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CAPÍTULO 3 – POSSÍVEIS PRÁTICAS DE FLEXIBILIZAÇÃO DO

V. Autopercepção e as emoções

WEIGAND, Odila; Grounding na Análise Bioenergética: uma proposta de atualização.

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A percepção de si mesmo é um mecanismo do desenvolvimento humano. Existem casos nos quais a pessoa apresenta um mecanismo precário de percepção de si. Os limites são necessários para a ação social, o que é do indivíduo e o que é do outro. Quando esse mecanismo está desalinhado, pode ocorrer que o indivíduo desenvolva quadros psicóticos, ou relações simbióticas com outros indivíduos, trazendo sofrimento para ambos os envolvidos. Em bebês pequenos, nos quais o mecanismo ainda não opera na aparelhagem biopsíquica, é comum observarmos que, quando um começa a chorar, desencadeia nos outros que estão perto a mesma emoção. Essa relação se dá pelo fato de que nos bebês ainda não existe o limite do eu, da autopercepção. No processo de maturação muscular, tais limites começam a operar, e um ego vai começando a se formar até a entrada na vida adulta.

O educador atento, resguardado pelos limites de cada fase que o desenvolvimento apresenta, pode perceber, por exemplo, quando duas crianças não se desgrudam, e que o afastamento de ambas gera angústia, ou irrompe emoções muito fortes de raiva ou tristeza, podendo revelar que esse mecanismo anda deficitário.

Há diversos exercícios que podem ser feitos nesses casos, para desenvolver a percepção de si e dos limites. Em Pagan (2003), é sugerido ao educador propor que em um primeiro momento cada educando comece a tocar a própria pele para que os sentidos se desenvolvam, com o propósito de estimular a autopercepção e o limite corporal de cada um. Falar o próprio nome no exercício, como a percepção da qualidade da pele, a textura, a cor, o cheiro, auxilia no processo de criação dessa identidade.

Há também exercícios em dupla que podem ser elaborados na percepção dos limites.

Esta proposta favorece o contato corporal energeticamente saudável, portanto, um espelhamento. Num primeiro momento lida-se com as semelhanças na tarefa, num segundo a diferenciação fundamental para a construção e fortalecimento do eu do sujeito. 118

PAGAN, Maria de Fatima Ferreira Perez Bonjuani. O holding suficiente: práticas corporais

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facilitadoras no cotidiano do educador. 2003. 90f. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual

Segundo as imagens encontradas em Pagan (2003), eles ocorrem da seguinte forma:

FIGURA 5– EXERCÍCIOS EM DUPLA 2 FONTE : PAGAN (2003), P. 82.

FIGURA 4 – EXERCÍCIOS EM DUPLA 1 FONTE : PAGAN (2003), P. 83.

Os exercícios apresentados foram fruto de um levantamento de pesquisas estruturadas nos últimos 20 anos no Brasil, por autores que buscam conjugar de forma prática uma educação emocional que esteja alinhada com as questões sociais e instintivas do indivíduo. Espera-se que o trabalho possa ter contribuído para o alargamento de formas de se trabalharem as emoções no chão da escola. Assim

FIGURA 6 – EXERCÍCIOS EM DUPLA 3 FONTE : PAGAN (2003), P. 83.

FIGURA 7 – EXERCÍCIOS EM DUPLA 4 FONTE : PAGAN (2003), P. 83.

como existem muitos seres humanos, existem formas diversas de se trabalharem as emoções, e uma delas é também através do corpo, como buscamos apresentar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Não te criamos celestial nem terrestre, nem mortal nem imortal, mas de modo que pudesses ser livre de acordo com tua própria vontade e para tua própria honra, para seres teu próprio criador e construtor. A ti, somente, demos crescimento e desenvolvimento, dependentes de tua própria vontade. Trazes em ti os germes de uma vida universal.”

Pico della Mirandola

A proposta deste trabalho, feito para educadores interessados no estudo das emoções, foi elucidar e trazer à luz o estudo teórico de Wilhelm Reich, Lowen e Stolkiner, afinadas as propostas de prática educativa de inspiração reichiana de pesquisadores brasileiros, através, principalmente, de Pagan e Bacri.

Partiu-se de uma inquietação pessoal com a educação tradicional, ao longo de um trabalho desenvolvido junto ao Coletivo Reconsidere, que possibilitou a experiência e o contato com práticas educativas contra-hegemônicas, no desenvolvimento da web-série chamada “O que eles têm para nos dizer?”, em que as questões emocionais eram trabalhadas de maneiras outras. A série busca, por meio do olhar de crianças em 12 projetos com esse cunho ideológico, em 6 países da América Latina, escutar a experiência viva no desenvolvimento delas. A voz dessas crianças, de suas experiências, me possibilitou a curiosidade de trabalho com as emoções na escola, de maneira distinta.

