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VULNERABILIDADES FAMILIARES EM CONTEXTO DE INTERNAMENTO DO DOENTE IDOSO

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VULNERABILIDADES FAMILIARES EM CONTEXTO DE

INTERNAMENTO DO DOENTE IDOSO

CASO PARTICULAR MEDICINA INTERNA IV

,

CENTRO HOSPITALAR LISBOA NORTE

,

HOSPITAL PÚLIDO VALENTE

Alexandra Cristina da Silva Ruivo

N.º 23244

___________________________________________________

Dissertação de Mestrado em Sociologia

Conhecimento, Educação e Sociedade

(2)
(3)

DECLARAÇÃO

Declaro que esta Dissertação de Mestrado é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia.

O candidato,

____________________

Lisboa, 30 de Março de 2010

Declaro que esta Dissertação de Mestrado se encontra em condições de ser apresentada a provas públicas.

O orientador,

 

Luis A. Carvalho Rodrigues 

(Departamento de Sociologia)

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RESUMO

Dissertação de Mestrado em Sociologia do Conhecimento, Educação e Sociedade

Masterships Dissertation in Sociology of the Knowledge, Education and Society

Alexandra Cristina da Silva Ruivo

PALAVRAS-CHAVE: Família, idoso, prestadores de cuidados

KEYWORDS: Family, aged, caretakers

O presente trabalho visa compreender o envolvimento da família, enquanto prestadores de cuidados, no que concerne à planificação da alta hospitalar de uma pessoa idosa.

Através do estudo e análise de diversos autores, enquadra teoricamente o processo de Modernidade e a importância que o mesmo tem na construção de um projecto individual e colectivo, assim como a noção de Confiança e a relevância que a mesma assume no processo de sociabilização.

As Redes de Solidariedade e a perspectiva do agir comunicativo integram a ideia de Habermas, no que concerne às diferentes formas de agir estabelecida entre os indivíduos e a importância que as mesmas assumem perante diferentes perspectivas de actuação.

Ana Alexandra Fernandes assume, nas questões do envelhecimento, uma importância chave, integrando a população idosa numa ideia de envelhecimento activo, onde o próprio assume o controlo da sua vida enquanto cidadão funcional e capaz na realização das suas actividades de vida diárias.

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envolvidos na prestação de cuidados, sem nunca perspectivarem essa função aquando a elaboração dos seus projectos de vida.

The present work aims to understand the involvement of the relatives, while caretakers, with respect to the medical discharge of the aged.

Through the study and analysis of diverse authors, it theoretically fits the process of Modernity and the importance that it has in the construction of an individual and collective project, as well as the concept of Trust and the relevance that it assumes in the socialization process.

The Solidarity Networks and the perspective of communicative acting integrates the idea of Habermas, with respect to the different ways to act established between the individuals and the importance that the same ones assume before different action perspectives.

Ana Alexandra Fernandes assumes, in the questions of the aging, as relevant, integrating the aged population in an idea of active aging, where the proper one assumes the control of its life while functional and capable citizen in the accomplishment of its daily activities.

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1.  Introdução ... 7 

2.  A abordagem institucional ao internamento hospitalar - O Hospital e a fenomenologia do idoso e da família ... 9 

3.  A Família e a Modernidade, uma questão de identidade ... 16 

3.1  A Modernidade na construção do Self ... 16 

3.1.1  O espaço dos Municípios na área Setentrional Lisboa ... 18 

3.2  A Modernidade, e a dinâmica social e familiar ... 19 

3.3  A Modernidade e a construção colectiva ... 24 

3.4  A noção de culpa de vergonha: uma consequência da Modernidade? ... 27 

3.5  Instituição família e a relação de confiança: consequências vistas à luz da Modernidade... 28 

4.  A confiança ... 30 

4.1  A confiança, uma conduta individual ... 30 

4.2  A confiança, na representação colectiva ... 32 

4.3  A confiança que leva à estabilidade entre o Hospital e a família ... 34 

5.  Redes de solidariedade: a perspectiva do agir comunicativo ... 36 

5.1  Uma abordagem teórica de Habermas ... 36 

5.2  A teoria da comunicação, um processo integrado ... 38 

5.3  A ética e a moral na perspectiva de Habermas ... 39 

6.  Sociedade e envelhecimento ... 43 

6.1  O Envelhecimento, uma questão geracional ... 43 

6.2  O Envelhecimento, um processo activo ... 48 

7.  Metodologia de uma abordagem qualitativa ... 50 

7.1  A fase exploratória ... 51 

8.  Definição do campo de análise ... 53 

9.  A Amostra ... 63 

10.  Operacionalização de conceitos e construção do guião de entrevista ... 66 

11.  Modelo de Análise ... 69 

12.  A apresentação de resultados ... 71 

12.1  A família... 71 

12.2  O Doente Idoso ... 82 

12.3  Alta Hospitalar ... 90 

12.4  Redes de Solidariedade Social ... 102 

13.  Conclusão ... 107 

13.1  Perspectivas futuras ... 118 

14.  Referências Bibliográficas ... 120 

15.  Índice Temático / Outros Índices ... 126 

(7)

1. Introdução

O presente trabalho pretende, à luz da prática profissional exercida no Serviço de Medicina Interna, analisar as dinâmicas internas da família, e integrá-las em contexto de internamento com a pessoa idosa.

O primeiro capítulo consiste numa apresentação sumária daquilo que é considerado a fenomenologia do idoso e da família integrado numa ideia de Hospital. Este capítulo aborda as ideias de Goffman e Ivan Illich no que concerne à caracterização de uma instituição como o Hospital, considerando a sua organização interna, a diversidade profissional e a relação estabelecida entre profissionais de família.

Seguidamente, à luz de autores como Giddens e Touraine, constrói-se e consolida-se o objecto de estudo, a família, integrando-o num conceito de Modernidade. A família, é caracterizada como sendo uma estrutura complexa e dinâmica, que influência e é influenciada por tudo o que a rodeia.

Bauman tem um papel fundamental, ao integrar neste trabalho a noção de pureza e de ordem. Numa sociedade naturalmente desordenada e pouco pura, existem dificuldades em garantir a permutabilidade dos pontos de vista que visam garantir a segurança.

“… o homem civilizado trocou um quinhão das suas possibilidades de felicidade por um quinhão

de segurança….” 1.

O indivíduo aposta numa construção individual face à sociedade contemporânea, enquadrando-se numa dinâmica social, colectiva e familiar. Estas dinâmicas corroboram a construção individual inserida num colectivo e, por isso, sujeita a fenómenos de culpa e de medo.

Na conjugação, entre aquilo que se pretende para o eu e para o colectivo, geram-se conflitos internos de contornos difíceis, onde a responsabilização individual é importante para a concretização dos planos de vida.

Assim a confiança transmitida à família pelos outros enquadra-se num contexto de Modernidade e proporciona estabilidade. Esta estabilidade direcciona-nos o pensamento

      

(8)

para a teoria de Habermas sobre o agir comunicativo, onde as acções são orientadas para a aquisição de conhecimento.

Neste trabalho existe, ainda, uma tentativa de entender quais as estruturas de apoio que formam as redes de solidariedade e fornecem uma resposta adequada às necessidades das famílias, analisando a sua capacidade de romper com a prática normativa e burocrática, com o fim de encontrarem um bem comum. As famílias prestadoras de cuidados à pessoa idosa em situação de dependência seguem uma lógica de agir baseada num uso pragmático, ético e moral da razão prática.

