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Nas fronteiras entre o rural e o urbano: refletindo a juventude feminina do assentamento do Vale do Lírio/RN

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Academic year: 2021

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AS FRONTEIRAS ENTRE O RURAL E O URBANO

:

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EFLETINDO A JUVENTUDE FEMININA RURAL DO

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SSENTAMENTO

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ALE DO

L

ÍRIO

/RN

Monografia apresentada ao curso de graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como requisito para a conclusão do curso e obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais.

Orientadora: Profa. Dra. Elisete Schwade

NATAL,RN

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UNHA

NAS FRONTEIRAS ENTRE O RURAL E O URBANO:

REFLETINDO A JUVENTUDE FEMININA RURAL DO ASSENTAMENTO VALE DO LÍRIO/RN

Aprovada em: __ / __ /____

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

Profa. Dra. Elisete Schwade (Orientadora – UFRN)

___________________________________________

Profa. Dra. Irene Alves de Paiva (UFRN)

___________________________________________

Me. Francisco Cleiton Vieira Silva do Rego (Membro externo)

NATAL,RN

(4)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA Cunha, José Maycon da Silva.

Nas fronteiras entre o rural e o urbano: refletindo a

juventude feminina do assentamento do Vale do Lírio / José Maycon da Silva Cunha. - 2017.

66f.: il.

Monografia (graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Graduação em Ciências Sociais, 2017.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Elisete Schwade.

1. Assentamentos humanos - juventude feminina. 2. Rural-Urbano. 3. Mulheres. 4. Projetos de vida. 5. Resistência. I. Schwade, Elisete. II. Título.

(5)

À Josélia, minha querida mãe por me nutrir, mesmo que à distância, com sua fé nordestina.

(6)

A

GRADECIMENTOS

Cada um de nós é vários, sugeriram Deleuze e Guattari no início de seus Platôs. Acreditando nisso, não posso tomar para mim a autoria solitária deste trabalho. Por isso, de início, os agradecimentos é a forma de revelar as múltiplas facetas e mãos que cooperaram na criação e produção dessa criatura bisonha chamada monografia. O clichê que temos é a forma de dizer “obrigado!” aos visíveis e aos invisíveis que estiveram presentes neste longo percurso.

À família, que de muitos e muitas me apoiam o quanto podem. Distantes, asseiam para que meus sonhos se realizem. À minha mãe Josélia que desde a batalha das primeiras horas do dia não sossega em busca do sucesso dos filhos, e de quem recebi o presente de ser a inspiração. Aos meus irmãos e irmãs dissipados pelos ventos. À minha querida avó materna Ester, com quem possuo combinação de alma, agradeço pelas viagens no tempo.

À minha querida orientadora, a professora Dra. Elisete Schwade, por sua paciência e carinho durante todo o período em que nos conhecemos, desde o início da minha graduação, devo salientar. Pelos muitos conselhos e orientações, por ter me ofertado ter experiências antropológicas dignas dos pioneiros, além de me possibilitar conhecer uma grande profissional a quem tenho o máximo de carinho e respeito, obrigado!

Ao CNPq que graças ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), entre os períodos de 2013-2014 e 2015-2016, possibilitou o financiamento de pesquisas em assentamentos rurais as quais participei e que sem elas essa pesquisa não seria viável.

À Pró-reitoria de Assistência Estudantil da UFRN, cuja bolsa-residência, mesmo que precariamente, possibilitou sem sombra de dúvida a minha permanência na Universidade.

A todos e todas que acabam por formar o grupo de pesquisa Gênero, Corpo e Sexualidade, e contribuíram com muitas discussões e inquietações. Obrigado pelas tarde regadas a café e desconstruções.

À Socorro Ribeiro por sua linda amizade e sabedoria, sem a qual eu já teria voado pelos céus idealistas e pousado em alguma terra longínqua. Sua serenidade diante dos problemas me conforta.

À Hayanne Barbosa, por sua amizade paradoxal que, entre muitas discussões, acompanhou todo o processo deste trabalho, além de ter um peso fundamental em minhas

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elucubrações aéreas, como também, sem sua participação e contribuições neste trabalho, sem sombra de dúvida, não seria possível. Para que todos saibam: acreditamos em utopias!

Ao Daniel Bento por sua calma libriana e ao Diêgo Dantas por tornar a vida mais leve, bitchzinhas! Ao Francisco Cleiton, por me fazer acreditar que o mundo acadêmico ainda tem salvação (será que precisa?) e a quem devoto um imenso carinho. Ao Arthur Leonardo, por sermos loucos afinal. Aos amigos de uma vida, Roque Chianca, Daniel Simeão, Raphaella Calixta e Diana Brito, às últimas em especial tornaram minhas tardes mais felizes com certeza!

Aos amigos e amigas que fiz durante todo esse percurso. O trem mesmo partindo às onze, estará sempre em movimento. Existe muito trilho pela frente.

A todas/os as/os moradoras/es do assentamento Vale do Lírio – São José do Mipibu/RN, que tão afetuosamente receberam os grupos de estudantes que se dedicam a pesquisa e a prática de extensão universitária no assentamento. Agradeço, especialmente, às jovens que me auxiliaram na construção desta pesquisa. À Gilmara, que condensa a força da juventude e da mulher rural, e por quem tenho carinho.

(8)

[...]

Das sete filhas vendo seis Cinco pro canavial

Uma é pro bordel, a outra é social Mulher na roça não tem vez Pula quiçó maguari

[...]

(9)

R

ESUMO

A partir de questionamentos sobre a circulação das jovens moças residentes do assentamento rural Vale do Lírio no município de São José do Mipibu/RN com as zonas urbanas circundantes à comunidade, buscou-se investigar as formas nas quais a juventude feminina estabelece constantes fluxos e deslocamentos entre o rural e o urbano, construindo cotidianamente alternativas possíveis de resistências e produção de meios que efetivem os projetos de vida. Com uma metodologia etnográfica, observaram-se as interlocuções de jovens residentes do assentamento com espaços urbanos; destacando as redes de sociabilidades construídas e situando as distinções de gênero no tangente ao contato com o meio citadino. Demonstram-se, com isso, como as mulheres jovens circulam e constroem estratégias para alcançar seus projetos de vida, lidando, ainda, com conflitos e relações de poder que informam posições requeridas dentro da comunidade local. Problematizou-se a construção de identidades e suas representações coletivas, em concomitância com estabilização do contexto rural-urbano, além de apresentar a possibilidade de uma análise cotidiana da juventude rural. A articulação com movimentos sociais e segmentos religiosos são instrumentos possíveis de contato com as diferentes urbanidades, além de desaguar num fluxo global de informação e contato com novas realidades, fundamentais para a formação subjetiva dos sujeitos, principalmente, da juventude feminina imersa na luta diária de inserção nas atividades rurais locais e de produção de planos para a vida.

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A

BSTRACT

Based on questions about the circulation of the young girls living in the rural settlement Vale do Lírio in the county of São José do Mipibu / RN, with the urban areas surrounding the community, we sought to investigate the ways in which female youth establishes constant flows and displacements between the rural and the urban, building daily possible alternatives of resistance and production of means that effect the life projects. From an ethnographic methodology, there were observed the interlocutions of young residents of the settlement with urban spaces; highlighting the sociability networks built and situating the distinctions of gender in the tangent to contact with the city environment. It demonstrates, therefore, how young women circulate and construct strategies to achieve their life projects, Strategies to achieve their life projects, still dealing with conflicts and power relations that inform required positions within the local community. The construction of identities and their collective representations has been problematic, concomitantly with the stabilization of the rural-urban context, besides presenting the possibility of a daily analysis of the rural youth. The articulation with social movements and religious segments are possible instruments of contact with the different urbanities, as well as pouring into a global flow of information and contact with new realities, as well as pouring into a global flow of information and contact with new realities, fundamental for the subjective formation of the subjects, especially, the feminine youth immersed in the daily struggle to insert into local rural activities and to produce plans for life.

