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Educação Popular na Educação do Campo e EJA: potencialidades para o

Capítulo 1: O sentido da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil: a

1.3. Educação Popular na Educação do Campo e EJA: potencialidades para o

Operando a partir da ótica das classes trabalhadoras e das exigências trazidas por suas lutas, fazendo valer um conjunto de reivindicações por melhores condições de vida e de trabalho e, ainda, de pressões para uma participação maior nas decisões políticas, a Educação Popular foi se gestando entre os anos de 1960 a 1980. Tornando-se mundialmente conhecida, a educação popular sempre teve como direcionamento central do processo educativo estar a serviço dos interesses e das necessidades das classes populares, dos trabalhadores (BRANDÃO, 1984).

As raízes da Educação Popular são as experiências históricas de enfrentamento do capital pelos trabalhadores na Europa, as experiências socialistas no Leste Europeu, o pensamento pedagógico socialista, as lutas pela independência na América Latina, a teoria de Paulo Freire, a teologia da libertação e as elaborações do novo sindicalismo e dos Centros de Educação e Promoção Popular. (PALUDO, 2012, p.281)

No Brasil, anteriormente aos anos de 1990, é possível identificar três momentos da constituição da Educação Popular. O primeiro iniciou-se em 1889, à época da Proclamação da República, e estendeu-se até 1930. Esse modelo representou a passagem do modelo de país agrário- exportador para um modelo urbano-industrial. Nesse período, as primeiras ideias de práticas educacionais alternativas se deram com grupos socialistas, anarquistas e comunistas11, que

buscavam formas pedagógicas diferenciadas das pedagogias tradicionais e da Escola Nova (PALUDO, 2012).

Após esse período, com a Revolução de 1930, o Brasil passou pela ditadura do Estado Novo (1937-1945), vindo à tona os movimentos de educação popular com a concepção de Educação Popular. Foi quando surgiram três novas orientações pedagógicas em disputas de poder: a pedagogia da Escola Nova, a pedagogia tradicional e a Educação Popular, influenciada pelas teorias freireanas – ficando conhecida como a cultura popular dos anos 1960 (FÁVERO, 1983).

No final da década de 1970, como já discutimos anteriormente, emergiram com maior força, os movimentos sociais trazendo à tona as lutas populares, que sofreram drasticamente, como

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Os libertários, no início do século XX, não lutavam pelo ensino público e gratuito. Inspirados em Ferrer,

desenvolveram a chamada educação racionalista e fundaram a Universidade Popular e dezenas de escolas modernas, que eram autossustentadas (Ghiraldelli, 1987).

já mencionado, a época da ditadura militar. Por isso, até meados de 1990, a educação popular se fortaleceu de forma pedagógica e educativa, principalmente em espaços não formais, como sendo a educação do povo, da classe trabalhadora. Assim, “diversas concepções educativas estão presentes nas suas práticas: concepção de educação popular, teorias não diretivas, pedagogia da Escola Nova, pedagogia tradicional, pedagogia tecnicista” (SAVIANI, 2007).

Hoje, a proposta de educação popular que pretendemos apresentar como base para a pedagogia da Educação do Campo, vem no sentido de se firmar como um marco epistemológico e pedagógico engendrado no método prática-teoria-prática, ver-julgar-agir e ação-reflexão-ação (FREIRE, 2012), estabelecendo vínculos entre educação e política, educação e classe social, educação e conhecimento, educação e cultura, educação e ética e entre educação e projeto de sociedade (PALUDO, 2012) — ou seja, atendendo a demanda dos movimentos populares de uma escola onde se respeitam as diferenças culturais, a luta e organização das classes populares.

Em meio a lutas e resistências, alguns educadores e educadoras conseguem ainda retomar o sentido da educação popular com projetos que visam à resistência de uma educação transformadora e voltada aos sujeitos oprimidos por um sistema capitalista, sejam eles trabalhadores do campo ou da cidade.

Esses sujeitos, que tanto a educação popular quanto a Educação do Campo procuram contemplar, possuem suas histórias e saberes apagados e dominados no cotidiano comum da sociedade. Quando inserem-se na EJA, vêem nela uma oportunidade de externar todo esse conhecimento, quando incentivados e amparados pela turma, pelos educadores e educadoras e pelo sistema de ensino utilizados.

A Educação Popular se compromete com os interesses desses sujeitos, tendo como uma de suas preocupações básicas a criação de condições para que eles articulem suas experiências históricas, transformando-as num todo homogêneo e elaborando uma nova concepção de mundo. (FREIRE, 2011a).

