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A importância das emoções na prática pedagógica: contribuições reichianas para a uma discussão teórica

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Academic year: 2021

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA: LINGUAGEM, CULTURA E PROCESSOS

FORMATIVOS

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

AMANDA RAMOS DE OLIVEIRA COELHO DOS SANTOS

A importância das emoções na prática pedagógica :

contribuições reichianas para a uma discussão teórica

(2)

AMANDA RAMOS DE OLIVEIRA COELHO DOS SANTOS

A importância das emoções na prática pedagógica :

contribuições reichianas para a uma discussão teórica

Dissertação apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

E d u c a ç ã o d a U n i v e r s i d a d e

Federal Fluminense, como parte

dos requisitos para a obtenção do

título de Mestre em Educação.

Área de concentração:

L i n g u a g e m e P r o c e s s o s

Formativos

Orientadora: Prof. Dr. Maria

Angélica Pisetta.

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Nome: Santos, Amanda Ramos de Oliveira Coelho

Título: A importância das emoções na prática pedagógica :

contribuições reichianas para a uma discussão teórica

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Aprovado em: _____/_____/__________.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________

Profa. Dra. Maria Angélica Augusto de Mello Pisetta

__________________________________________________

Profa. Dra. Marina Pereira Vieira Espinoza

_________________________________________________

Prof. Dr. Marcelo Coelho Báfica

(4)

Ficha catalográfica automática - SDC/BCG Gerada com informações fornecidas pelo autor S237i Santos, Amanda Ramos de Oliveira Coelho dos

A importância das emoções na prática pedagógica : contribuições reichianas para a uma discussão teórica / Amanda Ramos de Oliveira Coelho dos Santos ; Maria Angélica Augusto de Mello Pisetta, orientadora. Niterói, 2020. 89 f.

Dissertação (mestrado)-Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2020.

DOI: http://dx.doi.org/10.22409/POSEDUC.2020.m.14765048730 1. Educação. 2. Reich. 3. Emoção. 4. Produção

intelectual. I. Pisetta, Maria Angélica Augusto de Mello, orientadora. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação. III. Título.

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-À Wilhelm Reich, e sua coragem de

verdade de buscar a raiz de todas as

coisas.

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer primeiramente á minha família, cujo amor esteve presente desde antes do primeiro respiro, me incentivando e acolhendo em cada passo de minha construção.

As minhas amigas, por me escolher como família e contribuir com seu carinho e confiança nos meus projetos.

Ao meu companheiro de vida, que esteve ao meu lado em cada momento da pesquisa em que a descrença tomava conta de mim, e cuja paciência e amor me faziam voltar a caminhar.

Aos meus companheiros de formação reichiana, pelos gritos e esperneios acolhidos, que cada grito nosso ecoe e liberte nossas emoções, nos trazendo de volta a nós mesmos, com mais amor e empatia.

A minha terapeuta, cujo olhar amoroso me ajudou com a intensidade de emoções vividas no processo.

A minha orientadora, por acreditar nas diferenças e topar estar junto nesse ciclo. Á todes as pessoas corajosas e suas aventuras por atravessar tortuosos mares de emoção, que cruzaram meu caminho. Assim como Amyr Klink, companheiro de jornada que me inspirou com seus sábios relatos.

“Dias inteiros de calmaria, noites de ardentia, dedos no leme e olhos no horizonte, descobri a alegria de transformar distâncias em tempo. Um tempo em que aprendi as coisas do mar, a conversar com as grandes ondas e não discutir com o mau tempo. A transformar o medo em respeito, e o respeito em confiança. Descobri como é bom chegar quando se têm paciência. E para se chegar, onde quer que seja, aprendi que não é preciso dominar a força, mas a razão. É preciso, antes de mais nada, querer.’’ Amyr Klink – Cem dias entre céu e mar

(7)

“Desconfiai do mais trivial,

na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece

habitual. Suplicamos expressamente:

não aceiteis o que é de hábito

como coisa natural,

pois em tempo de desordem

sangrenta,

de confusão organizada,

de arbitrariedade consciente,

de humanidade desumanizada,

nada deve parecer natural

nada deve parecer impossível de

mudar”.

Bertolt Brecht

(8)

Resumo

Palavras-chave: Wilhelm Reich, Educação, Terapia Corporal, Emoções, Prevenção,

Infância.

O objetivo deste trabalho foi aprofundar o conceito de emoção em Wilhelm Reich e trazer práticas possíveis de atuação na área educacional. A abordagem reichiana é ainda nova e pouco explorada nos trabalhos acadêmicos, porém vem numa crescente nos últimos vinte anos de produção. Reich buscou, através de seus trabalhos, juntar as teorias freudianas com seu conhecimento metodológico e prático na área da medicina, em que une o conceito de impulso, a expressão emocional que advém do mesmo e as mudanças corporais funcionais relacionadas. Em um segundo momento a pesquisa se propõe a explorar como ocorrem essas mudanças corporais no desenvolvimento humano. Para isso foram estudados autores, principalmente Lowen e Stolkiner, que buscaram desenvolver tais teorias reichianas. Eles procuraram desenvolver como ocorre corporal e psiquicamente a repressão das emoções, e logo a repressão pulsional, nas fases de desenvolvimento humano. Por fim, a pesquisa se lança à questão da flexibilização das estruturas criadas com a repressão das emoções, buscando práticas possíveis que possam ser exploradas no dia a dia da escola. Autoras como Bacri e Pagan reuniram em suas pesquisas de campo um material que fornece ferramentas aos educadores e facilitadores sobre como atuar no campo das emoções de forma mais acolhedora e amorosa, fornecendo subsídios de melhoria nas relações escolares.

(9)

Abstract

Keywords: Wilhelm Reich, Education, Body Therapy, Emotions, Prevention,

Childhood.

The objective of this work was to deepen the concept of emotion in Wilhelm Reich, to bring possible practices of acting in the educational area. The Reichian approach is still new and little explored in academic work, but it has been growing in the last twenty years of production. Reich sought through his works to combine Freudian theories with his methodological and practical knowledge in the field of medicine, where he unites the concept of impulse, the emotional expression that comes from the it and the related functional body changes. Secondly, the research proposes to explore the field of how these body changes occur in human development. For this purpose, authors were used, mainly Lowen and Stolkiner, who sought to develop such Reichian theories. The authors sought to develop how the repression of emotions, and hence the drive repression, in the stages of human development occur bodily and psychically. Finally, the research raises the question of the flexibility of the structures created with the repression of emotions, seeking possible practices that can be explored in the school routine. Authors such as Bacri and Pagan have gathered in their field research material that provides tools for educators and facilitators on how to act in the field of emotions in a more welcoming and loving way, providing support for improvement in school relationships.

(10)

