão produtiva. Seu objetivo geral consistiu em avaliar o Programa Nacional Mulheres Mil na perspectiva de inserção das egressas no mercado de trabalho e suas implicações para o empoderamento feminino, a partir dos cursos ofertados pelo IFCE Campus de Limoeiro do Norte. Os objetivos específicos pretenderam analisar as bases conceituais e metodológicas do programa em relação ao contexto econômico, político e social e sua aplicação; levantar as circunstâncias de implantação e desenvolvimento da política no IFCE Campus de Limoeiro do Norte; identificar as formas e tipos de inserção das egressas no mercado de trabalho; e, por fim, compreender as percepções das egressas quanto às implicações do programa para sua emancipação, protagonismo e empoderamento. Para alcançar os objetivos propostos, foi utilizada como perspectiva avaliativa a Metodologia de Avaliação em Profundidade, em suas dimensões de conteúdo, contexto e trajetória institucional. Esta metodologia tem como base de sustentação a pesquisa qualitativa. Para coleta de dados, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas e grupo focal com as egressas e os gestores do IFCE, estes por oferecerem maior interação com os sujeitos da pesquisa, além da análise de documentos institucionais. A análise dos dados teve como base a análise de conteúdo. Com a finalidade de fundamentar o estudo, foram adotados pressupostos teóricos que nortearam com clareza as categorias de análise: os meandros do capitalismo que têm alterado e submetido a função de amparo social do Estado, precarizado o mercado de trabalho contemporâneo, aprofundado a divisão sexual do trabalho e a questão de gênero e a dialética inclusão/exclusão.

Palavras-chave: Avaliação de políticas públicas. Programa Mulheres Mil. Mercado de

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This study analyzed the National Thousand Women Program as a training tool for the insertion in the labor market of women considered to be socially vulnerable, with the aim of achieving emancipation, protagonism and female empowerment through productive inclusion. Its general objective was to evaluate the National Thousand Women Program from the perspective of insertion of graduates in the labor market and its implications for female empowerment, from the courses offered by IFCE Campus of Limoeiro do Norte. The specific objectives intended to analyze the conceptual and methodological bases of the program in relation to the economic, political and social context and its application; raise the circumstances of policy implementation and development at the IFCE Campus of Limoeiro do Norte; identify the forms and types of insertion of graduates in the labor market; and, finally, to understand the egresses' perceptions regarding the implications of the program for their emancipation, protagonism and empowerment. To achieve the proposed objectives, the Depth Assessment Methodology was used as an evaluative perspective, in its content, context and institutional trajectory dimensions. This methodology is based on the qualitative research. For data collection, we used semi-structured interviews and focus group with the graduates and managers of IFCE, which offer greater interaction with the research subjects, in addition to the analysis of institutional documents. Data analysis was based on content analysis. In order to ground the study, theoretical assumptions were adopted that clearly guided the categories of analysis: the intricacies of capitalism that have altered and submitted the function of social protection of the state, precarious the contemporary labor market, deepened the sexual division of gender and the dialectic inclusion / exclusion.

Keywords: Evaluation of public policies. Thousand Women Program Job market.

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ACCC ASSOCIAÇÃO DAS FACULDADES COMUNITÁRIAS CANADENSES

ARAP AVALIAÇÃO E RECONHECIMENTO DE APRENDIZAGEM

PRÉVIA

ANVISA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA

BID BANCO INTERAMERICAN DE DESENVOLVIMENTO

BIRD BANCO INTERNACIONAL PARA RECONSTRUÇÃO E O

DESENVOLVIMENTO

BREXIT BRITAIN EXIT (SAÍDA BRITÂNICA) CADÚNICO CADASTRO ÚNICO

CEFET CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

CERTIFIC CERTIFICAÇÃO PROFISSIONAL E FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA

CLT CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

CNPJ CADASTRO NACIONAL DE PESSOA JURÍDICA

EPT EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA

FAT FUNDO DE AMPARO DO TRABALHADOR

FCC FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS

FGTS FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE TRABALHO

FHC FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

FIC FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA

FPA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO

IBAMA INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS

IBGE INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA

IF INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E

TECNOLOGIA

IFCE INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E

TECNOLOGIA DO CEARÁ

LRF LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

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MEC MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

MEDIO TEC MÉDIO TÉCNICO CONCOMITANTE

OIT ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

ONU ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS

PBSM PLANO BRASIL SEM MISÉRIA

PEC PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO

PMM PROGRAMA MULHERES MIL

PNAD PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIO

PRONATEC PROGRAMA NACIONAL DE ACESSO AO ENSINO TÉCNICO E EMPREGO

PT PARTIDO DOS TRABALHADORES

RFEPCT REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFSSIONAL, CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

SETEC SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E

TECNOLOGIA DO MINSTÉRIO DA EDUCAÇÃO

SISTEC SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÕES DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA

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Gráfico 1 – Taxa de Desemprego ... 78

Gráfico 2 – Taxa da População ocupada (emprego formal x emprego informal) ... 79

Gráfico 3 – Taxa de população ocupada no setor privado com carteira de trabalho assinada ... 80

Gráfico 4 – População em idade para trabalhar ... 93

Gráfico 5 – População ocupada ... 94

Gráfico 6 – População desocupada ... 94

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Figura 1 – Cooperação entre Brasil e Canadá ... 131

Figura 2 – Mapa CEFETs participantes do projeto piloto ... 132

Figura 3 – Mapa CEFETs participantes do Projeto Mulheres Mil ... 133

Figura 4 – Escolha do nome do Projeto ... 134

Figura 5 – Mapa IFs participantes do Programa Nacional Mulheres Mil ... 136

Figura 6 – IFCE Campus de Limoeiro do Norte ... 151

Figura 7 – Evolução IFCE em datas ... 153

Figura 8 – Distribuição dos campi do IFCE ... 153

Figura 9 – Mapa de Vida através de imagens ... 193

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1. INTRODUÇÃO ... 18 2. DELIMITAÇÃO DA PESQUISA: o nascedouro de uma pesquisadora e de seu objeto de estudo ... 24