(11)

L

ISTA DE

I

MAGENS

Imagem 1 - Quadro de mapas. Relação do assentamento rural Vale do Lírio, São José do Mipibu/RN [de cima para baixo] i) à região Nordeste do Brasil, ii) ao Estado do Rio Grande do Norte, e iii) à região metropolitana de Natal/RN. Fonte: goo.gl/nwvbBS... 18 Imagem 2 - Caixa d’água referência da entrada do Assentamento Vale do Lírio - São José do Mipibu/RN. Fonte: José Guilherme Magnani, Ago 2014. ... 20 Imagem 3 – Quadro de mapas 2: acima, temos apresentação do assentamento Vale do Lírio em sua extensão territorial com as divisões i) agrovila de moradores e ii) lotes de produção individuais; abaixo, a disposição dos principais locais referenciados dentro do assentamento, sendo i)acesso da RN 316, ii)quitanda da família da Gilmara, iii) Caixa d’água, iv) Igreja Adventista do Sétimo Dia, v) Igreja Assembleia de Deus, vi) capela Católica de Nsa. das Vitórias, vii) horta coletiva organizada pelos jovens, viii) posto de saúde, ix) pracinha local, x) campo de futebol improvisado, e xi) início da área do lotes de produção. Fonte: goo.gl/nwvbBS. ... 44 Imagem 4 – Horta coletiva dos jovens elaborada no terreno ao lado da igreja de Nsa. Sra. Das Vitórias. Fonte: Hayanne Barbosa, Dez. 2015. ... 48

(12)

S

UMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

CAPÍTULO 1-RURALIDADES E JUVENTUDES: O QUE HABITA NAS FRONTEIRAS? ... 17

1.1 OLÍRIO À BEIRA DA ESTRADA ... 17

1.2ENTRE O RURAL E O URBANO ... 23

1.3O QUE É A JUVENTUDE? ... 28

1.4ELICIAÇÃO DE UM GRUPO JOVEM ... 32

CAPÍTULO 2-A DINÂMICA LOCAL ... 37

2.1O GLOBAL NO CAMPO DE LÍRIOS ... 38

2.2RELIGIÃO E POLÍTICA EM AÇÕES LOCAIS ... 42

2.2.1 Segmento evangélico: adventista e assembleiano ... 43

2.2.2 Segmento católico ... 47

CAPÍTULO 3–AS JOVENS MULHERES DO VALE DO LÍRIO ... 51

3.1CONEXÕES DO FEMININO, OU SIMPLESMENTE UMA QUESTÃO DE AGÊNCIA. ... 51

3.1.1 Uma anedota para o feminino ... 57

3.2UM BREVE COMENTÁRIO SOBRE CORPOS QUE CIRCULAM ... 57

À GUISA DE CONCLUSÕES ... 60

EPÍLOGO -UM CAUSO NOS BASTIDORES DA PESQUISA ... 62

(13)

I

NTRODUÇÃO

Este trabalho destina-se a pensar as interações e as confluências do que pode ser denominada a multifacetada realidade dos assentamentos rurais. Encrustados, muitas das vezes, nos entremeios do campo e da cidade, os assentamentos rurais são entidades acinzentadas elaboradas enquanto unidades de produção agrícolas (BERGAMASSO, 1996). Os assentamentos rurais são formações complexas passíveis de serem estudadas sob a óptica de uma heterogeneidade do social à la Gabriel Tarde (2007), os quais possuem em suas origens não mais as barreiras separatistas do que seria o campo e a cidade, as unidades de produção e as unidades de consumo, mas sim, que se unem numa complexidade difícil de decifrar devido a forte interação mútua entre si. Sob a óptica da heterogeneidade, a realidade não produz mais barreiras. As divisões muitas das vezes são embaçadas e abstratas. Postas a baixo pela ação dos próprios moradores dos assentamentos que, com a cidade, estabelecem pontes de interação e produzem laços de novidade e possibilidades do novo.

Desvenda-se uma nova realidade que muitos achavam está afastada do meio urbano, isolada em um longínquo espaço. Percebo os assentamentos como formas tão complexas quanto os meio urbanos, e que com eles estão em constante interação, seja com seus moradores em relações comerciais, na busca dos recursos de saúde, educação, político ou lazer. Os assentamentos rurais podem desafiar aos limites rígidos estabelecidos pelas dicotomias rural/urbano, tradicional/moderno, entre outros, como pude perceber no assentamento Vale do Lírio no munícipio de São José do Mipibu/RN, no qual me aventurei em pesquisas que de alguma forma geraram este trabalho monográfico.

Estabeleci contato com o Assentamento Vale do Lírio em meados Abril de 2014, por via de uma parceria com os grupos Motyrum Rural, um programa de ensino, pesquisa e extensão na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e o PET – Conexões rurais (Programa de Educação Tutorial). Esses grupos possuem caráter interdisciplinar e buscam desenvolver atividades de intervenção em comunidades locais. Meu vínculo foi enquanto bolsista de iniciação científica do CNPq sob a orientação da profa. Dra. Elisete Schwade (Departamento de Antropologia – UFRN), no projeto de pesquisa “Trânsitos e deslocamentos: Assentamentos rurais e imagens do urbano”, no período de 2013-2014, no qual buscamos mapear as relações mantidas pelos assentados com a cidade, refletindo o fluxo e as imagens construídas e ativadas pelos residentes do assentamento Vale do Lírio com a zona urbana

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próxima, ou seja, a relação dos trajetos pessoais dos moradores da comunidade e o imaginário produzido em relação com o meio urbano.

As visitas ao assentamento ocorriam duas vezes por mês, variando as atividades realizadas com os moradores dependendo do cronograma definido pelo grupo Motyrum Rural, bem como minhas visitas acompanhadas de Hayanne Barbosa, minha colega de pesquisa. Aproveitei os momentos de atividades para conversar com os/as moradores/as, sendo que nenhuma conversa foi gravada ou registrada em áudio, pois, mesmo percebendo aceitabilidade por parte dos moradores, ou até mesmo das jovens interlocutoras, preferi apenas conversar descontraidamente com eles/as.

As atividades a que me refiro são basicamente pequenas dinâmicas que incentivavam às discussões sobre a juventude no campo, práticas saudáveis em combate à hipertensão e diabetes, ou até mesmo, conversas e elaboração de propostas para projetos futuros a serem implantados na comunidade com o objetivo de produção de rende local, como o projeto do peixe em disputa pelo grupo jovem. Entre outras atividades realizadas pelos grupos de extensão, como as já citadas acima, realizava-se dinâmicas com os moradores no intuito de resgate histórico, bem como, elaboração de uma gincana entre os jovens da comunidade.

A discussão da relação das/os residentes em assentamentos rurais com espaços urbanos, bem como a consequente construção das imagens do urbano, se constitui um aspecto fundamental para a reflexão acerca de diversas dimensões evidenciadas nas realidades de assentamentos (SCHWADE, 2009). A relação com o urbano está na base dos diálogos estabelecidos com o exterior dos assentamentos. Tal diálogo tem consequências em se tratando da efetivação do consumo, da formação educacional, da militância, da diferenciação de gênero e geração, enfim, como construção de novas identidades sociais (WANDERLEY, 2000). A partir do projeto de pesquisa, pude me direcionar para as observações de trânsitos dos sujeitos dentro e fora do assentamento observado. Pontuando a diferença entre as maneiras de interação (SIMMEL, 2013) que os sujeitos estabeleciam com os meios urbanos

próximos. O meu foco recaiu sobre o segmento jovem por conseguir estabelecer maior afinidade com os rapazes e moças locais, devido ao pertencimento a mesma faixa etária que a maioria deles/as.

