• Nenhum resultado encontrado

Educação geográfica ao serviço de uma cidadania portuguesa e interventiva : (re)descobrir um lugar com uma turma do ensino secundário

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Educação geográfica ao serviço de uma cidadania portuguesa e interventiva : (re)descobrir um lugar com uma turma do ensino secundário"

Copied!
156
0
0

Texto

(1)

Universidade de Lisboa

Educação Geográfica ao serviço de uma Cidadania Participativa e Interventiva: (Re)Descobrir um Lugar com uma turma do Ensino Secundário

Marco António Godinho

Mestrado em Ensino de História e Geografia no 3.º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário

Relatório da Prática de Ensino Supervisionada orientado pela Professora Doutora Maria Helena Mariano de Brito Fidalgo Esteves

(2)

Helen Keller, Century Magazine (janeiro de 1905) «Gradually I got used to the silence and darkness that

surrounded me and forgot that it had ever been different, until she came – my teacher – who was to set

my spirit free»

(3)

RESUMO

O principal objetivo deste relatório é a descrição e reflexão sobre uma intervenção pedagógica, no âmbito da Prática de Ensino Supervisionada, que se enquadra na formação inicial de Professores de História e de Geografia. Esta intervenção foi realizada na disciplina de Geografia A, numa turma do 11.º ano de escolaridade, em relação ao tema Os Espaços Organizados pela População. A unidade didática lecionada foi a Expansão Urbana. A formação das áreas metropolitanas resultam de um processo de expansão urbana da cidade principal que envolve, também, outros aglomerados populacionais. Espaços privilegiados em infraestruturas que concentram em si grande número de serviços e vantagens que atraem a população, numa lógica polarizadora, à escala regional e à escala nacional.

Contudo, são as representações espaciais, decorrentes dos contrastes, que requerem soluções e instigam à intervenção local. Assim, a partilha, a mobilização de saberes, a identificação e o equacionamento de alternativas são passos a dar num caminho pelos meandros da Ciência Geográfica almejando uma melhoria global da qualidade de vida. Este aspeto é particularmente importante quando se trata de públicos escolares que já vivenciaram insucesso escolar, cuja trajetória de participação ao longo da vida não inclui estudos longos, nem valoriza o papel da Escola. Nestes casos é essencial envolver a comunidade circundante, tornando os públicos escolares mais participativos e interventivos, construindo cenários de educação formal mais inclusivos. A intervenção pedagógica baseou-se no trabalho colaborativo, nomeadamente entre pares, concretizada através da participação desta turma no Projeto Nós Propomos! Cidadania e Inovação na Educação Geográfica, promovendo o empowerment e a capacidade de intervenção, permitindo-lhes ganhar e expressar voz(es).

Palavras-chave: Escola; Educação Inclusiva; Trabalho Colaborativo; Intervenção Pedagógica; Geografia.

(4)

ABSTRACT

The main goal of this report is the description and reflection about a pedagogical intervention under the Supervised Teaching Practice that fits into the initial pre-service teacher education regarding History and Geography. This intervention took place in Geography, in an 11th grade class, and the theme Spaces Organized by the Population. The teaching unit was the Urban Sprawl. A process of urban expansion of the main city that also involves other settlements originated metropolitan areas. Privileged spaces regarding infrastructures concentrate large number of services and benefits that attract population, a polarizing logic at regional and national levels.

However, the spatial representations arising from the contrasts require solutions and instigate the local intervention. Thus, sharing, knowledge mobilization, identity issues and exploring alternatives are needed steps in order to trace a path through the intricacies of Geographic Science by an overall improvement of life quality. This aspect is particularly important when we are addressing students who already experienced school underachievement, whose life trajectory of participation does not include long studies, and undervalues the role of the School. In these cases, it is essential to involve the surrounding community, to promote students’ participation and intervention, creating formal educational settings that are more inclusive. This pedagogical intervention was based on collaborative work, particularly peer interactions, and was put into practice through the participation of this class in the project We propose! Citizenship and Innovation in Geographic Education, promoting students’ empowerment and their intervention, allowing them to express their voices.

Keywords: School; Inclusive Education; Collaborative Work; Pedagogical Intervention; Geography.