LISTA DE FIGURAS

DIAGRAMA 1 - CAMADAS DE UM INDIVÍDUO FUNCIONAL……… 40

DIAGRAMA 2 - SITUAÇÃO BIOENERGÉTICA NO ESQUIZOIDE……….. 45

DIAGRAMA 3 - SITUAÇÃO BIOENERGÉTICA NO ORAL……….……….. 48

DIAGRAMA 4 - SITUAÇÃO BIOENERGÉTICA NO PSICOPÁTICO……… 54

DIAGRAMA 5 - PAR FUNCIONAL... 61

FIGURA 1 - CAVIDADES E DIAFRAGMAS 1 ………….………. 50

FIGURA 2 – CAVIDADES E DIAFRAGMAS 2 ……….. 52

FIGURA 3 - GROUNDING……….. 76

FIGURA 4 - EXERCÍCIOS EM DUPLA 1……….. 79

FIGURA 5 - EXERCÍCIOS EM DUPLA 2... 79

FIGURA 6 - EXERCÍCIOS EM DUPLA 3... 80

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Sumário

INTRODUÇÃO...10

CAPÍTULO 1 – AS EMOÇÕES, A COURAÇA E O ENCOURAÇAMENTO………..………. 13

I. Instinto e emoção……….……… 15

II. Couraça e encouraçamento: ancoramento psíquico contra as emoções…..19

III. O caráter: ancoramento somático da defesa contra as emoções……….… 24

IV. O caráter genital e o caráter neurótico... 31

IV.I. Diferenças econômicas………. 34

IV.II. Diferenças estruturais do aparelho psíquico……… 36

CAPÍTULO 2 – CARTOGRAFIAS DO ENCOURAÇAMENTO EMOCIONAL INFANTIL... 39

I.I. Segmento Ocular... 42

I.II. Segmento Oral... 46

I.III. Segmento Cervical... 49

I.IV. Segmento Torácico... 51

I.V. Segmento Diafragmático... 55

I.VI. Segmento Abdominal... 58

I.VII. Segmento Pélvico... 60

CAPÍTULO 3 – POSSÍVEIS PRÁTICAS DE FLEXIBILIZAÇÃO DO ENCOURAÇAMENTO EMOCIONAL INFANTIL... 64

I. O corpo escolar e o suporte emocional... 67

II. A respiração e as emoções... 69

III. A incorporação e as emoções... 72

IV. A qualidade postural e as emoções... 75

V. Autopercepção e as emoções... 77

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 82

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INTRODUÇÃO

"A perda da autopercepção natural divide nitidamente a pessoa em duas entidades opostas e contraditórias. O corpo "aqui" é incompatível com a alma ou o espírito “lá”.”

Wilhelm Reich

De acordo com a Base Nacional Comum Curricular publicada em 2017, está garantido como direito, no oitavo ponto das Competências Gerais da Educação Básica: “Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,

compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e a dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.” (p. 10). Tendo como ponto

de partida que as escolas no Brasil precisam desenvolver a habilidade emocional dos educandos, é preciso, antes de tudo, entender o que é a emoção. A ênfase dada aos processos cognitivos na apreensão das matérias em detrimento dos processos emocionais ligados a ela é inquietante. O estudo desse projeto se baseia na importância da compreensão dos processos emocionais, como também da ligação deles com toda a inseparabilidade de processos de aprendizagem.

O choro irrompido na sala de aula, os acessos de raiva e até mesmo a busca por atenção exacerbada na relação aluno-professor são questões que atravessam o cotidiano no chão da escola e encontram grandes dificuldades por muitos no seu fazer educativo. Nós, como pais, professores, facilitadores e comunicadores do mundo aos infantes, somos responsáveis por ser o espelho de uma realidade, e a forma como nos relacionamos com ela também atravessa esses indivíduos e molda suas condutas de relacionamento com o mundo na vida adulta. Certas frases habituais proferidas por nós, como “engole o choro” ou “para de fazer birra”, vão transformando expressões emocionais naturais em algo errado ou proibido. Ao longo da repressão dessas linguagens, tornamo-nos afastados dessas formas de comunicarmo-nos com o mundo. Um bebê quando está incomodado expressa-se através do choro para demonstrar seu descontentamento com algo; ao

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longo do tempo, vamos perdendo a capacidade de lidar com a realidade através da expressão emocional. De acordo com Reich (1925), tal bloqueio gera uma cronificação corporal característica estereotipada que impede a irrupção de certas emoções no social.

De acordo com Reich (1979): “...a estrutura do caráter é o processo

sociológico congelado de uma determinada época” (p. 7). Quando o autor fala sobre

o caráter, não é no intuito do senso comum de bom caráter ou mau caráter, e sim a expressão caracteriológica, um conjunto de características que, segundo o autor, são fruto do bloqueio da expressão das emoções. A estrutura de caráter revela a relação do indivíduo com o mundo, e do mundo com o indivíduo. Relação cuja característica é inseparável de uma certa época e sociedade.

Wilhelm Reich foi um médico e psicanalista nascido no ano de 1897, na Áustria. Após lutar na Primeira Guerra Mundial, Reich chega a Viena (1918), depois de uma breve passagem pela Faculdade de Direito, e ingressa no curso de Medicina. Em 1919, ao apresentar um seminário sobre sexologia, conhece Freud. O jovem Reich se tornou o membro mais novo da Sociedade Psicanalítica de Viena (SPV), onde permaneceu até 1930. Durante o período em que integrou a SPV, Reich também se filiou ao Partido Comunista Austríaco, lugar que lhe permitiu o desenvolvimento de suas teorias, dialogando sociologicamente com o materialismo dialético. Reich dedicou seus estudos e o seu trabalho à livre expressão da emoção, como possível caminho para a saúde biopsicossocial.

Reich, ao longo de seu trabalho, aprofundou-se nos aspectos de como as emoções operam no corpo do indivíduo, gerando sensações e mudanças corporais, que segundo ele estão ligadas à história pregressa de como foram bloqueadas suas emoções na infância. Para entendermos como ocorre a função social na infância, preocupamo-nos em estabelecer como operam esses bloqueios ao longo do desenvolvimento humano, resguardadas suas características de acordo com a realidade das fases de desenvolvimento. Para tal empreendimento, debruçamo-nos sobre os estudo de Lowen e Stolkiner, ambos psicoterapeutas corporais e estudiosos de Reich, que se aprofundaram nas características específicas da relação entre corpo e emoção no desenvolvimento humano. Esses autores dedicaram seus estudos a compreender as minúcias envolvidas em como o bloqueio

(14)

das emoções opera no corpo e na cronificação muscular dos indivíduos, gerando estados de desequilibro tanto emocional como físico, ja que tais aspectos fazem parte de um par funcional, segundo os autores.

Se o corpo e os processos mentais e emocionais compõem um todo, existem várias formas de intervenção que não só a linguagem verbal. Estados de ansiedade e angústia, nos quais são mobilizados agrupamentos musculares que alteram as funções biológicas de respiração, por exemplo, também comunicam aos indivíduos próximos um estado de alerta ou perigo. Ao longo do desenvolvimento desse estudo, recorremos a autoras brasileiras, principalmente Pagan e Bacri, que procuram intervir de formas outras nos aspectos emocionais envolvidos na escola, como maneira de dar corpo aos estudos teóricos antes abordados. A demonstração dos estudos de tais profissionais, através de métodos práticos de intervenção sobre aspectos comuns encontrados na escola, dá suporte a uma prática educativa cuja função é a flexibilização desses estados de cristalização de funcionamento das emoções nos indivíduos. A demonstração da experiência e a pesquisa dessas autoras trazem à luz uma prática sobre os aspectos emocionais que deem suporte instrumental com intervenção e acolhimentos possíveis e amorosos na relação professor-aluno. Para além de um manual de conduta, suas análises revelam um alinhamento de preocupações em trazer para a realidade os estudos teóricos, um aspecto de grande relevância para a área acadêmica.

Convidamos o leitor a entender não só os aspectos teóricos relacionados à emoção, mas, principalmente, como se forjaram esses aspectos relacionados à própria história, onde operam seus maiores bloqueios, e que possamos acolher amorosamente cada forma de funcionamento humano, com responsabilidade e dedicação, em nós e no outro.

(15)

CAPÍTULO I

AS EMOÇÕES, A COURAÇA E O ENCOURAÇAMENTO

"Se as emoções estão livres, o intelecto cuidará de si.”

Alexander Sutherland Neill

É inquietante observar a ênfase dada ao desenvolvimento intelectual no processo de escolarização. Em nome de um aperfeiçoamento, apresentam-se atividades direcionadas à utilização dos processos de cognição. Essa experiência nos faz pensar nas consequências pedagógicas, em que se mantêm as crianças sentadas, enfileiradas, e o corpo é diariamente ignorado, a não ser quando foge à regra, e precisa-se punir tal educando, através de seu corpo, por exemplo, retirando-o dretirando-o espaçretirando-o de cretirando-onvivência da sala. O cretirando-ontrretirando-ole exercidretirando-o pelretirando-os educadretirando-ores enquantretirando-o representantes de um sistema educacional no corpo dos educandos cerceia aspectos funcionais no que tange às emoções de tal unidade.