(9)

2. A abordagem institucional ao internamento hospitalar - O Hospital e a fenomenologia do idoso e da família

Entender o Hospital enquanto instituição, integrado no tempo e no espaço, nem sempre se converte numa tarefa fácil. Associado ao seu principal objectivo que consiste na atribuição de assistência clínica às populações, este poderá ser entendido como “uma

instituição formal, altamente especializada, cuja missão exige rigor científico e vanguarda nos modelos terapêuticos que utiliza para suprir as mais complexas necessidades de saúde dos utilizadores. Está equipado com modernas tecnologias e é dotado de um corpo técnico especializado. É altamente estratificado em termos organizacionais, de acessibilidade, de funcionamento e de flexibilidade. Realiza funções diversificadas como tratar doentes, treinar profissionais de saúde, conduzir investigações médicas, providencias laboratórios e educar para a saúde.”2

Ao longo dos anos, nomeadamente no decorrer do século XX, o Hospital tem-se submetido a transformações marcantes, com uma posição na sociedade, influenciada pelas inúmeras dinâmicas sociais, tais como doenças, migrações, aumentos populacionais, entre outros. Na década de 60 o Hospital foi encarado por um “quadro

legal que evidencia a influência das ideologias políticas no sentido do reforço da orientação hospitalocêntrica”3, mas sempre num domínio da perspectiva normativa, perspectiva esta que Campos retrata como sendo um fenómeno marcante da Administração Pública da Saúde4.

Se entre 1946 e até ao início dos anos 60 o Hospital foi considerado uma peça fundamental no sistema central de saúde, a partir dos anos 60, Graça Carapinheiro identifica o Hospital como sendo uma “peça superior”5 do sistema de saúde. Esta mudança deveu-se essencialmente a uma tentativa de “remover as concepções de

assistência médico-sanitária, de índole predominantemente caritativa predominantes

      

2

NOGUEIRA, Maria, José; ANTUNES, Josélia, Pedroso, (2005); O Hospital Miguel Bombarda: um equipamento no tecido urbano na cidade de Lisboa, in Fórum Socioógico, n.º 13/14 (2.ª série), pp. 301e 302.

3

CARAPINHEIRO, Graça (2005) Saberes e Poderes no Hospital –Uma Sociologia dos Serviços Hospitalares; Edições Afrontamento e Centro de Estudos Sociais, p.19

4

CAMPOS, A.C. (1984), Os Hospitais no Sistema de Saúde Português; Lisboa, Visita de Estudo da Federação Internacional dos Hospitais, p. 8

(10)

desde o princípio do século” 6, onde o Estado desempenhava um papel de complemento às iniciativas particulares “traduzidas na organização da Providência Social, segundo

os princípios cooperativos dos Estado Novo” 7.

Assim, surge progressivamente um reconhecimento do direito à saúde a todos os cidadãos e simultaneamente a resposta às “variadas necessidades de saúde e aos

objectivos de descentralização e desconcentração de recursos, orientando-se para a progressiva erradicação das assimetrias sociais e regionais que marcavam a distribuição e o acesso aos serviços de saúde” 8.

Surgem então duas concepções distintas entre si, que nos apoiaram numa caracterização de Hospital, enquanto instituição com características particulares: a de Goffman e a de Illich.

Goffman enquadra o Hospital no âmbito das instituições totais, podendo ser entendido como “ um local de residência e de trabalho onde um grande número de indivíduos com

situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada” 9. De acordo com a visão do autor, este carácter total é caracterizado pela barreira à relação social dos seus moradores do Hospital em relação ao mundo externo. As instituições totais tendem a colocar uma barreira entre a pessoa que se encontra internada e o mundo externo, de modo a que esta possa interiorizar as regras da instituição e seguir a sua rotina.

Goffman identifica cinco tipos de instituições totais10. As primeiras voltam-se para o atendimento de pessoas consideradas incapazes mas inofensivas, cujas limitações psicológicas e motoras se encaminham para a necessidade de terceiros na prestação de cuidados; as segundas dirigem-se a pessoas incapazes de cuidar de si mesmas, quer seja por motivos de saúde física ou mental; as terceiras direccionam-se para as pessoas consideradas perigosas para os outros e que por isso precisam de estar afastadas das relações sociais; o quarto tipo serão aquelas que se justificam pela dinâmica profissional imposta aos seus trabalhadores e, por fim, temos as instituições totais construídas para

      

6 CARAPINHEIRO, Graça, (2005), op.cit, Edições Afrontamento e Centro de Estudos Sociais, p.20 7

Idem, p.20

8

Idem, p.20

9 GOFFMAN, Erving, (1974), Manicómios, Prisões e Conventos; São Paulo, Perspectiva, p.11 10

(11)

aqueles que se querem refugiar do mundo, muitas vezes relacionado com opções religiosas.

Todas estas instituições são assim definidas como totalitárias uma vez que “o internado

vive o seu quotidiano dentro de um mesmo espaço, sob a mesma autoridade; enquanto que no exterior a vida diária era desenvolvida em locais diferentes, enquadrados por padrões normativos distintos”11. Possuem, assim, um carácter segregativo12, mas também uma vertente homogeneizante visto os “internados estarem sujeitos a um igual

regime, a maioria das vezes, alheio de total privacidade”13.

Apesar de se encontrarem nele algumas características de instituição total, o Hospital procede a alterações progressivas na abordagem ao doente e ao meio social e familiar. Estabelece uma relação mais alargada com todas as estruturas exteriores que considera indispensáveis para o seu funcionamento interno, garantindo a continuidade na prestação de cuidados à pessoa no domicílio.

Sublinha-se, deste modo, a intervenção de equipas multidisciplinares que actuam em contexto de internamento a fim de efectuarem uma ponte com o exterior e os recursos disponibilizados por este, garantindo o acolhimento e a integração dos doentes e família, fomentando a prestação integral e integrada dos cuidados e assegurando o acompanhamento do plano individual de cuidados de modo flexível, contínuo e articulado. Esta intervenção potencializa a reinserção social do doente no seu meio habitual de vida, com qualidade e suporte adequados, e contribui para a eficácia dos serviços prestados.

Todavia, Ivan Illich encara as instituições como inibidoras da convivencialidade. O autor define a convivencialidade como “o universo da produtividade industrial. Cada

um de nós define-se pela relação com os outros e com o ambiente, assim como pela sólida estrutura das ferramentas que utiliza. Estas podem ordenar-se numa série contínua cujos extremos são a ferramenta como instrumento dominante e a ferramenta

      

11 MARTELEIRA, Joana. Análise de um Colégio de Reinserção Social com base no conceito de

Instituição Total de Erwing Goffman , Departamento de Sociologia, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas; Universidade Nova de Lisboa p. 3

12

MARTELEIRA, J. refere o carácter segregativo no sentido em que a instituição priva o internado do contacto com o exterior. Esta característica encontra-se pouco presente em Hospitais visto estes possuírem uma dinâmica mais aberta com exterior e permitirem o contacto com familiares estipulando horários de visitas.

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convivencional”14. Para Illich, a passagem da produtividade para a convivencialidade é

a “passagem da repetição da carência para a espontaneidade do dom. A relação

industrial é reflexo condicionado, uma resposta estereotipada do indivíduo às mensagens emitidas por outro usuário que jamais conhecerá, a não ser por um meio artificial que nunca compreenderá” 15.

Ainda segundo Illich, a relação com entre a produtividade e a convivencialidade consiste na substituição de “um valor técnico por um valor ético, um valor material por

um valor adquirido. A convivencialidade é a liberdade individual, realizada dentro do processo de produção, no seio de uma sociedade equipada com ferramentas eficazes. Quando uma sociedade, não importa qual, repele a convivencialidade para atingir um certo nível, transforma-se em presa da carência, dado que nenhuma hipertrofia da produtividade conseguirá satisfazer alguma vez as necessidades criadas e multiplicadas pela inveja”.16

As instituições de saúde são retratadas pelo autor de modo ambíguo. Se por um lado, os indivíduos são vistos como clientes de mercadorias a quem se assegura a existência de bens de primeira necessidade, asseguram por outro, cuidados bastante especializados.

A relação ambígua entre os cuidados médicos especializados e não especializados remete-nos “à organização estabelecida pela medicina (…). Concebida como uma

empresa industrial, está nas mãos de produtores (médicos, hospitais, laboratórios, farmacêuticos) que estimulam a divulgação de procedimentos avançados, custosos e complicados, reduzindo assim o doente e seus próximos ao status de clientes dóceis”17.