3. AS MULHERES E SUAS INTERAÇÕES COM A SOCIEDADE E O MERCADO

DE TRABALHO: uma narrativa de exclusão estrutural ... 28 3.1. O Sistema capitalista e seus meandros ... 29 3.2. Estado, a crise existencial de sua função de amparo social: entre o Estado pós-redemocratização e o Estado Ajustador ... 45 3.3. O (Precário) Mercado de Trabalho Contemporâneo ... 62 3.4. Divisão Sexual do Trabalho: lugar de mulher é onde ela quiser (e a sociedade permitir) ... 83 3.5. Ser Mulher: a exclusão gerada no ventre da Humanidade e alimentada no seio do Capitalismo ... 96 3.6. Dialética Inclusão/exclusão: o cerne dessa discussão ... 108 4. PROPOSTA METODOLÓGICA ... 121 4.1. Metodologia de Avaliação em profundidade: percurso histórico-metodológico da avaliação de políticas públicas. ... 123 4.2. O Programa Mulheres Mil avaliado sobre o tripé: conteúdo, contexto e trajetória institucional. ... 128 4.2.1. Programa Mulheres Mil: concepção, delimitações e alterações. ... 129

4.2.2. Programa Mulheres Mil e a clivagem política, econômica e social. . 146

4.2.3. Programa Mulheres Mil no IFCE: um lócus para a inclusão? ... 151

4.3. ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ... 162

5. PERCEPÇÕES DO CAMPO: O PROGRAMA MULHERES MIL NA VOZ DAS

EGRESSAS DO IFCE/CAMPUS LIMOEIRO DO NORTE ... 171 5.1. Análise do perfil socioeconômico das egressas ... 172 5.2. Capacitação gera inserção no mercado de trabalho. Será? ... 176

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emancipação e protagonismo feminino? ... 195 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 216 REFERÊNCIAS ... 223 APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

... 236

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA (APLICADO ÀS EGRESSAS)... 239 APÊNDICE C – ROTEIRO ENTREVISTA SERVIDORES ... 246 APÊNDICE D – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – GRUO FOCAL ... 248 APÊNDICE E – QUESTÕES NORTEADORAS – GRUPO FOCAL – EGRESSAS 251 APÊNDICE F – QUESTÕES NORTEADORAS – GRUPO FOCAL – SERVIDORES

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1. INTRODUÇÃO

Em um país onde é possível caracterizar as ações do poder público como centralizadoras, pouco transparentes e constantemente instauradas de forma paliativa, é crucial que se compreenda como a implementação de políticas públicas é imprescindível para mediar a relação entre Estado e sociedade. E, assim, viabilizar o exercício do direito à cidadania pela população. Carvalho (2008, v.39, p.20) ressalta que “a luta pela igualdade de condições de vida digna não é alcançada apenas pelas leis, mas pela implementação de políticas públicas”.

Inclusive, mensuramos ser de grande importância considerar a forma de agir do Estado para definir se este será capaz ou não de proporcionar bem-estar social. É o que afirma Bacelar (2003) quando alerta para a possibilidade desse perfil autoritário e conservador do Estado (brasileiro) se revelar também quando pensadas as políticas sociais. E, quando Jannuzzi (2001) anuncia que a implementação das políticas poderá ser potencializada ou terá barreiras erguidas a depender dos agentes responsáveis por colocá-las em prática.

Entretanto, tão importante quanto a forma de agir do Estado, para delimitar a ação das políticas, é a participação, em todas as fases de planejamento e implementação, dos atores envolvidos. Pois, além de ampliar os espaços públicos de atuação da cidadania, ainda viabiliza o exercício de controle social. Inclusive, serão esses atores, os indivíduos capazes de ver os sentidos e significados dessa política, que estarão aptos a indicar a efetividade da mesma.

A partir dessa análise, destaca-se com relevância o campo de avaliação de políticas públicas que, embora tenha sido inicialmente instituído como uma ferramenta para aferir a eficiência das políticas públicas, a avaliação aqui proposta se dispõe a ultrapassar as barreiras de um processo técnico, e caracteriza-se como um processo socioeconômico e cultural. Pois deve ser pensada a partir da discussão política da política pública, das agendas de governo e das posições dos atores. Empreende-se então, na tentativa de enxergar os sentidos e significados dessa política e não apenas a eficiência. Molda-se como um instrumento de validação dos direitos democráticos.

Neste momento, é oportuno situar que este estudo se destinou a elaborar uma pesquisa avaliativa pormenorizada do Programa Mulheres Mil (PMM). Este teve seu projeto piloto implementado, em 2007, a partir da cooperação internacional

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Brasil-Canadá – Promoção de Intercâmbio de conhecimento para a promoção da equidade – sendo planejado e executado a partir dos conhecimentos desenvolvidos pelos Community Colleges canadenses1. E, foi institucionalizado nacionalmente a partir da Portaria do Ministério da Educação nº 1.015 em 21 de julho de 2011.

No Brasil, assim como em diversos outros países, sistematicamente cidadãos têm seus direitos limitados ou negados apenas por pertencerem a estratos sociais tidos inferiores. Nesta realidade, as mulheres constituem um segmento da população que historicamente sempre esteve exposto e suscetível a inúmeros processos de submissão e negação de seus direitos. O que faz com que seja atribuído a essas um espaço de exclusão social, seja na educação, no trabalho ou em qualquer outro setor da vida social. Logo,

A exigência da emancipação das mulheres conferiu uma nova dimensão a esses antigos enfrentamentos históricos que faziam pressão em prol da verdadeira igualdade. As mulheres tiveram de compartilhar uma posição subordinada em todas as classes sociais, sem exceção, o que tornava inegável (até pelas forças conservadoras mais extremadas) que sua demanda pela igualdade não poderia ser atribuída a uma “particular inveja de classe” e assim descartada. [...] (MÉSZAROS, 2011, p. 286)

Então, em busca de mais oportunidades, nos séculos XIX e XX, foram identificados avanços na questão da emancipação feminina, mesmo que mantidos dentro de limites bem demarcados de concessões puramente formais/legais. Temos como exemplos a celebrada vitória das sufragistas, assim como a eliminação de parte da legislação que discriminava as mulheres. Não obstante, essas não representaram mudanças capazes de afetar as relações de poder. (MÉSZAROS, 2011)

Os padrões finais permanecem, no entanto, distantes da igualdade que tem sido buscada. Na política, no trabalho, no acesso a tempo, nas garantias à integridade física e psíquica, as hierarquias têm um componente de gênero identificável a olho nu. (BIROLI, 2015)2

1 Instituições de ensino (público ou privadas) no Canadá. Disponível em: <https://cursosnocanada.com.br/estudar/formacao-profissional/>. Acesso em: 23/06/2019, às 15h44. 2 Artigo on line, sem paginação.

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Essas conjecturas enfatizam que as pretensões amplamente divulgadas, de oportunidades iguais (para as mulheres), não são capazes de dar seus primeiros passos em direção à verdadeira emancipação dessas, enquanto se caracterizarem em ações apenas na retórica ideológica e em alterações na legislação. Para isso, será crucial gerar o desenvolvimento de uma nova realidade, que seja capaz de concretizar mudanças no modo de reprodução social, a partir da consolidação de bases sólidas de sustentação e de processos adequados (MÉSZAROS, 2011).