O senso comum hoje dita que as experiências emocionais são algo que sentimos internamente, reação de sensações que nos impele à ação. Sentimos algo interno e logo somos lançados a expressá-lo por meio das emoções, destituindo então a realidade externa como propiciador de tais sensações. Essa lógica, porém, foi aprofundada por Wilhelm Reich. Vale ratificar que neste capítulo serão vistas as formulações desenvolvidas por Wilhelm Reich de forma a apresentar tais teorias e conceitos destituídos de uma crítica sobre o tema.

No estudo a respeito das emoções sob uma ótica reichiana, descobrimos como o conceito de emoção está interligado a conceitos outros que dão base a toda a obra de Reich. Tendo como ponto que Reich é um autor pouco explorado no campo das ciências humanas, preocupamo-nos em ser didáticos e mostrar o trabalho dele sobre as emoções e seus conceitos que se ramificam a partir do mesmo.

A atitude do psicanalista em retirar o paciente do divã e colocá-lo na sua frente levou-o a afastar-se da Sociedade Psicanalítica de Viena e a usar oficialmente

(16)

o nome de Economia Sexual para sua nova teoria, que segundo ele era "uma

disciplina independente, com seus próprios métodos de pesquisa e a sua própria substância de conhecimento" (REICH, 1986, p. 13). A partir da Economia Sexual, o 1 autor buscou criar um método de análise, tendo como central o indivíduo e sua expressão emocional. Para tanto, julgamos que esses conhecimentos poderiam ser adequados ao estudo das emoções na escola, já que o autor procura conjugar as emoções, o psiquismo e a sociedade e suas instituições (família, escola, trabalho).

O primeiro desafio enfrentado na pesquisa foi conceituar instinto e

emoção, que são abordados no primeiro item do capítulo intitulado Instinto e

emoção em Reich. Tentaremos destrinchar tais conceitos através, principalmente,

das obras do autor nas quais foram registradas tais referências.

Seguindo os passos de Reich, encontramos em suas obras a preocupação de tornar esses conceitos uma realidade psíquica, nas quais ele explicita como se dá tal ancoragem das emoções, nos conceitos de couraça e

encouraçamento, conceitos que serão aprofundados no segundo item do capítulo,

intitulado: Couraça e encouraçamento: ancoramento psíquico contra as

emoções. A partir desse ponto o autor se ocupa em explicitar as consequências do

refreamento das emoções com o processo de perda da espontaneidade, que em recorrentes repressões externas se tornaria cristalizada e incapaz de expressar-se espontaneamente.

O terceiro ponto a ser apresentado neste capítulo se dá no momento em que o autor descobre uma realidade não mais restrita ao psiquismo, mas o ancoramento somático da defesa contra as emoções. Através do conceito de

caráter, abordaremos a teoria de Reich no que tange aos maneirismos e às posturas

somáticas que também sustentam as defesas contra as frustrações pulsionais. O item denominado O caráter: ancoramento somático da defesa contra as

emoções buscará explicitar a passagem do autor de uma realidade psíquica para

uma realidade somática, na qual o corpo se torna também central em seus estudos. Tal ponto explicita as ideias reichianas de como as emoções e seus refreamentos estão ligados a uma realidade também fisiológica.

VOLPI, José Henrique; VOLPI, Sandra Mara. Psicologia Corporal – um breve histórico. In: VOLPI,

1

José Henrique; VOLPI, Sandra Mara. Psicologia Corporal. Revista Online. ISSN-1516-0688. Curitiba: Centro Reichiano, 2003. pg. 4

(17)

O quarto desafio conceitual do trabalho proposto, de elucidar as emoções em Reich, foi abordar o que seria uma expressão emocional flexibilizada e o que seria uma expressão rígida. Surgem, então, mais dois conceitos que serão destrinchados nesse item, denominado O caráter genital e o caráter neurótico, o qual procura alinhar tais diferenças.

Devemos considerar que se trata de um capítulo conceitual, que visa apresentar as principais teorias de Reich, de forma isenta de críticas. Não cabe aqui aceitar de forma passiva tais teorias, mas analisar, ao longo de todo o processo de pesquisa sobre as emoções, na visão do autor, se tais conceitos e técnicas seriam aplicáveis a uma realidade escolar.

I. Instinto e emoção em Reich

"Uma criança é inatamente sábia e realista." Alexander Sutherland Neill

Em Primeiros escritos (1992), obra de Reich na qual inauguramos os estudos sobre as emoções, encontramos os primeiros postulados sobre uma possível teoria das emoções do autor.

Segundo Reich (1992), em seus primeiros escritos: “O nojo e a vergonha

são formações psíquicas verdadeiramente pessoais e não podem ser dadas, nem transferidas e nem ‘ensinadas’.”, sugerindo que as emoções, como a vergonha e o 2 nojo, não fazem parte de um processo somente cultural. O autor continua, citando que “… a educação é apenas um catalisador que acelera o processo de formações

reativas e talvez as reforce”, nos trazendo a ideia de que essas emoções são 3 4 desenvolvidas com o processo de socialização da criança, mas são apreendidas de forma pessoal. Com isso, o autor também sugere que as emoções surgem do nada,

REICH, W. Primeiros escritos (1921-1925). Ed. Rio de Janeiro, 1992. p. 39.

2

Grifo nosso. REICH (1925) discorre com os termos formações reativas as emoções de vergonha e

3

nojo. Reações emocionais que buscam regular as pulsões instintuais.

REICH, W. Primeiros escritos (1921-1925). Ed. Rio de Janeiro, 1992. p. 39.

(18)

de um ímpeto interno que nos leva a agir na realidade, assim como de uma reação emocional ancorada na realidade e, ao mesmo tempo, apreendida de forma pessoal.

O primeiro desafio dessa pesquisa se debruça em destrinchar o conceito de emoção na bibliografia dos escritos de Reich. Ele apresenta o conceito sobre as emoções, nos estudos de caso, cercados por conceitos-chave de sua obra, como

instinto, couraça, encouraçamento e caráter.

Primeiramente, nos debruçaremos no cerne da questão sobre os instintos. Em sua obra denominada Função do orgasmo, Reich (1987) busca elucidar a leitura acerca dos estudos de Sigmund Freud sobre o instinto, apesar do primeiro autor não citar referência que foi utilizada como base de seus estudos do segundo. Devido à época em que foi escrito, e com base nas pesquisas bibliográficas levantadas, aplicamos a comparação da obra da Função do orgasmo com o texto de Freud denominado “Os instintos e seus destinos.” (1914-1916). Há 5 um impasse quanto à tradução do termo alemão Trieb na obra de Freud, sendo revisto como “impulso”, “pulsão” ou “instinto”. Apesar da diversidade semântica do termo TRIEB, o empregamos neste trabalho com o sentido primeiro dado por Freud nesse texto como sentido de que impele, força que coloca em movimento. Quando Reich (1987), utiliza o termo instinto, é no sentido de impulso bioelétrico.

Reich afirma que Freud disse: “…não podemos compreender o que seja

instinto. O que experimentamos são apenas derivados do instinto: ideias e sentimentos sexuais” . Com essa citação, o autor nos traz a concepção de que o 6 instinto não é observável senão através de manifestações outras como ideias e sentimentos sexuais.

Em tal texto Freud assinala o instinto, como uma “força constante”, que provém de um mundo interior. E assim como toda pressão exercida sobre e sob o organismo, busca a satisfação. Diferentemente do estímulo fisiológico (ex.: luz forte sobre os olhos) que gera uma ação muscular (ex.: afastar-se da luz) traria, a sensação de satisfação, os estímulos instintuais estariam em busca de uma satisfação de necessidade interna do organismo através de objetos externos.

FREUD, S. Os instintos e seus destinos. Introdução ao narcisismo, Ensaios de metapsicologia e

5

outros textos (1914-1916); tradução Paulo César de Souza – São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

REICH, W. A Função do Orgasmo: problemas econômicos-sexuais da energia biológica. Tradução

6

(19)

Resumidamente, os estímulos instintuais são endógenos, constantes e irremovíveis, enquanto o estímulo fisiológica é exógeno, momentâneo e removível, apesar de ambas correlacionarem a mesma lógica de busca de satisfação (relaxamento).

