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CAPÍTULO 2 – CARTOGRAFIAS DO ENCOURAÇAMENTO EMOCIONAL

I.I. Segmento Ocular

"A morte já é depois Já não haverá ninguém Como eu aqui agora Pensando sobre o além Já não haverá o além O além já será então Não terei pé nem cabeça

BACRI, A. P. R. Influência dos bloqueios corporais na educação – Tese de Doutorado,

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Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2005. p. 69.

BAKER, E.F. O Labirinto Humano: as causas do bloqueio da energia sexual. São Paulo: Summus,

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Nem fígado, nem pulmão Como poderei ter medo Se não terei coração?"

Gilberto Gil

Em um senso comum, diz-se que os olhos são o espelho da alma, pois revelam um mundo interno. Alguns ditados populares podem nos auxiliar emcertos aspectos sobre o funcionamento humano. Os órgãos relacionados ao segmento ocular começam na base do nariz, passando por olhos, testa e cérebro até a base da nuca, na qual se encontra ainda o segmento oral e cervical. Autores como Lowen (1982) também apontam para a pele como um órgão correspondente a este segmento.

A função do segmento ocular é de contato com a realidade, de materialização. A fase de desenvolvimento correspondente a esse segmento se dá na amamentação, quando ocorre a primeira formação de um ego “rudimentar”, em que os olhos na função de convergência (olham para a ponta do nariz) e divergência (olham para o bico do seio da mãe) levam a informação ao cérebro e começam o processamento de uma realidade externa, cumprindo ainda uma função de limite. Há também Boadella (1992), autor pós-reichiano que sugere ter esta fase do desenvolvimento origem intrauterina. É nesse estágio que ocorre a primeira impressão no sujeito de contato com o mundo externo. A qualidade emocional do olhar da mãe – ou de quem cumpre essa função –, ou como em Boadella, o útero, para o bebê, se esse cuidado é suave e acolhedor, se a mãe está confortável, se esse cuidado gera dor e raiva, desconforto, todos esses elementos influenciam, deixando uma marca de relação com o mundo.

Algumas percepções de perturbações relacionadas a esse segmento são de aparência de uma máscara, uma paralisação desses músculos. Métodos utilizados para o desbloqueio de tal segmento no indivíduo adulto revelam, em Lowen (1982), que tais traços estão ligados a uma rejeição materna nos primeiros dias de vida, “a qual foi sentida como uma ameaça à sua existência. 60

LOWEN, A. Bioenergética. Tradução: Maria Silva Mourão Netto. Ed. Summus. São Paulo: 1982. p.

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Dependendo do grau de comprometimento das funções do segmento, pode-se desenvolver uma estrutura caracterial denominada por Lowen (1982) de esquizoide, que seria um encouraçamento encontrado pelo indivíduo para lidar com a angústia relacionada a essa fase de desenvolvimento.

O termo esquizoide descreve uma pessoa cujo senso de si está diminuído, cujo ego é fraco e cujo contato com seu corpo e seus sentimentos mostra-se bastante reduzido. 61

Voltamos a enfatizar a importância de que tais estudos sobre as formações caracteriais não têm um objetivo nem de hierarquizar, nem de psicologizar os funcionamentos humanos. A estrutura caracterial não é a vilã, mas a melhor forma que o indivíduo achou de lidar com a angústia referente a essas fases de desenvolvimento. O objetivo do estudo desses aspectos é fornecer ferramentas para que as relações na escola se estabeleçam de forma a flexibilizar tais estruturas, possibilitando ao corpo da escola estar mais cientificamente pautado nas emoções e nas defesas desenvolvidas contra elas.

A principal emoção relacionada às perturbações do segmento ocular é o medo. O histórico de rejeição ligado a essa fase do desenvolvimento leva o sujeito a se “retirar” do mundo, através da sua falta de contato, da não materialização do mundo por meio, principalmente, dos olhos. Como abordado no começo deste capítulo, há um excesso de energia pulsional acumulada em tal segmento, para manter o estado de enrijecimento, e, ao realizar atividades que necessitam de um

quantum X, é utilizado X mais X, levando a um desgaste da região.

Há, ainda, outras características ligadas a esse excesso de energia pulsional no determinado segmento, que Lowen descreve da seguinte forma:

A energia está retida aquém das estruturas periféricas do corpo, ou seja, dos orgãos que fazem contato com o mundo externo: o rosto, as mãos, os genitais e os pés. Tais orgãos mostram-se em parte desconectados energeticamente do centro, isto é, a excitação do centro não flui livremente para eles, mas é bloqueada por tensões musculares crônicas na base da nuca, dos ombros, da pelve e das articulações do quadril. Assim, as funções desempenhadas por esses orgãos tornam-se dissociadas dos sentimentos no núcleo da pessoa. 62

LOWEN, A. Bioenergética. Tradução: Maria Silva Mourão Netto. Ed. Summus. São Paulo: 1982.

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p. 128.

Ibid, op. cit. p. 128.

A carga de energia pulsional que deveria seguir até a periferia, a fim de construir um ego (Diagrama 2), fica retida no centro e, em certos casos, pode derivar uma dissociação dos outros órgãos de contato com o mundo, como descrito pelo autor.

O Diagrama 2, descrito por Lowen(1982), sugere que a carga no centro segue o caminho até a camada emocional, na qual fica retida pela camada muscular. Esta deve ser alta para manter o ego constituído. O ego, no esquizoide, se constitui a partir da tensão muscular; seu afrouxamento é compreendido, psiquicamente, por exemplo, como uma ameaça, uma angústia, a sua própria existência.

O alto nível de tensão muscular leva o sujeito a explosões de raiva, a fim de descarregar o excesso de energia pulsional retida nos músculos. Tais funcionamentos vão ao encontro do que abordamos, no Capítulo 1 deste trabalho, como um funcionamento neurótico, em que a descarga emocional é tida como inadequada, sem contato com a realidade. Uma imagem que ajuda a compreender tal situação de inadequação, lembrando que não é no sentido moral, mas de estar enraizado à realidade, seria a de alguém pisar sem querer no pé de outra pessoa que, em resposta ao pisão, daria um soco na outra pessoa. Tais reações emocionais são dissociadas do grau de intensidade do efeito-resposta.

O conflito do funcionamento esquizoide seria descrito pro Lowen (1982) como forma de manter-se em estado de isolamento, a fim de resguardar sua

DIAGRAMA 2 – SITUAÇÃO BIOENERGÉTICA NO ESQUIZOIDE

existência, materialização. Vale ressaltar que tal estado é necessário a certos tipos de situação. A questão disfuncional seria um estado constante de isolamento e tensão, levando a um encouraçamento de tal atitude como parte de sua personalidade (ego). Uma função orgânica, também como vimos, variaria entre os estados de tensão e relaxamento; portanto, após passada a situação de contração, o organismo deveria agir parassimpaticotonicamente, voltando a se expandir e levando a energia pulsional para a periferia (como demonstrado no Diagrama 1).