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Capítulo 3: O acampamento Elizabeth Teixeira: o protagonismo da EJA nas

3.5 A formação de educadores e educadoras

O PRONERA que era tão esperado, chegou no acampamento Elizabeth Teixeira e os ganhos para toda a comunidade parecem ser um ponto indiscutível. Porém, a formação que as educadoras e educadores vem recebendo, que fica por conta do MEB principalmente, ainda contém muitas lacunas a serem preenchidas, visto que os beneficiários do PRONERA tem pouco ou até nenhum esclarecimento sobre a política pública. Investir de forma assídua na formação de educadores e educadoras deve ser uma importante prioridade dos programas educacionais e acreditamos que essa pauta deve fazer parte de todas as agendas dos programas de Educação. As narrativas das educadoras do acampamento Elizabeth Teixeira, deixa claro as falhas e as dificuldades que elas tem a partir dessa formação inicial que as preparou para entrarem nas salas de aulas como alfabetizadoras,

Eu acho que, primeiro a formação dos educadores tem que melhorar! Falando por mim, achei um pouco precária, tanto pela primeira formação que eu fui quanto pela formação continuada que tem. Quando tem a formação ficam pegando mais nos pontos de papelada, de burocracias mesmo, não fazem uma formação em pedagogia, por exemplo! Tanto que, na primeira formação ficaram um dia inteiro falando do MEB. Acho que poderiam ter aproveitado aquele período para auxiliar mais os educadores. Tinha ali muita gente que nunca tinha dado aula, que nunca tinha tido essa relação com os educandos e que aí chegou na sala e ficou um pouco assustado. A formação não foi uma preparação para que a gente entrasse confiante dentro da sala de aula, foi mais para apresentar material, para falar das documentações que teríamos que mandar, da parte burocrática mesmo, mas faltou

a parte pedagógica. Não vou falar que não teve, mas foi assim, bem baseada no livro. Foi uma breve formação de planejamento da aula, de construção do planejamento e não nas questões dos temas, isso faltou muito. Acho que deveriam ter feito uma preparação melhor, de mais tempo mesmo. Acho que faltou muita coisa. Por exemplo, a formação para um educador do campo não teve, teve formação talvez para um professor, mas não do campo! Acho que faltou muita coisa, falaram da paciência que temos que ter, falaram até de como se vestir, do modo de falar, para não falar baixinho, mas isso é coisa que com o tempo você vai pegando. Acho que faltou, deveria ter tido um espaço maior de tempo até para podermos digerir tudo. Nós ficamos quatro dias em formação e teve apresentação do MEB e do PRONERA, mas da Educação do Campo mesmo não teve! Mostraram o livro, os outros materiais e atividades em grupo para pensar os planejamentos, mas bem básico mesmo. Eu acho que tem que investir mais na formação mesmo, não é? Por que se um educador não está com uma boa formação, o que ele vai passar para o educando? E até mesmo para algumas pessoas, até para mim mesma, um conhecimento maior do que é o PRONERA, do que é uma escola no campo. (Leonela)

Eu não participei, mas pelo que a Leonela me falou e venho acompanhando, a formação não teve nada a ver com nada, foi péssima, elas não aprenderam nada! Eles fazem palestras e tal e tal, mas não ensinam mesmo o que o pessoal quer saber para entrar numa sala de aula. Ensinar mesmo, mostrar o que tem no livro e como usar, não teve isso. Ela disse “Iveline, eu estou igual a você, só vi as palestras lá que não acrescentaram em nada, mas estou igual a você.” Nunca ensinaram o que é ser mesmo um professor, a gente está aprendendo na marra! Por que assim, a gente sabe o que é ser professor apenas pela nossa experiência em ser aluno, professor na escola regular vai dando as atividades, independente da sala de aula. A gente já fez diferente, fomos adaptando a aula e montando elas sempre conversando com os alunos, com a necessidade deles. Na escola não, era assim “abre o livro em tal página”, aí tinha aquele livrinho do governo que não servia para nada e a professora falava, “vai gente, abre na página tal, leiam e façam tudo, copia a página tal”, não tinha explicação, nada! No começo, 1° a 4° série, nós aprendíamos, depois que vai para a 5° até a 8° é livro! Colegial então, é só livro, cópia do livro! Foi isso que eu entendi, que eles jogavam o livro na nossa mão para a gente se virar, não deram instrução sobre como usar o tema gerador, qual forma fazer as aulas! Não teve isso! Elas me falaram que eles explicaram um pouco, que teve umas atividades e não teve nada em si que ela falasse que