Um instinto, por sua vez, não atua jamais como uma força momentânea, mas sempre como uma força constante. Desde que não ataca de fora, mas no interior do corpo, nenhuma fuga pode servir contra ele.7

Nessa concepção, entende-se que o instinto, preocupação deste trabalho, é algo que nos foge e nos governa, é fruto de um cerne biológico, porém ainda não pode ser medido o cerne em si, mas observável em sua expressão e busca emocional por satisfação. Reich explicita que: “O instinto em si encontra-se no mais

fundo, no cerne biológico, do organismo; manifesta-se como um impulso emocional em busca de satisfação. Percebemos o desejo de relaxação mas não o próprio instinto”. Portanto, toda vez em que no texto que estiver sendo discorrido sobre o 8 instinto, lê-se no sentido de impulso bioelétrico, como o sentido dado pro Reich.

Discorre-se que a expressão emocional advém de um cerne biológico que governa e regula, através de um desejo de satisfação, de relaxação. Que somos por ele governados. Ainda sobre o conceito de instinto, o autor diz: “é ao mesmo tempo

lógico que o instinto não possa ser consciente, pois ele é o que nos regula e governa. Nós somos seu objeto.” 9

Levantadas as explicações sobre a visão do instinto em Reich, observa-se a preocupação do autor com uma ciência-natural; ele discorre sobre o quanto sua visão é sistemática e mecânica no seu fazer científico. É comum ter uma visão sobre a energia instintual em Reich como algo etéreo, e ele nos leva a uma preocupação com tal questão. Para o autor, o instinto, apesar de ainda não poder ser mensurado pela ciência, é algo concreto, um fenômeno físico.

Tomemos a eletricidade, por exemplo. Não sabemos o que ela é, ou como se origina. Reconhecemo-la pelas sua manisfestações, tal como a FREUD, S. Os instintos e seus destinos. Introdução ao narcisismo, Ensaios de

7

metapsicologia e outros textos (1914-1916); tradução Paulo César de Souza – São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p.54

REICH, W. A Função do Orgasmo: problemas econômicos-sexuais da energia biológica. Tradução

8

Maria da Glória Novak. 13. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987. p. 21. Ibid, op. cit. p. 21.

(20)

luz e o choque. Na verdade, uma onda elétrica pode ser medida, mas isso também é uma característica daquilo que chamamos de eletricidade. Tal como a eletricidade pode ser medida através das suas manifestações de energia, assim os instintos podem ser reconhecidos exclusivamente através da manifestação das suas emoções. 10

Podemos notar que o conceito de emoção está intrinsicamente ligado ao conceito de instinto, em que o instinto, energia física para o autor, é observável apenas através da emoção. Assim como na física, é dado que nada se cria e tudo se transforma. Existe também essa lógica de como se comporta a energia instintual em Reich. Na física, a energia é capaz de provocar uma ação sobre um corpo, e corpo é massa, como a lâmpada. Em Reich, a energia instintual tem a capacidade de gerar ação sobre um corpo físico (reações fisiológicas), assim como gerar uma ideia (reações psíquicas – não físicas).

Foi-se tornando claro gradualmente que a intensidade de uma ideia psíquica depende da excitação somática momentânea à qual é associada. A emoção tem origem nos instintos, portanto no campo somático. Uma ideia, por outro lado, é uma formação não física, puramente “psíquica". Qual é, então, a relação entre a ideia "não física" e a excitação "física"? 11

Foi observado por Reich ainda que quando a excitação somática era descarregada, ou seja, expressa por meio do corpo físico, diminuía a carga emotiva associada a uma ideia psíquica. E que uma ideia psíquica também provocaria o aumento de carga energética (excitação física) sobre um corpo. “Eu compreendia agora que uma ideia psíquica dotada da uma pequeníssima quantidade de energia pode provocar um aumento de excitação. Por sua vez, essa excitação. provocada torna a ideia insistente e vívida. Se cessa a excitação, a ideia também desaparece.” 12

Resumidamente, podemos entender que existe um quantum energético de um impulso instintual que é expresso por meio de reações emocionais. Tais reações vão gerindo nossas ações no mundo, desde reações fisiológicas até a

REICH, W. A Função do Orgasmo: problemas econômicos-sexuais da energia biológica. 10

Tradução Maria da Glória Novak. 13. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987. p. 21 Ibid, op. cit. p. 50-51.

11

Ibid, op. cit. p. 51.

(21)

forma como pensamos. Nessa lógica, para Reich, o instinto, ou impulso, é expresso através das emoções como citadas anteriormente. E o que liga as reações pulsionais (ideias psíquicas, reações emocionais) é o corpo.

A partir de tais constatações sobre o instinto e a emoção, o autor começa a investigar a barreira psíquica, denomina de couraça, da emoção. Como os impulsos emocionais são expressos nas relações, e por si refreados. A partir desse momento Reich, percebe em seus estudos um possível refreamento das expressões emocionais dentro das relações humanas.

Segundo Reich, essas relações se tornam potencializadoras do

encouraçamento infantil. Tal pressuposto é expresso por Reich (1987), sobre a técnica muscular de encouraçamento, da seguinte forma:

Certas expressões, habituais na educação pela boca de pais e mestres, retratam com exatidão o que aqui descrevi como técnica muscular de encouraçamento. Uma das peças centrais da educação atual é o aprendizado do autocontrole. “Quem quer ser homem deve dominar-se”. “Não deve deixar-se levar”. “Não se deve demonstrar medo”.’“Cólera é falta de educação”. “Uma criança decente senta-se quieta”. “Não se deve demonstrar o que se sente”. “Deve-se cerrar os dentes”. Essas frases, características da educação, inicialmente são repelidas pelas crianças, depois aceitas com relutância, laboradas e, por fim, exercitadas. Entortam-lhes – via de regra – a espinha da alma, quebram-lhes a vontade, destroem-lhes a vida interior, fazem delas bonecos bem educados. 13

Tal técnica exercida de forma estrutural sobre o corpo infantil sugere-nos que há um refreamento do cerne biológico, o qual Reich denomina, como visto anteriormente, do instinto, verificável por meio das emoções. Ou seja, Reich observa um bloqueio da expressão emocional na educação das crianças em geral (família, escola). Tal bloqueio se dá pela forma de conter o corpo da criança, seu biológico, sua emoção e, logo, seu instinto.

Parece um salto dado, em que Reich sai das postulações sobre o instinto e as emoções e parte para a teoria da couraça e do processo de encouraçamento. Para que tais teorias se conjuguem, atentaremos para esses conceitos no próximo item.

REICH, W. A Função do Orgasmo: problemas econômicos-sexuais da energia biológica. Tradução

13

(22)

II. Couraça e encouraçamento: ancoramento psíquico contra as emoções

"Você não pode fazer as crianças aprenderem música ou qualquer outra coisa sem, até certo ponto, convertê-las em adultos sem vontade.”

Alexander Sutherland Neill

A noção de couraça e encouraçamento em Reich abrange um campo extenso. Apesar de sua pesquisa ter começado se debruçando no estudo clínico, o autor teve preocupações de levar a noção da couraça para os campos da sociologia e da pedagogia. A princípio nos esforçaremos para caminhar junto com as teorias de Reich, desde o processo terapêutico até a visão social dos conceitos de couraça e encouraçamento.

Para o autor, ao existir uma força instintual, que busca satisfação (relaxação), e que tal se frustra com a possibilidade de expressão no social, cria-se um nível de proteção, a couraça, que o protege contra as pulsões, seu cerne biológico e sua busca pelo prazer. “TERROR que se apodera do indivíduo encouraçado quando entra em contato com seu cerne biológico” . Em princípio a 14 couraça funciona como uma proteção contra a frustração social de suas pulsões, em detrimento de um instinto, e em nome de um social, pois também somos seres sociais; o indivíduo cria essa camada protetora, a couraça.

