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CAPÍTULO 3 – POSSÍVEIS PRÁTICAS DE FLEXIBILIZAÇÃO DO

I. O corpo escolar e o suporte emocional

Na vivência diária, é possível observar uma espécie de simbiose entre a corporalidade do professor e a de seus alunos. Tal efeito simbiótico se expressa no convívio escolar por meio de uma ressonância de atitudes e compromissos entre estes dois sujeitos da educação. 100

Existe um campo simbólico na sociedade, assim como na escola, que transpassa os contratos verbais. Existem comunicações feitas socialmente que passam por questões corporais também, através de atitudes, gestos, tom de voz, postura e tantas outras expressões, como procuramos cartografar no segundo capítulo deste trabalho. O campo dos estudos do corpo é ainda muito novo e amplo. É sabido que os padrões comportamentais dentro do ambiente escolar colaboram para a formação do sujeito e seu lugar social. Além do currículo, das grades e dos conhecimentos cognitivos adquiridos, existem certos tipos de funcionamento emocional também apreendidos no processo de escolarização. Esses padrões são repetidos e estereotipados a cada ambiente escolar, moldando ainda o funcionamento de um corpo escolar, dos funcionários, dos estudantes e dos pais. Assim delineia Bacri (2005):

O professor comunica-se com seu aluno não somente por intermédio da fala e da expressão oral. Eles se comunicam e se compreendem, também, através do conhecimento que um tem das reações corporais do outro frente às situações de sala de aula. A relação professor-aluno não se mostra, desta forma, pautada somente por colocações verbalizadas, sejam através das regras estabelecidas no regimento escolar, ou através do diálogo existente no interior da sala de aula entre os integrantes desse espaço. Ela se constrói, sobretudo, a partir das mensagens veladas que, não verbalizadas, e que aparecem nos gestos, olhares, posturas e atitudes do professor e do aluno, em um sistema de mútua influência. 101

Há uma certa tradição inerente aos funcionamentos sociais que cerceiam a ação do indivíduo, que se afasta de seu cerne e que a linguagem verbal não dá conta. Reich (1987) aponta que “o caráter humano reproduz em massa a ideologia

sócial [...] reproduzindo a negação da vida inerente à ideologia social, as pessoas

BACRI, A. P. R. Influência dos bloqueios corporais na educação – Tese de Doutorado,

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Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2005. p. 15. Ibid, op. cit. p. 15.

causam a sua própria supressão”. Esse tipo de funcionamento, caracterizado pelo 102 autor como misticismo, ou pensamento místico, ou seja, as formas e os padrões 103 sociais que são antivida, pautados em tradições e não em verdades científicas, se torna em grande escala fonte de uma peste social, que aceita passivamente governos autoritários, os quais ditam como e devem regular sua energia biopsíquica.

O facilitador, ou o educador, no processo de escolarização, precisa estar genuinamente implicado na dimensão do processo educativo e as suas implicações sociais. Tais posturas marcam a história do indivíduo e sua vida social. Um indivíduo arraigado nos seus processos pulsionais busca a defesa de seus direitos de liberdade de forma adequada socialmente (nesse caso, a adequação está ligada a processos não neurotizados), por sua vez transformando a sociedade mais integrada e menos dicotômica, dentro do possível. O papel da escola é de grande importância, visto que despende grande parte da vida dos indivíduos em sua formação.

A postura do educador, que compreende a importância dos processos emocionais para a aprendizagem e para a vida social, passa a ser mais enraizada em seu suporte emocional. Do mesmo modo, a instituição também deve dar um suporte profissional adequado aos educadores, fornecendo ferramentas para que eles possam se reestruturar e assim fornecer suporte aos educandos. Segundo Pagan (2003):

Não podemos esperar que uma professora depressiva, por exemplo, tenha bom contato com as crianças que estão sob a sua responsabilidade, ou com suas colegas de trabalho ou ainda a direção da instituição à qual está submetida. Ela está precisando de um “holding” adequado, de um suporte para que possa novamente se reorganizar. 104

A simbologia implicada e as formas sutis de relação professor-aluno deveriam ser resguardadas socialmente, devido à importante constituição que elas representam tanto para o sujeito, como para toda a sociedade. Situações externas, socioeconômicas, ambientais prejudicam tal trabalho, e compreendemos a

REICH, W. A Função do Orgasmo: problemas econômicos-sexuais da energia biológica.

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Tradução Maria da Glória Novak. 13. ed. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987. p. 164.

REICH, W. (1942-1988). Psicologia de Massa do Fascismo. São Paulo: Martins Fontes. p. 32

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PAGAN, Maria de Fatima Ferreira Perez Bonjuani. O holding suficiente: práticas corporais

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facilitadoras no cotidiano do educador. 2003. 90f. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual

importância dessas variáveis para a prática educativa e o estresse que as contingências acarretam para a carreira tão importante na nossa sociedade. Lamentamos o crescente número de adoecimento biopsicossocial do corpo escolar nos dias de hoje; esperamos que novos tempos possam vir e que tal prática seja valorizada da forma adequada.

A formação caracterial na infância, momento delicado e vulnerável, juntamente com os padrões sociais e escolares tendem a formar um sujeito que se afaste cada vez mais de seu cerne e suas pulsões instintivas, emocionais. Quando estamos frente a situações estrutural e ontologicamente contituídas, de forte intensidade emocional, tendemos a recorrer a reações primitivas de defesa. Como abordado no Capítulo 2, cerramos os olhos e trancamos a respiração, como ocorre em situações de perigo externo. Apesar de não vivermos numa savana, na qual leões representem ameaça a nossa vida, ainda assim, carregamos essas características de defesa. Quando tomamos um susto, por exemplo, há tendência a diminuir esse campo energético pulsional, o que Stolkiner (2008) descreve como anorgonia, que ocorre sob forte contração dos músculos diafragmático e abdominal.

Há, apesar das múltiplas facetas caracteriais, um ponto comum e importante a esses funcionamentos neurotizados, que afastam o sujeito de seu cerne. Uma das principais características que permeia os funcionamentos é a paralisação da respiração frente a situações emocionalmente intensas (Reich, 1987), tornando-se, assim, a principal prática que o educador pode estabelecer para flexibilizar tal funcionamento estereotipado, Isso traz ao sujeito formas diversas de defesa, descristalizando o seu caráter de apenas uma forma. Ao reestabelecer uma respiração profunda e suave, passada a situação de ameaça, tornamo-nos mais arraigados à realidade e tendemos a ter maior gama de instrumentos para lidar com as diferentes situações da vida, de forma comprometida com o cerne e seus impulsos, e não afastada dele.