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Capítulo 3: O acampamento Elizabeth Teixeira: o protagonismo da EJA nas

3.4 O ano de 2014: O PRONERA chegou!

Em março de 2014 foi anunciada pelo MST a abertura de aproximadamente 25 salas de EJA pelo PRONERA no estado de São Paulo por meio de um convênio firmado entre INCRA e MEB e uma das salas aprovadas foi a EJA do acampamento Elizabeth Teixeira. A parceria propõe ciclos de alfabetização e pós alfabetização, como seguem as informações contidas no site do MEB,

Os convênios foram celebrados no dia 31 de Dezembro de 2013, terminando a sua primeira meta em março de 2014. Em abril iniciou a segunda meta com uma estimativa de acompanhamento de 300 educadores e 6.000 educandos, distribuídos em seis estados, AL, CE, MA, PI, RN e SP. […] O Primeiro ano teve como objetivo a alfabetização de jovens, adultos e idosos acampados e assentados dos seis estados beneficiados pelo Projeto. Para este segundo ano o objetivo a ser alcançado será o de escolarizar os educandos alfabetizados na primeira meta. (Fonte: <http://www.meb.org.br/index.php/noticias> acesso em 29/04/2015)

Uma possível correção provavelmente caiba na notícia emitida pelo MEB: o convênio parece ter sido celebrado em dezembro de 2013, sendo que a primeira meta provavelmente terminou em março de 2015 e não março de 2014, como publicado. A segunda meta provavelmente deve se iniciar a partir de abril de 2015.

Desde 2008, a comunidade do acampamento e todos os apoiadores aguardavam ansiosos a chegada do PRONERA, que poderia contribuir com a manutenção do Círculo de Cultura e principalmente, garantir a certificação pelos estudos dos educandos e educandas da EJA dentro do acampamento, pois até o momento nenhum educando obteve alguma certificação. Esta questão é muito importante, pois educandos e educandas frequentam a EJA para “aprenderem”, se encontrarem com os companheiros e companheiras, como citado já por Cora, mas também por que querem um reconhecimento de seus estudos, querem ter a oportunidade de continuarem seus estudos, ou seja, querem realizar seus sonhos e devem ter esse direito garantido. Essa é uma das motivações que levam elas e eles a se dedicarem nessa terceira jornada diária que costuma ser a EJA. Vejamos algumas narrativas,

Olha, na verdade eu quero mesmo é meu diploma! Eu ando pensando em fazer uma faculdade daqui a um tempo, minha chefe no trabalho até me motivou. Eu falo: “Quero ser Nutricionista!”. Eu vou estudar! Na verdade, cada vez que você aprende um pouquinho já te ajuda mais. Não sei se essa profissão ajudaria tanto aqui dentro, mas eu poderia pensar em como trabalhar isso. (Cora)

Pretendo fazer um curso de robótica, gosto de matemática e de informática! (Paulo)

Desde a chegada do PRONERA no acampamento Elizabeth Teixeira muita coisa parece ter mudado na EJA, como nos contam os próprios educandos e educadoras,

Desde que o PRONERA chegou acho que mudou bastante coisa, tanto ao meu ver quanto ao ver dos educandos, pois como eles mesmos dizem: “parece que agora estamos numa escola de verdade!”. Tem mais reconhecimento, eles veem que tem a lista de chamada, tem os relatórios, tem os livros, o material escolar, a mochila[...] Mudou, ficou uma coisa mais formalizada. (Leonela)

Mudou bastante coisa desde que chegou o PRONERA. Eu acho que o pessoal estava muito desanimado, mas agora acho que se animaram mais! Eles passaram a frequentar mais as aulas. Acho que é por estarem vendo as coisas acontecerem.

Hoje em dia as pessoas estão com muito interesse em participar. O único problema é que muitas pessoas não tem com quem deixar os filhos de noite. A questão do espaço é muito importante, não parece mas é, por que a gente tem um espaço nosso para aprender. Lá no meu trabalho o pessoal nem acredita, muitas vezes, que aqui dentro tem uma escola e que a gente estuda de verdade! É importante até para o pessoal de fora ver e saber que aqui dentro tem uma escola, que tem professores, que a gente estuda, que tem tudo! (Cora)