O maturamento deste trabalho monográfico deu-se entre 2015-2016, quando participei de outro projeto de pesquisa “Entre contextos rurais e urbanos: gênero, juventude e cotidiano no assentamento Vale do Lírio”, também sob a orientação da profa. Dra. Elisete Schwade. Observamos as interlocuções de jovens residentes do assentamento Vale do Lírio com os espaços urbanos, destacando as redes de sociabilidades (SIMMEL, 2006) construídas e

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destacando uma distinção entre os gêneros no que se referente à organização juvenil. Dei, com isso, continuidade às observações e atividades iniciadas anteriormente no período de 2013-2014. Houve, então, o mapeamento das redes de relações estabelecidas no processo de circulação dos jovens residentes do assentamento para atividades nas cidades próximas e o retorno destes ao referido assentamento, uma vez que, as atividades desenvolvidas pelos jovens são temporárias, possibilitando idas e vindas entre o assentamento e as cidades vizinhas. Na população jovem do assentamento a busca por alternativas exteriores é constante, inclusive naqueles contextos em que o investimento na produção agrícola no assentamento se consolida como alternativa viável. Quando o projeto de assentamento tem êxito, apresenta-se a justificativa da busca do consumo, associado à vida na cidade.

Com isso, este trabalho monográfico justifica-se pela relevância de trabalhos sobre assentamentos rurais, em especial sobre juventude, em virtude da “carência de estudos sobre jovens em outros contextos, um tanto relegados a um segundo plano pelas pesquisas acadêmicas, como a juventude rural” (CASTRO, 2009, p. 209). Trata-se de uma categoria complexa que continua a ser invisibilizada (ibid.) e dessa forma, tornam-se imprescindíveis pesquisas que busquem dar visibilidade ao entendimento deste campo.

O contato direto com as jovens em conversas informais e observação de ações do cotidiano. Estabeleci contato com cerca de oito jovens entre 17 a 26 anos. O contato “prolongado” com a comunidade deu-se em virtude das variadas atividades exercidas na localidade através de projetos de pesquisa e extensão. Dentro de um período de 2 anos (início de 2014 até o final de 2015) com visitas quinzenais, normalmente realizadas aos sábados à tarde, em virtude dos horários de disponibilidade dos estudantes de extensão e do organograma dos projetos realizados; e, como eu acompanhava o grupo em atividade, acabei por seguir também o calendário de idas à comunidade.

A partir dessas visitas periódicas e observações pontuais de reuniões e visitas a alguns moradores, pude registrar em meus diários de campo, as principais atividades e ações realizadas pela juventude local, em específico, as mulheres jovens. Juntei pequenas informações de muitos das/os moradoras/es sobre o cotidiano da comunidade, mesclando com assertivas das principais jovens as quais mantive contato. A partir de muitas conversas nas varandas das casas, outras à sombra do cajueiro solitário no centro da comunidade, não posso esquecer-me dos momentos regados a suco de mandioca, que tão deliciosamente as senhoras do Vale do Lírio sabem fazer; que, inclusive, me ensinaram a preparar.

O recorte realizado tendo as jovens moradoras do assentamento deve-se, predominantemente, pelo maior contato que estabeleci com elas, em virtude, das moças serem

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o maior quórum em atividades realizadas na comunidade. A quantidade reduzida de rapazes deve-se, como descobri posteriormente, devido a eles estarem trabalhando fora ou dentro do assentamento nos horários em que chegávamos ao assentamento para iniciar as atividades de pesquisa e extensão. Dentro dessas “limitações”, bem como, desde a pesquisa no período de 2015-2016, percebi que havia diferenças significativas nas formas que as moças e os rapazes da comunidade se relacionavam com o urbano. O gênero, então, apresenta-se como fator diferenciador de circulação dos sujeitos jovens entre os espaços (SCHWADE, 2009).

Para preservar o anonimato das jovens, seus nomes originais serão trocados por letras, em especial, por letras do alfabeto espanhol, pois são sempre femininas aos olhos desse idioma. A única jovem que aparecerá nominalmente será Gilmara, por ter me autorizado o uso do nome sem qualquer receio. Não por acaso, ela simboliza a complexa interação rural-urbano, tendo em vista, a relação que estabelece constantemente com os meios urbanos, principalmente através de movimentos sociais relacionados a questões agrárias, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e a Pastoral da Juventude Rural, assim como a circulação pelo meio de formação política organizado por essas mesmas entidades.

No capítulo 1, “Ruralidades e juventudes: o que habita nas fronteiras?”, encontraremos as bases teórico-metodológicas que fundamental este trabalho, como localizando o assentamento Vale do Lírio num fluxo turvo entre o rural e o urbano, que por sua vez, são categorias frágeis de enquadrar as realidades que estão em constantes transformações e mudanças. Teremos, com isso, a apresentação da comunidade estudada; em seguida, alguns esclarecimentos conceituais do que vem a ser o rural e o urbano, bem como, as delimitações da categoria fundamental às reflexões que é a juventude. As elucubrações sobre a produção de certa grupidade (WAGNER, 2010) local é substrato para refletir o teor segmentado da juventude do Vale do Lírio.

No capítulo 2, “A dinâmica local”, temos análises de casos e situações envolvendo algumas jovens as quais pude estabelecer contato, apresentando as formas de interação e as distinções no contato com o urbano. Percebe-se como os jovens se organizam internamente, tanto em relação ao engajamento religioso, quanto nas maneiras de deslocarem-se para as cidades vizinhas.

No capítulo 3, encontramos questões sobre autonomia feminina e de resistência às praticas tradicionais que limitam a agência das mulheres e sua circulação dentro da comunidade e a imersão num fluxo externo ao assentamento como forma de fuga e elaboração de planos de vida.

(17)

C

APÍTULO

1

R

URALIDADES E JUVENTUDES

:

O QUE HABITA NAS FRONTEIRAS

?

Em primeiro momento, acredito, devemos olhar onde pisamos. Ter a segurança de um passo firme e iniciar a caminhada. Está imbricado no mainstream das ciências delimitar os instrumentos de trabalho que serão utilizados no decorrer das reflexões. Este tópico não se destina apenas a apresentar uma revisão conceitual do que vem a ser a categoria rural em contraponto ao urbano, mas apresentar algumas concepções que, comumente, são acionadas na identificação dessas categorias1. Devo também esclarecer que as elucubrações sobre juventude deságuam num rio profundo e acabo por apenas expor possibilidades do que venha a ser a(s) juventude(s) num ângulo especulativo, porémbastante concreto da vida cotidiana. Nos momentos finais do capítulo, tento refletir a produção de certa grupidade dentro do assentamento, baseando-se em concepções do antropólogo Roy Wagner (2010), fundamental para o conjunto especulativo desse trabalho, além de possibilitar a compreensão da dinâmica de circulação e organização juvenil local. Segundo Wagner (2010, p.244), a nossa tendência em atribuir a denominação de grupo a qualquer tipo de coletividade deve-se ao “foco coletivo deliberado, um sentido de participação e consciência comuns” que, basicamente usamos como critérios para enfatizar o fator da coletividade na realidade observada. Outra maneira de agrupar as pessoas, ainda segundo ele, é “com base em suas semelhanças compartilhadas, sejam elas especificidades de residência comum ou contígua, cooperação ou envolvimento econômico ou ecológico, genealogia ou comportamento político” (ibid.).

1.1 OLÍRIO À BEIRA DA ESTRADA

Poucos são os estudos sobre o assentamento Vale do Lírio no município de São José do Mipibu/RN, embora possamos destacar os trabalhos de Grasielly Alves de Lima (2005) e de Rosana Silva de França (2005), e sendo o mais recente de José Guilherme Magnani (2015). Munidos desses estudos sobre organização econômica, social e cultural do assentamento podemos arriscar dispor em um mapa os agentes que formam a comunidade, numa exposição preliminar da comunidade.

