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5. PERCEPÇÕES DO CAMPO: O PROGRAMA MULHERES MIL NA VOZ DAS EGRESSAS DO IFCE/CAMPUS LIMOEIRO DO NORTE

5.2. Capacitação gera inserção no mercado de trabalho Será?

O momento de coleta de dados (neste caso, entrevistas e grupos focais), depois de realizada análise documental e de ter movimentado as discussões das categorias analíticas anteriormente delimitadas, não excluem a possibilidade de surgir no campo a necessidade de outras categorias. Segundo Minayo (2001, p.18), “toda investigação se inicia por um problema, com uma questão, com uma dúvida ou uma pergunta, articuladas a conhecimentos anteriores, mas que também podem demandar a criação de novos referenciais.”

Dessa forma se deu neste estudo, ao voltar do campo (entrevistas e grupos focais) trago uma inquietação ainda não discutida, mas de tangível importância para esta pesquisa: qual deveria ser a função da educação na sociedade e para o mercado?

Os sociólogos, assim como os políticos, durante muito tempo, enxergavam no desenvolvimento da educação o instrumento privilegiado de uma política de igualdade social. Ainda há economistas da educação presos à ideia de que o desenvolvimento da educação leva a uma redução das desigualdades salariais. Assim como antigamente os sociólogos esperavam que com o aumento dos índices de escolarização viesse a mobilidade social (BOUDON, 1979).

[...] Daí resulta uma filosofia utilitarista e imediatista e uma concepção fragmentária do conhecimento, concebido como um dado, uma mercadoria e não como uma construção, um processo. (GENTILI, 2007, p.85)

Talvez seja por um efeito de inércia cultural, mas o fato é que continuamos tomando o sistema escolar como um fator de mobilidade social, segundo uma ideologia que caracteriza a escola como libertadora, de fato um contra senso, visto que tudo tende a mostrar que ele é utilizado como um dos fatores mais eficazes de conservação social, pois ao fornecer a aparência de legitimidade às desigualdades sociais, ainda sanciona a herança cultural e o dom social tratado como dom natural (BOURDIEU, 1998).

De acordo com Frigotto (1999, p.31), a educação está “no plano dos direitos que não podem ser mercantilizados e, quando isso ocorre, agride-se elementarmente a própria condição humana.” Uma vez que quanto mais eficaz e global for o trabalho escolar, na sua missão de transmitir o conhecimento elaborado e historicamente sistematizado, tanto mais ele poderá significar um instrumento capaz de se voltar contra os interesses do capital. Este esforço, objetivamente, levaria a uma direção política e uma qualidade técnica capazes de vincular o saber que se processa na escola aos interesses da classe trabalhadora. Oportunizaria a esses terem consciência de tudo que sempre lhe foi negado, desde a seletividade social ao oferecimento de uma escola desqualificada.(FRIGOTTO, 1989)

Em suma, o que queremos destacar até aqui é que, efetivamente, a escola enquanto instituição que se insere no interior de uma formação social, onde as relações sociais de produção capitalista são dominantes, tende a ser utilizada como uma instância mediadora, nos diferentes níveis, dos interesses do capital. [...].(GRIGOTTO, 1989, p.179)

A proposta de uma bandeira de luta de classes trabalhadoras transformou- se numa artimanha utilizada pelo capital para pressionar as camadas subalternas a se adequarem de forma mais rápida às mudanças dos paradigmas produtivos, e, assim a qualificação técnica/tecnológica ficou restrita a uma habilitação para o capital, que limita ao trabalhador apenas os fragmentos de saber minimamente necessários para o desempenho de suas funções. (MARQUES, 2016)

O próximo passo, com a ajuda da ausência do Estado, foi incutir que os investimentos na formação do trabalhador são de responsabilidade do indivíduo, um deslocamento do plano social para o individual. Astutamente, a qualificação, a necessidade de atualização constante como formas de preparação para o mercado de trabalho não passa de estratégicas fajutas de marketing que vendem a promessa de trabalho, como se apenas esta formação fosse suficiente para superar esse caos econômico (OLIVEIRA;ALMEIDA, 2009).