Ora, se o que se busca não é mais o saber construído pela classe dominante, que saber seria este, então? Do ponto de vista de uma Educação, que se propõe como autônoma e independente, a construção desse novo conhecimento só poderia se dar a partir da ressignificação de um saber, que se inscreve nas experiências cotidianas das classes trabalhadoras e surge, ainda que desarticulado, destas mesmas classes.

A elaboração deste novo saber não se realiza naturalmente, exige uma troca recíproca de experiências e conhecimentos entre educadores e grupos de trabalhadores. Supõe, como diria Gramsci, um novo tipo de intelectual “[...] que não pode mais consistir na eloquência, motor exterior e momentâneo dos afetos e paixões, mas num imiscuir-se ativamente na vida prática, como

construtor, organizador persuasor “permanente”, já que não apenas orador puro [...]”12 (BLASS et al,

1980, p.38)

A partir das estruturas sociais com as quais a educação popular — e aqui gostaríamos de poder incluir desde já a Educação do Campo – precisa dialogar, com quais podemos compreender o processo que leva os educandos e as educandas a perceberem a desigualdade social -, se faz necessária uma perspectiva “de dentro” dos movimentos sociais, como propõem Brandão (1980 (a)) e Dias de Andrade (2010).

Assim, entendemos como um processo necessário, dentro de uma discussão centrada na cultura e nos saberes de um sujeito e/ou de uma comunidade, que as práticas de contextualização apareçam como um caminho possível dentro da Educação do Campo, da Educação Popular e das teorias pedagógicas populares.

Por que contextualizar? Contextualizar aqui vem num sentido de estabelecer relações orgânicas entre a escola e o contexto onde ela está inserida — neste caso, o campo — com problemáticas diversificadas da realidade urbana (AZEVEDO e GOMES 1986; REIS, 2011) e rompendo com a alienação do território, construindo conhecimentos a partir da relação local-global- local. (FERNANDES e MOLINA, 2004). Na tentativa de estabelecer um diálogo entre educandos, educandas, educadores e educadoras em prol de um projeto popular de educação, devemos nos ater, naquelas áreas mais densamente povoadas, aos sentimentos e emoções dos sujeitos, suas histórias de vida pessoais e familiares cheias de percalços e conquistas, e à busca de uma dignidade para compreenderem de outra forma o “sofrimento13” que carregam durante anos. Contextualizar nada

mais é que colocar em prática um currículo que promova o diálogo entre o saberes científicos e populares, que leve em conta as histórias de vida de cada sujeito, perscrutando com atenção suas vivências e retirando — de histórias repletas de significados — conhecimentos tácitos e táticos recorrentes que perpassam coletividades construídas e desconstruídas cotidianamente, dentro dos movimentos sociais e/ou de suas comunidades. Uma análise que somente uma “visão de dentro” dessas comunidades pode nos dar14.

[...] para recriar a cara e a maneira de se fazer a escola do campo, passa pela possibilidade de conciliar os conhecimentos sociais e científicos acumulados pela humanidade, que podem ser úteis para a vida, favorecendo a capacidade de se questionar a razão da própria existência e das condições da realidade concreta da sociedade em que vivemos, com os

12 Gramsci, Antonio. Os intelectuais e a Organização da Cultura, 1982, p.8.

13 Segundo Comerford (1999, p.19): “a luta é nitidamente associada à noção de sofrimento”. 14

Em minha dissertação de mestrado apresento a ideia de “currículo narrativo”, trazido dos estudos de Ivor Goodson, que acredita nas histórias de vida e nos saberes e fazeres cotidianos dos sujeitos, como potenciais para se lutar por currículos específicos para diferentes contextos. (CARCAIOLI, 2014)

conhecimentos acumulados pela própria gente local das comunidades, já que a escola com os seus conhecimentos descontextualizados e distantes da realidade configura-se em mais um alienígena frente aos estudantes do campo. Contextualizar parece ser uma das saídas para esse grande fosso existente entre a atual escola do campo e a urbana. (REIS, 2011, p.281).

A Educação Popular procura transformar uma “Educação fundamental para o povo (com os valores políticos dos grupos externos retraduzidos na linguagem de ajuda ao povo) em uma

Educação do povo (os valores culturais dos grupos populares retraduzidos através da Educação

levada a eles)” (BRANDÃO, 1980 (a), p. 5), supondo que as camadas de populações mais marginalizadas e mais pobres se apropriem de um novo saber-instrumento; um saber que pode ser usado diretamente na realização dos objetivos sociais destas camadas (COSTA, 1977).