Olha, eu acho que as pessoas ficaram mais animadas por causa do diploma e isso é bom! Então, ter a certeza que vai ter a oportunidade de se formar e ter um diploma é sensacional. Acho que foi isso que mudou. O que melhorou foi ter esse material, por mais que não seja bom é um incentivo, as pessoas veem que está acontecendo mesmo! Vem material de verdade para a gente, fazemos chamada, não que faça todo dia, mas a Leonela coloca lá os nomes de quem frequenta as aulas e de quem está presente na aula, então as pessoas acabam tendo uma certa responsabilidade, sabem que tem que ir às aulas, que não podem ter faltas, isso mudou bastante. (Iveline)

Antes eu não conhecia a EJA, mas agora que conheço acho muito bom! Todo o apoio e o material que tem são importantes, por que senão não daria para ter aula. (Paulo)

Nessas mudanças, como a própria educadora diz, “Mudou, ficou uma coisa mais formalizada”, as aulas passaram a ter livro didático, chamada e a garantia de um diploma. Isso tudo parece fazer com que todos se sintam “em uma escola de verdade”, sintam que “estudam de verdade”. A ideia apresentada por eles e elas de uma “escola de verdade” remete ao ideal da escola convencional, que é o modelo de escola que todos eles têm como referência. A ideia de que escolar tem que ter sala e quatro paredes, tem que ter material didático, livro, tem que ter diploma faz parte de uma ideia coletiva e institucionalizada de escola. Ao mesmo tempo, todos e todas reconhecem esse espaço como uma escola diferente, em que são estimulados a serem críticos e terem opiniões próprias, reforçando a ideia de que “não há educação e por isso alfabetização de adultos neutra. Toda educação tem, em si, uma intenção política” (FREIRE, 1980, p.138). Acreditamos que essa compreensão, que todos e todas tem da educação que estão recebendo, só é possível por que os Círculos de Cultura continuam se mantendo e neles, a ideia de que todos e todas “tem direito a terem direitos” (CALDEIRA, 1984), trazida pelos movimentos sociais desde a formação de base, se reforçam e se materializam, a partir do momento em que há políticas públicas e essas chegam até as

classes sociais a que se destinam.

Esse caráter de “escola de verdade”, trazido a partir da entrada do PRONERA não parece ter desfeito os Círculos de Cultura, pois vemos eles acontecendo não na teoria30, mas na prática,

principalmente pelas educadoras terem se formado nos grupos de jovens e estudado junto ao Coletivo Universidade Popular, a Educação Popular, o método Paulo Freire e por muito tempo terem participado da EJA, como elas dizem “para ajudar”. A prática dos Círculos de Cultura está posta, eles e elas parecem já ter assumido “uma atitude crítica” (FREIRE, 1980) diante dessas aulas, diante do PRONERA em geral. Acreditamos que as narrativas abaixo podem deixar essa reflexão mais clara quando questionamos o educando e a educanda sobre as metodologias de aulas, as aulas que gostam e que não gostam,

As aulas aqui são muito diferentes da escola normal da cidade, por que aqui a gente convive, conversa com o pessoal, a gente tem uma comunicação melhor e isso é bom, a gente trabalha em grupo, é melhor ainda! Na escola normal, eu pelo menos, não tinha essas dinâmicas, por isso eu gosto daqui! Quase todas as aulas estão sendo boas, o que eu não gosto muito é de rever todas as letras, as sílabas, tudo de novo, mas também é bom por que assim está ajudando e ensinando as ou- tras pessoas. (Paulo)

Como eu falei, as vezes fica um pouco complicado por que a gente que tem um pouquinho mais de conhecimento consegue assimilar mais facilmente as coisas quando a professora está explicando. Tem outras pessoas que tem mais dificuldade, tem que explicar mais, tem gente que não entende direito. As vezes a gente termina o trabalho, a lição e fica esperando o resto do pessoal. Mas aí, nós que acabamos antes vamos lá para ajudar as pessoas. Eu mesma já fui ajudar várias vezes. Por que é isso, um está ali para ajudar o outro, não é? Mas eu acho importante as pessoas darem essa ajuda. O pessoal as vezes fica receoso, fica com vergonha por que eu sei ler e ele não sabe. Mas não tem nada a ver, um está ali para ajudar o outro. Agora, nós conseguimos que um ajude o outro sem nenhuma vergonha, é a convivência que faz isso! Gosto de todas as aulas, eu vou para a escola para aprender, então acho que independente da aula eu sempre vou aprender alguma coisa. Para mim, todos os tipos de aulas são bons, pois sempre tem uma coisinha ou outra que você quer saber mais. Matemática mesmo tem muitas coisas que eu não lembro mais, que eu esqueci. Português também, as