Por tudo isso, quer-se sublinhar esse lugar de destaque da educação profissional nas atuais políticas educacionais. Parte-se do pressuposto de que a mesma é lócus privilegiado para que o trabalho adquira um lugar de dignidade, porque é aí que as vivências de trabalho circulam/podem circular com todo o seu vigor [...] Esse lugar do trabalho no interior da educação profissional dá-se especialmente na versão mais corriqueira: a de preparação para o mercado de trabalho. São reforçadas as compreensões estritas sobre o manejo da técnica sem a problematizar, sem que a mesma seja compreendida como construção humana. [...] separa-se fazer e pensar, inseparáveis em qualquer atividade humana.(FISCHER;FRANZOI, 2009, p.41)

Sob a perspectiva de Frigotto (1999), as classes dominantes, historicamente, manipulam a educação dos trabalhadores com a finalidade de habilitá- los técnica, social e ideologicamente para o trabalho. É pura e simplesmente a subordinação da função social da educação para responder às demandas do capital e de forma controlada. Afinal “fora do mercado propriamente escolar, o diploma vale o que, do ponto de vista econômico e social, vale o seu detentor (BOURDIEU, 1998, p.152)”.

Ora, se considerarmos seriamente as desigualdades socialmente condicionadas diante da escola e da cultura, somos obrigados a concluir que a equidade formal à qual obedece todo o sistema escolar é injusta de fato, e que, em toda sociedade onde se proclamam ideais democráticos, ela protege melhor os privilégios do que a transmissão aberta dos privilégios.(BOURDIEU, 1998, p.53)

Esse debate trazido a nós, neste momento, faz-se necessário ao considerarmos que esse estudo busca compreender as formas de inserção no mercado de trabalho de mulheres estruturalmente excluídas a partir da formação técnica de curta duração, desta sorte, não lograríamos êxito em nossa empreitada se não compreendêssemos os meandros que o capital percorre para dominar até mesmo a função social da educação.

Além do que, diversas pesquisas já comprovaram, e trata-se de reivindicação mundial, o fato de que homens e mulheres, mesmo com os mesmos níveis de escolaridade, não têm as mesmas oportunidades de trabalho ou de salário, isto porque, para as mulheres, existem os obstáculos ancorados no âmbito reprodutivo e das responsabilidades domésticas. “Um exemplo claro nesse sentido é a desistência escolar de meninas pobres que está diretamente relacionada aos seus direitos reprodutivos (gravidez na adolescência) (LISBOA, 2008, p.4).”

Em análise aos dados quanto à escolaridade das ex-alunas, contata-se que pelo menos 75% dessas mulheres cursaram apenas a educação básica, e apenas 25% tiveram oportunidade de dar continuidade aos seus estudos e se encontram em fase de conclusão de cursos em nível superior, dentre as entrevistadas, essas foram as únicas que conseguiram aumentar sua escolaridade.

Esses dados não destoaram do esperado e dos questionamentos apontados neste texto, uma vez que a política tem como critério atender às mulheres que estivessem, há muito tempo, longe da vida estudantil. No entanto, surpreende o fato de 38% dessas egressas estarem sem contato com a vida escolar há mais de 15 anos, as que apresentam maior idade e que largaram a escola desde novas para trabalhar ou pela responsabilidade dos cuidados com o mar e com os filhos. Muitas vezes, para esta pesquisadora, os resultados que se apresentaram causaram impactos mais desnorteadores do que poderia supor, em parte por não estar totalmente preparada de acordo com o que se explica abaixo:

A delimitação do problema não resulta de uma afirmação prévia e individual, formulada pelo pesquisador e para a qual recolhe dados comprobatórios. O problema afigura-se como um obstáculo, percebido pelos sujeitos de modo parcial e fragmentado, e analisado assistematicamente. A identificação do problema e sua delimitação pressupõem uma imersão do pesquisador na vida e no contexto, no passado e nas circunstâncias presentes que condicionam o problema. Pressupõem, também, uma partilha prática nas experiências e percepções que os sujeitos possuem desses problemas, para descobrir os fenômenos além de suas aparências imediatas. A delimitação é feita, pois,

em campo onde a questão inicial é explicitada, revista e reorientada a partir do contexto e das informações das pessoas ou grupos envolvidos na pesquisa.(CHIZZOTTI, 2001, p.81, grifo nosso)

Segundo as próprias egressas:

Não, não fui pra frente não. Tinha filho pra sustentar, tinha que trabalhar. (E2) Eu parei no 2º ano do médio, por motivos de doença do meu filho, que eu fui mãe bem nova, e, pra acompanhar ele no tratamento eu tive que parar o estudo né? (E8)

Ao prosseguir com as análises, trazemos à tona informação posicionada no início deste capítulo, de que os cursos ofertados pelo IFCE Campus de Limoeiro do Norte trabalharam com as 100 primeiras mulheres matriculadas em cursos com duração de 360 horas, enquanto que as 100 últimas turmas tiveram a duração de seus cursos reduzidas a 180 horas.

