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5. PERCEPÇÕES DO CAMPO: O PROGRAMA MULHERES MIL NA VOZ DAS EGRESSAS DO IFCE/CAMPUS LIMOEIRO DO NORTE

5.1. Análise do perfil socioeconômico das egressas

Embora a problemática aqui em tela não esteja claramente ancorada na análise, principalmente comparativa, entre as evoluções situacionais dos quadros socioeconômicos das egressas, esta análise será instrumento para permear e subsidiar as discussões que se seguirão.

A política em análise possui alguns critérios de seleção dos seus sujeitos, em que se destina a acolher aquelas mulheres que estejam em clara situação de vulnerabilidade social, não que se configure uma tarefa difícil, uma vez que se trata do gênero estruturalmente discriminado e excluído por toda a história da Humanidade. No entanto, esta característica da política que, por alguns, é visto como benéfica e importante na busca de incluir essas mulheres, traz uma situação alarmante e pouco percebida.

Deixa-se de enxergar que essas políticas do vitimismo, que hoje predomina no contexto das políticas públicas compensatórias, como o Programa Mulheres Mil, reflete a baixa cidadania presente nos programas assistenciais. Desse modo, as mulheres são submetidas à humilhação de terem de comprovar sua situação de vulnerabilidade, que são pobres e infelizes, para que recebam o “direito” de acesso à política. Essas nada mais são do que formas de tutelagem, e porque não, de

infantilização que se mostram incompatíveis com a ideia de autonomia e responsabilidade. Logo, resta claro, que a maior parte das políticas sociais facultativas findam por colocar o usuário em um lugar subalterno, em que lhe são negadas as bandeiras da via republicana e da eficácia dos direitos (MORAES, 2014). Esquecem- se de que política pública significa ação coletiva que objetiva concretizar direitos sociais demandados pela sociedade e já garantidos em lei (BRAVO;PEREIRA, 2007). No Plano de Trabalho apresentado pelo IFCE Campus de Limoeiro do Norte é apresentado o bairro chamado Cidade Alta como foco das ações do programa, e justifica sua escolha pelo diagnóstico situacional realizado, o qual apontou que esta comunidade carecia de assistência educacional e social, e onde estavam um vultuoso número de mulheres caracterizadas em vulnerabilidade social, requisito essencial para a efetivação da política.

Em nossa coleta de dados, no momento das entrevistas, foram realizados questionamentos acerca da situação socioeconômico das egressas, pois, uma vez que a política se destinava às mulheres caracterizadas em situação de vulnerabilidade, era imperativo aferir se hoje esta realidade evoluiu. Este também foi um momento utilizado para criar um ambiente de relaxamento para as egressas antes de adentrar nas questões que poderiam trazer à tona emoções e deixa-las inibidas em suas respostas.

Em primeiro plano, identificamos se tratar de um grupo de mulheres que hoje têm entre 25 a 56 anos de idade, este dado demonstra a diversidade das mulheres que participaram e conviveram entre si durante a execução dos cursos, esta é uma informação que será aprofundada à frente, pela importância e significado que esta interação de pessoas tão heterogêneas, em nível de experiência de vida, trouxe para a realidade dessas egressas e como para os resultados de nossa pesquisa.

Quanto ao estado civil, nenhuma delas se apresentou como mãe solteira, ou mãe solo75, as duas mulheres que se apresentaram como separadas, embora ambas com filhos, informaram que os pais são presentes na educação dos filhos. Por fim, temos que a maioria se apresenta como casada.

Quanto ao número de filhos das participantes do Programa Mulheres Mil do campus de Limoeiro do Norte, chama a atenção o fato de metade dessas egressas

75 Forma correta para denominar mães que são as únicas ou principais responsáveis pela criança. Disponível em: < https://www.thebodyshop.com.br/beleza-do-mundo/mae-solteira-mae-solo- diferenca/>. Acesso em: 29/11/2019, às 08h45.

ou têm apenas um filho ou nenhum. Em se tratando de avaliar política de inserção das mulheres no mercado de trabalho já foi abordado como a atribuição da responsabilidade pela educação dos filhos e das atividades domésticas são fatores determinantes para que a pobreza seja hoje tida como feminina, pois restringe a atuação das mulheres ao espaço reprodutivo.

A socialização dos filhos, por exemplo, constitui tarefa tradicionalmente atribuída às mulheres. [...] A sociedade permite à mulher que delegue esta função a outra pessoa da família ou a outrem expressamente assalariado para este fim. [...] Todavia, esta “permissão” só se legitima verdadeiramente quando a mulher precisa ganhar seu próprio sustento e o dos filhos ou ainda complementar o salário do marido. (SAFFIOTI, 1987, p.8)

Como definido no escopo da política, e constante no Plano de Trabalho do campus de Limoeiro do Norte, a situação de vulnerabilidade dessas mulheres é o critério de seleção, e, umas das formas de analisar o enquadramento do critério é partir da análise de aspectos pertinentes ao seu lar, desde os dados de sua moradia até a localização dessa.