Além da web-série, foram feitos cine-debates, palestras e dinâmicas em escolas nas quais havia, por parte dos professores, queixas de comportamentos “inadequados” por parte dos alunos, dificuldade de os professores lidarem com o choro, ou um comportamento agressivo, ou uma carência excessiva. Essas questões fazem parte do cotidiano do chão da escola e mobilizam o corpo dos educadores a buscar profissionais técnicos que administrem tais problemáticas. O intuito desse trabalho foi possibilitar uma base teórica para uma prática sobre as questões emocionais, como forma de diminuir o estresse relacionado a tais expressões.

Apesar do crescente número de pesquisas voltadas para o estudo do corpo na educação, ao fazermos um levantamento bibliográfico, pudemos nos deparar com um número ainda reduzido desses estudos. Assim, como atesta Bacri (2005):

…pouco se tem olhado para o corpo da criança no espaço de sala de aula e, menos atenção, ainda, aos efeitos que as relações pedagógicas têm sobre o corpo de nossos alunos. 119

Dessa forma, acreditamos que tal discussão sobre o tema seja relevante no sentido de contribuir para o avanço dos estudos sobre o corpo na educação, auxiliando uma atuação pedagógica no sentido de prevenir os traumas corporais e os bloqueios do fluxo de carga bioenergética pulsional, como apontados por Reich (1983).

Há diversos tipos de linguagem na sociedade humana, e a emoção é uma delas. Preocupamo-nos em destacar a importância de um olhar pedagógico sobre o corpo para tal questão, na busca por uma formação atenta à forma como as emoções se expressam no corpo do educando.

Percebemos com a pesquisa que é através da cronificação emocional e corporal que o indivíduo se afasta não somente do seu cerne pulsional, de seus desejos mais profundos, como também do outro e da realidade em si. É no processo de afastamento de seu cerne, de seus impulsos corporais, no qual o social coopera nessa função, que ocorre uma divisão entre o ser e o mundo, a realidade. É na perda de contato consigo que opera a alienação da realidade. É, segundo Reich (1988), o afastamento do cerne que coopera para uma atitude emocional básica do indivíduo oprimido, o fascismo.

Em seus estudos, Reich (1988) constata ser a cronificação corporal e emocional básica da neurose, impeditiva do livre fluxo, que leva o caráter humano a converter os impulsos naturalmente sociais do homem, em impulsos perversos e sádicos.

É esta infeliz estruturação que é responsável pelo fato de que qualquer impulso natural, social ou libidinoso, proveniente do cerne biológico, seja forçado a atravessar o nível das pulsões secundárias perversas, que o distorcem, sempre que pretenda passar à ação. Esta distorção BACRI, A. P. R. Influência dos bloqueios corporais na educação – Tese de Doutorado,

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transforma a natureza originalmente social dos impulsos naturais em perversidade; deste modo, leva à inibição de todas as manifestações autênticas da vida. 120

O combate às atitudes fascistas e antivida são, para Reich (1988), funções da sociedade na educação das crianças, sob a forma de prevenção. Se uma criança pode ter a possibilidade da expressão livre do fluxo bioenergético no percurso de sua educação, logo fica mais difícil uma atitude cronificada de caráter perverso e sádico, que leva a atitudes fascistas. Da mesma forma, a situação oposta, em que se combatem tais expressões com mais repressão, apresentaria suas defesas caracteriais justificadas, e sob a forma de atitudes mecânicas e antivida, estruturadas também na relação professor-aluno.

Foi nas conclusões desenvolvidas que nos pautamos para um estudo, ainda novo, da possibilidade de desenvolvimento de um trabalho pedagógico que leve a uma relação mais arraigada com o cerne e suas emoções, na busca de um trabalho que corrobore para uma profilaxia de atitudes antivida. Essas atitudes fundamentam-se na relação do professor-aluno, assim como no acolhimento e na responsabilidade de toda uma instituição e uma sociedade que também forneça um acolhimento para o facilitador nesse importante trabalho em nossa sociedade.

Nesses levantamentos teóricos e nos trabalhos de análise técnica dos fenômenos pesquisados no trabalho de Reich, encontramos autores e profissionais que buscam minimizar os efeitos da repressão pulsional no corpo do aluno. Com um suporte prático no desenvolvimento de suas pesquisas, pudemos perceber o esforço de conjugar a teoria com formas metodológicas que vão em direção a um suporte básico para um trabalho sobre as emoções na educação.

REICH, W. (1942-1988). Psicologia de Massas do Fascismo. São Paulo: Martins Fontes. p. XVI.

REFERÊNCIAS

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PAGAN, Maria de Fatima Ferreira Perez Bonjuani. O holding suficiente: praticas

corporais facilitadoras no cotidiano do educador. 2003. 90f. Dissertação

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WEIGAND, Odila. Grounding na análise bioenergética: Uma proposta de atualização. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo/SP, 2005.