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CAPÍTULO 2 – CARTOGRAFIAS DO ENCOURAÇAMENTO EMOCIONAL

I.VII. Segmento Pélvico

"Mas eu não estou interessado Em nenhuma teoria Em nenhuma fantasia Nem no algo mais Longe o profeta do terror Que a laranja mecânica anuncia Amar e mudar as coisas Me interessa mais”

Belchior

O segmento pélvico, assim como os segmentos cervical e diafragmático, representa um limite entre o indivíduo e o mundo. É no diafragma pélvico que se encontram os órgãos reprodutores e excretores, de qualidade fixa, bem como as

STOLKINER, Jorge. Abrindo-se aos mistérios do corpo: seminários de Orgonomia. Porto Alegre:

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pernas, de qualidade móvel. Diferente da cavidade craniana, na qual a principal função é de entrada, através dos olhos, da boca, do nariz e dos ouvidos, a função do segmento pélvico é a de saída.

Há em Stolkiner (2008) uma ligação entre as cavidades cranianas e abdominopélvico que, segundo o autor, formam um par funcional. A entrada dos 88 ditos alimentos (informação, matéria e ar) é realizada pela cavidade craniana; o fluxo de energia pulsional criada com essa entrada segue seu curso através do corpo, passando pela parte dianteira, até chegar à pélvis. Nem toda energia é utilizada por esse segmento, e então acontece um movimento ascendente, pela parte posterior do corpo.

Como nem toda energia que chega à pélvis é utilizada, além da que já foi sendo consumida no caminho, em diferentes funções, parte da energia retorna ao corpo humano, num movimento contrário de subida, em direção à cabeça, pela parte posterior do corpo. Dessa forma, se estabelece um movimento circular: da cabeça à pélvis, em movimento descendente pela frente; e subindo em direção à cabeça, pela parte posterior. 89

Para o entendimento da função desse segmento, é interessante entendermos a função através de seu par funcional e a relação desse par com os outros segmentos. Como ja foi visto anteriormente no Capítulo 2, a relação entre fluxo e pulsação está ligada a esses segmentos da seguinte forma: a cabeça e a pélvis estabelecem um fluxo, de contato com o mundo, enquanto o centro, onde se encontram os órgãos pulsáteis, estabelece uma pulsação. Forma-se, portanto, uma relação entre centro e periferia, na qual a cabeça e a pélvis determinam a função de periferia, contato com o mundo, enquanto o peito determina a função de centro. Ou

STOLKINER, Jorge. Abrindo-se aos mistérios do corpo: seminários de Orgonomia. Porto Alegre:

88

Alcance, 2008. p. 285. Ibid, op. cit. p. 286.

89

DIAGRAMA 5 – PAR FUNCIONAL FONTE : STOLKINER (2008) . P. 293.

seja, a forma como pulsa o centro e a relação do fluxo da periferia daria um tom de expressão emocional do indivíduo no mundo.

Esse par funcional, de acordo com Stolkiner (2008), está relacionado ao segmento pélvico, com a função de motilidade da expressão emocional, ou seja, a expressão de um centro, através da periferia. Se, de um lado, a cabeça incorpora informações, de outro, a pelve as coloca em ação no mundo. Segundo o autor, “movemo-nos com as pernas e nos deslocamos com o próprio corpo; no eixo

anteroposterior, é onde se encontram principalmente a saída: uma saída para frente e uma para trás, muito diferentes”. 90

A função, do que o autor chama de genitalidade, ou grouding, se 91 relaciona por meio do contato com a realidade, a terra e a capacidade de movimento desse indivíduo na realidade. As pernas, parte dessa expressão, são como raízes móveis, e “o ser humano está enraizado em seu caminho”, com a forma que 92 caminha.

Caminhando para frente, olhamos em direção para onde vamos, olhamos para o futuro, para o que está adiante do caminho de agora; para trás, olhamos para o passado, deixamos para trás o caminho de até agora. Olhando da frente para trás, encontramos os genitais, as pernas e o ânus ocupando três níveis (futuro, presente e passado), por isso o triângulo também é uma das maneiras de representar o centro. 93

Há em cada indivíduo, de diferentes encouraçamentos, um quantum energético que chega nesse segmento, e esse quantum nos mostra tanto o contato com a realidade, quanto a capacidade de movimento, de criação. O segmento pélvico seria o último estágio de desenvolvimento, quando a carga pulsional chega aos genitais e as pernas, e exprime a forma como nos relacionamos com o mundo.

Há na obra de Reich um largo estudo sobre esse princípio. Um dos principais livros do autor, A função do orgasmo (1987), aborda a preocupação do autor no estabelecimento da genitalidade no ser humano médio. De acordo com Stolkiner (2008), há, na obra de Reich, o que chama de primeira adolescência, que ocorre aos quatro anos, um segundo pico de descida desse quantum energético

STOLKINER, Jorge. Abrindo-se aos mistérios do corpo: seminários de Orgonomia. Porto Alegre:

90

Alcance, 2008. p. 293.

Em tradução livre: aterramento, ou enraizamento.

91

Ibid, op. cit. p. 292.

92

Ibid, op. cit. p. 293.

pulsional aos genitais, na puberdade e entrada na adolescência. Porém há um terceiro e importante ponto, que é o estabelecimento da genitalidade e completa maturação; ele ocorre na passagem da adolescência para a vida adulta.

A tríade responsável por esse segmento está em grande parte das obras de Reich com epígrafe: Amor, Trabalho e Conhecimento são as fontes de nossas

vidas, deviam também governá-las. Quando o autor discorre sobre esses três

pontos, que são as fontes relacionais com o mundo do indivíduo adulto, ele representa o possível termômetro de uma expressão encouraçada e de uma expressão genital, relacionadas ao dito segmento, ou seja, a forma como o indivíduo se relaciona amorosamente, como trabalha e como adquire conhecimento. De acordo com Stolkiner (2008), “Quase todos os problemas e processos neuróticos

que encontramos são variantes da falha do estabelecimento do genital pleno”. 94 A percepção do equilíbrio ou desequilíbrio dessa tríade na adolescência, o modo como o educando se relaciona com essas expressões vitais, num estágio tão vulnerável de desenvolvimento na nossa sociedade, pode contribuir para um estabelecimento mais arraigado com o centro, cerne pulsional desse indivíduo.

Após compreender como se dá de maneira mais profunda o processo de encouraçamento na infância, trataremos agora de pensar possíveis práticas para a educação que contribuam para maior flexibilização dessas formações. Isso a partir de um levantamento bibliográfico dos últimos dez anos, de autores brasileiros que conjugaram em seus trabalhos a educação e a prática de inspiração reichiana para as emoções na sala de aula.

STOLKINER, Jorge. Abrindo-se aos mistérios do corpo: seminários de Orgonomia. Porto Alegre:

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