Illich afirma que a medicina se encontra organizada como “um sistema de distribuição

social de beneficência “ que, por sua vez, incita a população “a lutar por sempre

crescentes cuidados dispensados por profissionais em matéria de higiene, de prevenção, de anestesia ou de assistência aos moribundos”.18

      

14

ILLICH, Ivan. (1973),A Convivencialidade, Publicações Europa - América, p.25

15

Idem, p.25

16

Idem, p.25

17

Idem, p.54

18

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Deste modo, a medicina protege a sua supremacia, impedindo ao indivíduo o conhecimento e o auto-cuidado, e contribuindo, segundo o autor, para que o indivíduo não sinta nem a necessidade nem a capacidade de cuidar do outro.

“… a cumplicidade evidente entre o profissional e o seu cliente não basta para explicar a

resistência do público à ideia de desprofissionalizar o desvelo. Na origem da impotência do homem

industrializado, encontra-se outra função da medicina actual, que serve de ritual para conjurar a

morte. O paciente confia-se ao médico, não só por causa do padecimento, mas também por medo da

morte, para se proteger dela.”19

Assim, há na ideia de Illich dificuldade em distinguir entre aquilo que é possível fazer na prática médica e aquilo que consiste numa tentativa, quase desumana de prolongar a vida além dos limites, tornando determinadas intervenções exclusivas do profissional de saúde.

“… o médico moderno perdeu o direito dos seus antecessores a distinguir-se claramente do bruxo e

do charlatão; o seu cliente perdeu a capacidade de distinguir entre o alívio do sofrimento e o recurso

ao esconjuro. O médico encobre, com a celebração do ritual médico, a divergência entre o facto que

professa e a realidade que cria, entre a luta contra o sofrimento e a morte por um lado, e o retardar

a morte à custa de sofrimentos prolongados, por outro.” 20

Esta prática contribuí para que se remeta exclusivamente o acto de cuidar para os equipamentos de saúde, desresponsabilizando terceiros desses mesmos cuidados que, por sua vez, alegam desconhecimento, falta de prática ou até falta de tempo.

“Eu não imaginava o que se faria com uma doente naquele estado em casa, e a doutora, de vez em

quando, lá me ia dizendo que tinha de pensar nisso. (…) Eu fiquei em pânico, pois uma coisa era

ela melhorar num hospital, onde está sempre com gente à volta - se cair há quem a ajude, a comida

são outros que lhe a fazem, que ajudam a comer. E em casa, como é? “ 21

Contudo, na conjuntura actual, o Hospital desempenha um papel fundamental na prestação de cuidados. É identificado por Carapinheiro como uma “peça superior do

sistema de saúde”, com uma tendência que a autora considera hegemónica do sistema

cultural hospitalar, em detrimento da tendência hospitalocêntrica (prática muito       

19 ILLICH, Ivan. (1973), op. cit, Publicações Europa – América, p.54 20

Idem, pp. 55 e 56

21

(14)

associada aos anos 60). Compreende também “concepções de saúde, da doença e da

terapia dos profissionais do hospital, especialmente dos médicos, que tenderá a estender o seu campo de influências às concepções que sublinham os modos de produção dos cuidados médicos não hospitalares, bem como conduzir as articulações estabelecidas por estes modos de produção”22.

Quanto a estas adaptações efectuadas pelo corpo médico e pelo sistema hospitalar ao longo dos tempos, Carapinheiro refere que “a abundância e a miséria, a paz e a guerra,

a liberdade e a opressão, tudo se reflectiu na vida dos hospitais. E se o homem foi rural ou citadino, se foi sedentário ou migrante, individualista ou colectivista, dado a puras ideias ou positivismos fechados, sempre a sua imagem se projectou por inteiro nos Hospitais que foi fundando e mantendo.” 23

A conjugação não se reflecte numa tarefa fácil. Passa pela interacção profissional que se articula sistematicamente com um “saber fazer”24 pessoal e profissional que se orienta para a aquisição de competências chave, “conjunto de conhecimentos e capacidades que

deve ser detido por qualquer indivíduo para entrar ou manter-se no mercado de trabalho, ou seja, para exercício qualificado de qualquer profissão para enfrentar com sucesso uma situação profissional, para gerir a carreira em contextos turbulentos,

flexíveis e evolutivos, ou para o auto emprego”25. Estes são essenciais numa

intervenção sistémica, considerando os elementos que junto ao indivíduo se movimentam.

tiplos saberes e comportamentos quando necessários e em situações apropriadas...”26 .

desempenham papéis fulcrais na compreensão destas dinâmicas: a instituição hospitalar,        

Assim, “ saber mobilizar, saber integrar, saber transferir (...) a competência pressupõe

utilizar de forma integrada os múl

Portanto, abordar o Hospital e as suas dinâmicas profissionais e normativas, compreende várias dinâmicas activas. Este factor engloba três actores que

 

22

CARAPINHEIRO, Graça,(2005)op.cit, Edições Afrontamento e Centro de Estudos Sociais, p.21

23

Idem, p.345

24 O Saber Fazer encontra-se associado à aquisição de competências chave e é caracterizada por Suleman

pela sua relação com a actividade/ problema e pela selecção e estruturação dos conhecimentos para resolução desse problema.

25 SULEMAN, Fátima, Estratégias Empresarias e competências Chave – Empregabilidade e

Competências chave: conceito de competência às competências chave; Capitulo II, Estudos e Análises 21, p.121

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o doente idoso e a família, principal prestadora de cuidados e por isso receptora em primeira linha das aprendizagens efectivadas na unidade de saúde.

Será primeiramente a família que avaliará a eficácia ou ineficácia da informação prestada durante o internamento, assim como a acessibilidade dos profissionais que com o doente trabalharam e a pertinência da informação que transmitiram, pois a aplicação dos conhecimentos adquiridos em internamento, no domicílio e sem supervisão médica, será um teste à eficácia da mesma.

(16)

3. A Família e a Modernidade, uma questão de identidade

3.1 A Modernidade na construção do Self

Abordar o Self27 é referir as escolhas que nos encaminham para os riscos, associadas a factores positivos, pois “construir e reconstruir um sentimento de identidade coerente é

recompensador”28

. Na identidade pessoal, o Self encontra-se em processo de aprendizagem permanente, com sucessivos inputs e outputs, ou seja, encontra-se sujeito a influências internas e externas que o transformam e que são transformadas. Estas influências estão inseridas nas várias redes que o Self estabelece com os outros, trabalhando, assim, naquilo a que anteriormente chamámos consciência colectiva.

Uma outra característica que contribui positivamente para a construção do Self e da identidade pessoal é a sua capacidade de se adaptar à mudança, tendo como objectivo a sua auto-realização. Ao pensar no futuro e nas possibilidades que este lhe poderá trazer, encontra factores positivos para investir em aspectos diferentes do seu caminho. Encontra-se em aprendizagem permanente onde a reflexividade nas acções é um meio importante para encontrar respostas às questões que são colocadas.

Na sua trajectória o Self atinge a coerência que “advém de uma consciência cognitiva

das várias fases do tempo de vida”29,

onde os bons e os maus momentos vividos nas aprendizagens efectuadas podem ser compilados de modo construtivo. A necessidade que o indivíduo tem em ser aceite e em se integrar em determinado grupo encontra-se associada, para Giddens, à ideia de construir e reconstruir continuamente determinado trajecto.

Estabelecer planos de vida é adoptar “um conjunto de práticas mais ou menos

integradas, que um indivíduo adopta, não só porque essas práticas satisfazem necessidades utilitárias, mas porque dão uma forma material a uma narrativa particular e de auto identidade...”30

      

27 A expressão Self é utilizada por Giddens a fim de descrever o indivíduo como resultado dos esforços

construtivos em que se empenha, muito associado à ideia de auto-conhecimento e auto-trajectória. O autor associa também esta ideia ao processo de auto-interrogação em que o Self se encontra permanentemente inserido.