Este assentamento pertence administrativamente ao município de São José do Mipibu/RN, localizando-se entre as cidades de Monte Alegre, São José do Mipibu e

1 Ver Roni Blume (2004) para um aprofundamento teórico-metodológico das categorias sobre ruralidade e seus

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Parnamirim, ou seja, dialoga intimamente com a região metropolitana de Natal (ver Imagem 1). De fácil acesso por estar às margens da RN 316 na direção de Monte Alegre/RN, tem o fluxo de carros facilitado. Em período recente, os residentes do assentamento sinalizaram a localização com uma pintura da caixa d’água que identifica a entrada da localidade, podendo ser vista ao longe, em um fundo verde o nome do assentamento “VALE DO LÍRIO” (ver Imagem 2).

Imagem 1 - Quadro de mapas. Relação do assentamento rural Vale do Lírio, São José do Mipibu/RN [de cima para baixo] i) à região Nordeste do Brasil, ii) ao Estado do Rio Grande do Norte, e iii) à região metropolitana de Natal/RN. Fonte: goo.gl/nwvbBS.

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Vale do Lírio possui 62 famílias assentadas na Agrovila, cada qual com o seu respectivo lote individual. O assentamento é organizado em três ruas sem calçamento que cruzam uma avenida principal; não possui escola nem posto policial, e somente em período recente passou a ter uma unidade de saúde, um pequeno prédio ao centro do assentamento usado por médicos uma vez ao mês para prestação de atendimentos a comunidade. Tal posto de saúde é fruto de articulações políticas locais, sendo bastante lembradas por alguns assentados. O posto, mesmo pertencente à comunidade, fica sob a organização de uma das residentes da comunidade, Dona E2, 53 anos, responsável por marcar horários e distribuir senhas de atendimento médico; organiza as consultas e recebe os médicos e outros profissionais que realizam assistência ao assentamento; é responsável, também, pelos primeiros socorros ou atendimentos rápidos de emergência que ocorrem no assentamento3.

Percorrendo o assentamento observo que as casas, em sua maioria, são de alvenaria algumas delas cercadas por altos muros; outras, com a presença de cerca elétrica. Encontrei numa delas uma câmera de vigilância no portão de entrada. Numa ou noutra casa podemos encontrar automóveis estacionados, tendo ao lado carroças na mesma situação. Das primeiras impressões do assentamento,

Percebo pessoas se balançando em redes nas varandas, no repouso após o almoço; quintais cheios de fruteiras das mais diversas (laranja, manga, caju, acerola, coco, goiaba), touceiras de capim cidreira, ou o chamado capim santo, de hortelã e outras ervas medicinais; pequenos chiqueiros/pocilgas feitos/as artesanalmente de talos de carnaúba, ou sofisticados, com suas telas metálicas; nos telhados, antenas parabólicas de TV e de rádio; gaiolas com passarinhos penduradas às sombras das casas; um campinho de futebol; uma boa quantidade de casas possuem carros estacionados em garagem/alpendres; alguns bancos em frente ao recém construído posto de saúde, formam a chamada praça, onde ao entardecer uma senhora inicia a venda de churrasquinhos, gerando um local de encontro dos jovens assentados4, assim é relatado por uma senhora sorridente a mim. Devo apontar que, por estar muito próxima a cidade, muitos jovens preferem ir a festas lá [na cidade], ao invés de se utilizar da praça local. Por se tratar de um assentamento pequeno, possui poucas ruas, possibilitando um reconhecimento mais rápido do local. Percebo os homens, como se é de costume, indo em suas carroças para o roçado. Jovens montados em cavalos em galopes que levantam poeira; crianças brincando em suas bicicletas; outros jovens acelerando em suas motocicletas. (Diário de campo: Abr. 2014).

2 No decorrer deste trabalho, poderá ser percebido o uso coloquial de tratamento tais como dona e seu. Por

tratar-se da forma de referência em tratamento local preferi usá-lo pontualmente, denotando a obtratar-servação do cotidiano.

3

Dona E., a partir de nossas conversas, não possui curso técnico ou superior na área de saúde, tendo, no entanto, curso de assistência em primeiros socorros.

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Podemos encontrar a presença de três igrejas atuantes na comunidade, dispostas próximas à entrada da comunidade. Uma delas é a Assembleia de Deus, logo na entrada à direita; no lado oposto, sendo um pouco mais afastada, a igreja Adventista do Sétimo Dia e, mais ao centro da comunidade, a igreja Católica (ver Imagem 3). As igrejas citadas acima estabelecem frequentemente encontros locais, principalmente com os jovens, exigindo o empenho em muitas horas de atividades realizadas, como percebi em uma visita ao assentamento durante um encontro jovem da igreja Adventista do Sétimo Dia, ou até mesmo, durante encontros realizados pela Pastoral Juventude Rural de vínculo católico. Tais encontros serão detalhados numa reflexão mais adiante (capítulo 2).

Por não haver escola na comunidade, os jovens e crianças deslocam-se para escolas em cidades próximas como São José e Monte Alegre, e até mesmo Parnamirim, variando em públicas e privadas. A locomoção dependerá dos acordos estabelecidos entre a comunidade e as prefeituras municipais, como por exemplo, a prefeitura de São José do Mipibu que cede ônibus escolares para os estudantes do município mediante a rigorosa luta dos moradores para que haja a circulação do transporte escolar na comunidade.

Imagem 2 - Caixa d’água referência da entrada do Assentamento Vale do Lírio - São José do Mipibu/RN. Fonte: José Guilherme Magnani, Ago 2014.

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Destaca-se na comunidade a relevante produtividade, tanto é que, em muitas falas de residentes, é recorrente a expressão “ter sorte em possuir terras tão férteis”. A produção é realizada em pequenos lotes individuais de cerca de quatro hectares por família, com destaque para o feijão, o milho e a mandioca, como os principais cultivos, mas, há o plantio rigoroso de frutas e legumes. Boa parte do que vem a ser produzido pelos assentados é vendido via atravessador, responsável pela revenda no mercado consumidor, principalmente as monoculturas de inserção do mercado local como a mandioca, milho e mamão. Numa das minhas visitas, conversando com o seu P., residente do assentamento e bastante conhecido na comunidade, pois já fora presidente da associação de assentados, viajou bastante pelo país e militou em movimentos trabalhistas, sendo o principal o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terras (MST), destacou que pouco o que é produzido é consumido pelos próprios assentados, boa parte é repassada para o comércio, vendido a atravessadores.

O Vale do Lírio possui características singulares em relação a outras formas de assentamento, como aponta Lima (2005) em um trabalho que focou nos processos modernizantes implantados via reforma agrária na fomentação do assentamento Vale do Lírio, tendo desenvolvido uma complexa estrutura econômica e social dividida em a) uma produção familiar modernizada, b) uma agricultura familiar e c) uma agricultura de tempo parcial.

É sobre o último ponto que podemos destacar a complexar organização juvenil local, pois, devido à estruturação de uma agricultura de tempo parcial, os moradores precisam se aventurar em empregos assalariados para completar a renda doméstica. E o segmento jovem é o mais afetado, em virtude das poucas possibilidades de inserção das atividades rurais ou oportunidade de capacitação para exercer atividades qualificáveis no campo. Temos, com isso, um dos fatores que alavancam o contato com as cidades próximas em buscas de novas formas de geração de renda e capacitação.

No decorrer do histórico recente da comunidade podemos destacar a formação da parceria com a empresa agroexportadora Caliman Agrícola S.A., símbolo da mecanização na produção agrícola, e que colocou o Vale do Lírio no patamar de projeto modelo de reforma agrária estadual de desenvolvimento da agricultura familiar (FRANÇA, 2005).

