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independente, devo desistir de toda necessidade de apoio e calor humano.” Essa 67 frase, expressa por Lowen (1982) para descrever o conflito desse funcionamento neurótico, sugere que, devido à frustração do impulso por calor humano na infância, uma forma de o indivíduo reatualizar o conflito seria estar em contradição com a busca de suas necessidades no mundo. Muitos desses indivíduos também tendem a ser integralmente autônomos, como forma de camuflar o conflito.

A solução do conflito, como aponta Stolkiner (2008), devido à busca de o caráter oral no mundo estar em satisfazer suas necessidades insatisfeitas, seria reverter essa situação: ao invés de buscar no outro ou no mundo a satisfação de suas necessidades, doar ao outro e ao mundo o que o indivíduo busca. “A

verdadeira satisfação que uma pessoa sente, está na ocasião de dar algo, quando se é adulto.” 68

Vale ratificar que o foco dessa pesquisa no momento é cartografar tais encouraçamentos emocionais, para que o educador consiga identificar mais facilmente os conflitos emocionais de seus alunos, tendo em vista que a educação emocional do indivíduo é parte importante de sua formação, e que o comprometimento decorrente de certos padrões encouraçados na vida traz um adoecimento biopsicossocial.

I. III. Segmento Cervical

"Quando eu soltar a minha voz Por favor entenda Que palavra por palavra Eis aqui uma pessoa se entregando Coração na boca Peito aberto Vou sangrando São as lutas dessa nossa vida Que eu estou cantando"

Gonzaguinha

LOWEN, A. Bioenergética. Tradução: Maria Silva Mourão Netto. Ed. Summus. São

67

Paulo: 1982. p. 144.

STOLKINER, Jorge. Abrindo-se aos mistérios do corpo: seminários de Orgonomia.

68

O anel cervical é um segmento complexo dentre suas funções. Para compreendermos tal segmento, Stolkiner (2008) sugere que um desenho geral da anatomia humana facilitaria tal compreensão.

Podemos dizer que o organismo humano está formado por três cavidades conectadas por dois estreitamentos. São as cavidades craniana, torácica e abdominopélvico, que estando separadas por dois estreitamentos, o pescoço e a cintura, a qual em orgonomia chamamos de segmento diafragmático. 69

Há em Stolkiner (2008) uma figura que ajuda as cavidades e seus estreitamentos. Segundo o autor, apud. Boadella (1987), existem três funções relacionadas ao pescoço e ao segmento cervical. Segundo ele, “pela frente, o

pescoço se conecta com o ectoderma, que é o Sistema Nervoso Central (S.N.C.);” 70 o endoderma, com o sistema digestivo e o respiratório, “relacionados à produção de

energia, com as emoções.” E na parte posterior do corpo encontramos o 71 mesoderma, relacionado à ação no mundo, e o sistema muscular-esquelético, formando um triângulo, no qual o pescoço se situaria representado entre a parte posterior e a anterior do corpo.

STOLKINER, Jorge. Abrindo-se aos mistérios do corpo: seminários de Orgonomia. Porto Alegre:

69

Alcance, 2008. p. 159 Ibid, op. cit. p. 161.

70

Ibid, op. cit. p. 161.

71

FIGURA 1 – CAVIDADES E DIAFRAGMAS 1 FONTE STOLKINER (2008) P. 161.

Outra forma de se entender a função do pescoço com as emoções é a de que “o peito está no centro de nossa interioridade, a cabeça é a periferia, está de

cara para o mundo, e o pescoço está situado entre a periferia e o centro.” O centro, 72

como vimos anteriormente, se relaciona com a origem das pulsões (e se encontra na cavidade toráxica), assim como a cabeça tem como função captar as informações, comida e ar – os três “alimentos” responsáveis por gerar energia sobre um corpo; o pescoço se encontra nesse limite, entre o mental e o pulsional (cerne das emoções). Podemos entender o pescoço com a função de criar uma resistência natural (resistência não no sentido de defesa como visto no primeiro capítulo, mas como um suporte), entre o mental e o cerne pulsional (peito) das emoções.

Quando o mental e o emocional estão afinados como no caráter genital, o pescoço e suas expressões tendem a ser leves. As cordas vocais podem alcançar diversos tons e projeções, dependendo das situações, sem que isso acarrete explosões de angústia no indivíduo. A tendência a um mesmo padrão de tom e projeção da voz é um importante termômetro para a identificação do encouraçamento emocional infantil.

I.IV. Segmento Torácico

"Se a voz da noite responder Onde estou eu, onde está você Estamos cá dentro de nós sós Onde estará o meu amor?"

Chico César

O peito é o cerne no qual se encontram os principais órgãos que pulsam (coração e pulmões). A cavidade torácica abraça a forma anatômica, segundo Reich (1945), de tudo que está abaixo do pescoço, até o diafragma, que começa a partir das últimas três costelas. Os braços também fazem parte deste segmento. Como

STOLKINER, Jorge. Abrindo-se aos mistérios do corpo: seminários de Orgonomia. Porto

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visto no segmento cervical, há no corpo humano três cavidades que se conectam através de diafragmas, estreitamentos. Assim como visto no Diagrama 1, o centro pulsional, cerne desse esquema, se relaciona diretamente com este segmento, devido ao fato de a cavidade se encontrar no meio das outras duas cavidades (cefálica e abdominal). Stolkiner (2008) descreve esse esquema da seguinte maneira:

Diferente das cavidades cefálica e abdominal, nas quais as principais funções são a entrada (informação, alimento e ar) e a saída (excrementos e incorporação), respectivamente, que estão ligadas a um fluxo de entrada e saída, a função do centro, ou segmento torácico, é a pulsação. A pulsação está ligada a um movimento de expansão e contração, no par funcional entre periferia e centro. A fisiologia desse segmento se dá através dos órgãos responsáveis pela pulsação no corpo humano, que são os pulmões e o coração. Embora a finalidade da pulsação seja estabelecer um fluxo, existem certas diferenças entre eles.

