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5. PERCEPÇÕES DO CAMPO: O PROGRAMA MULHERES MIL NA VOZ DAS EGRESSAS DO IFCE/CAMPUS LIMOEIRO DO NORTE

5.3. Avaliação da Metodologia de Acesso, Permanência e Êxito

O Programa Mulheres Mil, quando institucionalizado pela Presidenta Dilma Rousseff, após a implementação do projeto piloto nos CEFETs das regiões Norte e Nordeste do país, traz consigo um Guia Metodológico de Acesso, Permanência e Êxito, o qual foi elaborado a partir da experiência dessas instituições na implantação da política.

O Acesso diz respeito ao processo de aproximação e de formação de um espaço para diálogo com a comunidade, capaz de gerar inclusão das populações não

tradicionais nas instituições educacionais. Entre as ferramentas, podemos identificar: a constituição de uma Equipe Multidisciplinar e a instalação do Escritório de Acesso.

No IFCE Campus de Limoeiro do Norte como informado anteriormente, o espaço foi mobiliado e disponibilizado a partir do final do ano de 2012.

O programa inicia com a utilização de uma ferramenta de reconhecimento de saberes adquiridos fora da escola que são aperfeiçoados e certificados por meio da metodologia de Avaliação e Reconhecimento Prévio dos Conhecimentos (ARAP), que na Rede Federal foi substituído esse reconhecimento a partir da Rede CERTIFIC, como já foi melhor detalhado na Metodologia de Avaliação.

A metodologia de acesso, além da proximidade da instituição com a comunidade, o que pode ser constatado que aconteceu, pelo menos com a seleção das 100 primeiras mulheres matriculadas nos cursos oferecidos pelo campus, e contou com apoio da Prefeitura Municipal de Limoeiro do Norte. Segundo relatórios, a atualização cadastral do Projeto no Bairro Cidade Alta ocorreu entre os dias 11 e 15 de abril de 2011.

Além dessa atualização de cadastro, foram realizadas ainda visitas às residências das mulheres cadastradas no primeiro momento, a fim de colaborar para o diagnóstico do bairro e daquelas mulheres. Este momento também foi realizado em parceria com a Prefeitura daquele município., e ocorreu ainda em 2011.

Essa aproximação da instituição com a comunidade ocupa um papel de relevância para a metodologia de acesso porque é fundamental que estas mulheres, já tão maltratadas e afastadas há tantos da escola, sintam-se acolhidas e se identifiquem com a instituição, pois um bom acolhimento no acesso é fator determinante para a permanência e êxito dessas alunas.

Nesse contexto, o acesso deveria atuar como um instrumento inclusivo, promotor de permanência nos ambientes dos institutos e no mundo do trabalho, principalmente a partir das mudanças de paradigmas quanto à inserção dessas alunas nas instituições, que evoluem de uma seleção baseada no acesso meritocrático e seletivo para um acesso inclusivo e afirmativo.

Esse acesso inclusivo passa pelo reconhecimento e valorização dos saberes construídos na comunidade, para que seja capaz de propiciar diálogos com as diversidades, ao possibilitar a integração entre o conhecimento acadêmico e o

itinerário formativo dessas mulheres, que em outras situações não se enquadrariam nos alunos convencionais da instituição.

Segundo relatos transcritos na Metodologia de Avaliação, este foi o paradigma que sofreu mais resistência por parte do corpo acadêmico, e apenas foi possível acontecer por uma imposição da SETEC, que com esta ação, busca um resgate histórico com o objetivo de criação da Rede Federal EPT, que é servir aos desafortunados, como promulgado por Nilo Peçanha em 1909.

Quanto à análise pelas egressas, em primeiro momento, elas se posicionam com afinidades, identificação com o curso ofertado, mas relatam vários motivos para tal afirmação: desde a oportunidade de conhecer técnicas novas à interação social. Mas somente duas de fato se identificaram com o curso no sentido de utilizar estes conhecimentos para geração de renda para si e suas famílias.

Estes dados demonstram que, de fato, essas egressas não se identificaram com a capacitação profissional que receberam, não à toa, apenas duas atuam na área e de forma precária. A identificação com o curso foi interpretada por elas como uma oportunidade de acesso a conhecimentos técnicos que elas nunca tiveram acesso e que guardavam relações com as atividades rotineiras que já desempenhavam em seus lares, mas não é percebido a partir das falas delas a interação profissional com o seu objeto de estudo.

A situação acima pormenorizada traz preocupação maior quando conciliamos com os dados referentes à motivação dessas mulheres ao escolherem participar dos cursos. Visto que 75% dessas mulheres ingressaram no curso com o objetivo de obter uma qualificação a fim de conseguir uma oportunidade de emprego. Este dado preocupa, porque já verificamos que apenas 25% delas de fato aproveitaram os conhecimentos adquiridos para gerar renda, isto porque embora as egressas afirmem que houve identificação delas com o curso ofertado, quando nos aprofundamos em suas falas, na verdade percebemos que essa afinidade relatada não se refere a exercício de prática profissional, mas de utilização no meio privado e reprodutivo a que essas mulheres pertencem.