Nesta análise detectou-se que a maioria é residente da zona urbana, vive em residência própria e com acabamento (piso cerâmico, laje, rede de esgoto, água encanada, banheiro dentro da casa etc.), capaz de proporcionar melhores condições de habitação.

Chizzotti (2001) considera que a imersão no cotidiano e a situação de familiaridade com as coisas tangíveis velam os fenômenos. Assim, é crucial ir além das manifestações imediatas para captá-las e trabalhar em busca de desvelar o sentido oculto das impressões imediatas, ou seja, ao pesquisador é essencial ultrapassar as aparências para alcançar a essência dos fenômenos.

Na análise de observação realizada por parte desta pesquisadora, visto que as entrevistas aconteceram na residência dessas mulheres, pude inferir que, embora situadas distantes do Centro da cidade de Limoeiro do Norte, o que traz grandes significados a este estudo, todas as residências apresentam condições dignas de habitação. A estrutura das casas, embora bem humildes, demonstra o esmero e atenção no cuidado com essas, e estão localizadas em ruas com acesso rápido, em ambientes que em nada sugerem situações iminentes de violência, bairros com ruas largas, limpas e, em sua maioria, com calçamento. Contudo, é preciso levar em conta

o posicionamento de Bourdieu (1998) quanto ao espaço físico se relacionar com o espaço social a que nos é destinado, em suas palavras:

O espaço social reificado (isto é, fisicamente realizado ou objetivado) se apresenta, assim, como a distribuição no espaço físico de diferentes espécies de bens ou de serviços e também de agentes individuais e de grupos fisicamente localizados (enquanto corpos ligados a um lugar permanente) e dotados de oportunidades de apropriação desses bens e desses serviços mais ou menos importantes (em função de seu capital e também da distância física desses bens, que depende também de seu capital). É na relação entre a distribuição dos agentes e a distribuição dos bens no espaço que se define o valor das diferentes regiões do espaço social reificado.(BOURDIEU, 1998, p.161)

A rigor, esta pesquisa avalia um programa destinado às mulheres em vulnerabilidade social, mas, na prática, estamos lidando com mulheres estruturalmente excluídas da sociedade e indubitavelmente do mercado de trabalho. Não por acaso, a análise da renda familiar das egressas traz dados preocupantes, decepcionantes e porque não dizer: antidemocráticos, ao considerarmos que Avritzer (2016) enfatiza que o êxito da democratização brasileira reside primordialmente na capacidade das instituições democráticas gerarem políticas sociais que sejam capazes de permitir a inclusão da população de baixa renda.

Precisamente, a partir dos circuitos de seletividade e fragmentação do ajuste brasileiro, o mais preocupante é a constatação de que o Estado não tem Políticas Públicas ativas que consigam contrabalançar a exclusão do mercado. No Brasil de ajustes a integração dos diversos setores da população não é uma questão considerada (CARVALHO, 2002).

Obviamente, numa sociedade competitiva, o êxito de alguns poucos constrói- se graças ao fracasso de muitos. Assim, o número daqueles que mal conseguem sobreviver é, no Brasil, muito superior à cifra dos que vivem bem. [...] (SAFFIOTI, 1987, p.24)

Essa ausência do Estado só tem uma finalidade: a expansão de ação das políticas de ajustes do mercado. E a conta sempre é entregue aos menos favorecidos. Dessa forma, nos deparamos com a realidade em que mais da metade dessas egressas realizam a proeza de sobreviver a um mês com pouco mais da metade de

um salário mínimo. É a constatação de um verdadeiro Estado de abandono em que estas famílias vivem.

Até aqui, temos demonstrado que o deslocamento de significados com que tem sofrido a noção de cidadania mostra-se dramático, porque se vincula diretamente à gestão do que é a nossa questão mais premente: a pobreza. Um retrocesso, se considerarmos tratar-se de um movimento na contramão do que se enunciava no final dos anos oitenta e início dos noventa, quando a questão social e a pobreza passaram a ser encaradas sob a ótica da construção da cidadania e da igualdade de direitos. Atualmente, o projeto neoliberal propõe uma outra forma de gestão do social: o apelo à solidariedade, que se limita à responsabilidade moral da sociedade, bloqueando a sua dimensão política e desmontando as referências à responsabilidade pública e ao bem público, precária e penosamente construídas desde os anos oitenta. Logo, a cidadania é identificada de forma reduzida à solidariedade para com os pobres, por sua vez, entendida no mais das vezes como mera caridade, mas vendida como conceito de cidadania (DAGNINO, 2004).

Na voz de uma das egressas podemos perceber a situação dramática que a ausência do Estado tem sobrecarregado os indivíduos e suas famílias com atividades que deveriam ser obrigações do Estado:

Mulher, eu tô vivendo de, como é que diz? Meus filho tão me ajudando. Eu vivo de ajuda, né? Que é que nem eu digo pro menino, meus filhos me ajuda, minha mãe, meu irmão paga o aluguel né, que ele mora mais eu, é assim. Um dos meus filhos paga água e luz, outro compra o gás, sabe? (E2)