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CAPÍTULO 3 – POSSÍVEIS PRÁTICAS DE FLEXIBILIZAÇÃO DO

III. A incorporação e as emoções

Um dos termômetros para a observação da situação bioenergética da criança é observar como ela incorpora o mundo. Como visto no Capítulo 2, sobre os órgãos relacionados à incorporação (segmento ocular e oral), o olhar da criança também pode ser um indicador da sua expressão emocional. Os olhos de uma criança, quando são brilhantes e vívidos, indicam uma boa qualidade da metabolização do organismo, dos alimentos (informação, nutrição e ar), de apreensão da realidade externa. A presença de olheiras, ou de vermilhidão, também aponta a perturbação de certos aspectos emocionais do indivíduo. Atentaremos especificamente para esse ponto da qualidade do olhar. Podemos notar olhos tristes enquanto a pessoa ri, sugerindo uma dissociação de atitudes relacionadas a esse segmento. A mobilização ocular nos indica ainda que emoções estão sendo inibidas através de um olhar raivoso ou um olhar triste. Segundo Bacri (2005):

Uma pessoa que tenha um bloqueio no segmento ocular apresenta muita dificuldade em fazer e manter o contato visual com o outro, evita olhar nos olhos, não consegue arregalar os olhos, ou estes são sobressaltados. Afinal, caso não estabeleça o contato visual com o meio externo, evitando fitar nos olhos daqueles que lhe são caros (pais, professores), a criança não correrá o risco de perceber, neste contato, a possível rejeição, a falta de amor, o desprezo, com os quais teve contato muito precocemente, e não tem estrutura emocional para gerenciar isto de forma saudável. 110

BACRI, A. P. R. Influência dos bloqueios corporais na educação – Tese de Doutorado,

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Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2005. p. 72.

Autorregulação é um termo reichiano, sobre a capacidade que um organismo têm de 109

alternar entre estados de tensão e relaxamento, parassimpaticotonia e simpaticotonia. BACRI, A. P. R. Influência dos bloqueios corporais na educação –Tese de Doutorado,

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Os olhos são os primeiros órgãos de contato com o mundo e, em consequência, um dos primeiros a serem prejudicados em seu desenvolvimento (Baker, 1980). Se, ao nascermos, somos aceitos e acolhidos pelos facilitadores que nos trouxeram ao mundo, não rejeitamos ou nos esquivamos do olhar do outro; é como se a memória ocular pudesse, de forma suave, de fato buscar ou não informações no mundo sem o medo de sermos rejeitados, de esbarrarmos com um olhar raivoso ou angustiado.

Um dos exercícios sugeridos por Pagan (2003), para mobilização da área e consequente flexibilização da couraça muscular, é feito da seguinte forma:

É trabalhado a todo tempo, mesmo quando o objeto é outro exercício. Pois os olhos são o grande referencial para o educador, discriminando a emoção de seu sujeito e seu estado de conexão com a realidade. Portanto, durante qualquer trabalho é solicitado para que a pessoa foque o olhar do facilitador para receber uma confirmação de contato com a realidade. Às vezes, quando começamos a perceber a desconexão, é necessário pedir para que fechem os olhos bem forte e voltem a abrir dirigindo o olhar para um foco específico. Geralmente, o educador deve pedir para que o sujeito olhe para seus olhos. Trabalhar o contato ocular direcionando para um foco específico traz mais tônus para a musculatura dos olhos, consequentemente, mobiliza um exercício vivenciado nos primeiros dias de vida: a acomodação dos estímulos e mensagens visuais. 111

Portanto, em quase todos os exercícios, o segmento ocular também é mobilizado. Quando sugerir ao educando que respire, é preciso estar em contato, olhar e ver o que surge, qual emoção está sendo expressa. E que o educador ou facilitador possa ainda acolher essa expressão e assim estabelecer um contato do educando com suas emoções.

Outra forma de incorporação do mundo está mais ligada ao segmento oral e ao tubo digestivo. É importante que o facilitador, quando estiver observando a leitura corporal do indivíduo, identifique suas perturbações. Perceber aspectos da musculatura envolvida no processo de mastigação, se o queixo da criança é muito projetado para a frente ou para trás, indica como ocorreu, na história pregressa da pessoa, o processo de amamentação, da mesma forma que o modo como se alimenta, apresentando uma possível compulsão alimentar. O tubo digestivo e a forma com que ele se estabelece no mundo estão ligados a situações de abandono repentino e de que maneira a criança vê as situações de separação do outro. Pagan

PAGAN, Maria de Fatima Ferreira Perez Bonjuani. O holding suficiente: práticas corporais

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facilitadoras no cotidiano do educador. 2003. 90f. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual

(2003) sugere a seguinte leitura corporal do indivíduo, através de um exemplo comumente encontrado no chão da escola:

Por exemplo, uma situação comum no portão da escola no início das aulas, as crianças chorando por estarem vivendo uma experiência desconhecida. É interessante perceber que as crianças expressam através do choro seu medo – pavor, sua agressividade –, raiva, sua ansiedade de perda – dor; mas algumas crianças ficam passivas e desenvolvem sintomas físicos do tipo: dores abdominais, diarreeia ou vômitos. Um professor atento, que realmente está presente no contato com seu aluno, poderá perceber que esta criança que desenvolveu o sintoma no corpo está tão em pânico quanto a que berra, se não mais. Podemos perceber pelo olhar, pela temperatura da pele e sua coloração e com certeza dar o suporte adequado. 112

Tais situações, de perturbações do tubo digestivo, estão, segundo a autora, ligadas ao fato de como vivenciou o processo de amamentação no primeiro ano de vida. Elas podem evocar os conteúdos regredidos e ativar um situação de estresse intenso para a criança. Da mesma forma que é interessante observar tal situação, também é importante que o educador forneça o suporte suficiente a tais indivíduos.

Pode ser que durante essas ocorrências o indivíduo se encourace, por exemplo, e apresente os músculos da face paralisados, sugerindo a contenção de emoções. Para tal flexibilização, a autora sugere alguns exercícios destinados à mobilização da área e possível retomada de movimentação e expressão emocional.

A abertura da mandíbula, com cerca de três dedos de distância entre a dentição superior e a inferior, juntamente com a respiração profunda, pode evocar emoções de raiva, segundo os estudos de caso, sendo importante que o facilitador acolha tais emoções. Podem surgir ainda com esse exercício reações simpaticotônicas, com náuseas, ou reflexos para morder. No caso da náusea é aconselhado que o indivíduo faça o reflexo de vômito, a fim de liberar a musculatura diafragmática, gerando, assim, reações parassimpaticotônicas de relaxamento do organismo. Já no caso do impulso de morder é utilizada uma toalha torcida para o indivíduo morder, que também ajuda no relaxamento dos músculos da garganta. Segundo Pagan (2003), tais exercícios propostos, de acordo com estudos de caso, fazem emergir algumas emoções como tristeza e raiva, da seguinte maneira:

PAGAN, Maria de Fatima Ferreira Perez Bonjuani. O holding suficiente: práticas corporais

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facilitadoras no cotidiano do educador. 2003. 90f. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual

Quando esse trabalho é proposto, é necessário orientar o sujeito a tencionar o máximo que puder a musculatura da face. Pois desencadeado pelo controle externo, fica mais seguro para a pessoa lidar com esta situação. A mandíbula guarda o choro. Portanto, é comum que, a partir desse exercício, o sujeito desencadeie a chorar: o facilitador estará lá para qualificar a experiência, dando o “holding” necessário à raiva e à dor expressas de forma genuína. 113