Tomando Reich para explicarmos didaticamente, como já proposto, utilizaremos também, neste capítulo, um comentador de Reich, o Dr. José Gustavo Sampaio Garcia, doutor pelo programa de educação da Universidade de São Paulo, de quem encontramos artigos relevantes para a aplicação dos estudos de Reich na educação. Segundo Garcia:

A couraça é o recurso que permitiu e ainda possibilita ao indivíduo suportar a falta de descarga adequada para suas pulsões mais profundas. Assim, além de seu desempenho como barreira à expressão vital, ela possui uma função protetora. Dentro da

REICH, W. O éter, Deus e o diabo; a superposição cósmica (1949-1951).Trad. Maya Hantower.

14

(23)

dinâmica da personalidade neurótica a couraça é o mecanismo responsável por intermediar o conflito eu (prazer)-mundo (frustração). 15

A barreira da expressão vital, aplicada por Garcia (2010), é a barreira da expressão emocional, que segundo Reich é a única forma observável da força instintual. A couraça então seria uma barreira psíquica, em um primeiro momento, criada para suportar o conflito prazer-frustração, uma defesa contra o desprazer de seu cerne biológico diante da realidade.

Sinteticamente a couraça é a solução, não a vilã, para um conflito, e ela em si carrega importância para o desenvolvimento humano. A questão vista como desequilibrada é quando o indivíduo se torna encouraçado, ou seja, quando a solução do conflito infantil prazer-frustração se torna reatualizada de modo esteriotipado, recorrente e autômato.

Reich adota então o termo encouraçado para designar o tipo de caráter que é assumido como uma atitude crônica e imutável, além de como uma blindagem entre o indivíduo e o mundo. Esta couraça do caráter funciona como principal defesa aos esforços terapêuticos. 16

Encontramos outro conceito basilar que sustenta a teoria de Reich sobre a couraça, o de caráter. Apesar de parecidos, os conceitos de couraça, encouraçamento e caráter, que seriam mecanismos de defesa, há diferenças em suas concepções. Couraça é a defesa, ela se apresentaria de forma a moldar-se de acordo com a realidade. Enquanto encouraçado seria o indivíduo que constituiu sua defesa de um modo imutável, rígido. O caráter é o fio vermelho que conduz a fase do desenvolvimento na qual o indivíduo encouraçado se ancora, a fase em que foram refreados seus instintos, que conduz seus padrões posturais, maneirismos.

Não se deve confundir o conceito de caráter com o de couraça. Esta é uma das possibilidades de funcionamento do caráter. A dinâmica do caráter pode ser a de um processo flexível e

GARCIA, J. G. S. Couraça e currículo-oculto: um estudo da relação entre a rotina escolar e o

15

funcionamento encouraçado; orientação: Maria Cecília Cortez Christiano de Souza; co-orientação Paulo Albertini. São Paulo: s.n., 2010. p. 32.

Ibid, op. cit. p. 30.

(24)

adaptável à situação atual, ou a de uma repetição crônica de atitudes que denota incapacidade para responder à realidade. 17

A couraça corresponderia à defesa psíquica, e o caráter, à forma pela qual se estrutura a defesa: “o modo de agir, a maneira de falar, a forma de sentar e se expressar, todas essas expressões típicas de cada indivíduo…”, que o impedem 18 de entrar em contato com o conflito originário de sua defesa, ou seja, a falta de contato direto com o conteúdo infantil que edifica suas condutas.

Leva-se em consideração que o indivíduo adulto tem a capacidade de resolver tais conflitos, e que quando criança não lhe era permitido, isto é, o indivíduo adulto é capaz de sustentar um quantum de frustração e descarregá-la de forma funcional e adequada socialmente. Dizer que o indivíduo está encouraçado não é acusá-lo de injúria ou maldizer, e sim que o indivíduo encontrou formas possíveis de lidar com o conflito. A couraça não é um defeito, mas uma realidade psíquica, uma forma de enxergar o mundo.

Em um primeiro momento a couraça é examinada por Reich no território da psicanálise e descrita, portanto, a partir de seu aspecto psíquico, dentro da dinâmica da estrutura da personalidade como uma função do Ego. A couraça do caráter se constitui como uma “barreira narcisista” desenvolvida pelo Ego para se proteger dos ataques externos (frustração e ameaças) e dos sentimentos internos não permitidos. Suas principais funções são impedir o contato com as pulsões proibidas, consumir a angústia e permitir um contato substituto com o mundo exterior. 19

A análise da estrutura da couraça, a princípio, se daria com base na estruturação psíquica, uma defesa psíquica. Segundo Garcia (2010), essa teoria já nos leva a uma dificuldade estrutural de ser analisada, já que a couraça em que estamos ancorados faz com que o indivíduo enxergue uma realidade social através de uma defesa, um contato substituto. Pois, socialmente, todos passamos pelas fases de desenvolvimento com certo tipo de refreamento das pulsões instintuais. 20

GARCIA, J. G. S. Couraça e currículo-oculto: um estudo da relação entre a rotina escolar e o

17

funcionamento encouraçado; orientação: Maria Cecília Cortez Christiano de Souza; co-orientação Paulo Albertini. São Paulo: s.n., 2010. p. 30 -31

Ibid, op. cit. p. 28.

18

Ibid, op. cit. p. 34.

19

Referimo-nos as fases de desenvolvimento, segundo os estudos reichianos, as quais 20

(25)

O exame do processo de encouraçamento demonstra o alto custo afetivo da constituição da couraça… Entrar em contato direto com o funcionamento da couraça significa reviver esses conflitos e enfrentar a angústia em toda a sua abrangência e intensidade. 21

A couraça rígida, ou o encouraçamento, possibilita que o mundo exterior seja visto através de um contato substituto, de um véu, que encobre e resiste à expressão de suas pulsões, resiste à frustração de um mundo que não permite e frustra o livre fluxo das emoções. Esse véu se dá em suas instâncias da couraça de caráter. Segue-se então, em Reich, o estudo das defesas, o qual também denominou resistências.

Existe no autor uma preocupação basilar da relação entre mente e corpo: princípio básico da terapia reichiana de análise do caráter, de que “tornar consciente

o inconsciente não deve ser realizado de forma direta, mas mediante a análise de resistência” . As resistências se dão na relação de couraça e caráter, uma junção 22 mente e corpo. Haveria, assim, um padrão de pensamento, correspondente à couraça, e suas formas, que se dão através de uma postura, de maneirismos e da forma como se fala, por exemplo.

Segundo a teoria do encouraçamento desenvolvida por Reich, a estrutura encouraçada é o resultado de uma série de compromissos internos, atualmente inconscientes, que representam o esforço do indivíduo para superar a angústia causada pela frustração instintual na infância e adolescência. 23

A couraça e seu subjacente processo de enrijecimento, denominado encouraçamento, são, para Reich, cunhados na infância e na adolescência. Por meio de refreamentos das pulsões instintuais, o indivíduo protege-se e ancora-se no seus conflitos prazer-frustração, subsequentes às fases de desenvolvimento.

A couraça e o encouraçamento, portanto, correspondem às pesquisas de Reich sobre as defesas de uma instância psíquica. Porém Reich sustenta haver uma

GARCIA, J. G. S. Couraça e currículo-oculto: um estudo da relação entre a rotina escolar e o

21

funcionamento encouraçado; orientação: Maria Cecília Cortez Christiano de Souza; co-orientação Paulo Albertini. São Paulo: s.n., 2010. p. 1633

REICH, M. Análise do caráter (1961). Trad. Ricardo Amaral do Rego. 3. ed. São Paulo: Martins

22

Fontes, 1998. p. 51.

GARCIA, J. G. S. Couraça e currículo-oculto: um estudo da relação entre a rotina escolar e o

23

funcionamento encouraçado; orientação: Maria Cecília Cortez Christiano de Souza; co-orientação Paulo Albertini. São Paulo: s.n., 2010. p. 16.

(26)

correspondência somática nesse processo de frustração pulsional. Os denominados

caráter e couraça de caráter entram em sua obra para conceituar a função somática

dos mecanismos de defesa do ego.

Partirmos, assim, para o ancoramento somático de tal defesa no próximo item do capítulo.