Não podemos perder de vista que um dos objetivos centrais da política era a inserção no mercado dessas mulheres a partir de capacitação em cursos técnicos a fim de promover o protagonismo dessas em suas famílias e comunidades com base na sua independência financeira, fator que atuaria no combate às desigualdades de

gênero e retiraria estas mulheres da situação de vulnerabilidade social a que pertenciam, e ainda pertencem. Avaliar a situação acima é o cerne desta pesquisa, é a problemática a que temos empreendido esforços.

Mas nossa pesquisa foi além, e questionamos então quais teriam sido as contribuições que participar desses cursos trouxe à vida dessas mulheres. Acrescentamos que para esta pergunta foi permitida a escolha de 2 a 3 itens com os quais elas se identificassem.

Primeiro cabe esclarecer que todas foram unânimes em responder que a participação no curso trouxe significados importantes e marcantes para as suas vidas. A contribuição mais apontada foi o Acesso à educação formal, este resultado é importante porque diz respeito a um dos objetivos da política: proporcionar o acesso à educação formal de mulheres marginalizadas e que, e outros cenários, dificilmente teria acesso a estudar em instituições de excelência como as instituições que compõem a Rede Federal EPT. Inclusive, já foi relatado anteriormente que esse acesso foi utilizado como propulsor na busca de novas oportunidades acadêmicas.

Mais importante foi ter que voltar a estudar na educação formal. E a minha família me apoiou muito. Só de estar ali, junto de todo mundo. O pessoal, a amizade que a gente fez.(E2)

[...] um incentivo. Pra gente se evoluir mais. E, assim também que eu vi que eu não tenho mais idade pra isso .(achava, né?) Pra que que eu vou fazer isso? Pra que continuar estudando? E daí pra cá eu, sabe, o que aparecer que eu vejo que dá pra mim, eu faço, não importa o que eu vou fazer. [...] Eu vejo assim, você tá só dentro de casa, não tá trabalhando, se é de você tá dentro de casa com aquele pensamento nas coisa, se remoendo tudo que passa na sua mente, como é que eu vou fazer, eu vou fazer alguma coisa. (E3)

Foi onde tudo começou. Depois que eu terminei o ensino médio eu não tive mais interesse de estudar, fiz ENEM e tudo, mas nunca colocava minha nota. [...] só fazia testar mesmo, os conhecimentos. Mas aÍ quando eu tive a oportunidade de participar do Mulheres Mil, aÍ surgiu aquela vontade de continuar, e tanto que foi um período de seis meses, e, quando terminou, eu já sentia falta. E logo, pouco tempo, eu entrei em outro curso que foi no SENAC, aí, nesse período que eu tava no SENAC, eu entrei aqui (IFCE) de novo, no curso técnico, aÍ eu fazia os dois cursos. Aí eu terminei o técnico e já ingressei no superior. (E6)

Há demonstrado que esses trabalhadores guardam com a escola que os expulsou, desde muito cedo, uma combinação entre fascínio e medo, isso porque não conseguem reconhecer como um direito seu (FISCHER;FRANZOI, 2009).

Outro resultado interessante é que para estas egressas, a grade curricular correspondente aos conhecimentos diversos foi mais importante para suas vidas do que os conhecimentos técnicos. Estes dados se cruzam e ratificam a discussão trazida logo acima de que, embora tenham informado se identificar com o curso, na verdade a identificação maior se deu pelos conhecimentos diversos apreendidos e não pela capacitação profissional em si.

Outras ferramentas identificadas na Metodologia de Acesso, Permanência e Êxito, referem-se ao resgate da história de vida dessas mulheres como forma de empoderamento e de reconhecimento por estas do valor que suas experiências têm, são elas: o Portfólio e o Mapa de Vida.

O Portfólio já foi indicado que não foi bem trabalhado no IFCE como foi no Canadá, por exemplo. Os gestores do IFCE compreendem que isto se deu pela questão cultural de nosso país que não se utiliza dessa ferramenta com amplitude e tão pouco nas áreas em que essas egressas foram capacitadas.

Em visita ao IFE Campus de Limoeiro do Norte ao analisar os documentos referentes ao Programa Mulheres Mil percebemos que também ali não foi trabalhada de forma adequada o Portfólio, e restringiu-se apenas a recolhimento de certificados que as alunas apresentavam no momento da sua inscrição e foram arquivados. Dali não saiu documento com reconhecimento dos saberes e competências dessas mulheres para que estas pudessem utilizá-lo no momento de pleitear vagas de emprego. Esta era uma ferramenta importante não apenas ao Êxito dessas alunas, mas também quanto ao empoderamento e emancipação dessas.

Contudo, é fulcral identificar que uma das ferramentas que, segundo relatos dos gestores do IFCE, não tinham grande importância no Canadá, mas foi o ponto de inflexão no IFCE, em que todas as egressas citaram como o momento que transformou suas vidas, foi o Mapa de Vida. Talvez essa divergência na importância atribuída ao Portfólio e ao Mapa de Vida entre os países parceiros guardem relações com a cultura e a configuração social desses países.

