• Nenhum resultado encontrado

A ética e a moral na perspectiva de Habermas 39

5.   Redes de solidariedade: a perspectiva do agir comunicativo 36

5.3   A ética e a moral na perspectiva de Habermas 39

Partindo do facto de que no mundo moderno não é possível que um bem comum possa ser partilhado por todos, o autor depara-se com a necessidade de compreender as sociedades modernas e as suas várias dinâmicas.

Habermas não coloca qualquer relação de hierarquia entre auto-determinação moral e a auto realização ética, pelo contrário, estabelece uma relação de co-originalidade entre a autonomia pública e privada, onde ambas se conjugam, numa convivência saudável. A grande especificidade do pensamento de Habermas consiste no facto de este estabelecer uma conexão entre liberdades subjectivas privadas, cujos direitos se encontram legislados e abrangem questões do foro individual e a participação dos cidadãos na vida activa. Habermas defende que uma sociedade democrática e plural é composta por indivíduos que se reconhecem mutuamente como interdependentes, livres e iguais. É justamente este reconhecimento público, que numa ordem jurídica os indivíduos são autores e destinatários dos direitos.

      

114 BERTALANFFY, L.Von, (1969) General Systems Theory, New York, Brazilier, p.30, 115

“não pode existir direito para todos sem liberdades subjectivas accionáveis que garantem a autonomia privada de sujeitos jurídicos individuais, não há direito legítimo sem legislação democrática elaborada conjuntamente por cidadãos que, como livres e iguais participam neste processo.”116

Neste sentido, surge uma concepção que, por um lado, estabelece os direitos fundamentais que garantem a liberdade individual sem a qual a auto-realização dos grupos não pode ser exercida e, por outro lado, a soberania popular que como mecanismo estabelece a orientação moral da sociedade. Assim, a soberania popular adquire o direito de ter um papel importante na garantia da estabilidade social, em vez de ser definidora das regras do processo burocrático.

Este pensamento ético de Habermas possui uma relação próxima com a formação para a cidadania soberana e democrática, já que todos os esforços implementados na comunidade visam atingir a autonomia do agir e do pensar para a actuação nos diferentes espaços sociais onde o indivíduo se movimenta.

Nesta linha de pensamento e para compreender a posição do autor no que se refere à reflexão ética e moral é interessante partir da distinção entre três elementos de ordem prática, são eles: o uso pragmático, ético e moral da razão prática.

O uso pragmático define o agir orientado por fins. Nele, o que impulsiona e determina a acção é o resultado que o sujeito pretende obter. Nesta perspectiva o autor não equaciona na sua análise o carácter ou as implicações sociais. O uso pragmático associa- se ao agir estratégico que põe em funcionamento grande parte do sistema social e tem como princípio o agir pragmático, motivado pelo objecto da acção, ou seja, fazer para conseguir determinados resultados. Esta é a linha de pensamento em que não se pergunta para que se vai servir nem porque beneficia apenas alguns e não outros. O uso pragmático da razão torna-se responsável pelas injustiças sociais, pela exploração, pelo que o autor chama de “colonização do mundo da vida “, ou seja pela invasão da lógica racionalista que pretende submeter todos os aspectos da nossa vida pessoal e social ao princípio da eficácia, sem reflectir sobre fins.

O uso ético, que se baseia em outro princípio, podia designar-se como a busca do que é bom, tanto para o indivíduo como para a colectividade. Assim o autor analisa o uso da       

116 HABERMAS, Jürgen, (1989), Para uso pragmático, ético e moral da razão prática, Universidade de

ética da razão do ponto de vista individual, ou seja, quando o indivíduo reflecte como deve agir para ser coerente com o seu projecto de vida. Esta ideia é fundamentada quando o autor refere “quanto mais radicalmente essa questão se põe, tanto mais ela se exacerba no problema de se saber que vida se gostaria de ter e isso significa, que tipo de pessoa se é e o mesmo tempo, se gostaria de ser. Quem em decisões de importância vital não sabe o que quer, perguntará por fim quem ele é e quem gostaria de ser. O uso ético da razão diz respeito ao bom viver: a razão neste caso busca o que é bom.”117 Neste sentido trata-se de uma atitude baseada em valores e implica, não só uma auto- compreensão, como um auto-conhecimento para determinar a sua decisão. Esta decisão é feita pelo ideal que se pretende alcançar, mas tem presente valores, ideais e modelos. Estes valores têm um contexto social e Habermas tenta interligar o uso ético da razão prática à realidade colectiva e social, mesmo quando se trata de um aspecto individual de identidade pessoal associado ao seu projecto de vida.

Segundo o autor, o uso da ética na razão prática faz apelo a valores mas não os questiona, ou seja, eles são considerada uma herança do mundo social. Desta forma o comportamento prático do indivíduo deve orientar-se pelo ideal definido pelo grupo social ao qual o indivíduo pertence, este deve utilizar a estratégia de integração no mundo social, mas respeitando a sua individualidade.

O uso moral da razão prática surge, para o autor, numa situação de conflito relacional com a acção, ou seja, é um fenómeno interpessoal ou social. Quando a razão prática questiona os valores do mundo social no qual está inserida não se realiza apenas um acto individual, pois isso só acontece porque o indivíduo está em situação de conflito com os outros. É justamente em situações de conflito que o senso moral desperta nos indivíduos, o que significa que a razão prática só age do ponto de vista moral em função de uma realidade social.

Mesmo quando o indivíduo define um projecto pessoal de vida, fá-lo num contexto social e o agir estratégico situa-se imediatamente numa realidade colectiva. O uso da moral na razão prática desperta em função de um problema da sociedade e só através de um agir comunicativo pode desenvolver-se e buscar princípios morais que sejam capazes de fundamentar normas de agir o que só acontece através do diálogo entre

      

indivíduos. Habermas tem o conceito da razão prática que consiste na razão humana, ou seja, na capacidade de pensar e raciocinar, direccionada para o agir.

O autor confere estas três formas distintas da nossa razão que se voltam para o agir, impulsionadas pela motivação e pelo interesse que despoletam.

Os usos pragmático, ético e moral da razão prática encontram-se associados às diferentes formas de agir. Enquanto elemento orientado para a aquisição de conhecimento o indivíduo recorre a um diversificado número de ajudas exteriores que o apoiam na solução da situação que considera problema, possibilitando o estabelecimento de redes dinâmicas e interactivas.

O uso destas redes de solidariedade que se dinamizam, em primeira análise, no sentido de satisfazer um bem comum, encontra-se repleto de lacunas éticas e morais que condicionam a concretização prática do seu objectivo.

Sem dúvida que “os grupos solidários aos quais ele pertence os processos de socialização e de aprendizagem aos quais ele está submetido”118 se tornam importantes para aquisição da solução de um determinado problema, face à mediatização e urgência da situação.

      

118 HABERMAS, Jungen, (1989), op. cit, p. 42