III. O Caráter: ancoramento somático da defesa contra as emoções

Desde o princípio da pesquisa sobre as emoções em Reich, já era possível demonstrar a preocupação do autor com uma ciência natural. Os estudos sobre o instinto nos levavam à compreensão de que, para o autor, o instinto corresponderia a uma energia física, como a eletricidade. Porém foi apenas mais adiante em seus estudos que pôde aprofundar tais conceitos. Para Reich, o caráter:

É a expressão concreta da defesa narcisista cronicamente implantada na estrutura psíquica. Além das resistências conhecidas, que são mobilizadas contra cada nova peça de material inconsciente, há um fator de resistência constante enraizado no inconsciente, que não pertence ao conteúdo, mas à forma. Como se origina no caráter, chamamos de resistência de caráter, a esse fator de resistência constante. 24

Reich percebeu em seus estudos clínicos que havia outro tipo de couraça que se desvelava. Segundo o autor, existiam os mesmos conteúdos de encouraçamento em vários pacientes. Contudo, havia maneiras distintas de se apresentarem, mudava-se a forma. Essa forma corresponderia a como cada indivíduo se estruturaria, com um modo distinto de falar, posturas e maneirismos.

Tanto a couraça psíquica quanto a caracterial são para Reich apresentadas de forma recorrente, estereotipada e autômata. A estrutura caracterial seria uma forma, observável nos gestos e nas posturas de lidar com o conflito prazer-frustração, correspondente a uma fase de desenvolvimento. Haveria um modo específico de lidar com a angústia primeira que moldaria os padrões de comportamento e de pensamento no indivíduo adulto.

REICH, M. Análise do caráter (1961). Trad. Ricardo Amaral do Rego. 3. ed. São Paulo: Martins

24

(27)

Por caráter entendemos aqui não só a forma externa desse agente, como também a soma total de tudo o que o ego molda na forma de modos típicos de reação, isto é, modos de reação característicos de uma personalidade específica… o andar, a expressão facial, a postura, a maneira de falar e outros modos de comportamento. 25

Assim como a couraça, o caráter não é o vilão, e sim uma forma com a qual o indivíduo conseguiu se organizar a fim de evitar a angústia provocada pelo refreamento de sua expressão pulsional.

Assim, seria correto presumir que, se o caráter serve essencialmente como uma proteção do ego... ele deve ter se originado como uma aparelho destinado a evitar o perigo. 26

Reich se inspira no conceito de Teofrasto, filósofo grego que havia escrito um livro sobre caracteres, no qual categorizava esses comportamentos. Com o tempo, tal concepção foi socialmente concebida de forma moral, de bom ou mau caráter. Porém quando o autor discorre sobre caráter, não é no sentido de bom ou mau caráter, e sim sobre esse conjunto de características, de formações reativas, de defesas, de resistências, contra a intensidade do conteúdo prazer-frustração. O autor amplia a concepção de caráter, transformando tal conceito em uma totalidade sistêmica, o fio vermelho que se apresenta nas ações humanas. O caráter então seria o mecanismo que gerencia uma economia pulsional e, consequentemente, sua expressão (emoção).

Esse caráter do ego é moldado por elementos do mundo externo, a partir de proibições, inibições pulsionais… Assim os elementos materiais da couraça de caráter têm sua origem no mundo externo, na sociedade. 27

Portanto, Reich descobre através de seus casos clínicos, que tais padrões de caratcterísticas são formadas por um refreamento pulsional da sociedade, que garantiria a proteção do indivíduo contra seus impulsos instituais e consequentemente, suas expressões emocionais. Antes de adentrar mais profundamente na teoria reichiana sobre o caráter, o autor discorre que essa

REICH, M. Análise do caráter (1961). Trad. Ricardo Amaral do Rego. 3. ed. São Paulo: Martins

25

Fontes, 1998. p. 167 Ibid, op. cit. p. 166.

26

Ibid, op. cit. p. 167.

(28)

proteção contra o mundo externo, que motivou a formação do caráter, definitivamente não constituiu mais tarde, a principal função do caráter. Ou seja, 28

que o homem médio adulto não necessitaria dessa economia pulsional externa, para defender-se, ja que para Reich :

O homem civilizado tem meios abundantes de se proteger contra os verdadeiros perigos do mundo - as instituições sociais em todas as suas formas. Além do mais, sendo um organismo altamente desenvolvido, tem um aparelho muscular que permite fugir ou combater e um intelecto que lhe permite prever e evitar perigos. 29

Compreende-se a dinâmica da economia pulsional em Reich, de que as estruturas caracteriais são formadas na infância, por meio de uma sociedade que refreia as expressões emocionais, e que tal refreamento externo não seria necessário para manter a economia no homem médio adulto, já que tal teria todas as habilidades para se autorregular. Reich desenvolve que:

…mecanismos protetores do caráter começam a atuar de uma maneira particular quando a angústia se faz sentir no interior, seja por condição interna do perigo pulsional, seja por um estímulo externo relacionado ao aparelho pulsional. 30

Ou seja, apesar da capacidade de autorregular o organismo, o homem continua sentindo, tanto internamente quanto por estímulos externos, uma angústia que reatualizaria os conflitos primários prazer-frustração e seus mecanismos infantis de defender-se do conflito. “Quando isso acontece, o caráter tem de controlar a

angústia atual (estase),31 que resulta da energia obstaculizada.” (angústia de 32

estase). Logo, o caráter que antes teria a função de proteger reatualiza o conflito infantil no real, absorve as energias pulsionais que poderiam fluir livremente na vida adulta e as reutiliza para sustentar a estrutura do conflito infantil prazer-frustração, o qual o autor denomina de angústia de estase. Esse é um dos conceitos centrais da

REICH, M. Análise do caráter (1961). Trad. Ricardo Amaral do Rego. 3. ed. São Paulo: Martins

28

Fontes, 1998. p. 167. Ibid, op. cit. p. 167.

29

Ibid, op. cit. p. 167.

30

Grifo nosso. Estase é o conceito utilizado por Reich para denominar a angústia do conflito real

31

entre prazer-frustração, que causaria uma estagnação da energia instintual, gerando angústia de estase no conflito atualizado.

Ibid, op. cit. p. 167.

(29)

obra de Reich, que também sustenta sua concepção sobre as emoções. Para isso é preciso empreender o suporte prático da clínica reichiana.

No desenvolvimento do livro Análise do Caráter (1961), verificamos estudos de casos do próprio Reich na busca por desenvolver uma técnica de colaboração com o paciente.

No tratamento analítico, essas forças apresentam-se como “resistências” à eliminação do recalque. Esta compreensão teórica dita uma regra básica posterior: tornar consciente o inconsciente não deve ser feito diretamente, e sim, pela quebra das resistências. Isso significa que o paciente precisa saber que está resistindo, depois como o faz, e finalmente contra o quê. 33

Em seus anos de trabalho clínico, o autor pôde perceber a dificuldade de estudar o conflito prazer-frustração, encontrando resistência dos pacientes à análise. Segundo ele, o sintoma deixa de ser facilmente analisado, pois é alheio à estrutura da economia pulsional; já o caráter, que é como o indivíduo resiste ao conflito real, torna-se mais difícil de ser flexibilizado, uma vez que não é percebido como alheio ao indivíduo, e sim o que o constitui.

Diferente do sintoma, que historicamente foi abordado de forma a retirar tal funcionamento da estrutura psíquica, o caráter, a couraça não devem ser retirados, mas flexibilizados. Esse é um ponto importante e necessita atenção, para que não haja leituras equivocadas do trabalho de Reich. Garcia, em sua tese denominada A couraça como currículo oculto, já apontava para tal cuidado.

Vista apenas como obstáculo, a couraça muitas vezes é abordada do mesmo modo como eram tratadas as resistências, como algo que deve ser retirado do caminho no intento de entrar em contato com processos mais profundos e genuínos. 34

O trabalho de análise do caráter, da couraça e das resistências se faz com a colaboração do paciente. A couraça não é retirada à força, mas elaborada junto ao paciente através do vínculo, visando flexibilizá-la.

REICH, M. Análise do caráter (1961). Trad. Ricardo Amaral do Rego. 3. ed. São Paulo: Martins

33

Fontes, 1998. p. 18.