A história de vida ou relato de vida pode ter a forma autobiográfica, onde o autor relata suas percepções pessoais, os sentimentos íntimos que marcaram a sua experiência ou os acontecimentos vividos no contexto da sua trajetória de vida. [...].(CHIZZOTTI, 2001, p.95)

A fim de demonstrar a importância do Mapa de Vida para estas mulheres, nada mais eloquente do que as falas das mesmas:

A interação com as outras mulheres, saber das suas experiências foi enriquecedor, tenho contato com muitas até hoje. A gente aprende muito sobre superação com a vivência das demais. (E1)

Tinha delas que sofria também. Aí aprenderam, né? Muitas. A interação foi muito boa. Achei muito bom. Mas quando eu fiz, eu até assim, as meninas disseram que eu era besta porque eu me emocionei sabe? Chorei. Achei muito bom, foi muito bom. (E2)

Sim, além de ter um vínculo de amizade diferente, a gente conhece muitas pessoas, conhece muitos casos de vida, ai a gente vai madurecendo, pelos exemplos da vida de cada um. Foi bem diferente, e teve a questão, porque assim fez com que a gente ficasse mais próximo das histórias de vida de cada uma, teve aquele momento de emoção que mexe mesmo com a gente. (E6) Ouvir aquelas historias, de pessoas mais velhas, foi muito interessante, eu cresci muito. (E7)

[...] eu chorava que nem menina véia, acho que todo mundo chorou, eu contando, e foi assim bem emocionante. Você saber da vida da pessoa, por que as vezes você tem um problema e acha que ninguém tem um problema maior do que o seu, e, no curso, a gente foi falar de passado, de presente, o que tava vivendo na sua vida. Você ver que tem pessoas bem piores, você deve agradecer, pelo que você tá passando, porque ainda é mais leve do que o fardo que o outro carrega. Então eu achei bem interessante, acho que foi o momento que eu nunca esqueci na minha vida, sempre voltando eu lembro, porque foi bem emocionante, muitos relatos, muitos acontecimentos, e quando eu fui falar do meu filho, eu sempre me emociono, quando eu vou falar desse problema dele[...] (E8)

No intuito de demonstrar as formas que essas mulheres encontraram de demonstrar os fatos marcantes em sua trajetória de vida, separamos dois mapas da vida de egressas do campus de Limoeiro do Norte, a fim de trazer uma explanação mais atraente e condizente com a emoção que estas mulheres expunham, e até extrapolavam, nesses momentos.

Na primeira figura, identificamos o prazer e a importância que essa mulher nutria com essa experiência de fazer parte do Programa Mulheres Mil, pois, apesar de explanar momentos bem marcantes na vida de qualquer pessoa, homem ou mulher, observemos como ela passa a se enxergar a partir do momento que inicia o curso. É apenas uma imagem, mas que carrega em si um mundo de novos sonhos e de realizações que esta mulher certamente não esperava viver. Reflete o orgulho que sentia em participar, e, o desejo que cresceu nesta mulher de ir além, ou melhor, a

percepção de que é capaz de ir além do que a sociedade ou sua família tenham lhe imposto.

O Mapa da Vida nos traz o deleite de desfrutar de talentos, infelizmente perdidos, mas que conseguem artisticamente demonstrar a dura realidade da mulher brasileira. Mais importante, indica que essa egressa consegue ao menos vislumbrar as amarras invisíveis que a limitam, nos deixa perplexos, e nos leva a questionar: Quantos talentos como este estão perdidos por falta de oportunidade? Quantas mulheres continuam e continuarão sofrendo em silêncio a difícil tarefa de ser mulher? Quanto mais o tripé patriarcado-racismo-capitalismo vai roubar de nosso povo?

Talvez não seja este um momento para novas indagações, talvez eu apresente perguntas já realizadas ao longo desse texto, talvez já tenham sido até respondidas, mas nenhuma dessas opções consegue aplacar o sentimento de indignação e de tristeza que inundam o coração desta pesquisadora, a ponto de não julgar ser possível não as registrar. Há autores que defendem que o pesquisador precisa manter um certo distanciamento em relação aos sujeitos da pesquisa, mas trago mais uma pergunta: Como conseguir esta proeza quando, como mulher, você se enxerga como parte integrante de cada um desses sujeitos?

Nessa conjuntura, prefiro me aproximar do que pensa Chizzotti, quando afirma que:

O pesquisador deve, segundo alguns, experienciar o espaço e o tempo vivido pelos investigados e partilhar de suas experiências, para reconstituir adequadamente o sentido que os atores sociais lhes dão a elas (pesquisa implicada). (CHIZZOTTI, 2001, p.82)

Figura 9 – Mapa de Vida através de imagens

Fonte: Acervo do IFCE Campus de Limoeiro do Norte

5.4. Programa Mulheres Mil: um propulsor para o empoderamento,