Em momentos de conversas sobre o histórico do assentamento, principalmente no que destaco como “parceria conturbada” com a empresa Caliman Agrícola S.A. produtora de mamão, dona T., 50 anos, assentada desde a formação do Vale do Lírio, em apresentação do assentamento expõe que:

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Veio, então, uma empresa de Linhares que plantava mamão, a Caliman. Nós entramos numa parceria com eles: eles entraram com a tecnologia, e nós entramos com a terra, isso tudo era mamão - dona T. aponta para uma vasta área, agora cultiva com milho e macaxeira -. Tinha trinta hectares, quinze para um lado, e quinze para o outro. Então, depois que a gente trabalhou cinco anos, e vimos que um grande para um pequeno num dava muita vantagem. “O pessoal num diz que a corda quebra do lado do mais fraco, né?” – sorriu meio de desdém -. Então pronto, a gente, caiu do nosso lado. Acabou a parceria e eles foram embora, não deram satisfação, a gente tem um sistema de irrigação aqui todo completo, aqui em baixo da terra. (Diário de campo: Abr. 2014)

O episódio de parceria com a empresa citada é recorrente nas falas de muitos moradores desse assentamento, causando, ainda, grande mal estar e estado de destreino diante da situação. Com isso, há uma busca por intervenções, em específico, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ou seja, os próprios moradores articulam demandas por projetos de extensão universitária para o assentamento, como forma de melhoria de vida na comunidade. O direcionamento pela UFRN é posta pelos próprios jovens da comunidade através da E., 24 anos, uma jovem estudante do curso de aquicultura na UFRN e filha de moradores do Vale do Lírio. E. além de ser estudante participa de projetos de extensão universitária, influindo para o maior contato e realização de atividades de extensão na comunidade. Sua mãe, dona T., também é universitária, graduanda do curso de matemática na mesma universidade. Ambas precisam deslocar-se para Natal/RN constantemente, principalmente, para realizar atividades acadêmicas vinculadas aos seus respectivos cursos de graduação.

A principal demanda dos moradores, na época do meu primeiro contato com eles no início de 2014, fora a formação de uma associação de jovens e mulheres do assentamento, a Associação de Jovens e Mulheres do Vale do Lírio (ASJOMVALE), a qual possibilitaria a elaboração de projetos que fomentem a renda e a autonomia aos jovens e às mulheres da comunidade, e seria uma alternativa à associação já existente no assentamento, a Associação de produtores do Vale do Lírio (ASVALI). A batalha pela formação da associação será alvo de análises mais adiante neste trabalho, contudo, é de suma relevância pontuar as situações frente à formação das associações e seus fins, afinal, perceberá à frente o peso incidente sobre as representações geradas sobre os jovens da comunidade. Por exemplo, em certa ocasião dona T. relata-me que os jovens preferem ir para a cidade por não gostarem de “lidar com a roça, com o trabalho pesado do campo”. Os jovens se distribuem em diversas atividades nas cidades ou localidades próximas destacando: vendedor em loja de varejo, auxiliar administrativo, mecânico, funcionário em fábrica de canos de PVC.O deslocamento para o

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urbano seguido pela busca de emprego por parte dos jovens gera receios nos “mais velhos” sobre o futuro do assentamento, acreditando que os jovens não estarão aptos a assumirem as obrigações com o assentamento, dando continuidade ao “projeto”, como apontam alguns dos entrevistados. O projeto, como é apareceu em boa parte das falas dos moradores da comunidade, refere-se ao projeto agrícola de produção de mamão e articulado com a empresa Caliman Agrícola S/A, já dito anteriormente.

Para compreender a heterogeneidade na organização e formação do grupo jovem local, perpassa o entendimento sobre a formação organizacional do assentamento, uma vez que, trata-se de um caso singular de formação de uma unidade rural que buscou acoplar a modernização com a estrutura familiar tradicional, incidindo numa terceira via que é a parcialidade na produção agrícola, nos quais os residentes se tornam assalariados, tendo que enveredar por outros caminhos para conseguirem o sustento familiar (LIMA, 2005). Nessa

logística da produção econômica percebemos as representações que recaem sobre os jovens, desenvolvendo o peso da responsabilidade em dar continuidade à estrutura social local (WANDERLEY, 2000; 2000; CASTRO, 2005a).

A responsabilidade em continuar o projeto dos pais será mais bem tratada adiante neste trabalho e refere-se aos projetos pré-estabelecidos para os jovens numa sequência continuada dos projetos dos pais. A questão sobre a reprodução social dos assentamentos rurais é uma problemática bastante complexa, uma vez que, demanda a compreensão do contexto politico cultural do segmento jovem em relação à permanência no campo. A juventude é primordial para entender a reprodução social dos assentamentos rurais, devido aos conflitos e segmentação interna. Os autores, em sua maioria, usam-se do termo sucessão geracional ou sucessão rural (CASTRO, 2005a). Neste trabalho, usar-me-ei apenas do termo responsabilidade por possuir o peso semântico de uma moralidade remetida ao segmento adulto que recai sobre os ombros dos jovens. A apropriação dessa responsabilidade por parte dos jovens deve-se, em sua maioria, no sucesso de diálogo com o meio urbano em detrimento do rural. Para tal, torna-se necessário entendermos como funciona a construção dessas categorias ambíguas em sua raiz, mas enfática em sua aplicação.

1.2ENTRE O RURAL E O URBANO

A separação entre o rural e o urbano é, antes de tudo, política, além de geográfica e econômica; ter essa pontuação em mente é estar aberto para refletir as moralidades que compõem as confluências entre as ruralidades e urbanidades componentes das diversas

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formas de assentamentos humanos. Pensar em moralidades (WOORTMANN, 1990) é estar aberta à construção conceitual que delimita o rural e o urbano, sendo tal divisão, nada mais que, “formalismos nominalistas ou classificatórios de duas formas de utilização do espaço, diferentes só na aparência, porque estruturalmente são complementares” (FERREIRA DOS

SANTOS, 1981, p. 21).

Peguemos o meio rural como foco de análise, por trata-se de um estudo em assentamentos rurais. Dito, muitas das vezes, como uma categoria a-histórica encontrada em todas as sociedades, o rural acaba por ser abordado como possuidor de uma essência imutável, sem levar em consideração o caráter de construção histórica formadora de tal categoria como aponta Maria de Nazareth Baudel Wanderley (2000; 2001). Se pensarmos nos estudos que se dedicaram a acompanhar as transformações do meio rural, percebemos o esforço em apreender, principalmente, os processos migratórios estabelecidos entre o campo e a cidade ao longo da história (WILLIAMS, 2011).

O campo torna-se sinônimo de esvaziamento e precariedade, tendo em seu corpo somente aqueles que teriam fracassado na odisseia rumo ao urbano, lar do desenvolvimento, como prevalece no imaginário social. Os contatos com o meio urbano desenvolvem ondas de esvaziamento rural em direção aos novos meios de viver ofertados pela cidade.

A primazia dos estudos rurais ou camponeses tomam contornos em concomitância com os estudos sobre industrialização e urbanização, como forma de expor o teor agressivo que a modernidade industrializante teria sobre meio rural. A modernidade apareceria como um tsunami urbanizador que varre o rural, e com isso, a perda cultural camponesa. Em um processo uniformizante iniciaria a perda das particularidades dos grupos locais tradicionais e de seus espaços. Pode-se afirmar, no entanto, o que acorreu neste processo foi uma redefinição dos limites antes existentes entre o rural e o urbano. As transformações ocorridas no meio rural (WANDERLEY, 2000) estão longe de possuir força homogeneizadora, confluem para uma heterogeneidade das relações, redesenhando as redes sociais, dentro e fora do meio rural. Como bem colocou o sociólogo Raymond Williams (2011, p. 471), “o campo e a cidade são realidades históricas em transformação tanto em si próprias quanto em suas interrelações”.