Pelo visto até aqui, torna-se fácil compreender como o capital tem se utilizado de subterfúgios para tornar a educação profissional mais atraente e decisiva para o mercado de trabalho do que realmente é.

Nota-se que, após a participação no curso, houve melhora nos índices de participação das egressas na renda da família. Pois o percentual de mulheres que participavam parcialmente na renda familiar aumentou em 25%. Contudo, apenas duas egressas, do total de entrevistadas, atuam na área do curso, conforme analisaremos mais à frente.

Quando questionadas se exercem atividades laborativas na área do curso realizado a partir do Programa Mulheres Mil: temos a maioria das egressas afirmando que não atua na área da capacitação realizada, e, apenas duas mulheres indicaram trabalhar em área que guarda particularidades com a área em que foram capacitadas.

Contudo, ambas não apenas exercem essas atividades na total informalidade, como não utilizam apenas este meio para contribuir no prover de sua família.

Eu fazendo em casa eu vendo bem. Eu vendo assim: eu faço, o pessoal vem buscar. Peço pras minhas colegas, minhas comadres, colocar na internet, pros conhecidos que ela tem. Elas postam e o pessoal, procuram, e vem buscar. Só que aí eu digo: eu não faço entrega porque eu não tenho transporte, às vezes dificulta também, porque às vezes a pessoa não quer, mas também não compensa você deixar dois, mas todo mundo diz que é muito bom. (E7)

[...] durante o dia eu divulgo meus perfumes, eu saio, eu faço solicitação e tudo. E, de nove, dez horas até uma da tarde, eu faço quentinhas né? Trabalhando com as quentinhas. E, quando aparece umas faxinas, ficar com um menino, uma coisa assim. (E8)

Identificamos em quais áreas atuam estas mulheres. Importante ressaltar que, mesmo que uma tenha informado que faz faxina (diarista), e que outra tenha dito que trabalha com reforço escolar em sua residência, ambas afirmaram não participar da renda familiar porque seus trabalhos são esporádicos (bicos), e, o valores recebidos, quando recebidos, não são suficientemente significantes para serem contabilizados como parte da renda de suas famílias.

Porque assim, o meu trabalho aqui é prestar serviço pros outros, ficar 1 mês, 2. Nunca consegui manter uma clientela. (E3)

Além disso, uma egressa expressou trabalhar como agricultora, outra conseguiu empreender e montar uma ótica em sociedade com seu cunhado, a partir da utilização do montante proveniente de rescisão de contrato de trabalho formal, iniciado posteriormente à sua participação no curso, em um supermercado.

Por fim, as duas únicas egressas que informaram atuar na área de culinária, uma vendendo docinhos e chocolates em casa, e, a outra vendendo quentinhas em sociedade com sua mãe, estas atuam na informalidade. A primeira precisa da ajuda financeira do pai e recebe a pensão paga pelos pais de seus filhos para complementar a renda, e a segunda, atua concomitantemente como vendedora de perfumes, diarista e até como babá, a fim de contribuir com as despesas da família.

Como já citado neste texto, temos caracterizada uma realidade de “gestão de sobrevivência”.

Foi levantada também a idade com que essas mulheres começaram a exercer algum tipo de atividade remunerada, uma realidade desalentadora se mostrou. Em que mais da metade dessas mulheres começaram a trabalhar antes mesmo de completarem 18 anos de idade, o que, em parte explica os motivos da descontinuidade dos estudos.

