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O Envelhecimento, uma questão geracional 43

6.   Sociedade e envelhecimento 43

6.1   O Envelhecimento, uma questão geracional 43

O envelhecimento populacional tornou-se num problema que devemos relacionar com factores sociais de relevância. A evolução das relações entre gerações, bem como a produção e institucionalização de medidas especificamente orientadas para a velhice passou a designar-se por políticas de velhice, entendendo-se estas como “o conjunto de intervenções públicas, ou acções colectivas, cujo objectivo consiste em estruturar de forma explícita ou implícita as relações entre a velhice e a sociedade”119

Esta consciencialização social levou a que os encargos com idosos, que anteriormente eram da responsabilidade da família ou de particulares, fossem transferidos para instâncias despersonalizadas e burocratizadas, com a necessidade de proceder à inscrição e identificação pessoal e familiar onde as relações entre as pessoas se efectuam de forma anónima, de modo a fazer face a determinadas limitações funcionais. Ana Alexandra Fernandes identifica esta transferência da responsabilidade da família como um processo de “desfamiliarização das relações familiares”120

cujos custos se categorizam como elevados para a esfera pública.

Os efeitos da redução da fecundidade e o acentuado investimento na educação resultaram em filhos únicos nos agregados familiares, o que, por sua vez, contribui para que “se descomprometam os filhos dos encargos com os pais”121

.

Na opinião de Martins a discussão sobre a problemática dos idosos no nosso país começou tardiamente em 1969. Só em 1971 é criado o serviço de Reabilitação e Protecção aos Diminuídos e Idosos, no âmbito do Instituto da Família e Acção Social, inserido na Direcção Geral da Assistência Social, que vinha substituir o Instituto de Assistência aos Inválidos.

A autora menciona também que esta mudança é importante por criar pela primeira vez um departamento com afinidades no estudo e na procura de soluções para os problemas da população idosa. Será em 1976, após as mudanças políticas em Portugal, que a nova Constituição consagra o Direito à Segurança Social, mantido após a revisão constitucional de 1992. A anterior Assistência Social deu lugar à Acção Social “que       

119 FERNANDES, Ana, A, (1997), op. cit, Celta Editora, p.69 120

Idem, p. 70

121

enquadra o conjunto de acções desenvolvidas através de serviços e de equipamentos sociais de apoio individual e familiar bem como de intervenção comunitária, que também integram o antigo sistema de assistência social”122

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As alterações no quadro da política social, bem como o aumento da procura, traduzem- se actualmente no alargamento da rede de instituições para idosos, numa tentativa de acompanhamento das mudanças no tecido e contexto social. Em consequência, “a acção social que, na sua maior parte, é exercida por instituições particulares de solidariedade social e outras organizações privadas apoiadas financeiramente pelo Estado, mediante protocolos de cooperação sócio familiar”123

.

Embora os apoios financeiros que se direccionam para a população idosa sejam manifestamente insuficientes, existe uma tentativa de conciliar os apoios estatais com as novas dinâmicas sociais e familiares. Seguem-se definições dos recursos institucionais mais utilizados no contexto nacional, que respondem às necessidades apresentadas: os lares de idosos, “equipamentos colectivos de alojamento permanente ou temporário, destinados a fornecer respostas a idosos que se encontrem em risco, com perda de independência e/ou autonomia”124; lares para Cidadãos Dependentes, que “ constituem respostas residenciais a idosos, que apresentam um maior grau de dependência (acamados)”125; os Centros de Dia, que constituem um tipo de apoio dado através “da prestação de um conjunto de serviços dirigidos a idosos da comunidade, cujo objectivo fundamental é desenvolver actividades que proporcionem a manutenção dos idosos no seu meio sócio familiar”126; os Centros de Convívio que, localizados nas proximidades “pretendem apoiar o desenvolvimento de um conjunto de actividades sócio-recreativas e culturais destinadas aos idosos de uma determinada comunidade”127; e o Apoio Domiciliário, que pretende prestar cuidados “por ajudantes e/ou familiares no domicílio dos utentes, quando estes, por motivo de doença ou outro tipo de dependência, sejam incapazes de assegurar temporária ou permanentemente a satisfação das suas necessidades básicas e/ou realizar as suas actividades diárias”128.