O meio rural moderno tornou-se mais diversificado, sendo um diálogo entre o tradicional e rústico com o moderno e sofisticado, fruto das transformações decorrentes das novas formas de relações econômicas e políticas no interior do meio rural. Com a expansão do tecido urbano a partir do processo de industrialização e a infiltração das atividades urbanas no campo, desencadeiam-se expressivas transformações, em âmbito espacial e cultural,

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transformando a própria relação que os sujeitos possuíam, não somente com a terra, mas consigo mesmo (WILLIAMS, 2011). como será foco do próximo capítulo.

A ruralidade em nada pode ser tomada como obstáculo ao desenvolvimento de uma sociedade, as regiões rurais são tão dinâmicas quanto às urbanas conforme apontado por Ricardo Abramovay (2000). A relação estabelecida com as regiões metropolitanas são características primeiras da consolidação de espaços rurais dinâmicos e que, por muitos, é vista como desruralização do campo, esquecendo que “o rural não é definido por oposição e sim na sua relação com as cidades” (Idem, p. 02). Isto se deve a grande mobilidade espacial proporcionada pela modernidade (WANDERLEY, 2000; 2001), modificando as relações entre o

espaço e a vida social, entre o campo e cidade. As relações, antes, vistas pelos ângulos antagônicos, agora, são trabalhadas enquanto interação e complementariedade; e as imagens monolíticas atribuídas à cidade e ao campo apresentam-se como antiquadas e obsoletas (WILLIAMS, 2011).

A modernização rural, no que tange as transformações efetivas da vida da população local, impulsiona novas relações econômicas e políticas entre o rural e o urbano, diversificando-os social e culturalmente. Para Wanderley (2000) alguns pontos podem ser definidos como importantes para perceber a construção dessa nova ruralidade moderna, destacando a) a paridade social, b) a modernização rural, e a c) implantação de certas políticas com teor econômico-social-regional, que se expressam na permanência dos habitantes no meio rural. Os fluxos migratórios são reduzidos por surgirem meios confiáveis de permanência no campo. Todavia, os fatores apontados acima são decorrentes do que a autora denominou de uma “crise dos modos de vida urbana” (Ibid., p. 98). O urbano já não é mais visto com tanta perfeição e lócus da salvação terrena5.

Não se trata de observar o caminho inverso do deslocamento, antes sendo rural-urbano para rural-urbano-rural, mas encontramos experiências de novas formas de assentamentos em zonas metropolitanas, como os estudados por Yamila Goldfarb (2011) e José Guilherme Magnani (2015), sobre comunas de terras e/ou assentamentos urbanos, respectivamente, e ambos no estado de São Paulo; experiências na formação de assentamentos diante do extremo contato com cidades, senão, dentro da própria cidade.

A população rural, sob a seara desse contato, consegue certo grau de facilidade no acesso a bens e serviços existentes nas cidades, desde produtos manufaturados no comércio até serviços públicos, como saúde e educação. Para Wanderley (2000, p. 133):

5 Temos também discussões sobre o neo-ruralismo, pouco discutido no Brasil, mas bastante desenvolvido na

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O que parece mais importante a registrar é que estas diferenças se dão não mais no nível do acesso aos bens materiais e sociais, que agora são, de uma certa forma, similarmente distribuídos entre os habitantes do campo ou da cidade, nem mesmo no que se refere ao modo de vida de uns e de outros. As diferenças vão se manifestar no plano das identificações e das reinvindicações na vida cotidiana, de forma que o rural se torna um ator

coletivo, constituído a partir de uma referência espacial e inserido num

campo ampliado de trocas sociais.

Temos, agora, uma reflexão da construção do rural enquanto ator coletivo, fruto de infinitas combinações e possibilidades que se efetivam nos acordos e contatos com os aparelhos urbanos de segurança, saúde, jurisprudência, por exemplo. Neste desvio de trajetória, da polarização para a complementariedade que há na verdade, não é o fim do rural como previa os estudos clássicos, e é resgatado por Roni Blume (2004), mas sim a “emergência de uma nova ruralidade” (WANDERLEY, 2000, p. 96), a produção de uma ruralidade capaz de construir a si mesma modernamente, que se apreende, não é mais uma ruralidade produzida sob os efeitos urbanos, mas por suas próprias multiatividades, fruto de iniciativas próprias de produção e reprodução de si.

Símbolo do constante diálogo entre campo e cidade, principalmente no Brasil, são os assentamentos rurais de reforma agrária. Possuía, primeiramente, como objetivo a consolidação de novas unidades de produção agrícola através de políticas governamentais, numa busca pelo reordenamento do uso da terra em benefício dos trabalhadores rurais sem terra; conquanto, posto como um complemento produtivo às cidades, como nota-se na obra de Sônia Maria Bergamasso, O que são assentamento rural (1996). Percebemos, assim, o viés produtivista na fomentação de assentamentos rurais com o foco na produção agrícola.

As formas dinâmicas às quais os assentamentos rurais se apresentam, desafiam os limites antes rígidos das dicotomias já discutidas acimas. O assentamento rural Vale do Lírio no município de São José do Mipibu/RN, que é foco desse estudo que se segue; exatamente uma forma em contrastes do urbano e o rural, por existir uma aproximação acentuada com as cidades circundantes, estando encrustada na região metropolitana de Natal/RN; e que, dentro de nossas reflexões, apresenta-se enquanto exemplo de ressignificação das funções sociais dos assentamentos rurais (GOLDFARB, 2011; WANDERLEY, 2000; 2001).

Ao discutimos relações estabelecidas entre o campo e a cidade, podemos dar destaque às trajetórias dos residentes em assentamentos rurais, pois articulam com os espaços urbanos a partir dessas constantes interações a produção espacial do assentamento e da produção dos sujeitos que lá residem. O contato com o urbano estabelece a base dos diálogos

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com o exterior dos assentamentos, que se efetivam no consumo, na formação, na militância, na diferenciação de gênero e geração, construindo novas identidades sociais, como foi abordado em pesquisas as quais fiz parte sob as orientações da profa. Dra. Elisete Schwade, no assentamento Vale do Lírio.

Depois de apontamentos sobre o desmoronamento das barreiras entre o meio rural e o urbano e a refiguração do rural a partir das políticas de reforma agrária, que se efetuam basicamente através da criação dos assentamentos rurais, e em alguns casos urbanos; podemos colocar que o assentamento Vale do Lírio não é possuidor de um caráter predominantemente rural, posto que apresenta aspectos socialmente significativos atribuídos ao meio urbano, tais como a incidência do discurso sobre a violência e seu combate como percebido nas falas recorrentes dos residentes do assentamento. Em conversas com alguns deles, pontuações sobre assaltos e incidências de uso de drogas surgem em meios os discurso sobre a mudança dos hábitos dos moradores, em especial, a juventude que estabelece maior contato com o urbano.

Conquanto, através os meios definidos e postos em prática, não somente pelas jovens estudadas, mas pelos demais residentes do assentamento, demostram, em sua base organizativa, a relação com a terra e a produção de significações diante dela, possibilitando a caracterização de aspectos rurais. Neste caso, indica-se a possibilidade de outras vias de significações e de mobilidade no que tange a relação com o espaço e a construção de subjetividades para perceber o caso do Vale do Lírio.

Devo esclarecer que os recorrentes erros de polarização sustentam-se por pensarmos os sujeitos/objetos focos de estudos enquanto ilhas, nos quais depositamos sempre representações de isolamento perpétuo, porém, há algum tempo, superamos tal discussão com novos olhares sobre a dinâmica do social: o que antes era dito como instável e homogêneo, agora surge como inquieto e efervescente. Os assentamentos são pensados como borbulhas dentro do meio rural, estabelecendo diálogos contínuos entre a política e a economia, estabelecendo os complexos laços entre o rural e o urbano, como apontam Elisete Schwade e Irene Paiva (2014) em estudos com jovens assentados.