aprendeu de verdade. Nesse tempo que estamos dando aula, não mandaram nada para ajudar, nada! Nenhum livro ou uma formação que ajudasse de verdade, nada! Sempre cobram que ela mande um monte de coisas, xerox de tudo, cobram sempre, mas nunca ajudam, nenhuma instrução. Eles sempre elogiam que nossa sala está indo bem, mas estamos indo bem pelo nosso próprio esforço, por que se fosse depender deles a gente estaria perdidas! Por exemplo, a educadora do Milton Santos, ela está seguindo o livro, está super atrasada por que está seguindo à risca o livro. Se a gente fizesse como ela e seguisse o livro à risca iria estar no tema que ela está e a gente está uns 4 ou 5 temas na frente dela. Eu sei que é difícil, por que lá tem muita gente com dificuldade, ela está sozinha, mas mesmo assim, ela seguiu de uma forma diferente por que ninguém explicou para ela como fazer. Para você ver como não teve uma explicação no curso, senão todos estariam seguindo da mesma forma. Ela está seguindo do jeito dela e a gente do nosso. Pelo que eu entendi o nosso está dando mais certo, os nossos alunos estão tendo um conhecimento maior. (Iveline)

O MEB, na década de 1960, foi o grupo com maior expressão significativa que concretizou projetos de Educação junto às classes populares. As ideias que orientavam os trabalhos do MEB eram permeadas, pela participação popular. a importância do MEB dentro dos movimentos de Educação Popular na história da educação no Brasil é muito importante e deve ser reconhecido, principalmente pela vasta experiência do movimento,

A riqueza de criatividade que se deu num curto espaço de tempo deve-se não só à política adotada pela cúpula da instituição; deve-se também à diversidade de situações que o MEB enfrentava em termos educativos, dada a vasta extensão territorial de sua atuação (Norte, Nordeste e Centro – Oeste); e acrescentaríamos, ao grau de estruturação, articulação e coesão institucional que permitiam grande circulação e aproveitamento das experiências e reflexos de cada nível e de cada lugar. (BEZERRA, 1980, p. 35)

Porém, Bezerra (1980), na década de 1980 após analisar e debater as experiências do MEB tira algumas lições importantes, que acreditamos que possam ainda hoje, ser valiosas para pensarmos as questões e problemas levantados pelas educadoras da EJA, na atual conjuntura. Primeiro, Bezerra aponta que, mesmo que esses movimentos educativos, como o MEB, procuravam dar a impressão aos animadores culturais que eles protagonizavam a condução dos movimentos populares, isso na verdade era “mera ilusão de ótica” (BEZERRA, 1980, p. 36). Ela ainda discute que, as chamadas camadas médias, usavam do apoio das camadas populares e do respaldo que

tinham de governos populistas para concretizarem suas propostas, usando o poder que tinham e o “saber que dispunham” (p.36) fazendo isso através dessas instituições onde estavam os movimentos educativos. Reconhecendo os avanços da educação popular no Brasil, na época analisada, e levando em conta a ambiguidade de interesse dos setores médios da sociedade, abriu-se espaço para repensar a educação das camadas populares (idem, p. 37).

Desta forma, reconhecemos a importância histórica do MEB na educação das camadas populares no país, mas também é importante, assim como são as educadoras Leonela e Iveline, sermos críticos a que educação, para quem e de que forma essa educação tem de fato um caráter além de popular, um caráter de Educação do Campo. É importante estarmos atentos para exigirmos o direito à informação, à formação e à atenção de qualidade e direcionada ao público que se propõe e ao projeto político pedagógico que assumiu, ou seja, acreditamos que as políticas públicas devam avançar em direção à formação em Educação do Campo.As educadoras parecem ter clareza sobre esses direitos e sobre o que significa poder popular. Se, no período analisado por Bezerra, esse poder popular foi negado às classes a quem se destinava, esperamos que o mesmo não se repita tantas décadas depois.

Propomos essa reflexão, pois acreditamos que a Educação do Campo, como prática social ainda em construção, reflete uma “consciência de mudança” (CALDART, 2012), a partir do momento que todos os envolvidos nesse processo, tenham acesso a compreender o que o próprio nome expressa, ou seja, compreender de fato o que expressa uma educação ser “Educação do Campo”. Uma formação de educadoras e educadores que permita acesso a todas essa nova proposta, seja capaz de dialogar com as demandas apresentadas por esses sujeitos e ainda, reconheça a educadora e o educador como sujeito fundamental para transformação das escolas no campo, pode se mostrar alinhada aos valores e princípios dessa educação e das lutas do campo.