O empoderamento feminino configura-se como condição basilar para alcançar a equidade. Assim, em um primeiro momento, faz-se primordial provocar o despertar da consciência da discriminação de gênero de que são vítimas. O que torna necessário um árduo trabalho de elevação da autoestima e autoconhecimento sobre si mesmas, para que essas mulheres se tornem conscientes de seus direitos e busquem transformar esta realidade de submissão. Dessa forma, os passos se resumem em reconhecer a existência da desigualdade e indispor-se, para tentar transformar esta realidade.

Nesta perspectiva é implementado o Programa Mulheres Mil (PMM), apresentado como uma política com recorte de gênero, que se propõe a minimizar os impactos desta dívida histórica (com as mulheres). Visa atender mulheres enquadradas em situação de vulnerabilidade social, e pretende inseri-las no mercado de trabalho, por meio de qualificação profissional a partir do acesso à educação formal, e, assim, oportunizar a possibilidade de exercerem o protagonismo em suas vidas.

O projeto piloto do Programa Mulheres, como dito anteriormente, surge da parceria entre Brasil e Canadá entre os anos de 2007 a 2011, durante o Governo do então Presidente, Luíz Inácio Lula da Silva, com a proposta de capacitar mil mulheres nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Ficou a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (SETEC-MEC) e os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) dessas regiões como responsáveis por ofertar esses cursos profissionalizantes.

Por conseguinte, será apenas no primeiro governo da Presidenta Dilma Rousseff (2011-2014) que este programa será instituído nacionalmente. Como parte

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das ações a serem implantadas pelo Plano Brasil Sem Miséria (PBSM)3 e, como meios para alcançar as Metas do Milênio, promulgadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2000 e aprovada por 191 países que tem entre as metas estabelecidas, a erradicação da extrema pobreza e da fome, a promoção da igualdade entre os sexos e autonomia das mulheres e garantia da sustentabilidade ambiental (ONU, 2000).

Portanto, o Programa Mulheres Mil caracteriza-se por objetivar o acesso e a permanência, com êxito, nas instituições de educação profissional, da população feminina que esteja em situação de vulnerabilidade social no Brasil, almejando sua inclusão educativa e sua promoção social e econômica. Assim, por meio da formação e elevação de escolaridade, pretende-se dar-lhes condições de melhorar seu potencial de empregabilidade ou de empreendedorismo, a qualidade de suas vidas, de suas famílias e de suas comunidades (BRASIL, 2014).

Deve-se abordar aqui algumas observações acerca das características e significados embutidos no termo vulnerabilidade social, termo que é constantemente citado na descrição do escopo da política em análise, e consequentemente durante o desenrolar desta pesquisa.

Assim, em suma, a vulnerabilidade social não se caracteriza unicamente como um estado de pobreza em que os atores podem se enquadrar, mas também significa as diversas categorias de desvantagem social que lhe são impostas. É preciso indicar que a vulnerabilidade social surge a partir da ação de outros agentes sociais, sendo o mercado de trabalho o seu principal gerador.

A participação no mercado de trabalho é a principal forma de inclusão das pessoas nas sociedades modernas, e o ponto de partida de todas as análises sobre inclusão e exclusão social.[...] (SCHWARTZMAN, 2004, p.40)

E a diminuição desse estado de vulnerabilidade advém da possibilidade de obtenção de oportunidades sociais, econômicas e culturais que decorrem da ação do Estado, do mercado e da sociedade. Desse modo, cabe aqui avaliar e identificar

3 Instituído através do Decreto Federal nº 7.492, de 02/06/2011. com a finalidade de superar a situação de extrema pobreza da população em todo o território nacional, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7492.htm> acesso em: 25/05/2019.

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se as políticas sociais por si só são capazes de atenuar essas vulnerabilidades e, assim favorecer a movimentação dos seus atores de uma realidade de carências sociais para uma de usufruto de direitos sociais.

Nesta realidade, nossos atores foram as mulheres que sempre pertenceram a um estado de vulnerabilidade social em relação ao mundo masculino, em decorrência de ações discriminatórias, depreciativas e opressoras, principalmente a partir da sociedade e do Estado e reproduzidas no mercado.

Ressalte-se que o programa ainda se apresenta como forma de oportunizar o fortalecimento do protagonismo feminino na vida dessas alunas, a partir do conhecimento de seus direitos e do fortalecimento da autoestima com a conscientização da importância dessas mulheres na sociedade e em suas famílias.

Deve-se abordar ainda que o escopo da política estabelece que a execução do Programa Mulheres Mil deva ser realizada prioritariamente na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT).

Assim, faz-se oportuno situarmos que esta pesquisa foi realizada no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), que participou no primeiro momento do programa ainda na execução projeto piloto e continuou a oferecer diversos cursos depois de instituído nacionalmente. Especificamente, dedicamos esforços em avaliar a implementação do programa no IFCE Campus de Limoeiro do Norte.

Dado que o IFCE campus de Limoeiro do Norte ofertou dois cursos para capacitação de mulheres da região, a partir do Programa Mulheres Mil, entre os anos de 2013 a 2014. Quando foram matriculadas 200 mulheres ao todo. Destacamos que os participantes dessa pesquisa são mulheres em condições de vulnerabilidade social, residentes em bairros com baixos índices de desenvolvimento humano, que estavam há muitos anos afastadas da escola e que têm entre 25 e 56 anos de idade.

Em síntese, cabe informar que o Programa Mulheres, desde sua implementação, tem configurado como objeto de análise de outras pesquisas, contudo, não foi localizado estudo que aborde as delimitações aqui propostas para avaliar esta política.

Apresentadas estas premissas, cabe pontuar que a aproximação com a política em tela surge da afinidade desta pesquisadora mulher com os movimentos feministas, e pela curiosidade em conhecer o programa que, embora não tenha sido

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implantado no campus onde exerço minhas atribuições como servidora da casa, contudo sempre me gerou entusiasmo e curiosidade a respeito de sua implantação, funcionamento e implicações. Outro fator determinante é tratar-se de uma pesquisadora que, como mulher, estudante, profissional, mãe, esposa e dona de casa já vivenciou, em vários momentos de sua vida, as consequências das imposições desse sistema e dessa sociedade patriarcal que sempre negou direitos e liberdade às mulheres, e que insiste em designar um papel e espaço que se apequenam perto da grandiosidade de ser mulher neste mundo.

