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5.   Redes de solidariedade: a perspectiva do agir comunicativo 36

5.1   Uma abordagem teórica de Habermas 36

Habermas propõe a teoria da comunicação como uma teoria crítica da sociedade, de modo a que a acção comunicativa entre os interlocutores é analisada segundo as suas relações. A teoria crítica da sociedade funcionaria como uma teoria de comportamento, um conjunto de regras morais para a vida que afirmam a estrutura da linguagem humana, do conhecer, do agir e da cultura106. No interior dessa teoria crítica, o conceito agir comunicativo corresponde às “acções orientadoras para o conhecimento mútuo”107

, em que o actor social inicia o processo circular da comunicação e é produto dos processos de socialização que o formam, em vista da compreensão mútua e consensual.

Nesta perspectiva, os pressupostos do agir comunicativo têm fundamento na razão. Daí os conceitos chave da razão comunicativa e mundo de vida, já que a razão se torna conhecida através das suas manifestações. A filosofia de Habermas pretende ser actualizada; por isso, o enquadramento científico nas teorias científicas contemporâneas. Mas a sua análise é construída a partir de princípios e conceitos filosóficos.

A teoria da racionalidade comunicativa ocupa uma posição privilegiada no pensamento de Habermas. Esta manifesta-se no mundo da vida e serve de fundamento para a teoria social crítica, enquadrando-a na razão comunicativa e mundo de vida.

“… só a razão reduzida à capacidade subjetiva de entendimento e de actividade teleológica corresponde à imagem de uma razão exclusiva que, quanto mais aspira triunfalmente às alturas se desenraiza até finalmente cair, vítima da força da sua oculta origem heterogênea”108.

O mundo de vida está presente e é caracterizado por uma certeza imediata e forma uma totalidade. Diz Habermas:

“como um todo o mundo da vida só atinge um campo da visão no momento em que nos colocamos como que às costas do actor e entendemos o agir comunicativo como elemento de um processo       

106 HABERMAS, Jungen, (1989), Consciência moral e agir comunicativo, Edições Tempo Brasileiro p.

39

107

Idem, p. 40

108 HABERMAS, Jürgen, (1990), O discurso filosófico da modernidade. Trad. Ana Maria Bernardo et al.

circular no qual o agente não aparece como iniciador mas como produto de tradições nas quais ele está inserido, de grupos solidários aos quais ele pertence e de processos de socialização e de aprendizagem aos quais ele está submetido. Após esse primeiro passo objectivador, a rede de acções comunicativas forma o meio através do qual o mundo de vida se reproduz.”109

Os componentes do mundo de vida são os modelos culturais, que legitimam e estruturam a personalidade através daquilo que é adquirido no agir comunicativo.

Habermas refere que “a cultura é o armazém do saber, do qual os participantes da comunicação extraem interpretações no momento em que se entendem mutuamente sobre algo. A sociedade contrapõe-se de ordens legítimas através das quais os participantes da comunicação regulam a sua presença a grupos sociais e garantem a solidariedade. Referimo-nos entre estruturas da personalidade e todos os motivos e habilidade que colocam um sujeito em condições de falar e de agir, bem como de garantir a sua própria identidade”110

.

Esse saber inicia-se no mundo da vida e termina no agir comunicativo, consolidando-se. Assume a forma de modelos de interpretação, que são transmitidos nas interacções dos grupos sociais e na forma de valores e normas. “Os componentes do mundo de vida resultam da continuidade de saber valido, da estabilização de solidariedades grupais, da formação de actores responsáveis e mantém-se através deles”111

A rede da prática comunicativa espelha-se sobre o campo das formas simbólicas, sobre o espaço social e o tempo histórico e através dela forma-se e reproduz-se a cultura, a sociedade e as estruturas da personalidade. Ou seja, o agir comunicativo é o meio de formação e reprodução do mundo da vida.

O autor explica que os componentes do mundo de vida: a cultura, a sociedade e as estruturas de personalidade, interagem entre si de modo complexo mas significativo. A utilização da linguagem quotidiana dá lugar a um mundo de vida complexo e simbólico, cruzando entre si estes elementos de origem social.

As tradições culturais, as ordens institucionais e as entidades criadas através de processos de socialização organizam o mundo de vida e estruturam-no. Esta       

109 HABERMAS, Jungen, (1989), Consciência Moral e Agir Comunicativo, Edições Tempo Brasileiro, p.

42

110

Idem, p.44

111

estruturação é efectivada através do uso da linguagem que, para o autor, “é em si o único pressuposto da interacção social humana”112

. Habermas descreve a linguagem como o verdadeiro traço que distingue o homem e permite que este seja social e cultural. É através dela que expressamos os nossos pensamentos e que podemos perceber as estruturas de racionalidade que afirmam a existência de uma razão comunicativa. Assim, para Habermas, a comunicação é a categoria que estrutura o homem enquanto ser social e possibilita, de um lado, a integração social e, de outro, a implementação do trabalho social ou das forças produtivas.113

Deste modo a linguagem possibilita o entendimento entre as pessoas. Esse entendimento permite a instituição de um conjunto de sentidos pré-determinados, a partir do qual os indivíduos socializados se compreendem, interpretam e agem.

Habermas aponta uma dificuldade de comunicação que ocorre entre as questões sociais e as práticas jurídicas: para serem socialmente validadas, é necessária a elaboração de normas, leis e controle judiciário, pelas vias argumentativas dos discursos teóricos, éticos e práticos, baseados na razão comunicativa. O autor reconhece as actuais sociedades apesar de não atenderem a todos os critérios e princípios para a constituição de uma ordem normativa, direccionam a sua intervenção nessa direcção. Apesar de irem buscar elementos ao mundo prático a fim de legitimar a sua intervenção, a decisão de cada um é ainda considerada e validada. Podemos então aferir que nos encontramos num caminho de construção social, onde apesar das inúmeras interferências sociais, a dinâmica individual é uma realidade.