28 GIDDENS, Anthony, (1994), Modernidade e Identidade Pessoal, Celta Editora, p.67 29 Idem, p.68

30

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Apesar do sentimento de insegurança associado às questões da mudança, estabelecer planos de vida torna-se fundamental no sentido em que encaminham o indivíduo para a selecção das escolhas que fará no decorrer do seu percurso. Contudo, poderá colocá-lo em situação de pressão que advém da aquisição de uma consciência individual e colectiva, que o impele a escolher constantemente. Nestas escolhas, estão reflectidas, não só as ansiedades e medos do próprio mas, também, do grupo onde se insere – trabalho, família ou comunidade.

Todos os que com o indivíduo convivem e que fazem parte das suas redes são, directa ou indirectamente, influenciados e modificados pela pressão a que o indivíduo se encontra sujeito. Giddens afirma que vivemos numa época circundados de pressões socioeconómicas e que “não temos outra escolha senão escolher”31.

A este fenómeno, que o autor identifica como “pluralização dos mundos”, porque contribui para um crescimento total na aquisição de conhecimento e de capacidades, Touraine já o caracteriza por “teia de papeis” onde “nenhuma experiência é mais

fundamental do que esta relação com o outro, através do qual um e o outro se constituem como sujeitos”32.

Para Touraine, esta tarefa não pode ser unicamente individual uma vez que “os

obstáculos à sua existência situam-se quase sempre na família, na vida económica e administrativa, política ou religiosa”33.

A diversidade de opções e de escolhas poderá contribuir para uma maior dispersão na construção do Self, porém, ele é fortalecido através do contacto que estabelece com o outro.

“…não há produção do eu sem o amor do outro, não há amor do outro sem solidariedade…”

34

Na continuidade do trabalho, será analisada a importância do colectivo na construção individual, como estes dois aspectos se sintonizam, numa tentativa de encontrar um bem

      

31 GIDDENS, Anthony, (1994), op. cit, p. 73

32 TOURAINE, Alain., (1992), Critica da Modernidade, Edições Instituto Piaget, p. 326 33

Idem, p. 327

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comum. Por isso a importância de uma pequena abordagem do espaço dos Municípios abrangidos pela área Setentrional Lisboa A.

3.1.1 O espaço dos Municípios na área Setentrional Lisboa

Seguidamente, procederemos à exposição dos dados trabalhados pelo INE, nos quais são apresentados os grupos etários de maior incidência na área Setentrional Lisboa A.

Quadro 1

Fonte: INE – Anuário Estatístico da Região de Lisboa 2006 Total

Grupos etários

0 - 14 anos 15 - 24 anos 25 - 64 anos 65 e mais anos 75 e mais anos

HM H M HM H M HM H M HM H M HM H M HM H M

Portugal 1 0 599 0 95 5 12 9 9 37 5 46 9 1 58 1 63 7 6 37 83 9 9 99 79 7 6 38 1 26 5 5 31 64 5 5 06 62 0 0 25 5 86 7 3 10 2 88 0 6 80 2 98 6 6 30 1 82 8 6 17 76 3 7 52 1 06 4 8 65 82 0 4 25 31 3 0 34 50 7 3 91 Lisboa 50 9 7 51 23 1 9 06 27 7 8 43 6 8 167 3 4 502 3 3 665 4 6 475 2 3 450 2 3 025 27 1 8 45 12 9 0 38 14 2 8 07 12 3 2 64 4 4 918 7 8 346 6 0 789 1 9 565 4 1 224 Loures 19 7 5 67 9 6 290 10 1 2 77 3 0 962 1 5 747 1 5 215 2 2 842 1 1 401 1 1 085 11 5 3 64 5 6 532 5 8 832 2 8 775 1 2 610 1 6 145 1 0 691 4 12 3 6 56 8 Odivelas 14 8 9 06 7 2 700 7 6 206 2 1 972 1 1 395 1 0 577 1 6 676 8 46 6 8 21 0 8 8 775 4 3 539 4 5 246 2 148 3 9 31 0 1 2 173 7 94 4 2 96 5 4 97 9

Mediante o INE35 é, também, em Lisboa que se encontram as maiores e mais diversificadas unidades de saúde.

      

35

Segundo dados obtidos pelo INE, existe uma forte concentração de Unidades Hospitalares no Concelho de Lisboa (39 no total). De salientar que este número abrange as unidades públicas e privadas. Por conseguinte é também à zona de Lisboa que se encontram afectas o maior número de camas (7354). É também em Lisboa que os dias de internamento apresentam um número mais elevado, cerca 3.389.442 dias. Do ponto de vista da existência de profissionais de saúde é na zona de Lisboa onde eles apresentam a sua maior representatividade (41.555).

(19)

Pondo em evidência os três grandes concelhos que constituem a intervenção do Centro Hospitalar Lisboa Norte (Lisboa, Loures e Odivelas) é em Lisboa que se encontra a residir o maior número de população – um total de 509.751 – comparativamente ao restante país. Destas, só 68.167 têm entre os 0 e os 14 anos.

O aumento considerável, comparativamente aos outros concelhos, dá-se entre os 25-64 anos de idade – 271.845 pessoas. Entre os 25-64 anos de idade, Odivelas apresenta uma população de 115.364 pessoas enquanto Loures apresenta uma população de 88.775 pessoas.

Se continuarmos a efectuar um balanço comparativo entre os três Concelhos é em Lisboa que a população idosa se encontra mais representada. Com 75 anos ou mais e em Lisboa temos 60.789 pessoas, em Loures 10.691 e em Odivelas 7.944. Apesar do crescimento substancial da população idosa por todo o país a sua concentração é superior nos grandes pólos urbanos principalmente os que oferecem um número de serviços de saúde, que conseguem satisfazer a necessidade dessa mesma população que, na sua maioria, recorre frequentemente a estes serviços.

3.2 A Modernidade, e a dinâmica social e familiar

Tendo em consideração o aumento da população idosa nestes Concelhos de Lisboa e considerando aspectos fundamentais para esta população, será importante reflectir sobre o enquadramento desta num contexto de Modernidade e considerando a dinâmica social e familiar.

Assim a modernidade é encarada, analisando algumas considerações que assumem a sua importância neste assunto. Giddens interpreta a modernidade como um processo descontínuo, sujeito a múltiplas transformações que por sua vez se tornam rápidas e que desenvolvem uma noção, que para o autor é ilusória de continuidade.

De qualquer forma não podemos deixar de reconhecer que nos encontramos a viver num contexto de mudanças vertiginosas, onde percebemos a emergência de novas formas de sociabilidade.

(20)

“…na verdade o urbanismo moderno é ordenado por princípios muito diferentes dos que

anteriormente fizeram a cidade pré moderna emergir dos campos…” 36

A modernidade restringe-se a um determinado período histórico e a uma certa organização socioeconómica de costumes e estilos de vida que emergiram na Europa no século XVII. Dando progressivamente espaço ao fenómeno da Globalização como uma consequência da Modernidade, esta gerou um desenvolvimento desigual tanto do ponto de vista económico como social. Prevaleceu uma lógica racional de separação e de compartimentação. Desta forma a ideia de progresso, racionalismo e vitória do Homem exerceram todo o seu encanto sobre a mentalidade da época.

Dentro deste paradigma da Modernidade encontra-se a corrente de pensamento sociológico que acreditava no progresso linear da sociedade e, principalmente, no poder exclusivo e absoluto da razão humana em conhecer a realidade e traduzi-la sobre a forma de leis naturais, sob influência de Emile Durkheim. O positivismo durkheimiano acreditava que a sociedade poderia ser analisada da mesma forma que os fenómenos da natureza e, a partir dessa suposição, utilizava nos seus estudos os mesmos procedimentos das ciências naturais. Ao longo da sua obra, Durkheim tentou estabelecer uma noção de causalidade entre os fenómenos da sociedade e encontrar uma solução para a vida social. Ele distinguiu diferentes instâncias da vida relacionadas com a educação, família e religião e o seu papel na organização social. Para ele, a crescente divisão do trabalho consistia num fenómeno que proporcionava um aumento de solidariedade entre os homens.