      

122

MARTINS, Rosa. Maria in Revista Educação, Conhecimento e Tecnologia, Envelhecimento e Políticas Sociais, pp. 126 -140 123 Idem, p.p. 126-140 124 Idem, p.p 126-140 125 Idem, p.p. 126-140 126 Idem, p.p.126-140 127 Idem, p.p.126-140 128 Idem, p.p.126-140

O acolhimento familiar, as colónias de férias, o turismo sénior e até o termalismo, são outras respostas que vêem sendo dadas a esta população, a fim de responder com maior eficácia às necessidades da mesma.

Contudo, ao falar de envelhecimento e das suas dinâmicas, é propício referir algumas propostas da União Europeia quanto ao futuro da população idosa e aos desafios relacionados com a sua saúde: maior facilidade no acesso a cuidados de saúde a franjas mais delicadas da população, nomeadamente à população idosa; melhorar a rapidez do acesso aos cuidados de saúde; distribuir equitativamente os recursos disponíveis; e providenciar uma intervenção multidisciplinar de qualidade tendo em consideração as mudanças físicas e psicológicas desta franja da população129. A conjugação destas prende-se com um elevado investimento económico e responsabilidade social e com a participação individual no seu processo de envelhecimento (com qualidade). Ambas têm o papel fundamental, neste processo de melhoramento da qualidade de vida, de “produire des pensées et des pratiques sensées et réglées sans intention de sens et sans obéissance consciente à des règles explicitement posées comme Telles”130

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Assim, apesar dos factores hereditários serem de suma importância, pois influenciam a possibilidade que cada pessoa tem ou não de adquirir determinada doença, as escolhas relacionadas com o estilo de vida que ajudam na prevenção de doenças têm também um papel determinante. Não fumar, manter uma dieta saudável e praticar exercício físico são algumas das opções a considerar. Esta ideia faz parte da noção de Habitus desenvolvida por Bourdieu.

A recriação do Habitus neste contexto é descrita como “um conhecimento adquirido e também um haver, um capital”131, e coexiste com a noção de “conhecimento prático”132. O Habitus é um sistema de disposições práticas que atinge o objectivo de construir condutas regulares que provêm das práticas do quotidiano.

      

129 in Joint report by the Commission and Council on supporting national strategies for the future of

heath care and care for the elderly, March 2003, UE

130 BOURDIEU, Pierre, (2001), Habitus, code et codification. Actes de la Recherche en Science Social,

p.40

131

Idem, p.41

132

“L'habitus, comme système de dispositions à la pratique, est un fundement objectif de conduites régulières, donc de la régularité des conduites, et si l'on peut prévoir les pratiques...”133

Relativamente à população idosa, embora a grande maioria destes seja portadora de, pelo menos, uma doença crónica, nem todos ficam limitados por essas doenças, e muitos levam ma vida perfeitamente normal, com as suas enfermidades controladas, apresentando satisfação e usufruto das capacidades e potencialidades de vida. Um idoso com uma ou mais doenças crónicas pode ser considerado um idoso saudável, se comparado com um idoso com as mesmas doenças, porém sem controlo destas, com sequelas decorrentes e incapacidades associadas.

Assim, o conceito clássico de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS)134 mostra-se inadequado para descrever o universo de saúde dos idosos, já que a ausência de doenças é privilégio de poucos, e o completo bem-estar pode ser atingido por muitos, independentemente da presença ou não de doenças.

O ponto essencial quando nos referimos ao envelhecimento encontra-se na autonomia, ou seja, na capacidade de determinar e executar seus próprios desígnios. Qualquer indivíduo que chegue aos oitenta anos capaz de gerir sua própria vida e determinar quando, onde e como se darão suas as actividades de lazer, convívio social e trabalho, certamente será considerado uma pessoa saudável. É pouco importante saber se o idoso é diabético, se sofre de insuficiência cardíaca ou toma qualquer outro medicamento. O importante é que, como resultado de um tratamento bem sucedido, com um envolvimento total do idoso e família ele se integre na sociedade que o rodeia e por isso seja considerado uma pessoa saudável e feliz.