Se refletirmos sobre o caráter estático que lançamos sobre as coisas, veremos os enganos ao se analisar o meio rural. Continuamos nos baseando em um mito, como bem colocou Wanderley (2000, p. 133):

O mito fundador da sociedade sedentária, na qual cidade e campo se opõem num processo de ruptura, é questionado e substituído por um mito

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andrógino no qual as características do campo e da cidade se misturam, ao

mesmo tempo que permite a afirmação identitária.

Se pensarmos no fluxo de interesses que movimenta o interior dos assentamentos, olhando para as dinâmicas internas (Ibid.), poderemos estar nos direcionando para um empreendimento na busca de interesses, não apenas no sentido material de conquista de serviços e bens de consumo, mas, e acima de tudo, de construção de subjetividade e a formação de si; de jovens que acabam por se empreenderem no meio urbano em busca de emprego assalariado e se dedicarem às ocupações dentro da comunidade. E nessa repartição, fazer a si mesmo, com metas e projetos para o futuro.

1.3O QUE É A JUVENTUDE?

O termo jovem torna-se recorrente em reuniões com os residentes do assentamento Vale do Lírio. O uso do termo bem designa um grupo delimitado de sujeitos detentores a priori de características específicas. Por trata-se de um trabalho cuja ferramenta central é tal termo, preciso delimitar as arestas e apontar o que vem a ser o jovem ou, em termos de generalizações, o que venha a ser a juventude.

Para os que decidem estudar a temática da juventude, fica claro que esta se trata de uma categoria complexa e densa. Vista, muitas das vezes, como autoevidente e autoexplicativa, que designa comportamentos ou grupos sociais, basicamente uma fase do desenvolvimento humano que varia de cultura para cultura, sendo acionada ou não, e se estabelece enquanto um segmento da sociedade. Destarte, é de comum acordo a existência da juventude enquanto realidade social, como apontam os autores Elisa Guaraná de Castro (2005a; 2005b; et al, 2009a; 2009b), Regina Novaes (2012; 2014), Luiz Groppo (2004) e John Durston (1995; 1996). Para esses autores devemos dar ênfase à existência concreta de um segmento denominado juventude, uma vez que, define um setor de pura dinamicidade social e que fomenta as transformações da sociedade.

Devido à complexidade na definição conceitual e sua instrumentalização efetiva, a categoria deve ser considerada como uma categoria do pensamento, a qual aponta para a formação de imagens e percepções sobre determinados sujeitos. Trata-se de uma categoria social, pois percebe a configuração de identificações que culminam em ações de coletividades (CASTRO, 2005a; 2005b; NOVAES, 2012). Existe, pois, uma impossibilidade do

desenvolvimento de categorias que abarquem a existência do fenômeno juventude ou em sua construção enquanto objeto, gerando a incidência de termos como: jovem, juvenil,

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adolescente e juventude encontradas no decorrer de textos que visam comportar a multiplicidade inerente a essa instância do campo social (CASTRO, 2005a; 2005b). Devemos entender que tal categoria deve ser correlacionada a outras categorias sociais, para que haja uma análise mais concreta da juventude (GROPPO, 2004) como, por exemplo, etnicidade, gênero e classe social.

Se pegarmos a via de uma análise histórica, veremos que a categoria juventude é estabelecida no momento em que as sociedades modernas se voltam para suas próprias dinâmicas no intuito de “classificar indivíduos, normatizar comportamentos, definir direitos e deveres” (GROPPO, 2004, p. 11), sendo uma categorização que age tanto na esfera do

imaginário social, quanto passa a ser um dos elementos que estrutura as redes de sociabilidade (SIMMEL, 2006).

O processo segregativo da modernidade além da estruturação da sociedade em classes criou “grupos etários homogêneos” (Ibid., p. 17), baseados na faixa etária e que compartilham um comportamento social semelhante. A correlação ou fusão que há entre a juventude e a puberdade se dá neste movimento da modernidade, sendo a puberdade postada enquanto categoria universal, não passando de um estágio do desenvolvimento humano, a qual pode ser irrelevante de acordo com o contexto cultural local (DURSTON, 1995; 1996).

Segundo Pierre Bourdieu em sua famosa entrevista A juventude é apenas uma palavra (1983), as categorias de jovem e geração estão a mercê das relações de poder, sendo acionadas dependendo dos interesses, que por sua vez, apresentam-se como “objetos de manipulação” (BOURDIEU, 1983, p. 155) dentro de um campo relacional. As categorias juventude e velhice são construídas socialmente, e cada recorte de geração está sujeita as leis impostas pelo campo de força, ou seja, o teor de manipulação que tais categorias são submetidas depende do campo em que ela é acionada. Um ponto importante neste tipo de argumentação é a crítica sobre a relação que é estabelecida entre os fatores biológicos (faixa etária) e o compartilhamento de interesses ou sentidos semelhantes entre os sujeitos (habitus de uma classe, por exemplo) a crítica gira em torno da errônea relação estabelecida entre esses dois fatores, elementos biológicos e sociais.

Longe do empasse interno, a juventude é produzida por conflitos exteriores também, como aponta Marialice Foracchi (1972). Para tal autora, há uma positividade no uso do termo geração nas reflexões desenvolvidas acerca da juventude, pois, ao ser bastante trabalhado por Karl Mannheim (1980), estabelece, além do recorte social etário, o conflito como fator constituinte e fundamental para compreensão dessa segmentarização do social. Existe, pois,

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um caráter de contestação inerente à juventude em embates pela própria “coexistência, resgatando as diferenças” (FORACCHI, 1972, p.160).

O conflito pode ser entendido em atitudes de resistência ou oposição por parte dos jovens diante de estilos socialmente estabelecidos e legitimados pelo segmento adulto. A juventude estaria num entremeio da contestação política e a contestação cultural. Neste ponto, a juventude se apresenta como um momento para a realização da pessoa, um projeto de criação institucional, uma nova alternativa de existência social diante de padrões e costumes.

Como coloca Elisa Guaraná de Castro (2005a), a definição de juventude é trabalhada enquanto oposição e não como aproximação de outras categorias como, por exemplo, em relação à adulta. No processo de segmetarização social moderna, as categorias sociais são construídas por oposição umas às outras, trata-se, nisto, de uma crítica a Mannheim (1980) e Foracchi (1972), que em suas reflexões a categoria juventude está sempre construída em contraposição ao segmento adulto e hegemônico. Estabelecem um segmento deslocado por conflito de não aceitação diante da sociedade em geral adulta.

Juventude está sempre relacionada à transitoriedade, a não estabilização do estado do ser, podendo sempre ser trabalhada do ângulo oposto ao adulto ou mais velho, porém é recorrentemente associada a certo potencial de ação transformadora ou potencialidade de inovação (CASTRO, 2005a; MANNHEIM, 1980; FORACCHI, 1972), apresentando um caráter de novidade e experimentação diante da realidade.

Não obstante, muitas são as definições do que vem a ser a juventude ou o jovem depende da cultura a qual o sujeito está inserido. O recorte jovem ainda é delineado pelo fator biológico, mesmo que, incialmente, tivermos deixado claro tratar-se de um equívoco tal estabelecimento baseia-se na correlação de comportamento social e fator biológico. O que há atualmente é o recorte etário de 15 a 24 anos, com base em parâmetros aceitos pela OMS e UNESCO, sendo no Brasil essa faixa etária de 15 a 29 anos (CASTRO et al, 2009a).

Contudo, quando o pesquisador está em campo e precisa delimitar seu objeto de pesquisa, como estabelecer concretude em material fluído? Para Castro (2005b, p. 32, grifos retirados) devemos “observar quem chamava quem de jovem, quem se autodenominava como tal, em que situações e espaços, e que códigos estavam sendo acionados através do uso deste termo”.Dessa forma, devemos estar atentos aos detalhes que produzem os contextos locais, pois só assim conseguiremos apreender, a partir das categorias locais, as formas de categorização e segmentarização da comunidade estudada.

Assim como muitas são as formas de definição e abarcamento do jovem e da juventude, variadas são as formas de estudá-las. Uma delas é a proposta por Groppo (2004, p.