30

Quando nos referimos que os Círculo de Cultura não acontecem na teoria, estamos querendo dizer que a parceria realizada entre INCRA e MEB, o livro didático utilizado, que veremos narrativas mais a frente sobre ele, a formação dos educadores e educadoras, acabam por não incentivar as práticas de Educação Popular, como os Círculos de Cultura.

vezes dá um branco e eu não lembro mais nem como escreve a palavra. Então eu gosto de todo tipo de aula. (Cora)

O Círculo de Cultura em sua essência, parece ocorrer cotidianamente, sendo essa prática responsável por tornar “as aulas muito diferentes da escola normal da cidade”. Assim, “Os Círculos de Cultura são precisamente isto: centros em que o Povo discute os seus problemas, mas também em que se organizam e planificam ações concretas, de interesse coletivo” (FREIRE, 1980, p.141). Essa diferença de práticas é também o que encoraja e motiva as educadoras a assumirem esse papel no acampamento Elizabeth Teixeira, sendo responsável pelas mudanças em suas vidas, como podemos notar em suas narrativas.

O que mudou na minha vida com a EJA? Ah, muita coisa, não é? Eu passei a interagir com as pessoas, porque eu não era assim de fazer amizades fácil! Naquela época eu não era muito de conversar e hoje em dia é diferente, a gente brinca, temos liberdade uns com os outros, coisa que eu não tinha antes, é muito legal! Na EJA, essa convivência também é muito legal, por que a gente aprende muita coisa com eles, com os mais velhos, que tem muita experiência! As vezes a gente acha que ensina e na verdade somos nós que estamos aprendendo, não é? Bastante conhecimento, acho que isso é o que estou levando até hoje! (Iveline)

Ah, muita coisa mudou na minha vida! Basicamente tudo, não é? Pois eu era muito tímida, muito inibida. Essa relação de contato com os companheiros do acampamento, isso mudou muito, pois tive mais aproximação com eles. E também a experiência que a gente ganha. (Leonela)

Desde que comecei a EJA muita coisa mudou na minha vida. Tinha umas coisas que eu já tinha esquecido e aí fui relembrando e aprendi mais, a pontuações foram importantes! Outra coisa que mudou foi que eu aprendi a respeitar, por que antes eu não respeitava ninguém. Então é bom, por que eu estou respeitando e é bom por que lá na EJA um tem que ensinar o outro e a gente precisa respeitar as pessoas para trabalhar junto com elas! Mas antes eu não conhecia muita gente, principalmente os mais velhos, eu não falava muito com eles, agora já falo mais e a gente se ajuda. (Paulo)

Os Círculos de Cultura da EJA, além de proporcionarem o aprendizado de ler, escrever, acertar as pontuações, como diz Paulo, tem esse caráter, de aproximar a comunidade, são espaços que proporcionam aos jovens e aos mais velhos se encontrarem e se conhecerem, respeitando um ao outro, trocando experiências e passando a trabalharem coletivamente. Em um primeiro

momento, esses trabalhos juntos podem se dar apenas dentro da EJA, mas a medida que a convivência vai se tornando cotidiana, esses laços tendem a se fortalecerem e o trabalho coletivo ultrapassa os muros da escola, uma das características da Educação do Campo.

A motivação das duas educadoras em serem educadoras no acampamento também são expressas nas narrativas a seguir,

Assim, corrigindo, o que mais me motiva a ser educadora do acampamento Elizabeth Teixeira? Essa seria a pergunta! Por que, vendo meus companheiros de luta, eu penso no que eu posso contribuir para passar um pouco do conhecimento que eu tenho para eles e eles para mim, pelo menos isso! O que me motiva é ser educadora do Elizabeth Teixeira! Eu poderia ser educadora em outro lugar, mas essa seria uma outra experiência, por que aqui como já estou na convivência com todo mundo eu já tenho uma facilidade de lidar. Porém, quando você chega num lugar onde você não conhece ninguém, a história daquele lugar, das pessoas, é um pouquinho complicado, é uma outra experiência. (Leonela)

Ver eles conquistarem o sonho deles, por exemplo saber ler! Eu já estou vendo isso, a Maria é um caso que antes não sabia nada e hoje já junta as letrinhas e escreve. Ela mesma estava falando, que agora vai ao banco sozinha! Antigamente ela passava a maior vergonha de ir lá e ficar pedindo ajuda. Hoje em dia ela vai lá, tira extrato sozinha, faz tudo sozinha. Então, isso é o que me motiva a continuar indo na EJA, é por eles! Por eles estarem cada vez mais orgulhosos em falar “eu já sei isso, eu já sei aquilo…” coisa que antes não faziam. (Iveline)