Outros autores, como Edgar Morin, têm uma posição mais critica dos modelos positivistas clássicos. Eles discutem a noção de verdade absoluta declarando que existem várias verdades.

“O conhecimento precisa ter consciência da sua biodegradabilidade (…) pois a crença numa

verdade absoluta provoca a cegueira do conhecimento e da racionalização…” 37

Já Giddens olha a modernidade e enquadra-a dentro de um modelo de reflexividade dinâmica. Isto porque as práticas sociais são constantemente “examinadas e reformadas

      

36 GIDDENS, Anthony, (2005), As Consequências da Modernidade, Celta Editora, p.5

(21)

à luz da informação adquirida sobre essas mesmas práticas”38. Para o autor conseguir explicar o alcance globalizador das instituições modernas e “a natureza das suas

descontinuidades” é necessário compreender que “o conhecimento circula para dentro e

para fora do universo da vida social, reconstituindo-se a si próprio e a esse universo como parte integrante daquele processo de circulação”39.

A Modernidade é dinâmica; está em constante mutação e resulta da “separação do

tempo e do espaço e da sua recombinação sob formas que permitem a exacta identificação do espaço temporal da vida social; da descontextualização dos sistemas sociais”. Assim as relações sociais são ordenadas e desordenadas à luz de “sucessivos

inputs de conhecimento que afectam as acções dos indivíduos e dos grupos”40.

Quanto a Touraine, propõe uma decomposição dos elementos da modernidade, analisando-os de forma individual. Põe a racionalidade ao serviço das necessidades, independentemente de quem as dita.

”O esvaziamento da modernidade transforma-se rapidamente no sentimento angustiante do

absurdo de uma acção que já não aceita outros critérios que não sejam os da racionalidade

instrumental.”41

Sendo o Homem um causador participante das alterações que ocorrem na sua vida, a Modernidade é, para Touraine, desenvolvida com o desenrolar das duas Guerras Mundiais, onde irão ocorrer várias mudanças relacionadas com a organização do trabalho, tais como a redução do horário de trabalho, o aumento do tempo de reforma, associada a uma diminuição da idade de trabalho e o prolongamento do tempo dedicado aos estudos. Estes são factores que contribuem para uma economia direccionada para a produção e dominada por um espírito científico e tecnológico.

Para o autor, a Modernidade “surge como um instrumento de controlo, de integração e

de repressão”42, no qual a produtividade se encontra associada à modernidade e atinge a sociedade no seu conjunto.

      

38 GIDDENS, Anthony, (2005), op. cit,

Celta Editora, p. 27

39

Idem, p.11

40

Idem, p. 12

41 TOURAINE, Alain, (1992), op. cit, Edições Instituto Piaget, p.115 42

(22)

“Se a modernidade se traduz por uma maior capacidade de acção da sociedade sobre ela própria,

não estará ela mais carregada de poder do que de racionalização e de imposições do que de

libertação? O pensamento social passa a sentir-se prisioneiro de uma modernidade da qual

desconfia.” 43

A busca de um bem maior possibilita a libertação de regras e normas que o impedem, de algum modo – moral, psicológico ou filosófico – de integrar um mercado de trabalho competitivo e sempre em movimento.

O autor transmite a ideia de que vivemos numa sociedade cuja modernidade não se direcciona para a unificação mas sim, para a sua decomposição. Uma decomposição que abrange diferentes vontades, desejos, trabalhos e ideias, que deixam de estar direccionadas e concebidas de forma única. São abertas e susceptíveis a constantes alterações, de modo a poderem satisfazer um bem particular, mas ao mesmo tempo um bem comum.

“… é muito fácil denunciar a omnipresença dos técnicos e é perigoso acreditar que eles participem

no desenvolvimento de um mundo cujos governantes seriam apenas engenheiros de almas. O mundo

das técnicas, o mundo dos meios permanece tanto mais subordinado ao mundo dos fins pessoais ou

colectivos…”44

Estamos integrados numa sociedade onde os indivíduos investem em si próprios de modo a obterem, através dos resultados do seu trabalho, algum prazer, status social e reconhecimento.

A “destruição do Eu-mesmo” marca uma sociedade moderna, substituindo a ordem e o

dever de Estado por movimentos indeterminados. Uma sociedade que apresenta contornos diferentes de uma sociedade tradicional porque aposta numa ruptura “da

imagem racionalista do Homem (…) onde a vontade de lucro e de poder, a guerra de mercado e as obrigações impostas aos trabalhadores não se deixam reduzir à imagem adocicada de racionalização”45.

Os actores da modernidade não se reduzem a uma acção instrumental, mas sim colectiva e envolvidas nos diversos aspectos do crescimento da sociedade. Eles abraçam toda a

      

43 TOURAINE, Alain, (1992), op. cit , Edições Instituto Piaget, p.118 44

Idem, p 125

45

(23)

questão que envolve os desejos e vontades do Self, como se tal fosse a força motriz e impulsionadora, que aperfeiçoa e desenvolve capacidades individuais e colectivas.

É importante referir que, para o autor, existe uma dissociação entre a modernidade e a sociedade e os seus actores, porque não reflecte somente uma vertente colectiva, nem somente o seu sistema e funcionalidades. Ela integra no colectivo o ponto de vista individual.

O empreendimento é considerado como um agente da modernidade que reflecte uma racionalização das acções, pois produz eficazmente, responde às exigências, procura os lucros mais aliciantes, diversifica os investimentos, etc. Ou seja, procura encontrar e investir em tudo aquilo que melhore e amplie os resultados dos investimentos efectuados.

Para o autor, o actor da modernidade vive entre várias dicotomias que nos levam a questionar o fim das acções realizadas. “A crise da modernidade faz desaparecer a

ideia de sociedade, que constituía um princípio unificador (...), o princípio do bem.”46 Actualmente a modernidade encontra-se fragmentada, pela necessidade de afirmação do

Self, da ideia de moral, da “ascensão dos bens nacionais” 47e pela concentração de bens internacionais, que se afirmam em espaço nacional.

Para o Touraine, a critica à Modernidade é baseada no triunfo da razão, com base no individualismo e nas novas tecnologias, em detrimento dos valores morais, de bens colectivos e de ideais. Para o autor, “o crescimento económico, a liberdade política e a

felicidade individual já não nos parecem análogos e interdependentes. A dissociação entre as estratégias económicas e a construção de um tipo de sociedade, de cultura e de personalidade operou-se rapidamente e é ela que designa e define a ideia de pós modernidade”48.

“Se a modernidade associava cultura e progresso, opondo culturas ou sociedades tradicionais a

culturas ou sociedades modernas (…) a pós modernidade dissocia o que tinha sido associado.”49

      

46 TOURAINE, Alain, (1992), op. cit, Edições Instituto Piaget, p.175 47

Idem, p 175

48

Idem, p.221

49

(24)

Assim, para o autor o pós-modernismo defende uma sociedade “sem unidade, onde por

isso nenhuma personagem, nenhuma categoria profissional, nenhum discurso detém o monopólio do sentido. O que conduz a um multiculturalismo”50.

A questão põe-se na conciliação da uma visão racionalista com a visão construtivista (de certo modo idealista) de um bem comum, sem que o mesmo seja um impedimento às liberdades individuais. Olhar o espaço da Modernidade como um local onde cada um, na sua individualidade, se consegue afirmar, consiste num desafio à actualidade. Este desafio alarga-se quando temos que proceder a mudanças não planeadas, nos planos de vida que traçamos.

O capítulo que se segue pretende dar continuidade ao tema da Modernidade e apresentar as alterações individuais, abarcando-as num contexto familiar e questionando até que ponto a família se encontra ou não preparada para responder no seu colectivo.

3.3 A Modernidade e a construção colectiva

Integrada numa ideia de colectivo, a Modernidade reconhece que nos encontramos a vivenciar um contexto de mudanças que Boaventura Sousa Santos considera de transição. Estas ocuparam um lugar cimeiro na compreensão de todos os elementos que constituem a família e as alterações que esta se encontra sujeita.

