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Os fundamentos constitucionais das diretivas antecipadas de vontade em matéria de cuidados de saúde e a dogmática jurídica para a validade e a eficácia das disposições

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U

NIVERSIDADE DE

L

ISBOA

F

ACULDADE DE

D

IREITO

OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DAS DIRETIVAS

ANTECIPADAS DE VONTADE EM MATÉRIA DE CUIDADOS DE

SAÚDE E A DOGMÁTICA JURÍDICA PARA A VALIDADE E EFICÁCIA

DAS DISPOSIÇÕES

Rosana Broglio Garbin

Orientador: Professor Doutor Paulo Manuel Cunha da Costa Otero

Tese especialmente elaborado para a obtenção do grau de Doutor em Direito, na especialidade de Ciências Jurídico-Políticas

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U

NIVERSIDADE DE

L

ISBOA

F

ACULDADE DE

D

IREITO

OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DAS DIRETIVAS

ANTECIPADAS DE VONTADE EM MATÉRIA DE CUIDADOS DE SAÚDE E

A DOGMÁTICA JURÍDICA PARA A VALIDADE E EFICÁCIA DAS

DISPOSIÇÕES

Rosana Broglio Garbin

Orientador: Professor Doutor Paulo Manuel Cunha da Costa Otero

Tese especialmente elaborado para a obtenção do grau de Doutor em Direito, na especialidade de Ciências Jurídico-Políticas

Juri:

Presidente: Doutor José Artur Anes Duarte Nogueira, Professor Catedrático e Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Vogais:

- Doutora Maria Luísa Alves da Silva Neto Teixeira Botelho, Professora Associada Faculdade de Direito da Universidade do Porto;

- Doutora Helena Pereira de Melo, Professora Associada Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa;

- Doutor Paulo Manuel Cunha da Costa Otero, Professor Catedrático Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, orientador;

- Doutor Fernando José Borges Correia de Araújo, Professor Catedrático Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;

- Doutora Maria João do Rosário Estorninho Pereira da Silva, Professora Catedrática Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;

- Doutor José Alexandre Guimarães Sousa Pinheiro, Professor Auxiliar Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;

- Doutor João Miguel Range Prata Roque, Professor Auxiliar Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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O caminho até a apresentação desta tese contou com muitos apoios, aos quais deixo registrado o meu agradecimento:

- À Escola Nacional de Magistratura (ENM) que, por meio de convênio firmado, possibilita a participação de magistrados brasileiros em cursos no exterior, incentivando o intercâmbio de ideias e experiências;

- Ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que avalizou e permitiu a participação no curso;

- Ao Laboratório de Pesquisa em Bioética e Ética na Ciência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (LAPEBEC – HCPA) pela receptividade e permissão para compartilhar das suas discussões;

- À Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) que realizou o curso de doutoramento pela excelência de seus mestres;

- Aos funcionários da Faculdade que recepcionaram, atenderam as demandas e orientaram para a correta elaboração deste trabalho final;

- Ao corpo docente pela atenção e ensinamentos durante o ano acadêmico;

- Ao meu orientador pela comunicação atenciosa, profissionalismo e pelos provocantes e incessantes questionamentos que contribuíram para uma maior pesquisa; - Aos meus colegas de doutoramento pelos momentos de entusiasmo compartilhados e pelo convívio no curso acadêmico;

- Aos amigos que estiveram dispostos a ouvir os relatos de leituras e pensamentos e que com a troca de ideias permitiram aperfeiçoar a montagem de uma tese sobre tema tão denso e real;

- Aos meus familiares pela compreensão de meu envolvimento nesse trabalho, pelo incentivo e encorajamento durante todo este período.

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As diretivas antecipadas permitem antecipar o exercício da autonomia pessoal, mediante projeção da vontade, relativa aos cuidados de saúde e fim de vida, para situações nas quais a pessoa não poderá exercê-la diretamente. A previsão desses instrumentos nos Estados democráticos e plurais é garantia dos direitos fundamentais à vida digna e à liberdade. Em uma leitura conjunta desses direitos, verifica-se que a vida que se protege é aquela que confere liberdade para o desenvolvimento da personalidade e o exercício da autonomia pessoal, sempre na promoção da dignidade, que encontra em cada ser humano a sua medida própria. A morte como um elemento da vida conduz a defesa de um direito a um fim de vida digno, como digna deve ser toda a existência da pessoa. As diretivas surgiram em decorrência de prolongamentos artificiais da vida, muitas vezes de forma irracional e degradante para a pessoa. A impossibilidade de comunicação e a inexistência de manifestação prévia acabam por impor a manutenção artificial da vida. Debates sobre eutanásia e suicídio assistido não tem vínculo direto com as diretivas antecipadas, embora também digam respeito a questões de fim de vida. As diretivas são um espaço para as determinações sobre cuidados de saúde dentro dos consensos éticos alcançados pelas sociedades nas quais forem aceitas. O objeto e conteúdo, pois, deverão estar de acordo com a legislação do local onde forem emitidas. A pesquisa investiga o caminho de criação e desenvolvimento desses instrumentos em vários países. Centra-se na Lei portuguesa nº 25/2012, que tem como objeto específico as diretivas antecipadas e, assim, é a mais detalhada. Analisa-se também sua utilização no Brasil, país no qual são disciplinadas apenas pelo Conselho Federal de Medicina. Como instrumento de promoção pessoal, que surge na esteira das alterações da relação médico/paciente e da teoria do consentimento informado, já inserida nos debates bioéticos, é necessário conferir a esses atos que já existem no mundo dos fatos o aval jurídico que lhes permita produzir os efeitos pretendidos. Essa tese dirige -se para o reconhecimento dos fundamentos constitucionais das diretivas e sua adaptação às categorias do direito.

Palavras-chave: Diretivas antecipadas. Fim de vida. Direitos fundamentais. Autonomia

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Advance directives allow the previous exercise of person autonomy, through expression of a will, concerning health care and end of life, to situations in which the person cannot exercise it directly. The prevision of these instruments in a democratic and pluralistic state guarantees fundamental rights to liberty and a decent life. In a joint reading of these rights, it turns out that a life which is protected is one that gives freedom to the development of personality and the exercise of personal autonomy, always promoting the dignity that is found in each human being in its own measure. Death as an element of life leads to the defence of the right to a dignified death, as dignified as the person's whole existence should be. Directives arose as a result of the artificial prolongation of life, which is often irrational and degrading. The impossibility of communication and lack of prior approval end up imposing this artificial maintenance. Debates about euthanasia and assisted suicide have no direct link with advance directives, although they also concern end of life issues. These instruments are a space for stipulations on health care within the ethical consensus reached by the societies in which they are accepted. The subject and content of directives, therefore, must be in accordance with the law of the place where they are issued. This research investigates the path of creation and development of these instruments in several countries. It focuses on the Portuguese Law, No. 25/2012, which has the specific purpose of advance directives and thus is the most detailed. It also analyses its use in Brazil, a country where such acts are disciplined only by the Federal Council of Medicine. These instruments are a tool of personal promotion, coming in the wake of changes in the doctor/patient relationship and the theory of informed consent, as inserted in bioethical debates, it is necessary to give such directives, which already exist in the world of facts the legal backing that allows them to produce their intended effect. This thesis is directed to the recognition of the constitutional foundations of directives and their adaptation to the categories of law.

Keywords: Advance Directives. End of Life. Fundamental Rights. Personal Autonomy.