(5)

AGRADECIMENTOS

Neste espaço, dedico breves linhas sobre aqueles cujos caminhos se cruzaram durante um período de tempo, não muito longo, deixando sinais perpétuos. A quem esteve comigo, caminhando ao meu lado, que estendeu a sua generosidade e graça, reflexão e colaboração. Acompanhou de perto os bastidores de uma nem sempre fácil atuação. Contributos indispensáveis para que este ciclo se encerrasse.

Ao universo de Professores e Professoras da Universidade de Lisboa que colaboraram na minha formação. Seria impraticável mencionar os seus nomes, a lista é imensa, deixando apenas em alternativa a menção às instituições. Agradeço ao Instituto de Educação, à Faculdade de Letras e ao Instituto de Geografia e Ordenamento do Território. Uma palavra de reconhecimento e saudade, também, à Universidade de Gazi.

À escola e a quem diariamente que lhe dá forma. Uma palavra de gratidão a quem se entrega por paixão àquilo que faz e não desiste de perseguir o seu sonho. Mais do que um acompanhamento – uma estima. Imensa.

Aos alunos da turma que aceitaram todos os desafios. Sem o seu empenho, este trabalho, nunca teria existido. Que a sua voz não volte a ser amordaçada.

A quem me disse, sob a forma de presente, If you change nothing, nothing will change. Mais do que palavras – os gestos. Inesquecíveis.

A quem foi o meu norte. A quem me recordou do sul. A quem esteve a este e a oeste de mim. Um (e)terno obrigado.

(6)
(7)

ÍNDICE GERAL

RESUMO ... iii

ABSTRACT... iv

AGRADECIMENTOS ... v

ÍNDICE GERAL ...vii

ÍNDICE DE QUADROS... ix

ÍNDICE DE FIGURAS ... xi

ÍNDICE DE ANEXOS ... xiii

INTRODUÇÃO ... 1

1. OS ESPAÇOS ORGANIZADOS PELA POPULAÇÃO: A EXPANSÃO URBANA .... 5

1.1. Ideias em torno do conceito de cidade ... 6

1.2. Fragmentos de uma urbanidade... 8

1.3. Algumas fisionomias urbanas ... 11

1.4. Epicentro de uma experiência pedagógica ... 14

1.5. Leituras espaciais sobre divergências urbanas... 16

2. O TRABALHO COLABORATIVO COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM ... 19

2.1. Definição de trabalho colaborativo em Educação Inclusiva... 21

2.2. Opções metodológicas da iniciação à prática profissional ... 24

2.3. Relevância didática na aprendizagem da Geografia ... 25

3. A EXPERIENCIA E A INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA NO ENSINO SECÚNDARIO ... 29

3.1. Breve caraterização da escola ... 30

3.2. Caraterização da turma ... 33

3.3. Enquadramento da unidade didática nas linhas programáticas... 42

3.4. Praxis docente ... 44

3.4.1. Observação e recolha de dados ... 49

3.4.2. Planificação da intervenção pedagógica ... 57

3.4.3. Descrição da intervenção pedagógica ... 60

3.4.4. Caminhos possíveis para a avaliação: escolhas e desafios ... 67

3.4.5. Participação no Projeto Nós propomos... 70

3.5. Análise e reflexão de resultados ... 75

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 85

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 93

(8)
(9)

ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1 Docentes de nomeação definitiva por departamento (referente a 2013/14) ... 32

Quadro 2 Relação de turmas por oferta educativa (referente a 2014/15) ... 32

Quadro 3 Percurso escolar (%) ... 38

Quadro 4 Objetivos específicos da unidade didática (adaptação programa nacional) ... 43

Quadro 5 Ideias da turma sobre os padrões de consumo ... 61

Quadro 6 Autoavaliação dos alunos sobre a intervenção pedagógica de que foram alvo ... 82

(10)
(11)

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 Organização do espaço no mundo clássico grego (elaboração própria) ... 6