“... as relações que se estabelecem entre os elementos de uma família e a solidariedade daí decorrente

estão dependentes das condições materiais e objectivas em que se estabelecem e dos pressupostos

ideológicos e culturais em que se funda a família...”51

Contudo, apesar das inúmeras transformações a que se encontra sujeita e das diversas manifestações e representações a que se submete, ela é ainda encarada como um porto seguro, o local onde o indivíduo manifesta o seu lado positivo e negativo. É o local onde se encontram representados os ideais das relações humanas, é onde o indivíduo se sente mais integrado e seguro e, por isso, com maior possibilidade de se afirmar nas várias vertentes em que se insere.

Bourdieu, numa proposta que faz à concretização do conceito afirma que, “Le discours

ordinaire puise souvent, et sans doute universellement, dans la famille des modèles idéaux des relations humaines (avec, par exemple, des concepts comme celui de

      

50 TOURAINE, Alain, (1992), op. cit , Edições Instituto Piaget, p.221 51

(25)

fraternité) et les rapports familiaux dans leur définition officielle tendent à fonctionner comme principes de construction et d'évaluation de toute relation sociale”52

Refere ainda que a família “é um local sagrado, secreto, de portas fechadas sobre a sua

intimidade, separado do exterior sobre a barreira simbólica do limiar, perpetua e perpetua-se na sua própria separação, a sua privacidade como obstáculo ao conhecimento, segredo de negócios privados (...) do domínio privado.”53.

A apresentação de uma família solidária, envolvida nas diversas questões que a envolvem – relação entre os seus elementos, sucesso escolar, integração no mercado do trabalho e sucesso profissional, acesso a melhores condições de vida, etc – encontra-se inserida num sistema global de bem-estar social que se encontra em constante alteração.

Questões relacionadas com o envelhecimento da população associado ao aumento da esperança média de vida54, ao desemprego55 e a outros factores sócio familiares tais como o aumento de famílias monoparentais ou reconstituídas56 ou a entrada da mulher na vida activa – onde Touraine evidência a “… sociedade de consumo que leva à

transferência maciça das mulheres dos serviços pessoais não comerciais para os

sectores pessoais comerciais, em particular para a educação e saúde”57 – pôs em

questão um regime de solidariedade baseado nas relações entre indivíduos da mesma família e capaz de responder em situações de necessidade.

Para tal, a relação estabelecida entre os elementos da família compõe-se de várias dinâmicas entre os elementos que a constituem, que se encontram e se estabelecem como seres únicos na busca constante da sua individualidade.

      

52

BOURDIEU, Pierre, À propos de la famille comme catégorie réalisée ; Actes de la Recherche en Science Social (1975-2003), p. 32

53 FERNANDES. Ana. A. cita BOURDIEU, Pierre, (1997) “Velhice e Sociedade” , Celta Editora, p.60 54

Segundo os dados do INE, na última década houve um envelhecimento significativo da população. Entre 1991 e 2001houve uma diminuição da população a partir dos 5 anos e até aos 22 anos, de forma muito significativa. Em Portugal essa diminuição verificou-se logo a partir dos zero anos. Na região de Lisboa a população aumentou a partir dos 23 anos até cerca dos 30 anos mas voltou a diminuir um pouco entre os 38 e os 46 anos. A partir desta idade verificou-se um aumento acentuado da população.

55

O INE faz uma distinção entre pessoas desempregadas que se encontram à procura do primeiro emprego, de pessoas desempregadas que se encontravam disponíveis ou indisponíveis para o trabalho e de pessoas desempregadas que se encontram à procura de trabalho nos últimos 30 dias. No entanto e consoante esta mesma fonte só na zona de Lisboa em 2001 existiam cerca de 104.955 desempregados.

56

Mediante os dados recolhidos pelo INE a região de Lisboa apresenta um peso superior de famílias monoparentais relativamente ao país. No entanto, em 1991 o peso deste tipo de famílias era muito próximo em todo o país, apresentando uma tendência de crescimento superior na região de Lisboa. De salientar que a proporção de divorciados na região de Lisboa é bastante superior à do restante país.

(26)

Assim, uma relação social estabelecida no interior da família, baseia-se naquilo que nós pensamos acerca de nós próprios e encontra-se estreitamente ligada com aquilo que os outros pensam de nós. São pensamentos e directrizes indissociáveis e cúmplices nas relações que estabelecemos com os outros e connosco próprios.

O movimento constante das relações sociais associado à ideia que Bauman desenvolve aquando a sua necessidade de busca pela pureza e estabilidade levam-nos a olhar para a família como “um meio regular e estável para os nossos actos; um mundo em que as

probabilidades dos acontecimentos não estejam distribuídos ao acaso, mas arrumados numa hierarquia estrita”58

. Esta poderá ser encarada como uma base de segurança, uma estabilidade e previsibilidade a fim de justificar e assegurar as nossas escolhas

“assegurar um cenário de confiança, duradouro, estável e previsível para os actos e escolhas individuais”59.

Goffman remata afirmando que é possível considerar a personalidade como uma pequena parcela da massa colectiva. 60

As dinâmicas individuais, que normalmente associamos à realização pessoal, (incluindo-as na vida pessoal, social e profissional) encontram-se intimamente ligadas às dinâmicas colectivas estabelecidas pelo conjunto de interacções que efectuamos no nosso dia-a-dia.

Contudo estas interacções, esta capacidade de nos afirmarmos individualmente num universo colectivo, constituído por diversas forças, desejos e acções, encontra-se relacionado com um sentimento de obrigação e de dever.

Este, considerado simultaneamente agradável e desagradável, integra requisitos que precisam de ser preenchidos para que a integração do individual num colectivo seja eficiente e concretizável para cada um. Para tal são necessárias as regras, concebendo, deste modo, uma "certaine image de lui-même"61.

Esta imagem que construímos acerca de nós próprios remete-nos novamente para a ideia de família solidária cuja prestação de cuidados aos seus elementos poderá estar envolvida numa mensagem que é simultaneamente “desesperante e doce (...) inscreve

      

58

BAUMAN, Zigmund (2007), O Mal-Estar da Modernidade, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, p.15

59

Idem, p.31

60 GOFFMAN, Erwing, (1999), op. cit, Os Momentos e os Seus Homens”, Relógio D´Água Editores, p.39 61

(27)

as suas mensagens nas expectativas, ansiedades e padrões de comportamento das pessoas"62. Poderá ser impulsionada por uma condição altruísta ou dinamizada pela noção de obrigação e de regra. A regra pode desencadear uma relação estabelecida com o outro baseado nos conceitos que os outros poderão estabelecer, através das atitudes e comportamentos, sobre nós próprios.

A ter em conta, num contexto de família solidária, é o papel que cada elemento desempenha dentro desta, quais as suas funções e quais as suas directrizes de funcionamento. Neste sentido, uma obrigação/regra pode tornar-se indispensável pois contribui para "Règles substantielles" que "guident la conduit quant aux affaires que

l´on estime important par elles mêmes"63.

3.4 A noção de culpa de vergonha: uma consequência da Modernidade?

Direccionar a reflexão para as noções de culpa e de vergonha é essencial para entender processos que Giddens refere como fazendo parte da integração do Self num contexto de Modernidade tardia64. É um processo atribulado e adverso, sujeito a inúmeras processos de mudança e de sucessivas adaptações do indivíduo a alterações profundas, incluídas nos vários universos onde se movimenta.

É susceptível a sentimentos de culpa “uma manifestação provocada pelas ansiedades

estimuladas”65 e medo “de errar normativamente”66. Estes produzem um sentimento de vergonha que não ocorre por sanções exteriores mas sim por falhas perante algo previamente estabelecido, associadas a processos de transgressão.