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AMA American Medical Association

AMM Associação Médica Mundial

ANCP Academia Nacional de Cuidados Paliativos

BD Brain Death

CC Código Civil

CFM Conselho Federal de Medicina

CHU Center Hospitalier Universitaire

CNS Conselho Nacional de Saúde

CONEP Comissão Nacional de Ética em Pesquisa

CREMESP Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo D.O.U. Diário Oficial da União (Brasil)

DA Diretiva Antecipada

DA´s Diretivas Antecipadas

DAV Diretivas Antecipadas de Vontade

DH-BIO Committee on Bioethics

DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos

DWD Death with Dignity

EUA Estados Unidos da América

EVP Estado Vegetativo Permanente

FAQ Frequently Asked Questions

GDDC Gabinete de Documentação e Direito Comparado

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDC Índice de Desenvolvimento Humano

LET La Limitación de Esfuerzos Terapéuticos

LT Limitação de Tratamento

LTE Limitação do Esforço Terapêutico

NCP Núcleo de Cuidados Paliativos

NSV Não Oferta de Suporte Vital

OEA Organização dos Estados Americanos

OMS Organização Mundial da Saúde

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ONR Ordem de não Reanimar

PAS Physician-Assisted Suicide

PCR Parada Cardiorrespiratória

PCS Procurador de Cuidados de Saúde

PDS Plataforma Dados Saúde

PSDA The Patient Self-Determination Act

PUCRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

RCP Ressuscitação Cárdiopulmonar

RENTEV Registro Nacional do Testamento Vital

SAEPB Sociedade de Anestesiologia do Estado da Paraíba

SIDA Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

SPMSepe Serviços Partilhados do Ministério da Saúde

SV Suporte Vital

TEDH Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

TV Testamento Vital

UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UNESCO Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura

USA United States of America

UTI Unidade de Terapia Intensiva

UTI –VM Ventilação Mecânica

VAE Voluntary Active Euthanasia

VM Ventilación Mecánica

VSO Regulamento do Ensino Obrigatório

WHO World Health Organization

WHOQOL-100 World Health Organization Quality of Life - 100 WHOQOL-BREF World Health Organization Quality of Life - Bref WHOQOL-OLD World Health Organization Quality of Life - Old

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Esta tese dirige-se à análise dos fundamentos constitucionais das diretivas antecipadas em matéria de cuidados de saúde e ao estabelecimento de uma dogmática jurídica que assegure a validade e confira eficácia a essas declarações.

A metodologia de pesquisa adotada na tese foi de revisão bibliográfica de cun ho internacional, sem pretensões de estudo de direito comparado, mas apenas para, na análise dos diversos tratamentos do tema, buscar subsídios para elaboração da dogmática jurídica que se pretende. A intenção é ser o mais geral possível, de forma que possa ser adaptada aos sistemas jurídicos internos, que mantém a mesma matriz constitucional de proteção à pessoa e reconhecimento da dignidade humana.

As análises centraram-se nas legislações portuguesa e brasileira. Isso porque a legislação portuguesa sobre o tema das diretivas é atual e específica, permitindo esmiuçar as disposições legais e sua adequação a ordem jurídica. Com relação ao Brasil, a ausência do acolhimento legislativo desses documentos serve como um desafio para que se verifique se as regras gerais dos negócios jurídicos são suficientes para conferir a eficácia que se busca.

Naturalmente que o fato dessa doutoranda ser brasileira e a tese ser apresentada em Portugal contribuíram para essa eleição. Por fim, a ênfase a esses ordenamentos, ainda que possam ter sido buscadas referências ao tratamento estrangeiro, contribuiu para o desenvolvimento didático da matéria.

O tema permeia o dia a dia das pessoas e está na pauta da mídia internacional. Em razão disso, foram utilizadas informações disponíveis nos meios de comunicação, o que demonstra a contemporaneidade e relevância do assunto. Igualmente, porque é um meio de fácil acesso, rápido e atual, muitas informações e textos foram buscados pelos meios virtuais.

Constatou-se a subdivisão das diretivas em subespécies, com objetos diversos, e a adoção de nomenclaturas variáveis nos diversos países que tratam do tema. A mais utilizada, em regra, é a forma genérica «diretivas antecipadas», que passou a ser adotada nesta tese pela sua simplificação e para evitar confusões. Como o termo foi muito utilizado ao longo do trabalho, para tornar a leitura mais dinâmica utilizou -se a forma abreviada, singular ou plural, respectivamente DA ou DA s.

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O título da tese, contudo, utiliza a nomenclatura adotada pela legislação portuguesa, de «diretivas antecipadas de vontade».

A redação desta tese empregou a língua portuguesa de uso corrente no Brasil utilizando-se, por exemplo, termos como «câncer» e não «cancro», «doadores» e não «dadores». As citações e transcrições de textos portugueses anteriores a reforma ortográfica foram feitas observando a grafia original.

Os trechos de obras estrangeiras transcritos nas notas de rodapé foram traduzidos de forma livre. Quando o texto foi escrito com base em obra estrangeira, optou-se por apenas citar o original na nota de rodapé, para ciência do leitor.

A utilização de siglas e abreviaturas foi inevitável na elaboração da tese, o que motivou a apresentação de uma listagem no início do trabalho.

Da mesma forma, optou-se por transcrever, no anexo, os documentos mais citados no trabalho, para facilitar o acesso.

A tese foi desenvolvida no formato monográfico, contando com cinco capítulos, divididos em duas partes. Para facilitar o acompanhamento do trabalho, a indicação do número de capítulos foi sequencial.

A primeira parte, com três capítulos, se propõe a contextualização do tema e do problema que gerou a inclusão dessa nova categoria de ato nos ordenamentos jurídicos. Na segunda parte, composta por dois capítulos, é proposta a sistematização desses negócios jurídicos.

Optou-se pela apresentação de notas conclusivas relativas a cada capítulo, salientando-se os pontos considerados relevantes que foram tratados, expostos ao final de cada uma das partes. Para terminar, apresentam-se considerações finais gerais que ressaltam a importância das diretivas e de sua sistematização jurídica.

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INTRODUÇÃO ... 13

PARTE I... 21

Capítulo Primeiro – O CAMINHO PARA A PARTICIPAÇÃO DO PACIENTE NA TOMADA DE DECISÃO EM MATÉRIA DE CUIDADOS DE SAÚDE... 21

1.1 Breves considerações a respeito da ciência médica e sua evolução... 21

1.2 A contribuição da bioética ... 24

1.3 A relação médico/paciente ao longo do tempo ... 30

1.4 O consentimento informado ... 35

1.5 O paciente como condutor primeiro das disposições sobre sua saúde e vida.. 42

1.6 Quando a manifestação não é mais possível – casos que chegaram à justiça ... 45

1.6.1 Estados Unidos da América, 1990. Caso Nancy Cruzan... 50

1.6.2 Argentina, 2005. Caso M.d.C.S.... 57

1.6.3 Itália, 2008. Caso Eluana Englaro ... 61

1.6.4 Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 2015. Caso Vincent Lambert ... 67

1.6.5 Análise das decisões judiciais ... 73

1.7 Diretivas antecipadas: surgimento, expansão e sua positivação ... 77

Capítulo Segundo – A MORTE COMO ELEMENTO DA VIDA ... 93

2.1 O tratamento da morte na sociedade ocidental contemporânea ... 93

2.2 Os critérios científicos para determinar a morte ... 105

2.3 O momento da morte ... 117

2.3.1 A antecipação da morte: suicídio, suicídio assistido e eutanásia...118

2.3.2 O prolongamento da vida – distanásia - obstinação terapêutica - manutenção da vida por aparelhos ...139

2.3.3 A morte ao seu tempo – ortotanásia ...144

2.4 Procedimentos terapêuticos para amenizar dor e sofrimento – cuidados paliativos ... 148

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2.5.1 O respeito pela autonomia do paciente ...167