Diante desta realidade, enquanto consciente e atuante na luta pelos direitos femininos à equidade, e capaz de compreender que o tratamento dedicado às mulheres sofre influências do sistema capitalista. Esta pesquisadora buscou interpretar o alcance e as tessituras dessa política pública para as mulheres, nesta era de capital mundializado, que vem incansavelmente precarizando o mercado de trabalho, e em uma sociedade com princípios patriarcais arraigados em sua essência. Acreditamos que esta pesquisa poderá incitar a realização de novos questionamentos, de novos estudos quanto à capacidade da formação profissional técnica ser capaz de gerar inclusão social e mercadológica e, por conseguinte, oferecer as condições necessárias ao desenvolvimento da emancipação, protagonismo e empoderamento feminino, uma vez que são poucas as pesquisas a respeito desta política que se habilitam a se aprofundar nesta complexa problemática, principalmente dadas as alterações recentes quanto aos ataques e abandono das políticas públicas sociais, com ênfase nas políticas de gênero, a partir desse novo Governo que carrega consigo o sinal do retrocesso social.

Nessa conjuntura, esta pesquisa será relevante para acrescer visibilidade à temática, e, por se colocar como auxílio ou até fonte de dados para pensar e avaliar as políticas destinadas ao empoderamento feminino sustentadas pela inserção no mercado de trabalho. Pois, ao final desta avaliação, é possível identificar que as alterações no sistema do capital têm causado a precarização do mercado de trabalho, desregulado a função de amparo social do Estado e destinado às mulheres oportunidades de inclusão que reforçam os processos excludentes, por sua inclusão precária.

Este texto está dividido em introdução, delimitação da pesquisa, as mulheres e suas interações com a sociedade e o mercado de trabalho, proposta

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metodológica, percepções do campo e considerações finais. Cada seção possui subseções, que são necessárias para a melhor compreensão e acompanhamento da discussão aqui empreendida.

Seu objetivo geral consistiu em avaliar o Programa Nacional Mulheres Mil na perspectiva de inserção das egressas no mercado de trabalho e suas implicações para o empoderamento feminino, a partir dos cursos ofertados pelo IFCE Campus de Limoeiro do Norte. Os objetivos específicos pretenderam analisar as bases conceituais e metodológicas do programa em relação ao contexto econômico, político e social e sua aplicação; levantar as circunstâncias de implantação e desenvolvimento da política no IFCE Campus de Limoeiro do Norte; identificar as formas e tipos de inserção das egressas no mercado de trabalho; e, por fim, compreender as percepções das egressas quanto às implicações do programa para sua emancipação, protagonismo e empoderamento.

2. DELIMITAÇÃO DA PESQUISA: o nascedouro de uma pesquisadora e de seu objeto de estudo

O Programa Mulheres Mil caracteriza-se como uma política compensatória, com recorte de gênero, pois se propõe a combater a pobreza e viabilizar o acesso à educação formal de mulheres, que estejam em situação de vulnerabilidade social, a partir da qualificação profissional. Com a finalidade de promover empregabilidade, pleno exercício da cidadania e protagonismo feminino, alicerçado na inclusão social, educacional e produtiva.

Em função do programa em análise dispor de um método específico para sua implementação, denominado Metodologia de Acesso, Permanência e Êxito que se diferencia por estabelecer que a oferta dos cursos considere a possibilidade de viabilizar o reconhecimento dos saberes já adquiridos na história de vida dessas mulheres.

E, além disso, determina uma abordagem de diretrizes que privilegiam temas transversais, tais como: elevação da autoestima, promoção da saúde, direitos e deveres da mulher, protagonismo feminino, cooperativismo, inclusão digital, empreendedorismo e responsabilidade ambiental.

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Essa política tem como enfoque alcançar a equidade social, a partir da inclusão produtiva de mulheres, ou seja, superar as barreiras sociais, culturais, econômicas e políticas que alicerçam a exclusão e as desigualdades a que sempre estiveram expostas.

Ao reconhecer as características e formatação do mercado de trabalho, o qual reproduz, dissemina e intensifica as relações desiguais de poder existentes em nossa sociedade, delimitada e conduzida pelos preceitos do patriarcado. Tomaremos como base que é preciso avaliar o mercado de trabalho e a inserção dessas mulheres, a partir do papel tradicionalmente designado às mulheres ao longo da história:

Falar de divisão sexual do trabalho é tocar no que vem sendo definido, historicamente, como trabalho de mulher, competência de mulher, lugar de mulher. E, claro, nas consequências dessas classificações. As hierarquias de gênero, classe e raça não são explicáveis sem que se leve em conta essa divisão, que produz, ao mesmo tempo, identidades, vantagens e desvantagens. Muitas das percepções sobre quem somos no mundo, o que representamos para as pessoas próximas e o nosso papel na sociedade estão relacionadas à divisão sexual do trabalho. Nela se definem, também, dificuldades cotidianas que vão conformando trajetórias, possibilidades diferenciadas na vida de mulheres e homens. Trata-se de questão sensível, ainda, porque confere a todas as mulheres uma posição semelhante (a elas são atribuídas tarefas de que os homens são liberados) e porque as distingue dos outros atores (elas são diferentemente marcadas e oneradas pela divisão de tarefas e responsabilidades segundo os recursos que detêm para “driblar” o tempo e a energia que tais tarefas requerem). (BIROLI, 2018, p.21).

Na perspectiva de que as pesquisas que envolvem gênero e trabalho compartilham a concepção da divisão sexual do trabalho como responsável e fundamental para a organização de todas as relações sociais. (BIROLI, 2018, p.25) Reafirmado por Maruani (2009, p.86) ao descrever que:

[...] é necessário afirmar que o mercado de trabalho é um dos lugares onde se constroem, de maneira cotidiana, diferenças e disparidades entre homens e mulheres. Para quem trabalha com o tema mulheres, feminismo e igualdade entre os sexos, o conceito de emprego é essencial. Analisar a situação das mulheres no mercado de trabalho é questionar seu estatuto social: o emprego feminino é um fio condutor para compreender o espaço das mulheres na sociedade. Nesse sentido, a divisão sexual dos empregos constrói o gênero. Os diferentes estatutos de emprego (meio período, período integral, CDD, CDI) definem as posições profissionais e sociais sexualmente diferenciadas. Assim, há pouco tempo, por exemplo, o aumento do percentual de trabalho de meio período na população feminina (taxa superior a 80%) contribuiu para criar novamente uma forma de emprego “especificamente feminina.