Ademais, todas as entrevistadas indicaram que suas primeiras experiências laborais se deram na informalidade, e, apenas uma conseguiu adentrar o mercado formal após o curso. Cenário que, apesar de alarmante, coaduna com a discussão, aqui já realizada, a respeito das alterações que o capital vem impondo ao mercado de trabalho, o que tem causado uma realidade vertiginosamente evolutiva de total precarização. Questionada sobre em que área trabalhava já com tão pouca idade, uma respondeu:

Agricultura, né minha filha. Era o que a gente fazia: plantava. Desde novinha, meu pai leva nós para cercado e botava para arrancar. Nunca assinei a carteira não. Agricultura a gente trabalhava pros outros, né? Que a gente não tem nada, né? Tudo era dos outros. (E2)

O que traz um agravante para estas mulheres, visto que sistematicamente e estruturalmente elas têm convivido com a exclusão, ou, neste caso, com uma inclusão precária que apenas formaliza a exclusão. Essas mulheres, exploradas desde antes de se aperceberem como pessoas, apesar de não demonstrar consciência crítica sobre as causas dessa exclusão, identificam que não se trata de uma situação que venha a refletir igualdade ou justiça social.

Ao identificar que apenas uma das entrevistadas conseguiu ser inserida no mercado formal, embora não tenha sido na área do curso em que foi capacitada, é válido analisar os motivos, as condições da não inserção dessas mulheres no mercado de trabalho de forma adequada e digna.

Logo, a respeito da utilidade do certificado obtido a partir da participação no curso oferecido pelo Programa Mulheres Mil, foi possível identificar que algumas delas até consideram que o certificado foi importante para sua atuação na área de culinária, mesmo que na informalidade, pois traz mais respaldo ao trabalho realizado

pelas mesmas, haja vista que trabalham em suas residências e em contato direto com seus clientes.

Uma das egressas, a que ingressou no mercado formal de trabalho, atribuiu ao certificado um diferencial determinante no momento de sua contratação.

Utilizei os conhecimentos que aprendi no curso, no meu empego, principalmente na parte de lidar com as pessoas, os conflitos. (E1)

E quase metade das entrevistadas informaram que o certificado não foi um diferencial, contudo cabe registrar que, dentre as egressas entrevistadas, maioria sequer chegou a buscar oportunidades de emprego na área em que foram capacitadas: algumas delas simplesmente porque não tiveram afinidade com a área do curso ofertado, fato que será melhor debatido quando passarmos para a avaliação da Metodologia de Acesso, Permanência e Êxito. Dentre as demais, que não atuam ou atuaram na área do curso, justificam que não buscaram oportunidades por serem as responsáveis pelos cuidados com os filhos e/ou pessoas idosas da família que moram próximo às suas residências, situação já esperada e amplamente debatida em quase todos os capítulos de discussão teórica aqui referendados e que revisitamos a partir da afirmação de que:

A relação das mulheres com a cidadania e com o Estado passa pela associação dessas à maternidade[...]. Enquanto os homens adentram o espaço público com o status de indivíduo, cidadão e trabalhador [...] as mulheres freqüentemente se incluem a partir de questões do mundo doméstico, questões essas associadas às tarefas de reprodução, o que afirma seu estatuto político em razão das funções maternas e de cuidado [...] e a fixação da mulher à maternidade definem os contornos desta cidadania fragilizada e sexuada.(CARLOTO;SILVANO, 2008, p.162)

Com voz, as egressas, que podem explicar melhor, apesar de sua pouca instrução, a gravidade dessa destinação da mulher ao espaço doméstico, reprodutivo:

Tinha. Sim. E até eu tinha própria influência em, por exemplo, em padaria, que tinha gente da minha família, nossa família. Mas aí também eu já estava um pouco cansada, né? Porque assim, eu já ter que passar o dia todinho já era muito puxado e eu via muito esse lado: E quando chegar em casa? A gente tinha que cuidar da casa, cuidar dos filhos. Eram menores. (E4)

Eu ajudo só minha mãe, que ela já tem 71 anos e ela mora aqui , aí a gente vai lá à tardinha e dou uma ajuda a ela. (E4)

Eu penso na base disso, porque pra deixar é muito difícil (filhos), aí minha vó já tem muita idade, minha mãe também é doente, eu que cuido. Aí eu acho mais complicado de deixar, ai eu vou me virando fazendo umas coisinhas em casa. (E7)

Em síntese, esta “ ‘atadura’ às obrigações domésticas não remuneradas e não reconhecidas está na base dos obstáculos enfrentados pelas mulheres para sair para o mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens (LISBOA, 2008, p.5).”

Contudo, o interessante é que, embora o programa tivesse entre seus objetivos o empreendedorismo e associativismo, e mesmo que algumas dessas egressas não tenham conseguido oportunidade de emprego na área, estas estão dispostas e almejam iniciar seus próprios empreendimentos, no entanto, o não acesso a crédito configura como principal fator impeditivo para esta realização.