2.5.2 A autonomia projetada: a diretiva antecipada como instrumento de manutenção da autonomia do paciente ...170

Capítulo Terceiro - FUNDAMENTAIS DIREITOS DA PESSOA HUMANA: VIDA, LIBERDADE E AUTONOMIA ... 183

3.1 Direitos do homem, fundamentais e de personalidade ... 183

3.2 O fundamento dignidade ... 204

3.3 Direitos fundamentais... 215

3.3.1 Dimensões dos Direitos Fundamentais ...224

3.3.2 A estrutura das normas de direito fundamental: regras e princípios ...229

3.3.3 O regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias ...233

3.3.4 A recepção de novos direitos fundamentais...237

3.3.5 Direitos fundamentais no âmbito do direito privado ...242

3.3.6 Restrição dos direitos fundamentais...252

3.3.7 Renúncia dos direitos fundamentais ...256

3.3.8 Colisão de princípios de direitos fundamentais ...266

3.4 Princípios concretizadores da dignidade da pessoa humana ... 274

3.4.1 Direito à vida e à integridade física...277

3.4.2 Liberdade e desenvolvimento da personalidade ...288

3.5 Autonomia ... 297

3.5.1 Autonomia da vontade e autonomia privada ...302

3.5.2 Autonomia privada e direitos existenciais...306

3.5.3 Autonomia pessoal ...310

3.5.4 Autonomia e decisões de cuidados de saúde e fim de vida...317

3.5.4.1 Capacidade para tomada de decisão em matéria de cuidados de saúde ...321

3.6 Disposição do próprio corpo: vida e integridade física x liberdade ... 324

3.7 O direito ao fim de vida digno: uma leitura conjunta dos direitos e liberdades ... 336

. . As DA s como instrumento de proteção da autonomia pessoal ...344

3.8 O papel do Estado frente às liberdades individuais nas questões de fim de vida ... 350

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NOTA CONCLUSIVAS PARTE I ... 369

PARTE II ... 387

Capítulo Quarto – DIRETIVAS ANTECIPADAS EM MATÉRIA DE CUIDADOS COM A SAÚDE E A DOGMÁTICA JURÍDICA ... 387

4.1 A construção de uma dogmática jurídica ... 387

4.2 Negócio jurídico e os planos da existência, validade e eficácia ... 390

4.3 Enquadramento das diretivas antecipadas ... 404

4.3.1 Natureza jurídica ...404 4.3.2 Definição ...408 4.3.3 Terminologia ...410 4.3.4 Elementos essenciais ...414 4.3.4.1 Agente ...415 4.3.4.2 Forma...420 4.3.4.3 Objeto ...430

4.4 Os consensos possíveis em matéria de cuidados de saúde que direcionarão o conteúdo das diretivas... 433

4.5 As cláusulas das DA’s ... 442

4.5.1 Situações clínicas em que serão aplicadas...445

4.5.2 Indicações específicas dos tratamentos...450

4.5.3 Indicações gerais ...458

4.5.4 Nomeação de representante ...460

4.5.5 Cláusulas diversas...467

. Validade e invalidade das DA’s ... 469

. Eficácia e ineficácia das DA’s ... 476

4.7.1 Prazo legal ...483

. A publicização das DA’s ... 487

4.8.1 O direito de privacidade do paciente e o dever de confidencialidade do médico...491

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Capítulo Quinto - DIRETIVAS ANTECIPADAS - FUNDAMENTOS E EFETIVIDADE .. 497

5.1 Fundamentos das diretivas antecipadas ... 497

5.1.1 A adequação bioética...497

5.1.2 A adequação aos valores constitucionais ...503

5.2 A recepção pelos ordenamentos jurídicos ... 512

5.2.1 A legislação infraconstitucional ...512

5.2.2 A necessidade (ou não) de legislação específica...516

5.3 A efetividade do direito aplicada às diretivas antecipadas ... 520

5.4 O cumprimento das diretivas antecipadas ... 526

5.4.1 Princípios comuns aos negócios de direitos existenciais...528

5.4.2 O problema da interpretação das diretivas antecipadas ...532

5.4.3 O desconhecimento da existência de diretivas antecipadas de vontade ...542

5.4.4 As diretivas válidas e a decisão familiar ...544

5.4.5 A responsabilidade médica no cumprimento das diretivas...549

5.4.5.1 O descumprimento das diretivas válidas e o cumprimento das inválidas ...550

5.4.5.2 A objeção de consciência...554

. As garantias de cumprimento das DA’s ... 561

5.5.1 A garantia decorrente de um dever ético e legal ...561

5.5.2 A garantia decorrente de imposição judicial ...567

5.5.3 A quem se reconhece a qualidade de garantidor do cumprimento de uma diretiva ..570

5.6 A importância das diretivas antecipadas para promoção dos direitos fundamentais da pessoa ... 574

NOTAS CONCLUSIVAS PARTE II ... 579

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 589

REFERÊNCIAS ... 601

ANEXO A - Lei n.º 25 de 16 de julho 2012... 633

ANEXO B - Resolução CFM nº 1.995/2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes ... 637

ANEXO C – Modelo português de diretiva antecipada de vontade (DAV)... 643

ANEXO D – Modelo francês de diretivas antecipadas concernentes a situações de fim de vida ... 645

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INTRODUÇÃO

As diretivas antecipadas são manifestações de vontade da pessoa em relação aos cuidados de saúde que pretende ou não se submeter, para ter eficácia nos momentos em que não possa mais se expressar.

Estabelecer uma diretiva antecipada é uma tarefa difícil porque exige, antes de tudo, pensar, processar e manifestar o reconhecimento de que a vida é finita. Exige também analisar crenças e valores, desejos e vontades, de maneira que a disposição represente o que se pretende para o fim da vida de maneira coerente com tudo o que se viveu, em um exercício da autonomia pessoal.

Esta tese tem por objetivo a análise dos fundamentos constitucionais e adequações legais das diretivas antecipadas em matéria de cuidados de saúde.

Debates sobre a boa morte não são novos. Em todos os povos e todas as épocas encontram-se referências às questões relacionadas à eutanásia, de forma expressa ou tácita. O tema ressurge em decorrência da evolução técnico -científica que permite manipular o momento da morte, antecipando-a ou mesmo retardando-a, em algumas circunstâncias, em verdadeira obstinação irracional com grande sofrimento ao paciente, em um verdadeiro prolongamento do processo de morte, quebrando com o tratamento digno que o homem deve ter até o fim de sua existência.

Falar em antecipar a morte é o tema que suscita maior controvérsia do que a ideia de prolongá-la. Ambos, contudo, nos seus extremos, são considerados como intervenção inadequada. Enquanto que, a negativa de se submeter a um tratamento ou de interrompê-lo, quando não agregar benefício, vem ganhando cada vez mais adesão no meio médico-científico e nas sociedades contemporâneas. Com isso, o debate dirige-se por deixar a morte chegar no tempo certo.

Anos atrás não se cogitava que esse questionamento ocorreria. A morte era soberana e quase sempre acontecia muito cedo e de forma rápida. Tanto que a média de vida do ser humano já chegou a ser de trinta anos. Contra ela pouco ou quase nada poderia ser feito.

Foi o desejo de vencer a morte que nos levou a esse estágio atual das coisas, com uma evolução surpreendente na área técnico-científica. Para cada vírus, bactéria, doença, o homem respondeu com ciência, conhecimento e esperança, derrubando um a um cada inimigo da vida humana. É essa evolução que permite ter hoje uma expectativa

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média de vida, mesmo em países em desenvolvimento, de setenta e cinco anos, com plenas condições físicas e mentais.

Paira, contudo, sempre e inevitável, a finitude da vida. Se é uma verdade que o homem foi eficaz em tomar para si o controle do momento da morte, não é menos verdade que ainda não conseguiu impedi-la de agir.