Uma outra pessoa com a mesma idade e as mesmas doenças, porém sem o controle destas, poderá apresentar um quadro completamente diferente. Inicialmente sob a influência da depressão, essa pessoa poderá apresentar uma progressiva reclusão social, com tendência ao sedentarismo, deficit cognitivo, perda de auto-estima e abandono de auto-cuidados. Paralelamente, a diabetes e o problema cardíaco, que de início não       

133 BOURDIEU, Pierre, (2001), Habitus, code et codification. Actes de la Recherche en Science Social, p.

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134

Saúde é "um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade". Desde a Assembleia Mundial de Saúde de 1983, a inclusão de uma dimensão "não material" ou "espiritual" de saúde vem sendo muito discutida, a ponto de haver uma proposta para modificar o conceito clássico de "saúde" da Organização Mundial de Saúde para "um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social e não meramente a ausência de doença.

limitavam, passam a limitar fisicamente, e agravam o problema mental, aumentando o risco de complicações cardíacas. Nesse momento, a capacidade funcional encontra-se já comprometida com dependência física e mental para a realização de actividades da vida diária mais complexas como, por exemplo, limpar a casa, fazer compras, cuidar das finanças. No momento seguinte, a possibilidade de um acidente vascular cerebral não fatal pode remeter essa pessoa para um novo patamar de dependência, no qual será necessária assistência continuada para a realização das actividades mais básicas da vida diária, como comer, vestir, ou tomar banho. Eventualmente, o adequado tratamento dessas doenças pode reverter o quadro, mas não a ponto de retornar ao patamar inicial. Nesse caso, ninguém hesitaria em caracterizar essa pessoa como doente.

Bourdieu reitera que “a posição de determinado agente no espaço social pode assim ser definida pela posição que ele ocupa nos diferentes campos, quer dizer, na distribuição de poderes que actuam em cada um deles, seja sobretudo, o capital económico (nas suas diferentes espécies), o capital cultural e o capital social e também o capital simbólico, geralmente chamado de prestígio, reputação, fama, etc. (...) pode-se assim construir um modelo simplificado do campo social no seu conjunto que permite pensar a posição de cada agente em todos os espaços de jogos possíveis”135.

Capacidade funcional integrada num envelhecimento activo surge, portanto, como “um novo paradigma de saúde, particularmente relevante para o idoso”136

. O envelhecimento saudável, dentro dessa nova óptica, passa a ser a resultante da interacção multidimensional entre saúde física, saúde mental, independência na vida diária, integração social, suporte familiar e independência económica. A perda de um ente querido, um problema económico, uma doença incapacitante, um distúrbio mental ou um acidente, são eventos do quotidiano que podem, juntos ou isoladamente, comprometer a capacidade funcional de um indivíduo. O bem-estar na velhice, ou saúde num sentido amplo, seria o resultado do equilíbrio entre as várias dimensões da capacidade funcional do idoso, sem necessariamente significar ausência de problemas. Entramos então num novo patamar em que definimos envelhecimento activo como um processo de optimização de oportunidade para a saúde, participação e segurança no sentido de aumentar a qualidade de vida de cada um.

      

135 BOURDIEU, Pierre, (2001) O Poder Simbólico, Editora Difel, p. 134 e 135

Poderemos dizer que o envelhecimento activo comporta três vértices importantes: a autonomia, a independência (para a realização das actividades de vida diária) e a qualidade de vida.

Contudo, como determinantes do envelhecimento activo, temos em consideração alguns condicionalismos essenciais, nomeadamente o género, a cultura, as características individuais assim como as suas variáveis económicas, sociais e de saúde. Todas elas, em conjunto, fundamentam esta ideia.