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Em harmonia com Mészaros (2011) quando afirma que o capitalismo opera a partir do cooptação de qualquer conceito libertador, e passa a utilizá-lo como lema para vender o que não precisamos, criando uma situação onde as ilusões acabam por substituir a realidade. Posicionamento complementado pela constatação de que:

A falha das sociedades pós-capitalistas com relação à emancipação das mulheres é ainda mais notável quando se sabe que, em algum ponto de sua história, elas prometiam consertar as sérias iniquidades admitidas. No final, as relações de poder existentes que afetam diretamente as mulheres não foram muito alteradas- em vez disso, tentaram em vão mascarar sua falha com versões pós-capitalistas da falsa admissão das minorias. (MÉSZAROS, 2011, p.291)

Assim, o que se inicia num patriarcado privado, com a família no núcleo do desenvolvimento da opressão, sofrerá transformações a cargo do capitalismo, em sua fase industrial, para que essas relações venham a se transformar. O que gera uma espécie de patriarcado público, onde Estado e mercado de trabalho passam a organizar e institucionalizar coerções, que apesar das novas inclusões, viriam acompanhadas de novas formas de opressão e controle (BIROLI, 2018).

Além disso, ao assimilar a gravidade da crise atualmente enfrentada pelo capitalismo, em um mundo onde este se ressignificou como mundializado e financeirizado, e que traz consequências preocupantes, principalmente para os países periféricos. Consequências que vão desde o desemprego estrutural, a desarticulação das forças sindicais, perpassa pela flexibilização dos direitos trabalhistas e pela ampliação da terceirização, e, finda por gerar uma quase irremediável precarização do trabalho.

Cenário já relatado há algumas décadas por Saffioti (1976) quando defende que, em padrões capitalistas, na constituição da sociedade brasileira, o desemprego e o subemprego sempre foram uma constante, que nem mesmo em momentos de maior crescimento da produção industrial foi possível eliminar. E, para as mulheres, esta situação se apresenta de forma intensificada.

A abordagem sociológica do desemprego, desenvolvida nos últimos anos, permitiu destacar o interesse de estabelecer correlações entre

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desqualificação, baixos salários, pobreza e exclusão do emprego, em que as mulheres e as jovens permanecem “à margem”, tratadas de forma diferente, sem, porém, se retirar de forma definitiva do mundo do trabalho. (FORTINO, 2009, p.53).

Assim, é frequente relacionar que o desemprego feminino esteja atrelado à condição de mulheres pouco qualificadas, a quem são destinados baixos salários, que são pobres ou se tornam cada vez mais pobres, destinando-se, às vezes, à execução de trabalhos em condições tão precárias que não são suficientes para retirá-las da situação à margem do assalariamento, mas que não necessariamente signifique sua exclusão do mercado de trabalho. (FORTINO, 2009)

Neste cenário de crise do capital, até mesmo o Estado é incapaz de manter seu significado intacto, transmutando-se de responsável por assegurar o bem-estar social aos cidadãos, a um Estado sequestrado pelo mercado, um verdadeiro Estado de desamparo social. Cumpridor eficiente da agenda neoliberal a partir da implementação de políticas de ajustes que, na prática, limitam o acesso aos direitos sociais e às políticas públicas.

Assim, ao ancorar as reflexões até aqui discorridas, torna-se fulcral relatar as condições, os questionamentos e as instigações que acompanharam essa pesquisadora, nesse longo caminho, em busca de identificar e delimitar seu objeto de pesquisa.

Para isso, faz-se imperativo ponderar a importância do meu amadurecimento acadêmico que, mesmo proveniente de uma graduação de pouca tradição na área de pesquisa de políticas sociais, consegui galgar passos essenciais para o florescimento de uma estudante com espírito de pesquisadora, e capaz de permitir que o mundo, a sociedade e o seu cotidiano tornassem-se suas inquietações. É o despertar para a sensação de “tirar as vendas”, as quais são diária e incansavelmente postas, seja através da sociedade e da mídia ao naturalizaram comportamentos essencialmente sociais, ou, sobretudo, através do Estado em suas formas de atender aos interesses do mercado.

Esse amadurecimento somente foi possível a partir de muitas horas em companhia de livros e artigos, elementos essenciais a qualquer pesquisador, pois, além de figurar como arcabouço acadêmico e alimentar o “eu pesquisadora”, ainda capacita o sujeito a enxergar a questão que realmente move suas preocupações. Em meu caso, buscar compreender, explicar e mensurar como a questão de gênero é

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construída e impele as mulheres a uma situação de subserviência perante toda a sociedade, o Estado e o mercado.

Com efeito, foi dentro deste debate, que surgiram os muitos questionamentos que permeiam esta pesquisa, quais sejam: A formação profissional proposta pelo Programa Mulheres Mil, com oferta de cursos com cerca de 160h, é suficiente para capacitar essas mulheres e garantir sua inserção no mercado de trabalho (com qualidade)? A metodologia utilizada pelo programa para direcionar a oferta de cursos, com base em suas histórias de vida, consegue atender às potencialidades de empregabilidade da região em que estas mulheres estão inseridas? A empregabilidade que o programa se propõe a alcançar coloca sobre o indivíduo a culpa pelo seu desemprego? O empreendedorismo entre os objetivos do programa traz autonomia ou apenas uma “gestão da sobrevivência” precarizada? O programa de fato utiliza-se de mecanismos capazes de atender ao escopo da política? Os cursos oferecidos, com base em suas histórias de vida, são suficientes para gerar o protagonismo na vida dessas mulheres? A inclusão pela capacitação reflete interesses sociais ou do capital? A política consegue gerar inclusão dessas mulheres estruturalmente excluídas?

Mas, dentre tantos questionamentos, o mais significativo para esta pesquisa é avaliar como se dá a inserção dessas mulheres no mercado de trabalho, ou seja, se a política implementada, efetivamente, foi suficiente para qualificá-las de forma a inseri-las com qualidade no mercado de trabalho, e alcançar o protagonismo feminino, ou contribuiu para reforçar o espaço tradicionalmente destinado às mulheres nesse mercado de trabalho precarizado?

3. AS MULHERES E SUAS INTERAÇÕES COM A SOCIEDADE E O MERCADO DE TRABALHO: uma narrativa de exclusão estrutural

Esta pesquisa, em seu âmago, refere-se às políticas públicas e à análise de suas implementações. Para isto, baseamo-nos na compreensão de que as políticas públicas são essencialmente ações de cunho social utilizadas como formas de efetivar mudanças na sociedade e que buscam sobretudo, a “igualdade social, sendo, portanto, um processo dinâmico, permanente, contínuo e contraditório, fruto

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geralmente da ação e/ou posição dos vários movimentos sociais nos estados capitalistas.” (FERREIRA, 2007, p.77).

Nessa linha, trago a questão do ser mulher numa sociedade marcada pela tríade, à qual Saffioti (1987) vai nomear de “patriarcado-racismo-capitalismo”. Nesta lógica, não por acaso, a medula espinhal da discussão à qual daremos corpo repousará sobre esta tríade.