Na medida em que um problema é resolvido outros surgem, mantendo a dinâmica da vida, que é agregar conhecimento na tentativa de encontrar uma solução e, quem sabe, vir a dominar por completo o espectro da morte.

Paradoxalmente, acentuou-se a dificuldade de pensar no fim de vida e mesmo de expressar essa realidade.

A morte é, sem dúvida, um dos pontos mais nevrálgicos da existência humana. Embora inevitável, é considerada como o grande mal a ser temido e de preferência evitada a todo custo. Essa ideia é reforçada na sociedade moderna, que privilegia a felicidade instantânea atribuída ao ter, a utilização desmedida dos be ns de consumo, representativos do status e poder, em detrimento do conhecimento e da meditação sobre a vida e a morte.

Falar da morte está associado ao fim e a infelicidade que se quer evitar. Difícil de ser encarada com tranquilidade, pouco se fala e quanto mais se retarda, melhor. O homem foi eficiente em desenvolver técnicas que permitem a extensão da vida, ganhando tanto em quantidade, a ponto de perder o referencial das condições de qualidade. Preocupa-se com o tempo de vida e não com a vida dentro do seu tempo.

É certo que a vida humana apresenta-se como inviolável. Qualquer concepção, mesmo laica, nos conduz a ideia de que não podemos tratar os seres vivos como meros instrumentos, mas como um fim em si mesmo.

Na condução da tese, preferiu-se centrar em conceitos laicos, com a finalidade de deixar claro que, independente de concepções religiosas, a vida, e dentro dela a vida humana, é, por si só, motivo de veneração.

A vida a ser protegida é uma vida que permita o livre desenvolvimento da personalidade, o exercício da autonomia pessoal, expressões de autodeterminação de acordo com as crenças, conceitos e convicções, inclusive em seus momentos finais.

A vida é cíclica: o nascimento, o crescimento, o amadurecimento e a inevitável morte. A natureza nos mostra um ciclo perfeito, em que a morte é parte da vida e não o seu antagonismo. Assim, o direito a um fim de vida digno surge como um direito a

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merecer proteção. Essa situação nos leva a reconhecer que uma vida de qualidade implica o direito a uma morte sem sofrimento ou dor desmedida imposta por um prolongamento indevido.

O direito a um fim digno não é oposição ao direito a vida, mas sua complementação. É reconhecer que o ser humano é dotado de capacidade de apreender, compreender, decidir e se autodeterminar. Pode, inclusive, com relação aos direitos que lhe são fundamentais, recusar a um direito em benefício de outro, quando em busca do reconhecimento e promoção da sua dignidade.

É nesse sentido que, negar a possibilidade de decisões de fim de vida, pod e ser mais prejudicial ao indivíduo do que encarar a morte de frente e reconhecer que há limite, mesmo para a vida. Estabelecer diferenças entre as situações de fim de vida e analisar as possíveis alternativas sem prévios conceitos é um caminho que deve se r trilhado.

Importante, porém, que se deixe claro que esses atos de manifestação prévia de cuidados de saúde não se referem diretamente às questões de eutanásia ou suicídio assistido. As DA s devem se conformar com as legislações do lugar em que forem emitidas. Esses temas apenas se interligam na medida em que tratam de questões de fim de vida, de grande importância nos dias atuais e, em razão de que, nos países em que essas práticas são admitidas, há previsão de que podem constar das diretivas.

As diretivas antecipadas em matéria de cuidados de saúde apresentam-se, assim, como um instrumento para o exercício desses direitos fundamentais de vida, de liberdade e de autonomia.

Na esfera jurídica cabe a análise desses atos, considerando sua natureza e a sua possibilidade de produzir os efeitos pretendidos pela parte, em especial com relação às decisões que se projetam para cumprimento de terceiros.

Os atos de manifestação antecipada de cuidados de saúde e fim de vida ganharam visibilidade há cerca de trinta anos, com maior divulgação e receptividade em alguns países, como os Estados Unidos da América que desde o ano de 1990 disciplina essas manifestações. Ao longo desse período foi introduzido em alguns países da América Latina e debatido com maior ênfase na Europa. Portugal, no ano de 2012, publica lei que disciplina a forma, conteúdo, validade e eficácia de tais documentos, inclusive com a criação de um registro nacional dos dados, no ano de 2014. Começa a ser tratada em

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países como o Brasil, no qual se tem regulamentação do Conselho Federal de Medicina, datada do ano de 2012.

Não há como fugir dos conceitos culturais e sociais próprios de cada sociedade, nem de debates anteriores sobre o fim de vida, como forma de disciplinar essas manifestações o mais próximo possível da cultura local.

Ponto pacífico é que tais atos, com status de declarações negociais, são plenamente revogáveis, por qualquer meio e em qualquer tempo, de forma que, no momento em que se apresente a situação de fim de vida, se a pessoa mantiver a capacidade de se manifestar, prevalecerá a última decisão.

Com isso, fica evidente que as diretivas antecipadas produzirão seus efeitos nos períodos em que a pessoa não puder manifestar sua vontade, bastante comum em situações de fim de vida. Conterão a vontade do paciente, podendo indicar seus conceitos e crenças, suas opiniões e desejos ou de forma objetiva os tratamentos que aceita ou não se submeter.

As manifestações de vontade, reproduzidas em um documento, repr esentam um avanço, na medida em que permitem observar as decisões da própria pessoa nos momentos finais da existência humana, mesmo que não possa se expressar diretamente. Permitem, ainda, a indicação de representante para a tomada de decisões em seu nome.

Importante que essas disposições estariam restritas às questões relativas a problemas de saúde e mantém seus efeitos nas situações de incapacidade do declarante. São destinadas para os casos em que a evolução de uma doença ou um evento abrupto conduza a uma incapacidade de manifestação expressa da vontade.

Enfim, como matéria nova, ainda em assentamento sobre os fatos reais, muitas são as indagações que motivaram a pesquisa sobre o tema. Vão desde o fundamento que permite a recepção desses atos, passando pela sua natureza jurídica, a terminologia a ser conferida, o conteúdo permitido, até análise de sua validade e eficácia.

O objetivo geral deste trabalho é analisar os fundamentos de natureza constitucional que justificam e autorizam o estabelecimento de diretivas antecipadas em matéria de cuidados de saúde.

Reconhecida a constitucionalidade desses instrumentos nos países ocidentais democráticos e plurais, que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, é importante verificar como podem ser recepcionados na ordem jurídica posta. Assim, são objetivos mais específicos verificar se a disciplina jurídica em Portugal, no qual há lei

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exclusiva sobre a matéria, bem como se a ausência de disciplina expressa sobre esse tema, como ocorre no Brasil, é empecilho ou não para o seu ingresso no mundo jurídico.

As diretivas devem indicar as circunstâncias em que passam a produzir os efeitos desejados e especificar o que a pessoa gostaria ou não para esses momentos, observando naturalmente os regramentos nacionais e os consensos éticos sobre o tema. O fato de serem a projeção de uma circunstância pode gerar a sua não utilização, pois o final da vida pode apresentar-se de forma diversa da projetada pela pessoa. Ou mesmo, é possível que as medidas solicitadas não sejam próprias para serem aplicadas na situação em que a pessoa se encontra, de acordo com os padrões médicos mais atualizados. Diz-se isso, pois, para demonstrar as limitações do ato ora em análiDiz-se, a despeito de todas as expectativas nele depositadas.

Outrossim, não se desconhece os riscos envolvidos, pois a eficácia dos documentos ocorreria em momento de maior fragilidade da pessoa, tanto que, não estaria em condições de manifestar sua decisão. Difere, contudo, de situações de vulnerabilidade, pois a elaboração do documento exige consciência plena e informação. Importante, pois, para o estudo das diretivas antecipadas, a análise dos consentimentos livres e esclarecidos desenvolvidos na área médica, que permitem a interação médico/paciente, que já predomina nessas relações, reconhecendo o respeito que deve ser conferido à pessoa, um dos princípios norteadores da bioética.