No caso da educadora Iveline, ela nos conta o que a motiva a trabalhar em uma fábrica, distante do acampamento, e após o turno de trabalho se dedicar à EJA,

É difícil, eu poderia estar em casa dormindo e descansando! Mas como eu falei, ver a força de vontade deles e as dificuldades, pois tem gente com muita dificuldade, me motiva a querer estar na EJA. Além disso eu sei que a Leonela sozinha não conseguiria auxiliar a todos e eu tenho um pouco de experiência nisso. Então, por que eu ficaria em casa se eu posso ir pra lá e ajudar as pessoas a realizarem o sonho delas? Se eu não fosse não seria eu! E penso de outra forma! (Iveline)

As cartas de Paulo Freire (1980) aos educadores e educadoras de São Tomé e Príncipe continuam a nos motivar e contribuem muito em nossa discussão, uma vez que dialoga exatamente

com as reflexões trazidas pelas educadoras,

O papel, portanto, do animador ou da animadora cultural no Círculo de Cultura, numa sociedade em que “o silêncio já não é possível”, em suas relações com os alfabetizandos, não é o de quem transfere o conhecimento, mas o de quem, através do diálogo, procura conhecer com os alfabetizandos. Ao ensinar algo aos alfabetizandos, o animador ou a animadora cultural aprende deles algo também. Na educação revolucionária, que irá substituindo, a pouco e pouco, a educação colonial, em todos os seus níveis, não é possível separar o ato de ensinar do de aprender; o ato de educar e de ser educado. Por isso é que nos temos referido sempre ao animador cultural como um educador-educando, em diálogo com o alfabetizando, como um educando-educador. […] Isso significa que os animadores e as animadoras culturais, como militantes, não terminam o seu trabalho quando deixam a reunião do Círculo de Cultura. Pelo contrário, o seu trabalho se dá na comunidade mesma de que a sua atividade no Círculo de Cultura é um momento apenas. É importante que animadoras e animadores convivam com o Povo e não somente com os alfabetizandos nos Círculos de Cultura. É preciso que vão “lendo”, também, a realidade do Povo para que possam, nos Círculos de Cultura, discuti-la com os alfabetizandos. (FREIRE,1980, p.140)

O que podemos notar é que a percepção dos educandos e educadoras sobre a EJA mudou, provavelmente pelo direito à certificação, pelas educadoras serem da própria comunidade, entre outras questões, como diz Cora, “o pessoal estava muito desanimado, mas agora acho que se animaram mais! Eles passaram a frequentar mais as aulas”. Parece que há uma consciência de que a responsabilidade sobre a permanência de uma política pública para a EJA dentro do acampamento é de todos os envolvidos, assim como diz Iveline, “eles acabam tendo uma certa responsabilidade, sabem que tem que ir às aulas, que não podem ter faltas [...]”. Fica claro que a institucionalização da EJA por meio do PRONERA permite maior credibilidade por parte de todos os envolvidos, mesmo que a maior parte deles e delas não tenha clareza sobre o que é de fato o PRONERA, como vemos,

Já ouvi falar, mas conhecer assim, especificamente não! Tinha ouvido falar da existência dele, mas como uma coisa longe. Quando falaram que vinha essa oportunidade para cá eu fiquei muito feliz, mesmo não tendo participado das formações como a Leonela participou. (Iveline)

Eu ouvia falar, ouvia sobre a luta que o movimento vinha fazendo para a gente conquistar isso, mas mais através da luta mesmo. Eu sabia que existia o PRONERA e que ele era algo relacionado com a Educação, mas mais como uma ferramenta que iria dar uma estrutura melhor para a gente. Mas é isso, um

entendimento bem simples mesmo. (Leonela)

Não, eu nunca tinha ouvido falar de PRONERA. Só ouvi falar quando comecei a ir na Escolinha, mas até hoje não sei o que é o PRONERA direito. (Paulo)

Mais ou menos, eu ficava mais ligada com o setor infantil então é diferente da EJA. Até hoje eu acho que não conheço direito, é uma boa, uma boa pergunta mesmo! Acho que vou falar para a Leonela dar uma aula sobre isso, por que eu não sei direito o que é. Se você me perguntar o que é o PRONERA eu não saberia explicar direito. Acho que precisaria esclarecer direito para a gente, talvez até para ela! (Cora)