Beauvoir (1970), em sua célebre obra “O Segundo Sexo”, nos traz reflexões bem ancoradas que planta, e virá a plantar dentro de cada uma de nós, a ideia de que não nascemos mulheres: como a sociedade nos cobra que sejamos. Mas somos transformadas em mulheres, a partir da naturalização de comportamentos sociais. Esta, sem dúvidas, foi a mais insidiosa armadilha já criada para as mulheres, e todas fomos guiadas por esta atraente e sinuosa estrada.

O fato é que, todas as formas de discriminação servem ao propósito de maior exploração por parte do capital. Logo, temos as atitudes machistas em nossa sociedade como a cola que mantém unida a tríade da dominação-exploração: “patriarcado-racismo-capitalismo”, que ao atuar conjuntamente formam um só sistema de poder e será a atuação desses mecanismos que definirão o rumo pelo qual serão conduzidas as lutas sociais (SAFFIOTI, 1987).

Portanto, esclarece-se que não há como dissertar sobre as mulheres e sua atuação no mercado de trabalho, sem que seja realizada uma análise conjuntural e estrutural de como capitalismo, Estado e mercado de trabalho têm se modificado e contribuído para a formatação dessa sociedade que, essencialmente, subordina e desumaniza as mulheres, numa dolorosa realidade de exclusão estrutural a que estão submetidas.

3.1. O Sistema capitalista e seus meandros

Para compreender a gestação, o nascedouro, o crescimento e o desenvolvimento desse capitalismo altivo e pretensioso, que vivencia um momento de colapso, do qual tenta se recuperar há décadas, faz-se imperativa a necessidade de

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assimilar como a criação desse adolescente mimado se relaciona com a natureza exclusiva do ser humano, do homo sapiens4.

Genuinamente, o aspecto peculiar da nossa linguagem não é a habilidade de transmitir informações sobre homens e leões, por exemplo. Mas a capacidade de difundir informações sobre coisas que não existem. Pois somente os Sapiens são capazes de falar sobre entidades que nunca viram, tocaram ou cheiraram. A ficção não apenas nos permitiu imaginar coisas, como fazer isso coletivamente, a partir da tessitura de mitos compartilhados: como as religiões e os Estados modernos. Vem daí a capacidade de associar-se em grande número e de forma versátil. E, é esta habilidade de cooperar de maneiras extremamente flexíveis e com um número incontrolável de estranhos que fazem com que os sapiens governem o mundo (HARARI, 2018).

Diferente da mentira, uma realidade imaginada é algo que todos acreditam e à medida que é compartilhada, esta passa a exercer influência no mundo. Por causa disso, temos milionários que verdadeiramente creem na existência do dinheiro e das empresas limitadas e, ativistas que acreditam que existem os direitos humanos e a ONU, por exemplo, mesmo que sejam frutos de nossa fértil imaginação. As pessoas agem assim porque confiam no produto da imaginação coletiva. Logo, a confiança é o cerne em que o dinheiro é cunhado, e, nesse sistema de confiança, o dinheiro vem a ser o mais universal e eficiente sistema de confiança mútua já inventado (HARARI, 2018).

[...] O dinheiro é mais tolerante que linguagens, leis estaduais, códigos culturais, crenças religiosas e hábitos sociais. O dinheiro é o único sistema de crenças criado pelos humanos que pode transpor praticamente qualquer abismo cultural e que não discriminam com base em religião, gênero, raça, idade ou orientação sexual. Graças ao dinheiro, até mesmo pessoas que não se conhecem e não confiam umas nas outras são capazes de cooperar de maneira efetiva. (HARARI, 2018, p.252).

Dessa forma, pelo ser humano ter a capacidade de fazer uso da razão, seu trabalho é diferenciado dos de outros animais por não ser baseado na intuição, mas por ser intencional. Assim, ontologicamente, teremos o trabalho como capaz de

4 Homo sapiens é o nome dado à espécie dos seres humanos, de acordo com a classificação taxonômica. Disponível em: https://www.significados.com.br/homo-sapiens/. Acessado em: 28/09/2019, às 08:44.

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conceber o ser humano como tal, ao criar e recriar o mundo em que vive, produzindo social e individualmente sua vida.

Saviani (2007) conceitua que a ação de atuar sobre a natureza e transformá-la, com a finalidade de atender às necessidades humanas, é o que podemos denominar como trabalho.

Assim, também o emprego se destaca como um componente que dá sustentação ao funcionamento da sociedade, dando sentido a outros desafios sociais. Visto que o acesso ao emprego participa da construção das hierarquias sociais, na classificação e na segregação. Assim, ter um emprego vai além de ter trabalho e salário, expressa ter um espaço na sociedade. (MARUANI, 2009)

Logo, o desenvolvimento da produção foi o que nos levou à divisão do trabalho e, daí, à apropriação privada da terra, que por se configurar como o principal meio de produção, gerou a divisão dos homens em classes. Nesse sentido, embora o trabalho fosse definido como a essência humana, o advento da propriedade privada proporcionou à classe dos proprietários viver sem trabalhar, pois, foi possível manter-se do trabalho alheio. (SAVIANI, 2007)

Esse foi o arcabouço da sociedade feudal, que se caracterizava por sua economia de subsistência. Contudo, na medida em que a produção passou a exceder as necessidades de consumo, ativando o comércio, esse processo desembocou na organização de uma produção voltada especificamente para a troca, dando origem à sociedade capitalista, que por se utilizar da troca com a finalidade de consumo, vai se chamar sociedade de mercado. (SAVIANI, 2007)

Dessa forma, o Capitalismo se definiu como uma forma de organização social marcada pela segmentação entre os proprietários e controladores dos meios de produção e os que não possuíam e não controlavam estes meios. Essa divisão seria a base da estratificação da sociedade capitalista, entre duas classes antagônicas: a burguesia exploradora e os trabalhadores explorados, restando aos últimos, manterem-se dependente da venda de sua força de trabalho, através do salário, para sobreviver. Seria essa a origem do lucro do capitalista.

Nesse contexto de desenvolvimento do capitalismo, cabe situar que a formação da divisão internacional do trabalho que vivenciamos por aqui teve como base a situação em que: alguns países se especializaram em ganhar e outros em perder. Na América Latina percebe-se sua precocidade em especializar-se em perder,

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desde o momento em que os europeus do Renascimento se aventuraram pelos mares, de lá para cá, a América Latina aperfeiçoou essa função (GALEANO, 2014). Uma vez que a região:

[...] continua existindo para satisfazer as necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferros, de cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que, consumindo-os, ganham muito mais do que ganha a América Latina ao produzi-los. Os impostos que cobram os compradores são muito mais altos do que os valores que recebem os vendedores. [...]. (GALEANO, 2014, p.17).