As diretivas direcionam-se para afirmar a autonomia pessoal, visando manter coerência dos atos da pessoa mesmo nos momentos de fim de vida. Não é raro a incapacidade se instalar nessas situações finais de vida, quando então decisões sobre a esfera mais íntima são transferidas para terceiros, familiares e/ou equipe médica. Menos raro ainda é que essas questões de vida/morte virem disputas, chegando mesmo a demandas judiciais que podem envolver divergências entre equipes médicas e familiares, ou mesmo de familiares entre si. Nesses casos, os sentimentos e vontades que se sobressaem são das pessoas envolvidas na disputa e não mais do paciente, que ao perder sua capacidade, perde sua autonomia.

Outra circunstância comum é de não terem conhecimento do que o paciente gostaria para aquela situação. Tema de difícil abordagem é deixado a latere nas relações familiares.

(19)

As situações de incapacidade, em regra, apresentam-se sem que o assunto tenha sido abordado previamente, não mais conferindo oportunidade ao paciente de comunicar os tratamentos e cuidados que está, ou não, disposto a submeter -se.

Da mesma forma que o termo de consentimento informado não pode virar uma mera etapa burocrática na relação médico/paciente. Em especial com vista a prática de uma medicina defensiva, também as diretivas antecipadas devem ter um regramento legal claro com relação aos seus requisitos de validade e dos fatores que garantam sua eficácia, de forma a não permitir que sua utilização apenas ocorra se estiver de acordo com a vontade do médico e/ou sua equipe, ou de acordo com a decisão familiar. Ao contrário, a vontade do paciente é que deve prevalecer se a situação prevista se apresentar e as determinações/solicitações forem válidas.

Como declaração de vontade com vistas a produzir efeitos, socialmente reconhecidos, as diretivas enquadram-se na categoria de negócio jurídico, no qual há a projeção de vontade. Embora não se confunda, assemelha-se bastante aos testamentos, de forma que as disposições legais que regem essa matéria podem servir de subsídio para a sua análise. Da mesma forma que os testamentos geram polêmicas e questões jurídicas, a despeito de toda a formalidade composta para assegurar a aplicação, em observância a real vontade do testador, também essas novas declarações podem ser passíveis de má utilização, dificuldades de interpretação, questionamentos quanto a sua validade e análise da possibilidade de produzir os efeitos pretendidos pelo manifestante.

Se é verdade que existem riscos no acolhimento desses atos, também é verdade que o não acolhimento e disciplina podem comprometer a autonomia da pessoa em momentos finais de sua vida. Momentos estes que devem estar protegidos na sua dignidade tanto quanto, ou possivelmente até mesmo mais do que, em todo o decorrer de sua existência.

Esta tese foi dividida em duas partes.

A primeira busca contextualizar o tema, analisando as alterações da relação médico-paciente, perpassando a teoria do consentimento informado e as contribuições bioéticas, até chegar às diretivas antecipadas, que se apresentam como um instrumento de manutenção da autonomia do paciente, mesmo quando sem condições de manifestação expressa direta.

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Partindo-se da análise de casos judiciais internacionais, verificou-se que as diretivas antecipadas surgiram no espaço em que se procurava estabelecer a vontade presumida do paciente incompetente. É, pois, da necessidade imposta pelos fatos da vida que surge o novo ato de manifestação da vontade sobre direitos existenciais primordiais a qualquer ser humano.

Na sequência, dentro da proposta de contextualização, analisa-se a cultura da morte no mundo ocidental contemporâneo e os problemas filosóficos impos tos pela ideia de sua negação e da busca do prolongamento da existência corpórea. Procura integrar a morte como um elemento do ciclo da vida e, como tal, período no qual a dignidade humana deve ser preservada, autorizando reconhecer o direito do indivíduo, de forma direta ou projetada, tomar decisões sobre sua saúde e fim de vida.

São analisados os critérios científicos atuais que atestam a morte e a possibilidade de manipulação, antecipando ou prolongando esse momento, bem como os problemas éticos gerados, em especial os que surgiram da utilização de novas tecnologias. Salienta-se o conceito que considera o momento certo da morte, de maior adequação ética, e que propõe o atendimento e cuidado da pessoa durante todo o processo de final de vida. Encerra com a análise dos benefícios e as críticas apresentadas às DA s nesses ’ltimos anos.

No final desta parte, a análise é voltada para o estudo dos direitos fundamentais, em especial o conteúdo do direito à vida e à integridade física nos estados democráticos de direito, e questões relativas à sua renúncia. Trata do conflito entre direito à vida e à liberdade, e debate a prevalência da autonomia pessoal nas questões relacionadas aos direitos fundamentais individuais, com ênfase nas decisões de cuidados de vida e saúde. Por ser um instrumento que permite manter a autonomia na etapa final de existência, preocupa-se em garantir a sua correta utilização no momento em que devam ser aplicadas. A segunda parte do trabalho, assim, direciona-se para a sistematização jurídica desses atos.

As diretivas antecipadas apresentam-se como realidade nos países ocidentais, impondo um tratamento jurídico de acordo com os fundamentos constitucionais que a embasam, tanto como forma de garantir a manifestação livre da vontade, como d e dar eficácia às deliberações da vontade da pessoa, quando esta não puder mais se manifestar. Busca-se, pois, estabelecer uma dogmática jurídica com vistas à segurança da utilização das diretivas.

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A tese, então: analisa a teoria do negócio jurídico, expressão da autonomia pessoal, nos seus planos de existência, validade e eficácia; enquadra as diretivas antecipadas na categoria de negócio jurídico, com referência aos elementos essenciais gerais para a sua constituição; dedica espaço para delimitação dos consensos possíveis em matéria de cuidados de saúde, encaminhando para o detalhamento do conteúdo desses atos; examina os requisitos de validade/invalidade e os fatores de eficácia/ineficácia das diretivas antecipadas, com ênfase ao aspecto positivo desses planos; repassa princípios aplicáveis aos negócios jurídicos de categoria similar às diretivas; e, analisa a questão da publicização desses atos, observando princípios da privacidade e confidencialidade dos dados.

Por fim, identifica-se os fundamentos éticos e legais das diretivas. Tendo por base uma diretiva considerada como válida e eficaz, foram analisadas as questões que dizem com o seu cumprimento, como a interpretação e a responsabilidade médica, e com o problema da efetividade social e os mecanismos de garantia de atendimento dessas disposições.

De grande importância para o exercício dos direitos e liberdades da pessoa humana, as diretivas exigem uma análise atenta e cuidadosa com a qual se pretende colaborar com a pesquisa e estudo do tema nessa tese.

(22)

PARTE I

Capítulo Primeiro – O CAMINHO PARA A PARTICIPAÇÃO DO PACIENTE NA TOMADA DE DECISÃO EM MATÉRIA DE CUIDADOS DE SAÚDE

1.1 Breves considerações a respeito da ciência médica e sua evolução

A evolução técnico-científica, em especial na área médica, é um dado concreto. Ao agregar novos conhecimentos ganha-se em qualidade e até mesmo em tempo de vida. Contudo, surgem novos questionamentos exigindo que se repense ideias postas, tradições e crenças. Essa evolução traz novos problemas éticos que reclamam decisões com base em referenciais teóricos.

A necessidade de desenvolvimento e domínio da técnica colocou em evidência a pesquisa como forma de obter o conhecimento necessário. É nesse campo que a utilização da pessoa para experimentos apresentou-se, em muitos casos, de forma inadequada e indevida, atentando contra a natureza humana, o que gerou indagações sobre os limites da ciência.

