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Capítulo 2: A Pesquisa Participante como Metodologia de Trabalho

2.3 As narrativas

Inspirando-nos nas leituras das obras de Walter Benjamin, trazemos as narrativas dos educandos, educandas e educadoras da EJA do acampamento Elizabeth Teixeira, no que concerne ao cotidiano da sala de aula, a partir das memórias desses sujeitos. A importância das narrativas, é que elas nos permitem conhecer as lutas cotidianas das comunidades envolvidas. Porém, quando trabalhamos narrativas na perspectiva de Benjamin, alguns questionamentos são levantados: O que são narrativas benjaminianas? O que são narrativas para Benjamin?

No texto Experiências e Pobreza, Benjamin (1987), relata a experiência de um pai que, em seu leito de morte, compartilha com os filhos a experiência de obter riqueza a partir do trabalho nos vinhedos da família e não das barras de ouro que, na lógica dos filhos, poderiam estar enterradas

naqueles vinhedos. Para Benjamin, a narrativa experienciável, assim como a arte de ouvir e, principalmente, aqueles que possuem experiências para contar podem estar rareando na vida moderna e capitalista que vivemos.

Em sua obra O Narrador, Benjamin (1983 [1936]) apropria-se de aspectos das tradições narrativas gregas e judaicas (LAGES, 2007), delineando o perfil de uma figura que é protagonista de uma arte considerada por ele em via de extinção: a arte de contar histórias.

[...] a arte de narrar caminha para o fim. Torna-se cada vez mais raro o encontro com pessoas que sabem narrar alguma coisa direito. É cada vez mais frequente espalhar-se em volta o embaraço quando se anuncia o desejo de ouvir uma história. É como se uma faculdade, que nos parecia inalienável, a mais garantida entre as coisas seguras, nos fosse retirada. Ou seja: a de trocar experiências. (BENJAMIN, 1983, p. 59)

Entretanto, é um engano pensarmos que Benjamin está lamentando e criticando o fim da narrativa como um todo, pois o que ele lamenta é o fim das narrativas coletivas, aquelas que em suas “brechas” permitem que outros sujeitos entrem e compartilhem suas experiências. Para ele, o narrador é aquele que possui a capacidade de intercambiar as experiências, carregando coisas não conscientes.

O típico narrador para Benjamin tem duas características básicas: sábio e justo, assim como o narrador da tradição judaica (LAGES, 2007). Esse narrador de quem ele lamenta o desaparecimento é um “misto de sábio e santo e de homem comum que sabe contar uma história que serve para ajudar alguém, como um conselho” (idem, p.127). Esse narrador tradicional, para Benjamin, precisa nutrir suas narrativas de “influxos psíquicos afins à melancolia” (ibidem), pois ele precisa contar e recontar suas histórias.

Se o sono é o ponto mais alto da distensão física, o tédio é o ponto mais alto da distensão psíquica. O tédio é o pássaro de sonho que choca os ovos da experiência. O menor sussurro nas folhagens o assusta. Seus ninhos – as atividades intimamente associadas ao tédio – já se extinguiram na cidade e estão em via de extinção no campo. Com isso, desaparece a comunidade dos ouvintes. Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece enquanto ouve a história. (BENJAMIN, 1983, p. 62)

O ato de narrar é também o ato de rememorar, de buscar na memória imagens do passado. Para Benjamin, esse é um trabalho árduo, como o de um arqueólogo que — no esforço da escavação — encontra, no presente, “o lugar exato em que guardar as coisas do passado” (BENJAMIM, 2013, p. 101).

Assim, o trabalho da verdadeira recordação deve ser menos o de um relatório, e mais o da indicação exata do lugar onde o investigador se apoderou dessas recordações. Por isso, a verdadeira recordação é rigorosamente épica e rapsódica, deve dar ao mesmo tempo uma imagem daquele que se recorda, do mesmo modo que um bom relatório arqueológico não tem apenas de mencionar os estratos em que foram encontrados os achados, mas, sobretudo os outros, aqueles pelos quais o trabalho teve de passar antes. (BENJAMIN, 2013, p. 101)

Neste trabalho, traremos narrativas baseadas nas memórias de educandas, educandos e educadoras da EJA do acampamento Elizabeth Teixeira, acreditando na potencialidade das experiências, que se articula com o universo cultural, histórico e simbólico dos sujeitos, apresentados neste texto como narradores dessa história que é a EJA, mas que podem sempre estar sujeitas ao olhar subjetivo do pesquisador, daquele que entrevista e que ouve as narrativas. Desta forma, procuraremos contribuir com uma avaliação qualitativa dos meses iniciais de PRONERA no acampamento, procurando identificar nas narrativas como essa política pública modificou o cenário da EJA no acampamento, que por sete anos ocorreu de forma auto organizada dentro da comunidade.

Para que pudéssemos colher as narrativas, foram aplicados um questionário direcionado aos Educadores e outro aos Educandos, que se encontram anexos ao final deste trabalho. As questões serviram de roteiro às entrevistas que transcorreram em clima descontraído e com grande fluidez. Foi solicitado a permissão aos entrevistados para gravar e só então concebida a permissão, foi ligado o gravador. Ao término da entrevista foi perguntado a eles se havia algo que foi dito, que não deveria ser publicado; com a permissão de todos, pude voltar para casa e iniciar a transcrição da entrevista na íntegra.

O processo de produção textual das narrativas, se dá como “a mão do oleiro na argila” (PETRUCCI-ROSA, 2011), ou seja, a partir das narrativas de alguém, o pesquisador pode colocar a sua mão e moldar a narrativa ao seu trabalho. As narrativas pertencem aos sujeitos que a produziram, mas o protagonismo de encaixá-la no tema e no trabalho específico se dá pelo pesquisador que as moldam. Esse moldar das narrativas é um trabalho minucioso e delicado, que se dá em três momentos importantes da metodologia que seguimos para este trabalho, são eles:

a. Transcrição fiel da entrevista:

A transcrição não possui obrigatoriedade de ser realizada pelo pesquisador, mas é bastante rico quando é possível, pois o aprendizado ao “se ouvir” e ouvir novamente os sujeitos das narrativas é uma outra experiência importante.

b. Retirar a oralidade do texto:

Nem todas as narrativas seguem essa ideia, retirar a oralidade, textualizando a entrevista faz parte da metodologia que seguimos, das narrativas benjaminianas. O que compreende-se aqui é que, o interessante para o trabalho é que os leitores prestem atenção nas memórias, nas histórias contadas e não no linguajar que se conta e nem em como se conta. Porém é importante tomar alguns cuidados, para que o depoente continue se reconhecendo em seu próprio depoimento.

c. Montar o trabalho com as narrativas:

Com a entrevista textualizada, o pesquisador pode montar o texto e as narrativas, para que elas componham o todo e possam apresentar as vozes dos sujeitos que a protagonizaram. Para o pesquisador, é muito importante saber lidar com questões éticas ao “montar” as narrativas, pois as entrevistas não são suas e dependendo da forma como é utilizada, pode ser distorcida de como os sujeitos a narraram e a compuseram em suas memórias. Por isso, esse trabalho deve ser minucioso e respeitoso a quem lhe concedeu uma entrevista e confiou suas memórias. Deve-se evitar ao máximo a montagem de narrativas a partir de fragmentos do todo.