Na concepção da História, o atraso e a miséria da América Latina são relatados como resultado de seu próprio fracasso, em que nós perdemos e outros ganharam. Contudo, o fato não relatado é que os que ganharam apenas o fizeram porque nós perdemos. Logo, a história do subdesenvolvimento da América Latina compõe a história do desenvolvimento do capitalismo mundial. Nossa derrota sempre esteve implícita na conquista de outrem, visto que nossa riqueza constantemente gerou nossa pobreza ao ser destinada para nutrir a prosperidade alheia (GALEANO, 2014). Isso porque

[...] a chuva que irriga os centros do poder imperialista afoga os vastos subúrbios do sistema. Do mesmo modo, e simetricamente, o bem-estar de nossas classes dominantes – dominantes para dentro, dominadas de fora – é a maldição de nossas multidões, condenadas a uma vida de bestas de carga. Quanto mais liberdade se concede aos negócios, mais cárceres precisam ser construídos para aqueles que padecem com os negócios. Nossos sistemas de inquisidores e verdugos não funcionam apenas para o mercado externo dominante, também proporcionam caudalosos mananciais de lucros que fluem dos empréstimos e dos investimentos estrangeiros nos mercados internos dominados. [...]. (GALEANO, 2014, p.17).

No Brasil não poderia ser diferente, afinal, “não se pode analisar o Brasil só a partir do Brasil. Nenhum país está fora das conexões internacionais.” (BOFF, 2018)5. Pertencemos a uma sociedade que ganhou a sua independência pelas mãos do colonizador, o que moldou nossa matriz cultural, onde o colonizado se identifica com o colonizador e nossas raízes são apagadas ou simplesmente renegadas. É o surgimento de uma relação de submissão, que antes acontecia em relação aos

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conquistadores e colonizadores e, hoje, ainda nos vimos colonizados a partir da integração subordinada ao grande capital (FRIGOTTO, 1999).

No mundo, a expansão das forças de produção e da organização do trabalho capitalista proporcionou um avanço tecnológico que ficou conhecido como Revolução Industrial. Ocorreu inicialmente na Inglaterra a partir do século XVIII, expandindo-se para os países da Europa Ocidental e Estados Unidos da América no século seguinte, estendendo-se por toda a superfície do planeta no século XX.

Mas pouco a pouco, o capitalismo se tornou muito mais do que uma doutrina econômica. Hoje engloba uma ética – um conjunto de ensinamentos sobre como as pessoas devem se comportar, educar seus filhos e até mesmo pensar. Sua doutrina fundamental é que o crescimento econômico é o bem supremo, ou pelo menos uma via para o bem supremo, porque a justiça, a liberdade e até mesmo a felicidade dependem do crescimento econômico. [...]. (HARARI, 2018, p.421).

Dessa forma, a humanidade gerou, pariu e até hoje alimenta, às custas de vidas humanas, o sistema econômico com estrutura de controle totalitária e de maior poder destrutivo já identificado. Isto porque o capital necessita articular-se com o Estado e o trabalho para sua existência, e para tanto, utiliza e sempre utilizará as práticas dominantes necessárias para submeter Estado e indivíduos, a partir do trabalho, ao seu domínio e controle.

Bauman (2009) o vai chamar de “sistema parasitário”, em que os parasitas somente podem sobrevivem ao encontrar organismo que lhe forneça alimento. No entanto, o faz às custas de prejudicar e até mesmo destruir seu hospedeiro, mesmo que ponha em risco a sua própria sobrevivência. Ou seja,

Para melhor ou para pior, na saúde e na doença, a economia moderna cresce como um adolescente inundado por hormônios. Devora tudo que encontra pela frente, mas cresce mais depressa do que podemos registrar. (HARARI, 2018, p.409).

Visão complementada por Mézaros, ao afirmar que:

[...] o sistema do capital é orientado para a expansão e movido pela

acumulação. Essa determinação constitui, ao mesmo tempo, um dinamismo

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de controle sociometabólico, o capital é absolutamente irresistível enquanto conseguir extrair e acumular trabalho excedente[...]. Entretanto, uma vez emperrado (por qualquer motivo) este processo dinâmico de expansão e acumulação, as consequências serão devastadoras. Mesmo sob a “normalidade” de perturbações e bloqueios cíclicos relativamente limitados, a destruição que acompanha as consequentes crises socioeconômicas e políticas pode ser enorme, como o revelam os anais do século XX, que incluem duas guerras mundiais (para não mencionar incontáveis conflagrações menores). [...]” (MÉSZAROS, 2011, p.100).

Desse feito, fica nítido que o desenvolvimento do capitalismo ocorre de formas diferentes a depender da localidade no globo. Na América Latina, ao contrário da realidade identificada em outras partes do globo, o crescimento fabril não surge de uma política direcionada ao desenvolvimento nacional ou como resultado da maturação das forças produtivas. Nasce do seu ventre agroexportador, a fim de atender às situações de desequilíbrio que vêm do comércio exterior. Foi assim em São Paulo, quando os fazendeiros de café investiram na industrialização com capital excedente acumulado a partir do comércio exterior. Em decorrência disso, a industrialização brasileira se deu de forma rápida e intensa, sobrepondo-se à organização preexistente, mas incapaz de alterá-la realmente. Daí advém as desmedidas diferenças setoriais e regionais tão características de nossa sociedade (GALEANO, 2014).

Por tais razões, posteriormente, foi permitido que o capital imperialista, como o das corporações norte-americanas, se concentrasse na América Latina e, em especial no Brasil mais do que nos próprios Estados Unidos. Isso porque encontrou uma indústria local sem defesas ou consciência de seu papel histórico, em que a burguesia e o Estado se associaram a essa invasão sem que lágrimas sequer fossem derramadas (GALEANO, 2014).

Por conseguinte, no Brasil, a partir do impulso do Plano de Metas (1957-60), posto em prática pelo presidente Juscelino Kubitschek, temos a entrada de grandes cifras do capital estrangeiro. Em meio ao deserto, estradas foram abertas, represas construídas, Brasília nascia. E das fábricas de automóveis surgia um carro novo a cada dois minutos. Era a euforia do crescimento (GALEANO, 2014).

[...]As cédulas circulavam com a tinta fresca: o salto adiante era financiado pela inflação e por uma pesada dívida externa que seria descarregada, angustiante herança, sobre os governos seguintes. Foi concebido um tipo

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especial de câmbio, que Kubitschek garantiu, para a remessa de lucros às matrizes das empresas estrangeiras e para a amortização de seus investimentos. O Estado assumia a responsabilidade solidária no pagamento das dívidas contraídas pelas empresas no exterior e fixava também um dólar barato para a amortização e os juros dessas dívidas[...]. (GALEANO, 2014, p.303).