O ser humano foi explorado como verdadeiro objeto de estudo em favor da ciência e a despeito de toda e qualquer necessidade própria. Muitos são os casos relatados na literatura científica que geraram movimentos para repensar a forma de desenvolvimento da ciência1.

1 Leo Pessini, na introdução a edição brasileira do livro de Beauchamps e Childress, Princípios da ética biomédica, relaciona: Em , no (ospital )sraelita de doenças crônicas de Nova York, foram injetadas células cancerosas vivas em idosos doentes; entre 1950 e 1970, no hospital estatal de Willowbrook (NY), injetaram hepatite viral em crianças retardadas mentais; desde os anos de 1940, mas descoberto apenas em 1972, no caso de Tuskegeestudy no estado do Alabama, foram deixados sem tratamento 400 negros sifilíticos para pesquisar a história natural da doença. A pesquisa continuou até 1972, apesar da descoberta da penicilina em 1945. Em 1996, o governo norte-americano pediu desculpas públicas a esta comunidade negra pelo que foi feito . BEAUC(AMP, Tom L.; C()LDRESS, James F. Princípios da ética

biomédica. São Paulo: Loyola, 2002. pp. 9-10. Também é reconhecido o abuso das pesquisas com animais.

No livro «Libertação Animal» de Peter Singer, publicado pela primeira vez em 1975, há descrições de experiências em que não há conhecimento agregado, v. g.: Em experimentos realizados na )nglaterra, pelo Huntingdon Research Institute, junto com a empresa gigante ICI, quarenta macacos foram env enenados com o herbicida letal paraquat. Ficaram muito doentes, tinham dificuldade para respirar e apresentaram hipotermia. Morreram lentamente, ao longo de vários dias. Já se sabia que o envenenamento de seres humanos com este herbicida resultava em morte lenta e agonizante . S)NGER, Peter. Libertação animal. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 81.

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O incremento da ciência, por outro lado, é necessário e salutar. Por meio dela se obteve resultados concretos no desenvolvimento humano e no domínio da natureza, a vista, por exemplo, do aumento da expectativa de vida ao longo dos anos2.

Se por um lado o desenvolvimento da ciência é necessário, por outro a dignidade da pessoa humana deve ser o princípio norteador de toda decisão. Apresenta-se a questão do limite do desenvolvimento. Questiona-se: para o desenvolvimento da humanidade como um todo, pode a pessoa ser utilizada como instrumento ou seria exatamente esse o limite?

Em especial no Pós II Guerra Mundial, comunidades científicas internacionais passaram a perquirir como desenvolver a ciência em prol da humanidade, sem utilizar o ser humano como um mero objeto de experimentos.

Pesquisas realizadas sem conhecimento do participante, na maioria das vezes colocando-o em risco, geraram revolta na sociedade e conduziram para a necessidade de esclarecimento do sujeito da pesquisa, deixando claro os riscos e benefícios envolvidos e de manifestação expressa de seu consentimento em participar do processo.

O Código de Nuremberg pode ser citado como um dos primeiros documentos internacionais que procura estabelecer uma regra ética para o desenvolvimento da ciência ao estabelecer como necessário o consentimento do participante de pesquisa3.

Na sequência, a Declaração de Helsinque surge como o documento-base mais

importante e mais amplamente aceite no campo da investigação médica em seres humanos4 .

2 Nesse sentido os dados de Portugal apresentados por Machado: A esperança de vida à nascença (calculada para períodos de três anos consecutivos) evoluiu de 76,63 anos em 1999/2001 para 78,90 anos em / , o que corresponde a um crescimento relativo de , % . MAC(ADO, Maria do Céu et al. A

morte e o morrer em Portugal. Coimbra: Almedina, 2011. p. 32.

3 Código de Nuremberg – 1947: 1. O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimento suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão. Esse último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a duração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as inconveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante, que eventualmente possam ocorrer, devido à sua participação no experimento. O dever e a responsabilidade de garantir a qualidade do consentimento repousam sobre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete nele. São deveres e responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem impunemente. CENTRO DE BIOÉTICA DO CREMESP. Código de Nuremberg. 30 set. 2002. Disponível em: <http://www.bioetica.org.br/?siteAcao=DiretrizesDeclaracoesIntegra&id=2>. Acesso em: 09 jun. 2015.

4 Nesse sentido manifesta-se Sgreccia, apresentando a cronologia das atualizações da referida declaração: A Associação Médica Mundial AMM , por ocasião da sua º Assembléia Geral, que teve lugar em Edimburgo em Outubro de , aprovou uma nova versão da Declaração de (elsínquia, […] A Declaração

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É, pois, na área da pesquisa cientifica que se pode identificar os primeiros movimentos com vistas a se pensar em desenvolvimento com responsabilidade e justificação ética na área médica.

A par dessa intervenção na pesquisa, na área de assistência clinica há, também, o reconhecimento da capacidade do paciente em interagir e tomar decisões quanto aos tratamentos que pode/quer ou não se sujeitar.

Goldim, ao remontar as origens do consentimento do paciente, identifica como primeiro documento, na área da pesquisa, o contrato realizado pelo Dr. William Beaumont e seu paciente Alexis St. Martin, cujo caso passou a monitorar, ainda no ano de 1833. E, na área assistencial, o reconhecimento da necessidade da autorização do paciente para o tratamento que lhe foi proposto pelo médico, caso ocorrido ainda no ano de 1767, na Inglaterra, que teve como paciente o Sr. Slater e como médicos o Dr . Baker e seu colega Dr. Stapleton. O termo consentimento informado, contudo, teria sido empregado pela primeira vez, em decisão judicial na Califórnia/EUA, no ano de 19575.

Diante dessas novas situações surge a teoria do consentimento informado, que tem como base a necessidade de serem prestadas, ao paciente ou participante de pesquisa, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão racional, bem como a exigência da formalização desse consentimento.

Na área da saúde, pois, afirma-se o respeito pela pessoa, com reconhecimento da sua capacidade de compreensão do que lhe é ofertado e de participação na tomada de decisão, quer se trate de cuidados assistenciais ou de investigação. Todo o indivíduo pode e deve participar das decisões que digam respeito ao seu corpo, sua saúde e sua vida.

de Helsínquia, adoptada em junho de 1964 pela 18ª Assembleia Geral da AMM foi posteriormente emendada pela 29ª Assembleia Geral de Tóquio, em Outubro de 1975; pela 35ª Assembléia Geral de Veneza, em Outubro de 1983; pela 41º Assembleia Geral de Hong Kong, em Setembro de 1989; e pela Assembleia Geral da Africa do Sul, em Somerset West, em Outubro de . SGRECC)A, Elio. Manual de

bioética: fundamentos e ética biomédica. Caiscais: Princípia Editora, 2009. p. 750.

5 Cfr. GOLDIM, José Roberto. O consentimento informado numa perspectiva além da autonomia. Revista

AMRIGS, Porto Alegre, v. 46, n. 3/4, p. 109-110, jul./dez. 2002. Disponível em: <http://www.amrigs.com.br/revista/46-03/O%20consentimento%20informado%20numa%20

(25)

1.2 A contribuição da bioética

A bioética surge como um campo específico de estudo que pretende debater questões de natureza ética envolvidas em decisões relativas à vida e ao viver.

A utilização do termo bioética pela primeira vez é atribuída ao pastor Luterano Fritz Jarh, ainda no ano de 19246, quando chamou a atenção para o cuidado que se deve

ter não só para com o próprio homem, mas com todos os seres vivos7. Por volta dos anos

70, o termo é utilizado e difundido por Van Potter8.