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12) sobre a existência de uma “condição juvenil”, no que tange uma abordagem dialética. A abordagem dialética da juventude está voltada para as mobilizações e organizações juvenis que, em ciclos, integram e dissociam-se da sociedade em geral. Abordar a juventude a partir de uma dialética, segundo este autor, é apontar para as contradições existentes neste campo social, buscando em suas análises fugir das concepções funcionalistas que recaem na naturalização da juventude. As análises voltam-se para a juventude ou condição juvenil como possuidora de caráter experimental de valores sociais. É apreender o fenômeno em seus desdobramentos presentes.

Esse tipo de proposta é interessante, principalmente, ao abordar o processo conflitivo entre os segmentos da sociedade que se estabelece a partir das interações e discordâncias, dialogando com a proposta deste trabalho no ponto de perceber a construção de uma categoria e sua efetivação num espaço de entremeios, de conflitos entre campos como é a questão da juventude rural.

Categoria analítica jovem rural possui contorno pouco delineado, por se tratar de uma categoria, neste caso, entre meio, no que se refere aos campos da juventude e do rural. Ao se trabalhar com a juventude rural, conforme Castro (2005a) a categoria relacionada a esse campo são naturalizadas, substancializadas. Porém, ao que se percebe é o desenvolvimento de uma disputa nos discursos e ações quanto a qual especificidade de jovem se pretende delimitar “tanto na definição de agentes que atuam como “jovens”, quanto os que se auto-identificam coletivamente como tal” (Idem, p. 31); por isso, o trabalho empírico de campo apontará a qualificação do que vem a ser ou não o jovem.

Embora não utilizem o termo jovem rural, os que se autodenominam jovem constroem sua identidade em diálogo com imagens de um universo rural e espaços urbanos, em um bricolage que configura auto-percepções sempre em movimento, através de um diálogo marcado pelo tempo e no espaço (CASTRO, 2005a, p. 33).

Para Castro (2005a) ao se estudar a juventude rural ou camponesa, os teóricos recorrem, em boa parte, para os estudos de migração entre o rural e o urbano, e por apontar os jovens como os agentes de transformação no campo, criam uma insistência pela permanência da juventude no meio rural, seguindo pelos preceitos do fim do rural ou de um projeto rural.

Erros são recorrentes ao estudar a juventude rural, dentre eles há o da generalização de que todos os jovens são camponeses (DURSTON, 1996), sendo que em boa parte, os jovens

tornam-se assalariados, e passam a recorrer ao contexto fora do meio rural, tendo que assalariar-se nas cidades mais próximas, como é a situação do Assentamento Vale do Lírio,

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no qual uma parcela considerável desloca-se para as cidades próximas na busca de empregos como alternativas de constituição de rendas.

Percebe-se esse movimento nos assentamentos rurais como já exposto anteriormente, os quais despontam como símbolos de dinamicidade entre o rural e urbano. Na população jovem do assentamento a busca por alternativas exteriores é constante, inclusive naqueles contextos em que o investimento na produção agrícola no assentamento se consolida como alternativa viável. Quando o projeto de assentamento tem êxito, apresenta-se a justificativa da busca do consumo associado à vida na cidade, as buscas por emprego são mais constantes. As imagens acionadas pelos jovens sobre a busca de alternativas outras no meio urbano se dá pela própria construção política da estrutura dos assentamentos rurais, que se configuram muito além das possibilidades de relação direta com a terra (SCHWADE; PAIVA,

2014).

Entretanto, observando a juventude em suas ações corriqueiras, do âmbito do cotidiano, perceberemos que o fluxo de idas e vindas, a relação de saídas e permanências dos jovens residentes do assentamento, não podem ser enquadrada numa reflexão extremista; ela deve perpassar as dinâmicas estabelecidas nos processos de fluxo rural-urbano, uma vez que, a circulação dos jovens fora do assentamento gera demandas e estabelece a produção de novidades dentro da comunidade (SCHWADE; PAIVA, 2014).

1.4ELICIAÇÃO DE UM GRUPO JOVEM6

Inserido em campo, o pesquisador articula a exposição dos “comos” e dos “porquês” dos sujeitos ao se organizarem coletivamente. Nisto, admito que este trabalho em boa parte destina-se a tentar entender os “comos”, num sentido mais voltado para pensar o agir, o movimento de organização de um grupo jovem no assentamento Vale do Lírio/RN. Este tópico direciona-se para as representações existentes e articuladas dentro do assentamento Vale do Lírio sobre um grupo jovem, com a insistência de tratá-lo enquanto representação acordada pelos moradores da comunidade e efetivada pelos próprios jovens.

Minha experiência no referido assentamento mostra a propagação de um discurso sobre existência de um grupo jovem no interior da comunidade, e que tal grupo mobiliza politicamente os demais jovens em prol de benefícios coletivos. Desde o primeiro encontro com os residentes deste assentamento em abril de 2014, as falas são articuladas para

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Elicitação é uma adaptação da palavra inglesa (to) elicit, significando resumidamente “fazer sair; provocar; desencadear”, no sentido de trazer à tona. Para uma explicação mais detalhada ver nota do tradutor em Wagner (2012, p. 220).

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demonstrar a existência de tal grupo dentro da comunidade, e essa foi minha primeira impressão durante um das reuniões que tive com as mulheres e os jovens do assentamento.

Sob o sol forte esperamos reunidos na calçada da pequena igreja católica da comunidade – alguém se dispusera a pegar as chaves para abrir as portas -. Um grupo de mulheres se formava ao nosso redor, com a presença de alguns jovens – contei sete, entre rapazes e moças -. Entramos na igreja e nos organizamos em círculo, movendo os bancos para que pudéssemos sentar e olhássemos uns para os outros. Dona T inicia a reunião, deixando claras as demandas do grupo: fomentar um projeto que beneficie jovens e mulheres, os primeiros em especial. Os jovens se reúnem, são organizados. Esses são

os interessados – aponta para uns jovens -, pensam em montar uma associação (Trecho do meu diário de campo, abr. 2014).

A constante ênfase atribuída à existência de um grupo jovem pode ser trabalhada por muitos ângulos de análise, mas seguirei com uma reflexão sob influência do antropólogo Roy Wagner, no que se refere a uma discussão simbólica da construção da cultura e seu processo infindável de invenção e contrainvenção.

Ao pôr em prática um olhar mais clínico sobre os fenômenos, passamos a observar detalhes antes despercebidos. Estar atento às pequenas reuniões e encontros com os residentes do assentamento Vale do Lírio, possibilitou-me perceber que a formação/produção do grupo juvenil surge mediante um discurso comum e coletivo, que ressoa no interior do assentamento e é confirmado pelas ações dos jovens, ou seja, a quase insistência em localizar, delimitar e pontuar a existência de um grupo jovem no interior dessa comunidade incita os jovens a reivindicarem tal delimitação para si.

Os residentes “mais velhos” acionam a expressão grupo jovem e delimitam aqueles abarcados por essa expressão; falando e apontado, os adultos desenvolvem um discurso que se torna gestos e ganha objetividade. Aqueles apontados passam a pertencer ao grupo jovem, delimitando-se, assim, o coletivo juvenil. Quando não é acionado o termo grupo, é estipulado apenas como jovens no plural, buscando abrangência coletiva da identificação.

Podemos pensar esse processo no patamar de uma invenção (WAGNER, 2012), articulando a efetiva influência do discurso (plano simbólico, das subjetividades e das metáforas) sobre o a ação concreta do jovem (plano material, das objetividades e das convenções), e vice-versa, num processo cíclico ou quase-dialético no qual o grupo jovem se instaura objetivamente e ganha status de existente.

Se pensarmos ao nível de construção social da realidade como proposta por Peter Berger e Thomas Luckmann (2011), poderemos visualizar a esquematização do processo que

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