[...] mas não me interessei porque a gente não tem o capital, né? Aí não dá, né? (E2)

Tenho sonho de ter minha lanchonetizinha, aqui do lado da minha casa, mas falta o capital. Eu observo que o bairro fica afastado da cidade e quase não tem opção, então eu acho que seria bom. (E5)

Depois de organizado, se der pra colocar meu próprio negocinho, eu vou colocar. (E7)

Outro aspecto apontado por essas mulheres foi a questão do local social onde estão situadas:

Prestei logo atenção naquilo ali. Aqui já não dá, mas a gente parou por aí, mas a gente tinha um pouquinho, se fosse a minha família me ajudar, mas eu vi que a comunidade não dava. Ela (filha) colocou no mercantil, a gente fazia à noite, no outro dia ia deixar, mas a menina disse: mulher, é fraco. (E4)

Posto que são provenientes de bairros classificados como de baixa renda, onde o poder aquisitivo desses moradores é bem diminuto, a tirar pelo perfil

socioeconômico dessas egressas, pois essas, mesmo inconscientemente, têm uma leve e empírica percepção de que:

O bairro chique, como um clube baseado na exclusão ativa de pessoas indesejáveis, consagra simbolicamente cada um de seus habitantes, permitindo-lhe participar do capital acumulado pelo conjunto dos residentes: ao contrário, o bairro estigmatizado degrada simbolicamente os que o habitam, e que, em troca, o degradam simbolicamente, porquanto, estando privados de todos os trunfos necessários para participar dos diferentes jogos sociais, eles não têm em comum senão sua comum excomunhão. A reunião num mesmo lugar de uma população homogênea na despossessão tem também como efeito redobrar a despossessão, [...](BOURDIEU, 1998, p.166)

A realidade é que mesmo as duas egressas que trabalham informalmente na área do curso, só o fazem porque buscam outras fontes de investimento: enquanto uma delas só consegue fazê-lo porque trabalha em uma sociedade não formalizada com a sua mãe; a outra apenas consegue atuar nesta área em momentos pontuais, sob encomenda, ou em datas especiais. Estas também atribuem à falta de capital como elemento impossibilitante de dar asas ao sonho de empreender.

A questão do local social encontra-se tão arraigada nessas mulheres, que apenas três delas esperam ir além: aumentar a escolaridade e buscar oportunidades de emprego formal ou outras possibilidades mais dignas. Talvez por estas terem tido acesso a outros níveis de educação, capazes de despertar nelas um senso crítico suficiente para desperta-las de seu lócus social limitador.

As demais não se enxergam como capazes ou merecedoras de ocupar uma vaga de emprego formal. E, por conseguinte, lutam até a exaustão para manter suas famílias, a partir de uma verdadeira “gestão de sobrevivência”, em que nem elas e nem seus companheiros possuem empregos fixos ou têm acesso aos seus direitos sociais, trabalhistas e previdenciários. É o Estado ajustador ausente da função social, que deixa como única escolha a estas pessoas digladiar-se diariamente apenas pelo básico para sobreviver a mais aquele dia, num claro cumprimento da oração a todos nós ensinada desde pequenos: “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje”. (Mt 6,7 – 15, grifo nosso)

[...] eu revendo perfume, eu faço faxina, eu me rebolo do jeito que eu

Uma vez identificada a não atuação na área em que foram capacitadas, resta conhecer como essas mulheres utilizaram os conhecimentos técnicos adquiridos. Aqui, cabe delimitar que a grade curricular dos cursos apresenta disciplinas ligadas à Base Nacional Comum: fundamentação (leitura e matemática, por exemplo), identidade e cidadania (saúde e direitos da mulher, etc) e participação e trabalho (empreendedorismo, por exemplo). E disciplinas relacionadas à Formação Profissional, neste caso, relacionadas diretamente com as práticas de culinária, por exemplo.

Desse modo, os conhecimentos adquiridos nas disciplinas da Base Nacional Comum foram identificados como conhecimentos diversos, enquanto os relacionados com a Formação Profissional são denominados como conhecimentos técnicos.

Pelos dados temos um retrato de como os conhecimentos técnicos foram utilizados por estas egressas. As mesmas duas egressas que afirmam trabalhar na