Furtado (2000) alerta que, no Brasil, foi a partir do instante em que o propulsor do crescimento deixou de ter como foco a formação do mercado interno para uma integração internacional que a integração das economias regionais do país deixa de existir, para dar espaço à imposição da dinâmica das empresas transnacionais, que se caracterizam por uma lenta geração de empregos, ou seja, por uma margem crescente de desemprego estrutural.

Enquanto, no chamado Primeiro Mundo, em um cenário externo de pós-guerra, surge a necessidade de uma combinação entre Estado e mercado capaz de garantir a paz e proporcionar bem-estar. Nesse contexto, Harvey (2005) descreve que houve a necessidade do Estado concentrar-se no pleno emprego, no crescimento econômico e no bem-estar social. Para isto, este deveria ser livremente difundido nos processos de mercado e, se necessário, poderia intervir ou até substituir esses processos. Temos assim, o Estado de bem-estar social, onde eram desejadas as intervenções na política industrial e nas determinações de padrões salariais, a fim de apaziguar um ‘compromisso de classe’ entre trabalho e capital.

Contudo, depois de um período próspero de acumulação de capitais, com o auge do fordismo6 e do keynesianismo7 das décadas de 1950 e 1960, o capital

passou a dar sinais de um quadro crítico, capaz de ser percebido ao observar alguns elementos, como: a tendência decrescente da taxa de lucro decorrente do excesso de produção; o esgotamento do modelo de acumulação taylorista/fordista de produção; a desvalorização do dólar, indicando a falência do acordo de Bretton Woods8; a crise

6 É um modo de produção em massa baseado na linha de produção idealizada por Henry Ford. Foi fundamental para a racionalização do processo produtivo e na fabricação de baixo custo e na acumulação de capital.

7 Conjunto das teorias e medidas propostas pelo economista britânico John Maynard Keynes 1883-1946e seus seguidores, que defendiam, dentro dos parâmetros do mercado livre capitalista, a necessidade de uma forte intervenção econômica do Estado com o objetivo principal de garantir o pleno emprego e manter o controle da inflação.

8 Em 1944, na cidade de Bretton Woods nos Estados Unidos, os membros das Nações Unidas assinaram um acordo para estabelecer um sistema de taxa cambiais fixas, com base no chamado padrão dólar-ouro.

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do Welfare State9 ou do conhecido Estado de Bem-Estar Social; a intensificação das

lutas sociais, além da crise do petróleo que foi um fator que deu forte impulso a esta crise.

Desse modo, como em vários momentos da história mundial, particularmente a partir da década de 1970, presenciamos o mundo passar por crises do sistema de produção capitalista. Harvey (2005) descreve este momento, quando, perto do final dos anos 1960, a configuração do Estado de bem-estar social começou a ruir, tanto a nível das economias domésticas, quanto internacionais. Assim, temos combinadas altas taxas de desemprego e inflação, capaz de fomentar um ciclo de “estagflação”10 que perduraria por parte da década de 70, tornando uma acentuada crise de acumulação fortemente aparente. Agravada por um cenário de baixa arrecadação de impostos e acentuada elevação dos gastos com políticas sociais.

Esse foi um verdadeiro ponto de inflexão da sociedade capitalista, quando:

A chegada na teoria da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, mudou tudo. [...]. (GENTILI et al, 1998, p.10, grifo nosso).

Segundo Alves (2012)11, “a década de 70 significou, no plano histórico-mundial, a inauguração de um ‘corte histórico’ no processo civilizatório do capital”. Assim, assevera-se que a crise que se inicia na década de 70 tem relevante importância como marco desse cenário de aprofundamento de crise ao qual o capitalismo está submetido até os dias atuais, como ressaltam as autoras ao afirmarem que:

A crise contemporânea do capital, relacionada à própria dinâmica do capitalismo, que se arrasta há quase uma década, é consequência do marco profundo de mudanças que se estabelece a partir da década de 1970 [...]. (CARVALHO; CASTRO, 2013, p.81).

9 Também conhecido como Estado de Bem-estar Social. Os termos servem basicamente para designar o Estado assistencial que garante padrões mínimos de educação, saúde, habitação, renda e seguridade social a todos os cidadãos.

10 O fenômeno da estagnação (aumento da taxa de desemprego) combinado com inflação (aumento contínuo de preços).

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Será a partir daí, com a falência do Estado de bem-estar social, que ganhará espaço a defesa por um Estado mínimo, quando o capital investirá no neoliberalismo como única opção viável de superação desta crise, caracterizando-se pela intervenção do Estado limitada apenas a garantir o direito à propriedade, o cumprimento dos contratos, a defesa nacional e a dissolução de todas as formas de solidariedade em favor do individualismo. O que efetivaram de fato os governos neoliberais nesse período?

[...]O modelo inglês foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o mais puro. Os governos Tatcher12 contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, finalmente – esta foi uma medida surpreendentemente tardia -, se lançaram num amplo programa de privatização, começando por habitação pública e passando em seguida indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água. Esse pacote de medidas é o mais sistemático e ambicioso de todas as experiências neoliberais em países de capitalismo avançado. (GENTILI et al, 1998, p.12)

Alves (2012) identifica que a crise estrutural do capital despontada na década de 1970, deu início a uma nova temporalidade histórica do desenvolvimento civilizado, evidenciada por fenômenos sociais qualitativamente novos que integram a fenomenologia do capitalismo global com seus “trinta anos perversos” (1980-2010). E complementa que, “nos ‘trinta anos perversos’, o capitalismo financeirizado, toyotista, neoliberal e pós-moderno levou a cabo uma das maiores revoluções culturais da história”. (ALVES, 2012)13

Evidencia-se, portanto, que ao contrário da conjuntura existente nos anos 1930 e 1940: o mercado adquire a capacidade de gerar mais capital do que o próprio Estado. Cria-se uma força objetiva e que hoje alimenta um verdadeiro tsunami de privatizações. Embora existam motivos políticos e ideológicos para as privatizações, estas são retroalimentadas pelas mudanças nas relações existentes entre os Estados

12 Margaret Hilda Thatcher, Baronesa Thatcher de Kesteven foi uma política britânica que serviu como Primeira-Ministra do Reino Unido de 1979 a 1990 e Líder da Oposição entre 1975 e 1979. Foi a Primeira-Ministra com o maior período no cargo durante o século XX e a primeira mulher a ocupá-lo. 13 Artigo on line – sem paginação.

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