Fluxo e pulsação são interdependentes; ao pulsar, o coração estabelece um fluxo e com isso as artérias, que estão na periferia, pulsam, embora sua principal função seja de estabelecer um fluxo. Da mesma forma, os condutores respiratórios têm um fluxo de ar, e os pulmões pulsam. 73

STOLKINER, Jorge. Abrindo-se aos mistérios do corpo: seminários de Orgonomia. Porto Alegre:

73

Alcance, 2008. p. 176.

FIGURA 2– CAVIDADES E DIAFRAGMAS 2 FONTE: STOLKINER (2008), P. 177.

É comum, em nossa cultura, quando alguém fala sobre si, ou algo que sente, levar a mão ao peito. Esse centro pulsional está ligado à forma como nos identificamos. Como a função da pulsação é estabelecer relação com a periferia (cultura, sociedade, mundo, superego) e o centro (o cerne, identidade e ego), há alguma percepção que nos faz levar a mão ao centro do peito quando nos identificamos com algo do mundo exterior. Segundo Stolkiner (2008), é comum, “quando nos referimos ao coração, também nos referimos ao centro, ao ponto

crucial da questão, e falamos que é o ‘coração da questão’”. Há um certo padrão 74 encontrado pelo autor entre a identidade e o centro de pulsação do segmento torácico.

Sendo assim, o centro e a forma como ele pulsa estão ligados à maneira como o ser humano se relaciona com o mundo, como se identifica e estabelece seu fluxo de troca com a sociedade. Se os músculos do peito podem variar entre um movimento de tensão e relaxamento, também os pulmões podem enxer-se de ar e esvaziar-se na mesma medida.

As disfunções do segmento torácico se dão a partir de uma falta de harmonia entre as cavidades. Se a função do peito, além de pulsar, é fazer uma ponte entre a cavidade cefálica e a abdominal, cujas principais funções são de entrada e saída, o peito é quem dita como se dá essa passagem, seu ritmo. Se o peito é inflado de ar o tempo todo, ou se os ombros pendem pra frente, não permitindo a entrada de ar, lembramos que, como o ego das crianças ainda está em formação, essas percepções ocorrem de forma mais sutil do que no adulto.

Tais disfunções do segmento podem vir a se tornar um processo de encouraçamento, o que Lowen (1982) chamou de caráter psicopático. Vale ressaltar que, apesar das semelhanças de tais características, elas não fazem referência a um diagnóstico psiquiátrico, e sim a uma das formas de se estar no mundo. As características do encouraçamento se dão da seguinte forma, segundo o autor:

…mostra um desenvolvimento desproporcional na metade superior, dando a impressão de estar cheio de ar – o que corresponde a uma imagem de ego da pessoa, toda cheia de si. Pode-se dizer que a estrutura pesa no topo, sendo também rígida. A parte inferior do corpo é

STOLKINER, Jorge. Abrindo-se aos mistérios do corpo: seminários de Orgonomia. Porto Alegre:

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mais estreita e pode evidenciar a fraqueza típica da estrutura oral de caráter. 75

O corpo conta a história do indivíduo; no caráter psicopático, percebemos a função desse enrijecimento. Na metade superior do corpo os segmentos ocular, oral, cervical, torácico estariam ligados a uma estruturação de ego, enquanto na metade inferior, os segmentos diafragmático, abdominal e pélvico seriam relacionados às funções do id e sua busca pelo prazer.

Nesse caráter, o indivíduo tende a ter um ego hiperestruturado em detrimento de um id hipoestruturado. Os investimentos na própria imagem são muito comuns nesses indivíduos, que tendem a cindir sua imagem de suas emoções e a controlar, através disso, seus investimentos do id. De acordo com Lowen (1982), tal desenvolvimento foi adquirido por meio da necessidade narcísica de um progenitor, em que a criança é posta como função de satisfazer tais necessidades. “O pai

sedutor é sempre alguém que rejeita as necessidades de contato físico da criança. A falta de contato e suporte é responsável pelo elemento oral dessa estrutura.” 76

Tal esquema se apresenta, para o autor, da seguinte forma:

Através do Diagrama 4 podemos perceber a falta de carga pulsional na parte inferior do corpo, assim como a inexistência de uma camada emocional no segmento torácico. Há ainda um excesso de carga na cavidade cefálica, encontrada principalmente sob um enrijecimento na altura occipital, inibindo o movimento de

LOWEN, A. Bioenergética. Tradução: Maria Silva Mourão Netto. Ed. Summus: São Paulo. 1982. p.

75

135.

Ibid, op. cit. p. 137.

76

DIAGRAMA 4 – SITUAÇÃO BIOENERGÉTICA