A vergonha deve ser entendida na relação de integridade com o Self, pois depende de um sentimento de insuficiência pessoal que é despoletada e mantida através do convívio que temos uns com os outros. Esta remete-nos directamente para um conceito de auto-identidade porque “é uma ansiedade acerca da adequação da narrativa com que o

indivíduo sustente uma biografia coerente67. Encontra-se, segundo o autor, muito

      

62 GIDDNS, Anthony, (2007), Sociologia, Fundação Calouste Gulbenkian, p.182 63 GOFFMAN, Erving, op. cit, p.48

64

O autor reporta-se à ideia de modernidade tardia quando se refere a uma Europa pós feudal, associada ao crescimento do industrialismo e ao uso generalizado de energia mecânica e do trabalho em série. A modernidade tardia também associa a ideia de capitalismo, pelo recurso constante à massificação dos produtos e respectivas forças de trabalho, em troca do pagamento de salário.

65 GIDDENS, Anthony (1999), Os Momentos e os Seus Homens, Relógio D´Água Editores, p.57 66

Idem, p.57

(28)

ligada à noção de sujeito ideal quando se falha na concretização de uma acção que é estabelecida por um colectivo.

Em suma, a confrontação permanente do indivíduo por escolhas, por noções de obrigação, por regras instituídas dentro da família ou por outros, o medo de errar perante o estipulado, provoca um sentimento de culpa e de vergonha. O facto de, perante um acontecimento externo e imprevisto não conseguirmos conciliar as dinâmicas individuais e colectivas com a estabilidade familiar, provoca um sentimento de insucesso, característico da Modernidade.

3.5 Instituição família e a relação de confiança: consequências vistas à luz da

Modernidade.

Bauman trabalha duas ideias importantes para aplicar neste contexto: a de pureza e de ordem. O facto de vivermos numa sociedade naturalmente desordenada e pouco pura, como consequência de uma integração na Modernidade, proporciona que esta encontre alternativas que façam face a essa lacuna numa tentativa de garantir segurança “o

homem civilizado trocou um quinhão das suas possibilidades de felicidade por um quinhão de segurança”68.

Como referido em página anteriores, a pureza e a ordem são para o autor ideias associadas e dependentes e têm como significado “um meio regular e estável para os

nossos actos; um mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não estejam distribuídos ao acaso, mas arrumados numa hierarquia estrita”69, pois organizam e sistematizam o pensamento e a acção humana.

Deste modo podemos pensar que todos nós “temos uma série de construtos de senso

comum da realidade da vida diária”70que constroem o nosso dia a dia e nos impelem a usufruir de “frutos de conhecimento”71.

Para Bauman, nenhum de nós pode “construir um mundo de significações e sentidos a

partir do nada: cada um ingressa num mundo pré-fabricado, em que certas coisas são

importantes e outras não”72, pois “ingressamos num mundo em que uma terrível

      

68 BAUMAN, Zymond, (2007), op. cit, Jorge Zahar Editor p. 8 69 Idem, p.15

70

Idem, p. 17

71

Idem, p.17

72

(29)

quantidade de aspectos são óbvios a ponto de já não serem conscientemente notados e de não precisarem de nenhum esforço activo para estarem presentes em tudo o que fazemos”73.

A confrontação deste mundo pré-fabricado em que somos capazes de seleccionar as coisas importantes e, a partir daí, construir uma ideia sólida da realidade, colide com a noção de realidade em si mesma.

A “permutabilidade dos pontos de vista”74, onde se destaca a importância de nos

colocarmos no “lugar de uma outra pessoa”75, é uma ideia que tende a desaparecer na concepção de família que desenvolvemos. Esta dúvida pode ser colocada pela chegada de um novo elemento que, por não se encontrar inserido no ambiente, coloca questões sobre aquilo que anteriormente era inquestionável, nomeadamente, a concepção de planos de vida. Este elemento estranho pode ser relacionado com uma doença inesperada, que inviabilize uma dinâmica familiar, anteriormente capaz e funcional, sendo necessário “um novo começo permanente”76.

Efectivamente, esta necessidade de saber responder prontamente às adversidades coloca a incerteza e a desconfiança como peremptórios nesta época, em que nada é estável nem estanque. Falamos do trabalho, das pessoas com quem nos relacionamos, do nosso dia-a-dia.

A necessidade de inovar é quase sempre associada à capacidade de ser, por isso, aptos para nos ligarmos a este movimento, numa utopia moderna que acredita na harmonia em todas as relações que estabelece.

Um dos dilemas da Modernidade consiste numa desvinculação de sentimentos de solidariedade da sociedade face à família, e consequentemente numa desvinculação da família face à perspectiva de cuidar e numa quebra de confiança entre todos.

      

73 BAUMAN, Zymond, (2007), op. cit, Jorge Zahar Editor, p.17 74

Idem, p.18

75

Idem, p.18

(30)

4. A confiança

4.1 A confiança, uma conduta individual

O indivíduo é um o actor, um sujeito empírico, que apreende as lógicas sociais em que se insere. É encarado como um produtor da imagem do eu individual. “do eu que se

exprime e do eu que é narrado”77, que é reconhecido pelos outros, que assume uma identidade em determinados contextos e ambientes e que contribui para a construção de uma identidade coerente e uniforme.

Enquanto Lahiere nos orienta para um indivíduo que segue em quatro direcções distintas – na sua individualidade, na sua autonomia (nas decisões que toma e nos contextos em que as toma), integrado nas instituições onde se insere e ciente das relações de dependência e interdisciplinaridade que estabelece com os outros, onde “é

supervisionado por entidades que legislam e que representam esse bem maior”78 –

Boltanski encaminha-nos para a construção de um indivíduo inserido num projecto, onde a aquisição da responsabilidade individual o remete para a existência de trocas diárias de informação, sentimentos, gostos e ideias que têm presente a necessidade de nos justificarmos e de nos valorizarmos perante os outros. Para o autor, os regimes de justificação em que nos inserimos, as Cités79, coadunam-se com as características de cada situação “as pretensões das pessoas devem ser confrontadas com a realidade

segundo procedimentos mais ou menos estandardizados”80.

Quanto à intervenção hospitalar, demasiado centrada nas directrizes normativas, mais uma vez, Carapinheiro identifica uma “sobrevalorização dos instrumentos legislativos

como estratégia de mudança”81 e engloba-os nas consequências da Modernidade que

Giddens afirma ser “inerentemente globalizante”.82

      

77 LAHIERE, Bernard (2005) Patrimónios Individuais de disposições, para uma sociologia à escala

individual, Sociologia, problemas e práticas, n.º49, p. 31

78

Idem, p.31

79Cités é uma referência à filosofia clássica que atribui como objecto a possibilidade de esboçar uma

ordem legítima que repousa sobre o princípio de justiça. Mas para o autor, nas sociedades modernas complexam coexistem vários sistemas de justificação num mesmo espaço social, sendo mais ou menos pertinentes de acordo com as características da situação em que são invocados.

80

BOLTANSKI, Luc (2001), A moral da rede? Criticas e justificações das recentes evoluções do capitalismo, in Fórum Sociológico, n.5/6, p.16

81 CARAPINHEIRO, Graça, (2005), Saberes e Poderes no Hospital – Uma Sociologia dos Serviços

Hospitalares, Edições Afrontamento e Centro de Estudos Sociais, p.19

(31)

Avança numa análise que considera o indivíduo não como o centro de toda a intervenção, mas sim como enquadrado numa “intensificação das relações sociais”83 subjugadas a uma intervenção institucional - “Elabora-se a lei e espera-se que a

realidade se adapte”84.

Tendo em consideração que uma relação social se baseia na ideia que concebemos acerca de nós próprios, fundamentada nas crenças, na educação e nas relações sociais que estabelecemos com os outros, aquilo que pensamos dos outros e a importância que o seu trabalho exerce nas nossas vidas e decisões atinge dimensões relevantes.

A confiança85 depositada no outro caminha, para Giddens, entre uma confiança cegae

risco calculado86.

Esta é baseada “na experiência de que esses sistemas funcionam

geralmente da maneira como se esperam que funcionem”87. Ambas influenciam e são

influenciadas por consequências de uma Modernidade que é globalizante e definida numa “intensificação das relações sociais de escala mundial, relações que ligam

localidades distantes de tal maneira que ocorrências locais são moldadas por acontecimentos que se dão a quilómetros de distância”88.