Garcia, José Gustavo Sampaio. Couraça e currículo-oculto: um estudo da relação entre a rotina

34

escolar e o funcionamento encouraçado / José Gustavo Sampaio Garcia; orientação: Maria Cecília Cortez Christiano de Souza; co-orientação Paulo Albertini. São Paulo: s.n., 2010. p. 30.

(30)

A leitura cuidadosa e abrangente dos trabalhos de Reich relativos à couraça deixa clara a sua preocupação com uma compreensão mais ampla de seu funcionamento e de seu papel na estrutura psíquica. A couraça é o recurso que permitiu e ainda possibilita ao indivíduo suportar a falta de descarga adequada para suas pulsões mais profundas. Assim, além de seu desempenho como barreira à expressão vital, ela possui uma função protetora.35

O caráter, até então visto pela pesquisa como estrutura de defesa, toma lugar central nos estudos de Reich. Não acima do conteúdo, mas junto com, se estruturaria uma defesa somática, que funcionaria como a resistência do ego contra o material do conflito prazer-frustração. E, de acordo com a técnica de análise do caráter, tornar consciente o conteúdo do conflito não deve ser feito de forma direta, mas pela flexibilização da estrutura do ego, que, para o autor, é tanto psíquica quanto somática, indissociavelmente.

O caráter então seria o que constrói e circunscreve a ideia que temos de uma pessoa. Todos temos um amigo excessivamente agressivo, ou excessivamente quieto, ou excessivamente falante. Tais percepções Reich buscou descrever como atitudes crônicas de caráter. A questão não é a agressividade, a introspecção ou e extroversão, que são comportamentos naturais do ser humano, mas sim o fato de essas atitudes serem crônicas, automáticas e repetitivas. Atualizando a angústia primária (prazer-frustração), tal atualização é feita a partir do sequestro das energias pulsionais para a estrutura ou o traço caracterial, ou para um sintoma (angústia de estase).

Ao aprofundar o livro, o autor começa a circunscrever o que seria uma economia pulsional funcional, na qual haveria flexibilização das expressões emocionais, de forma espontânea às situações atuais. Para que nos aprofundemos numa concepção de expressão das emoções dentro da perspectiva de Reich, é preciso entender o que o autor concebia como uma expressão flexibilizada e uma expressão encouraçada.

Reich constatou alguns aspectos comuns ao funcionamento vegetativo dos indivíduos que atendia em seu consultório. Um dos aspectos principais que resultam na formação encouraçada está ligado à infância e à contenção das emoções através do corpo. Muitos pacientes rememoravam como lidavam com a

Garcia, José Gustavo Sampaio. Couraça e currículo-oculto: um estudo da relação entre a rotina

35

escolar e o funcionamento encouraçado / José Gustavo Sampaio Garcia; orientação: Maria Cecília Cortez Christiano de Souza; co-orientação Paulo Albertini. São Paulo: s.n., 2010. p. 31.

(31)

intensidade das emoções na infância, através, principalmente, do controle da respiração e da pressão abdominal.

Na análise final, eu não podia livrar-me da impressão de que a rigidez somática representa a parte mais essencial do processo de repressão. Todos os nossos pacientes contam que atravessaram períodos na infância nos quais, por meio de certos artifícios sobre o comportamento vegetativo (prender a respiração, aumentar a pressão dos músculos abdominais, etc.), haviam aprendido a anular os seus impulsos de ódio, de angústia ou de amor. 36

Tal constatação leva Reich a um novo ponto de prática na sua clínica. Sem deixar de lado as descobertas da Psicanálise sobre o momento da infância e por que houve a repressão dos impulsos infantis, o autor parte para identificar como o indivíduo fez e como ele reatualiza tais conflitos, trazendo mais uma vez o corpo para o desenvolvimento de suas teorias.

Até agora, a psicologia analítica se dedicou apenas ao que a criança anula e aos motivos que a levam a aprender a controlar as suas emoções. Não pesquisou o modo pelo qual as crianças habitualmente lutam contra os impulsos. É precisamente o processo fisiológico de repressão que merece a nossa maior atenção. 37

Reich volta sua atenção para identificar como as expressões instintuais e emocionais são contidas na atualidade. Sua prática era observar, através de técnicas que afrouxem o músculo diafragmático, por exemplo, o quantum de energia era liberado, assim como os conteúdos infantis contidos.

Não deixa nunca de ser surpreendente o modo como a dissolução de um espasmo muscular não só libera a energia vegetativa, mas, além disso e principalmente, reproduz a lembrança da situação de infância na qual ocorreu a repressão do instinto. 38

Com isso, Reich constata que o psiquismo estaria expresso também no corpo, na rigidez muscular. E que o psiquismo é, portanto, uma energia biofísica,

REICH, W. A Função do Orgasmo: problemas econômicos-sexuais da energia biológica. Tradução

36

Maria da Glória Novak. 13. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987. p. 153. Ibid, op. cit. p. 153.

37

Ibid, op. cit. p. 153.

(32)

que contém os impulsos emocionais através, principalmente, da contenção muscular, nos maneirismos e nas posturas autômatas.

Uma expressão flexibilizada seria então, para Reich, um movimento do sistema vegetativo. O jogo de forças que estabelece entre a simpaticotonia e a parassimpaticotonia.

Por exemplo, a neurose não é somente a expressão de uma perturbação do equilíbrio psíquico; é, mais propriamente, em um sentido muito mais verdadeiro e profundo, a expressão de uma perturbação crônica do equilíbrio vegetativo e da mobilidade natural. 39

A função do aparelho vegetativo é de tensão e relaxamento (simpaticotonia e parassimpaticotonia, respectivamente). Correlaciona-se ainda com o conceito de instinto (Reich, 1961) , abordado no começo do capítulo 1, no qual há uma tensão interna constante e a busca de satisfação (relaxamento), tal como funciona também o aparelho vegetativo. Há parte de uma pressão interna que tensiona e distenciona, logo a investigação de Reich se volta para tal aparelho como a busca de integração entre o somático e o psíquico.

Além da intensidade de sustentar o conflito com que se estabelece a forma como o indivíduo se ancora no mundo, há outro desafio muito comum: utilizar-se da análiutilizar-se dessas estruturas como formas de diagnóstico entre o que é ou não uma expressão saudável. O autor denominou dois conceitos: o caráter genital e o

caráter neurótico. Porém, vale ressaltar que em nenhum momento o autor

hierarquiza tais padrões de comportamento como concepção de saúde e doença, mas faz a análise dessas expressões, nas quais há uma economia pulsional que se difere: uma expressão emocional com descarga proporcional à situação real, mantendo o indivíduo com a estrutura biofísica do aparelho vegetativo equilibrada, e a outra com uma descarga rígida (só simpaticotônico ou só parassimpaticotônico), que desequilibra o aparelho. Quando se discorre sobre o que é adequado ou inadequado, não tem como ponto uma questão moral, mas chama-se adequado o que está em contato com a realidade, e inadequado, o que está em contato com a realidade através dos mecanismos de defesas anteriormente abordados. Como maneiras distintas de lidar com o conflito, não há em Reich um vilão; a couraça, o

REICH, W. A Função do Orgasmo: problemas econômicos-sexuais da energia biológica.

39

(33)

caráter, o encouraçamento são análises feitas das formas encontradas pelo autor na clínica que diferem em sua forma.

Portanto, abordaremos tais diferenças no próximo item do capítulo.