A partir da década de 1960 e com ênfase nessa entrada do século XXI, a surpreendente evolução técnico-científica faz ressurgir a preocupação com os rumos da ciência e os valores ético-morais da humanidade, e gera o debate sobre como lidar com as novas possibilidades surgidas na área médico-científica.

Da possibilidade de manipulação de embriões humanos fora do útero materno à manutenção da vida por meio de aparelhos, passando pelo transplante de órgãos, criação de novos medicamentos, terapias com poder curativo e/ou de eliminação de sintomas, o progresso da ciência na vida humana está cada vez mais presente.

Tanto para uma simples adequação desses valores científicos aos valores morais da natureza humana, como porque a cada dia novos desafios são propostos, sobre os quais a humanidade nunca tinha se debruçado, é importante um espaço de debate crítico, que busque soluções mais éticas, de forma a adequar o proveito da ciência e a proteção do homem, a assegurar que este é o fim maior daquela, e não o seu instrumento.

As pesquisas com seres humanos, em especial no pós-guerra, ao lado do incremento na ciência, a vista das novidades na área de farmacologia, trouxeram a preocupação do uso da pessoa como um mero instrumento para obtenção do p rogresso.

6 Cfr. GOLDIM, José Roberto. Bioética complexa: uma abordagem abrangente para o processo de tomada de decisão. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, v. 53, n. 1, p. 58, jan./mar. 2009. Disponível em: <http://www.bioetica.ufrgs.br/complexamrigs09.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2015.

7 From Bio-Psychik it is only one step to Bio-Ethics [Bio-Ethik], i.e. to the assumption of ethical responsibilities not only towards humans but towards all living beings . Livre tradução: Da Bio-Psychiké apenas um passo para Bio-Ética [Bio-Ethik], ou seja, para a assunção de responsabilidades éticas não só para com os seres humanos, mas para com todos os seres vivos . JAHR, Fritz. Essays in Bioethics and

Ethics 1927-1947. Bochum: Zentrum für Medizinische Ethik, 2011. p. 1.

8 Grande parte dos autores atribuem a criação do termo à Van Potter, mas como se verifica pela citação acima, já havia sido utilizado por Jahr. Nesse sentido refere Gafo: O termo Bioética do grego bios, vida, e

éthos, ética) é um novo nome, utilizado pela primeira vez pelo oncologista norte-americano Van

Rensselaer Potter, no seu livro Bioethics: Bridge to the Future (1971), no qual propõe a seguinte definição do seu neologismo: «uma nova disciplina que combina conhecimento biológico com um conhecimento de sistemas de valores humanos» . GAFO, Javier. Bioética. Lisboa: Paulus, 2011. p. 13.

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Ainda que a finalidade possa ser justificada como sendo em prol da humanidade como um todo, a utilização de uma pessoa para esse fim quebra com a proteção que cada um merece.

A situação agrava-se na medida em que os experimentos são direcionados para pessoas vulneráveis, quer por sua condição própria, quer porque o contexto social assim a coloca. A imposição e o desconhecimento por parte do sujeito da pesquisa implicavam em grave ofensa aos direitos individuais.

Adequar o desenvolvimento da ciência com a manutenção da proteção da pessoa humana passa a ser um desafio. Surgem daí as noções relativas ao consentimento informado, que permitem a busca pela evolução da ciência com o respeito pelo indivíduo, aplicado tanto na área da pesquisa como da assistência.

Na tentativa de estabelecer parâmetros que auxiliassem na tomada de decisão ética, o Relatório Belmont, com base nos estudos de James Childress e Tom Beauchamps, respectivamente teólogo e filósofo vinculados ao Instituto Kennedy de Bioética, relaciona três princípios centrais, quais sejam, da beneficência, da autonomia e da justiça.

Está lançada a base da corrente principialista da bioética, que com o aprimoramento desses princípios tem a pretensão de servir como base referencial para a tomada de decisões éticas nas questões que envolvem problemas de saúde e de vida.

O princípio da beneficência tem por base o juramento hipocrático no qual os médicos se vinculam, com vistas a fazer o bem. Segundo Beauchamps e Childress, o termo beneficência é utilizado no seu sentido amplo, incluindo todas as formas de ações realizadas em benefício das outras pessoas, enquanto que o princípio se refere a uma obrigação moral de agir em prol dos outros9.

Depois, esse princípio foi diferenciado do princípio da não -maleficência, qual seja, obrigação de não causar dano aos outros intencionalmente10. Embora reconheçam que

9 Referem os autores: We use the term in this chapter to cover beneficent action in a broad sense, so that it includes all forms of action intended to benefit other persons. Benevolence refers to the character trait or virtue of being disposed to act for the benefit of other. Principle of beneficence refers to a statement of moral obligation to act for the benefit of others. Livre tradução: Usamos o termo neste capítulo para cobrir as ações beneficentes em sentido lato, de modo a incluir todas as formas de ação destinadas a beneficiar outras pessoas. Benevolência refere-se ao traço de caráter ou virtude de estar dispostos a agir em benefício de outros. Princípio da beneficência refere-se a uma declaração de obrigação moral de agir em benefício de outros . BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Principles of Biomedical Ethics. 7th ed. New York: Oxford University Press, 2013. p. 203.

10 Nesse sentido: The principle of nonmaleficence obligates us to abstain from causing harm to others. In medical ethics this principle has been treated as effectively identical to the celebrated maxim Primum non

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alguns autores, como William Frankena, não diferenciam beneficência da não -maleficência11, para Beauchamps e Childress não causar dano é obrigação própria qu e

diz respeito a princípio diverso da beneficência e que, em determinadas circunstâncias, pode ter até mesmo um peso maior que este.

O princípio da justiça propõe uma distribuição apropriada de benefícios e encargos, de forma justa e equitativa. Ao tratar do princípio da Justiça, os autores reconhecem que não há um princípio único capaz de resolver todos os problemas que se apresentam, mas vários princípios de justiça que devem ser aceitos e ponderados nos contextos particulares12.

Concluem admitindo a extrema dificuldade de um sistema de saúde justo e igualitário, em especial pelos problemas de alocação de recursos, mas reconhecem o direito obrigatório a um mínimo digno de assistência à saúde, de forma que se faz necessário o compromisso com procedimentos eficientes e justos, sempre que se estiver a tratar com questões relativas aos recursos da saúde13.

nocere: Above all [or first] do no harm. (Livre tradução: O princípio da não-maleficência nos obriga a

abster-se de causar danos a outros. Em ética médica este princípio tem sido tratado como idêntico a célebre máxima Primum non nocere : "Acima de tudo [ou primeiro] não fazer mal.). BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Principles…, p. .