Confiança é “o mecanismo para poder lidar com a liberdade dos outros”89. A este mecanismo encontra-se inerente o facto de “não haver necessidade de confiar em

alguém cujas actividades fossem continuamente visíveis e cujos processos de

pensamento fossem transparentes”90. Assim o facto de desconhecermos aspectos

relacionados com a sua actividade, mas acreditando à partida que a mesma será efectivada com integridade, encaminha-nos para o acto de confiar que aquilo que ele fará será realizado eficazmente.

Portanto, afirmar que a confiança está basicamente ligada não com o risco, mas com a contingência é, sem dúvida, um fenómeno a considerar. O autor refere também que a confiança se encontra intrinsecamente ligada à credibilidade dos resultados       

83 GIDDENS, Anthony, (2005), op. cit, Celta Editora, p.45

84 CARAPINHEIRO, Graça,(2005), op. cit, Edições Afrontamento e Centro de Estudos Sociais , p.19 85

Para o autor a noção de confiança insere-se nos mecanismos de descontextualização, podendo ser representados por uma confiança simples baseada num conhecimento indutivo fraco ou a confiança que opera em ambientes de risco e de segurança variável.

86

Ao retratar a confiança Giddens identifica-a como um artigo que varia entre a fé (confiança cega) e o risco calculado.

87 GIDDENS, Anthony, (2005), op. cit, Celta Editora, p. 20 88

Idem, p.45

89 Idem, p.23 90

(32)

contingentes91,

quer estes “digam respeito a acções de indivíduos ou ao funcionamento

de sistemas”.92 O funcionamento destes sistemas encontra-se intimamente ligado às acções e atitudes de indivíduos inseridos nesses mesmos sistemas. São eles que transmitem a credibilidade e a segurança da realização de determinada tarefa, garantido, mesmo que de modo simbólico, a eficácia da mesma.

4.2 A confiança, na representação colectiva

Quando nos referimos à confiança em indivíduos, Giddens afirma que a consequência da Modernidade se reflecte na noção de “integridade (honra)”, onde a confiança nas pessoas tem para o autor “consequências para aquele que confia”. Chama-lhe um “refém moral entregue à sua sorte”.

Sendo assim, a confiança depositada no corpo técnico de uma instituição é essencial para a credibilidade desta. É aquilo a que no capítulo anterior referimos como

confiança cega” baseada em garantias simbólicas que exprimem a integridade da

mesma.

No âmbito da modernidade a confiança é para o autor “o reconhecimento geral da

actividade humana” ou seja, a conjugação da vertente humana e da sua integridade de actuação nas suas diversas esferas de acção: a profissional e a pessoal. É, também, a conjugação desta com o “mundo material” abrangendo uma dimensão tecnológica e a utilização da mesma em prol de um bem comum.

No entanto a confiança implica risco, pois o “perigo inerente à quebra de confiança é

tão difícil de ultrapassar como a dificuldade de se confiar na credibilidade e reputação, mesmo que positiva, de alguém”93. A linha entre risco e confiança é ténue podendo advir daí consequências positivas ou negativas, que variam mediante o cálculo efectuado ao risco que se correrá. Este mesmo risco poderá ser, ou não, aceitável, mediante os padrões de risco definidos. Assim “qualquer pessoa que assuma um risco

calculado está consciente da ameaça, ou ameaças, que determinada linha de acção acarreta. Mas é certamente possível empreender-se acções ou ser-se sujeito a situações

      

91

O autor remete esta noção de contingência para a relação que se estabelece com os outros presumindo-se, mesmo sem ver, que outro realizará a sua tarefa com integridade.

92 GIDDENS, Anthony, (2005), op, cit, Celta Editora, p.24 93

(33)

que sejam inerentemente arriscadas, sem que os indivíduos estejam cientes de quanto elas são arriscadas. Por outras palavras, desconhecem os riscos que correm.”94

Por sua vez, o pensamento individual cruza-se sistematicamente com a interacção estabelecida entre a actividade profissional e a capacidade relacional.

“... la personnalité individuelle peut être considérée comme une parcele de la mana collective...”95

A conjugação entre os objectivos institucionais, a prática profissional e a aquisição de saberes, é retratada nas práticas de cada um e traz uma dificuldade acrescida ao acto de confiar nos saberes e lideranças institucionais.

Mesmo com conhecimento da existência de um risco acrescido, os saberes hospitalares constituem um universo desconhecido para o cidadão comum. A procura de uma referência individual poderá fortalecer a confiança na instituição, mas a capacidade de aceitar o factor risco, torna-se mais limitada do que numa instituição com outra actividade profissional.

Para Giddens, a “reflectividade da vida moderna consiste no facto de as práticas sociais

serem constantemente examinadas e reformadas à luz da informação adquirida sobre essas mesmas práticas”96. Esta situação reflecte-se naquilo que autor refere como

desorientação“ pois, existindo nós num mundo que é totalmente orientado para o

conhecimento aplicado reflexivamente”97, não podemos garantir que um elemento

deste conhecimento não tenha de ser revisto e alterado.

Termino a questão da confiança como estando “directamente envolvida na produção

contínua do auto-conhecimento ”98, e associando-a ao saber fazer, que por sua vez, proporciona um desenvolvimento de confiança em entidades periciais99 e nos sistemas em que elas se inserem.

A adaptação das unidades hospitalares a esta mudança reflecte-se numa tarefa difícil pois abrange a conjugação com o mundo académico, em que o conhecimento é       

94 GIDDENS, Anthony, (2005), op. cit, Celta Editora, p.47 95

GOFFMAN, Erving (1999) “O momento e os seus homens” Relógio D´Água Editores p.113

96 GIDDENS, Anthony, (2005), op. cit, Celta Editora, p. 27 97

Idem, p.29

98

Idem, p.30

99

(34)

diariamente adquirido por entidades especializadas com acesso a informação exclusiva, com o conhecimento acessível a todos, tendo em consideração a saúde de cada um incluindo-a num processo de integração activa.

Do ponto de vista individual, o reconhecimento de que existe um factor de risco quando nos debatemos por questões tão fundamentais como a nossa saúde adapta-se, de modo exemplar, a esta desorientação que refere Giddens e conjuga-se com a tentativa de “racionalização do trabalho hospitalar”100, pondo a prática médica de modo normativo e científico em detrimento de um trabalho humanizado.

4.3 A confiança que leva à estabilidade entre o Hospital e a família

Sem dúvida que, para a estabilidade de uma relação de confiança entre o Hospital e a família, é necessária uma aprendizagem de novas formas de comunicação.

As modalidades da comunicação abrangem as redes, os contactos, as relações e interacções que envolvem todos os seres humanos. Estas são transmitidas através da aquisição de instrumentos socialmente apreendidos (instrumentos escritos, verbais e corporais) e representam as relações estabelecidas entre os indivíduos.

“… o espaço-rede representa pois a base da construção das formas de representação realizadas

historicamente pelos seres humanos. A sua constituição resulta das relações estabelecidas pelos

contactos permanentes dos seres humanos.”101

As representações sociais que provêm da comunicação podem ser reproduzidas quando entendermos os espaços simbólicos de onde estas advêm e transformarmos os espaços subjectivos em possibilidades objectivas e concretas102.

A complexidade das sociedades modernas remete-nos para aquilo que Resende afirma como sendo a generalização dos actos de comunicação, onde os processos de globalização instituem ideias que por sua vez reflectem a ideia do grupo. Por isso a necessidade de agentes autorizados que transmitam não a sua opinião individual mas a

      

100 CARAPINHEIRO, Graça, op. cit, (2005), Edições Afrontamento e Centro de Estudos Sociais, p.133 101

RESENDE, José Manuel, À procura do(s) sentido(s) perdido(s): dos limites das concepções de poder e de dominação simbólica de Pierre Bourdieu equacionados a partir das suas reflexões sobre o conceito de representação social simbólica, in Forum Sociológico, n.º 9/10 (2.ª Série), p. 32

102

Referências

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