IV. O Caráter Genital e o Caráter Neurótico

Há necessidade, nesse ponto da pesquisa, de relembrar que os conceitos estão sendo apresentados de forma isenta de crítica. Tal cuidado se deve ao fato de ser um ponto delicado encontrado na obra de Reich. Tanto Reich, em sua obra

Função do Orgasmo (1987), como Garcia, comentador de Reich, na tese

denominada A couraça como currículo oculto (2010), já denunciavam tal dificuldade. Segundo Garcia:

Na discussão de seu funcionamento e de suas consequências individuais e sociais, a teoria do encouraçamento tem sofrido os efeitos da aversão que inconscientemente provoca naqueles que dela se aproximam. A teoria da couraça incomoda. Sem que se pretenda impedir o óbvio e fundamental princípio do contraditório é possível compreender por meio das decorrências lógicas do funcionamento da couraça algumas das respostas adversas tão comuns a sua teorização. A recusa em reconhecê-la em sua profundidade, sua distorção e simplificação, sua transformação em objeto de catalogação de personalidades, seja no campo diagnóstico, seja no sentido mais pueril de imputar defeitos às pessoas, são algumas das reações típicas à teoria da couraça. 40

As concepções de um funcionamento flexibilizado e um funcionamento encouraçado têm sido alvo de críticas desde suas formulações. Distorções e simplificações desses funcionamentos para fim de diagnóstico são também formas encouraçadas de lidar com o conflito, segundo Garcia (2010). A concepção de caráter/couraça tem como função a cartografia de aspectos comuns a certos tipos de sociedade.

Garcia, José Gustavo Sampaio. Couraça e currículo-oculto: um estudo da relação entre a rotina

40

escolar e o funcionamento encouraçado / José Gustavo Sampaio Garcia; orientação: Maria Cecília Cortez Christiano de Souza; co-orientação Paulo Albertini. São Paulo: s.n., 2010. p. 33.

(34)

Aloplasticamente, o organismo modifica ambiente (tecnologia e civilização); autoplasticamente, o organismo modifica a si próprio, em ambos os casos para sobreviver. Em termos biológicos, a formação do caráter é uma função autoplástica iniciada por estímulos perturbadores e desagradáveis do mundo externo (estrutura familiar). 41

A estrutura caracterial seria uma defesa que o organismo encontrou para lidar com os estímulos perturbadores do mundo externo e suas necessidades de satisfação pulsional, através da expressão emocional. Ou seja, genitalmente ou neuroticamente, foi a melhor forma (autoplástica) que o indivíduo decobriu para continuar vivo e atuante socialmente. Tais aspectos abordados nesse ponto são apenas a forma que o indivíduo encontrou para adaptar-se a uma realidade social.

Por conta da necessidade de satisfação pulsional contra estímulos perturbadores do ambiente, “e instigado pela verdadeira angústia produzida por esse

conflito, o aparelho psíquico ergue um barreira protetora entre si próprio e o mundo externo. Para isso, precisa-se deixar temporariamente de lado o valor dinâmico da 42

relação entre energia instintual e mundo externo e compreendê-lo topograficamente. Tal barreira erguida contra o mundo externo é chamada pelo autor de ego, enquanto as necessidades pulsionais são chamadas de id. Há uma importante relação entre a construção da barreira egoica e as necessidades do id, para o autor.

O mais importante nessa luta é que o ego, em seus esforços para ser mediador entre as partes hostis a fim de sobreviver, introjeta os objetos repressivos do mundo externo – na realidade, precisamente os objetos que frustram o princípio de prazer do id – e os retém como árbitros morais, como o superego. 43

Portanto, para o autor, as relações entre tais instâncias psíquicas (id, ego e superego) têm um valor topográfico de que a moralidade do ego não se origina no id (instinto, ou pulsões instintuais), mas é um componente do mundo externo (superego), introjetado no ego como estranho e ameaçador. O ego então toma para si as frustrações pulsionais originadas socialmente e as introjeta em si como algo perigoso, formando a tríade da estrutura psíquica (id, ego, superego), na qual o ego se encontra no meio e sobre pressão de ambos os lados, tanto do id, que busca sua

REICH, M. Análise do caráter (1961). Trad. Ricardo Amaral do Rego. 3. ed. São Paulo: Martins

41

Fontes, 1998. p.166. Ibid, op. cit. p..166.

42

Ibid, op. cit. p.166.

(35)

expressão e satisfação, quanto do superego, que refreia tais impulsos. O ego se torna mediador de tal conflito. Apesar de não haver registro nos livros de Reich da fase do desenvolvimento freudiano em que está ancorada sua teoria, o autor apresenta tais conceitos das instâncias psíquicas como teorias preexistentes, a qual atribuímos a primeira fase do desenvolvimento das pesquisas de Freud (1915). A 44 diferença entre tais escolas (Psicanálise e Economia Sexual) se dá na soma total de reações específicas de certas personalidades.

No sentido freudiano, o ego é um agente estrutural. Por caráter entendemos aqui não só a forma externa desse agente, como também a soma total de tudo o que o ego molda na forma de modos típicos de reação, isto é, modos de reação característicos de uma personalidade específica. 45

Para Reich, na estrutura caracterial neurótica, o ego se manifesta também em reações esteriotipadas: o andar, a fala, expressões faciais, como já exposto no ítem III deste capítulo. Há nesse sentido uma ligação econômica inicial, que foi necessária para a resolução do conflito de prazer-mundo, nas fases de desenvolvimento humano. Avancemos então para a estruturação na fase adulta.

Antes de entrarmos na questão do que constitui a argamassa desses elementos, isto é, que processos dinâmicos os mantêm unidos como um todo, temos que salientar que essa proteção contra o mundo externo, que motivou a formação do caráter, definitivamente não constituiu, mais tarde, a principal função do caráter. 46

Ou seja, as proteções desenvolvidas (caráter) para proteger o organismo das ameaças externas se tornam desatualizadas, tendo em vista que os conflitos originais não estão em atuação, e o organismo continuaria a reatualizá-las de forma estereotipada, nas reações específicas de cada personalidade.

A relação entre o caráter e o recalque pode ser observada no 47

seguinte processo: a necessidade de recalcar exigências pulsionais origina a formação do caráter. Contudo, uma vez que o caráter foi FREUD, S. Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente. Tradução Imago Editora. Rio de

44

Janeiro: Imago Editora, 1969.

REICH, M. Análise do caráter (1961). Trad. Ricardo Amaral do Rego. 3. ed. São Paulo: Martins

45

Fontes, 1998. p. 167. Ibid, op. cit. p. 167.

46

Grifo nosso. O recalque é chamado como a formação de reações solucionadas para evitar os

47

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moldado, poupa a necessidade de recalque, absorvendo energias pulsionais – que flutuam livremente no caso dos recalques habituais – na própria formação do caráter. 48

Há, portanto, uma relação entre a formação do caráter (proteger-se contra os perigos do mundo externo) e sua função final (proteger-se contra os perigos das necessidades pulsionais). Para que haja a evitação da angústia real, gerada pelo meio externo ou por uma angústia interna na vida adulta, é preciso reprimir suas necessidades pulsionais.

Não se deve dar vazão à agressão mesmo quando se está morrendo de fome por causa da crise econômica e a pulsão sexual é limitada por normas e preconceitos sociais. A transgressão às normas ocasionaria imediatamente um verdadeiro perigo… 49

Ou seja, o recalque original, necessário à formação de um caráter, está inteiramente ligado, para o autor, como uma maneira de estar no mundo, que nega as necessidades pulsionais. Transgredir normas é estar sujeito a punições sociais. De certa maneira, a barreira da expressão emocional também limita o indivíduo as suas necessidades pulsionais mais instintivas. Se a agressividade precisou ser limitada de forma contínua na infância, gera-se um caráter cronicamente passivo, que, em nome de um lugar social, prefere morrer de fome a dar vazão a sua necessidade pulsional de comer.

Resumida a estruturação topográfica do caráter, apresentaremos as diferenças econômicas de tais estruturas.

IV. I. Diferenças econômicas

Segundo Reich, há meios adequados e inadequados de assimilar a angústia gerada pelo represamento dos impulsos instintuais. As diferenças são ligadas à quantidade de impulsos que podem ser expressos de forma direta dos tipos caracteriológicos, de caráter genital e neurótico:

O caráter neurótico sofre uma crescente estase da libido precisamente porque seus meios de satisfação não são adequados às necessidades REICH, M. Análise do caráter (1961). Trad. Ricardo Amaral do Rego. 3. ed. São Paulo: Martins

48

Fontes, 1998. p. 168. Ibid, op. cit. p. 168. 49

Referências

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