11 Ao tratar do princípio de que chama de benevolência, fica evidente que o autor se refere tanto ao conceito de fazer o bem e de evitar o mal. Assim refere Frankena: Por princípio de utilidade ou de beneficência, desejamos seja entendido, muito estritamente, o princípio segundo o qual devemos praticar o ato ou observar a regra que produzirá ou provavelmente virá a produzir, no universo, a maior quantidade possível de bem em relação ao mal. Parece-me claro, entretanto, que esse princípio pressupõe outro que o precede, ou seja, o de que devemos praticar o bem e impedir ou evitar que o mal se faça. Se não existisse essa obrigação primeira, não poderíamos ter o dever de procurar promover a maior quantidade possível de bem em relação ao mal. Em verdade, o princípio de utilidade corresponde a uma concessão ao ideal. O ideal seria que se praticasse apenas o bem, jamais fazendo o mal (esqueça-se de momento, a justiça). Mas isso é impossível, e, assim, vemo-nos forçados a tentar favorecer a maior preponderância possível do bem em relação ao mal. Sendo assim, o princípio de utilidade pressupõe e deriva de um princípio básico – o de que se deve criar o bem e impedir o mal. Teremos uma obrigação

prima facie de favorecer a preponderância do bem sobre o mal, se, e somente se, tivermos uma anterior

obrigação prima facie de praticar o bem e evitar o mal. Esse princípio anterior será por mim chamado princípio da benevolência . FRANKENA, William. Ética. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. p. 59. 12 Lecionam os autores: The term distributive justice refers to fair, equitable, and appropriate distribution benefits and burdens determined by norms that structure the terms of social cooperation.[..] No single moral principle is capable of addressing all problems of justice. In this chapter we disc uss several principles and consider how they can be balanced and specified in contexts of health care and public health . Livre tradução: O termo justiça distributiva refere-se a benefícios de distribuição justos, equitativos e adequados e encargos determinados por normas que estruturamos termos da cooperação social [...] Não existe um único princípio moral capaz de enfrentar todos os problemas de justiça. Neste capítulo, discutiremos alguns princípios e consideraremos como eles podem ser sopesados nos contextos de cuidados de sa’de e de sa’de p’blica . BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Principles…, p. 250.

13 Global justice and just national health care systems are distant goals for millions who encounter the entrenched barriers to achieving these goals. […] We have proposed recognition of global rights to health and enforceable rights to a decent minimum of health care within a framework for allocation that incorporates both utilitarian and egalitarian standards. This perspective recognizes the legi timacy of

(28)

E, por fim, o princípio do respeito à autonomia das pessoas, que reconhece a possibilidade dessas agirem livremente e de acordo com os planos e metas que estabelecerem. Salientam que é possível identificar, nas várias teorias de autonomia existentes, duas condições essenciais comuns a todas elas, quais sejam, a independência e a capacidade de agir de acordo com a decisão tomada14. Referem que o respeito a

autoridade do outro estaria presente em falar a verdade ao paciente/investigado, na consideração da privacidade, na proteção a confidencialidade dos dados, na obtenção do consentimento para intervenções sobre o paciente e no auxílio a tomada de decisões quando solicitados15. Sustentam a importância desse princípio e a necessidade de maior

desenvolvimento.

Não há hierarquia entre os princípios identificados, mas frente ao caso concreto haverá, na maioria das vezes, prevalência de um dos princípios sobre os demais, de forma a permitir a tomada de decisão que se apresente mais ética.

As críticas à abordagem apresentada por Beauchamps e Childress direcionam-se, em especial, para o fato de que pode haver conflitos entre os princípios elencados e não há a formulação de uma teoria moral unitária que os solucionasse. Para Clouser e Gert, autores notadamente críticos da corrente principialista, a função dos princípios não é

trade-offs between efficiency and justice, a position that mirrors our insistence throughout this book on the possibility of contingent conflicts between beneficence and justice and the need for trade-off between then. (Livre tradução: Justiça global e acesso aos sistemas nacionais de saúde, são metas distantes para milhões de pessoas que enfrentam barreiras para alcançar estes objetivos. […] Propomos o reconhecimento dos direitos de saúde globais e o direito a exigir um mínimo digno de assistênc ia médica dentro de um quadro de alocação que incorpora ambos os padrões utilitaristas e igualitários . Esta perspectiva reconhece a legitimidade das soluções equilíbrio entre eficiência e justiça, uma posição que espelha a nossa insistência ao longo deste livro sobre a possibilidade de conflitos contingentes entre beneficência e justiça e a necessidade de ponderação entre eles.) BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Principles…, p. 293.

14 Referem os autores: Personal autonomy encompasses self-rule that is free from both controlling interference by others and limitations that prevent meaningful choise, such as inadequate understanding. […] The autonomous individual acts freely in accordance with a self-chosen plan, analogous to the way in independent government manages its territories and sets its policies. […] Virtually all theories of autonomy view two conditions as essential: liberty (independence from controlling influences) and agency capacity for intentional action . Livre tradução: Autonomia pessoal engloba autogoverno que é livre tanto de interferências controladoras de outros e de limitações que impedem a escolha significativa, como de compreensões inadequadas. O indivíduo autônomo age livremente, de acordo com um plano de escolhas pessoais, análogo ao modo pelo qual um governo independente gerência seus territórios e define as suas políticas [...] Praticamente todas as teorias de autonomia identificam duas condições essenciais: liberdade (independência de influências controladores) e exercício do poder (capacidade de ação intencional ). BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Principles…, pp. -102.

(29)

adequada como substituto de uma teoria moral, nem serve de diretivas ou guias para determinar uma ação moralmente correta16.

A despeito das críticas apresentadas a essa corrente principialista da bioética é fato que os referidos princípios são fortes referenciais teóricos utilizados na tomada de decisões dos problemas éticos que se apresentam, em especial diante dos avanços tecnológicos já referidos.

Na sequência deste modelo teórico, vários outros foram desenvolvidos, dando início ao que Neves e Osswald denominam de momento entusiasmo, que se caracteriza

pela proliferação de modelos teórico-práticos 17.

Cabe destacar o modelo da bioética complexa, concebido por Goldim18, que

engloba os vários referenciais teóricos, sem desconsiderar questões de ordem individual, que devem ser observadas para a tomada de decisão em matéria de cuidados com a saúde, como crenças, valores e desejos.

Descreve a bioética como uma reflexão complexa, interdisciplinar e

compartilhada sobre a adequação das ações envolvendo a vida e o viver 19. Situa a bioética

na área de reflexão sobre questões relativas à vida e à saúde e afir ma que para uma abordagem abrangente é necessário se utilizar do conhecimento das mais diversas áreas. Reconhece a complexidade do debate proposto porque envolve múltiplos aspectos.

Trabalhando com uma abordagem em que a ética se insere na realidade, prete nde encontrar não a solução ideal, mas a melhor solução para a situação posta, sem deixar de lado nenhuma das alternativas que se apresentem. Para tanto, salienta a importância da

16 Cfr. CLOUSER, K. Danner; GERT, Bernard. A Critique of Principlism. The Journal of Medicine and

Philosophy, n. 15, p. 221, 1990. Disponível em: <http://jmp.oxfordjournals.org/>. Acesso em: 27 mar.

2015.

17 Os autores relacionam modelos que se seguiram, reconhecendo que buscaram valorizar exatamente os aspectos negligenciados por Beauchamps e Childress. Assim elencam: o modelo da lei natural de John Finnis, apresentado em Natural Law and Natural Rights, em 1980; o contratualismo de Robert Veatch, apresentado em A Theory of Medical Ethics, em 1981; o modelo de cuidado de Carol Gilligan, apresentado em )n a Different Voice. Psychological Theory and Women s Development, em ; o modelo libertário de Tristram Engelhardt, apresentado em The Foundations of Bioethics, em 1986; o casuísta de Albert Jonsen e Stephen Toulmin, apresentado em The Abuse of Casuistry. A History of Moral Reasoning, em ; o modelo da virtude de Edmund Pellegrino e David Thormasma apresentado em For the Patient s Good. The Restoration of Beneficence in Health Care, em 1988. NEVES, Maria do Céu Patrão; OSSWALD, Walter. Bioética simples. Lisboa: Editorial Verbo, 2007. pp. 89-90.

18 José Roberto Goldim é Doutor em Medicina, biólogo do Grupo de Pesquisa e Pós -Graduação do HCPA, responsável pelo Laboratório de Pesquisa em Bioética e Ética na Ciência. Professor de Bioética da UFRGS e PUCRS. Porto Alegre/RS – Brasil. Disponível em:

<http://www.ufrgs.br/bioetica/jrg.htm>. Acesso em: 17 jan. 2016. 19 Cfr. GOLDIM, José Roberto. Bioética..., p. 59.

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