Figura 2 Taxa de retenção ou desistência entre 2009-2013 (MEC, 2014) ... 31

Figura 3 Evolução de matrículas entre 2009-2013 (MEC, 2014) ... 32

Figura 4 Idades dos alunos por grupo etário (%) ... 33

Figura 5 Identificação dos locais de nascimento (%) ... 34

Figura 6 Nacionalidade da turma (%) ... 34

Figura 7 Locais de residência (%) ... 34

Figura 8 Escolha dos encarregados de educação (%) ... 35

Figura 9 Habilitações literárias dos EE (%) ... 35

Figura 10 Situação profissional dos EE (%) ... 36

Figura 11 Nacionalidade dos EE (%) ... 36

Figura 12 Constituição do agregado familiar (%) ... 36

Figura 13 Habilitações literárias dos agregados familiares (%)... 37

Figura 14 Diferenciação das habilitações literárias no ensino básico (%) ... 37

Figura 15 Grupos profissionais do agregado familiar (%) ... 38

Figura 16 Nuvem de palavras da turma sobre os tempos livres (através de Wordle) ... 39

Figura 17 Nuvem de palavras sobre os tempos livres dos rapazes (através de Wordle) ... 39

Figura 18 Nuvem de palavras sobre os tempos livres das raparigas (através de Wordle) ... 40

Figura 19 Horas de sono (%) ... 40

Figura 20 Local onde tomam o pequeno-almoço (%) ... 40

Figura 21 Dificuldades mencionadas pela turma (%) ... 41

Figura 22 Abertura do evento com a exibição de cartazes ... 45

Figura 23 Aspeto do átrio central ... 46

Figura 24 Roteiro para o estudo da unidade didática 'A Expansão Urbana'... 59

Figura 25 Distribuição dos alunos por grupos e classificação de cada um deles, a Geografia, no período anterior ao trabalho de projeto colaborativo ... 79 Figura 26 Autoavaliação de um aluno da turma sobre o conjunto de atividades realizadas . 82 Figura 27 Autoavaliação de um aluno da turma sobre o conjunto de atividades realizadas . 83

(12)
(13)

ÍNDICE DE ANEXOS Anexo 1 ... 104 Anexo 2 ... 105 Anexo 3 ... 109 Anexo 4 ... 115 Anexo 5 ... 116 Anexo 6 ... 118 Anexo 7 ... 120 Anexo 8 ... 124 Anexo 9 ... 127 Anexo 10 ... 128 Anexo 11 ... 129 Anexo 12 ... 130 Anexo 13 ... 138 Anexo 14 ... 139 Anexo 15 ... 140 Anexo 16 ... 141 Anexo 17 ... 142

(14)
(15)

INTRODUÇÃO

Assume-se, atualmente, que a Escola deve preparar cidadãos cientificamente esclarecidos, aptos a tomarem decisões fundamentadas e críticas (Mérenne-Schoumaker, 1999; Souto González, 1998; Prats, 2001; DES, 2001; Lambert & Balderstone 2002; Cachinho, 2004; Reis, 2004; Esteves, 2006), ou seja, um ensino que proporcione, além da aprendizagem dos conteúdos científicos específicos, a formação integral dos públicos escolares (Courela & César, 2007; Oliveira, 2007; César, 2013b; Courela & César, 2012, 2014). Pretende-se desenvolver capacidades e competências que permitam a sua intervenção crítica e reflexiva na sociedade de que fazem parte. Neste contexto, as instituições escolares confrontam-se com uma diversidade de finalidades, instigando os profissionais da Educação a procurarem respostas para estes desafios que passam, evidentemente, por mudanças na organização das relações socioeducativas nos cenários formais de aprendizagem.

Ouvir que a diversidade é uma riqueza não será, certamente, uma novidade. Trata-se de um património humano que necessita de ser preservado e celebrado, sabendo-o transformar numa mais-valia (César & Ainscow, 2006). Atuar potenciando a diversidade constitui-se como um desafio a superar se se souber observar, sentir e refletir sobre a diferença, vivenciando-a como uma experiência de aprendizagem, de desenvolvimento pessoal e profissional. Conceber os cenários de educação formal enquanto oportunidades de apropriação de conhecimentos, mas também de promoção do desenvolvimento sociocognitivo e emocional, é um caminho que se deseja viável, aliado a uma adequada utilização dos curricula e dos demais documentos de política educativa (César, 2012). Segundo Leite (2002), estudos vários1 têm vindo a evidenciar que grupos socioculturais economicamente desfavorecidos, e que assumem valores, expectativas e códigos diferentes dos privilegiados pela instituição escolar, são os mais penalizados pelo insucesso escolar. Para esta autora, a sua presença no sistema educativo limita-se, em muitos caos, aos primeiros anos de escolaridade e é caraterizada por níveis de sucesso menos conseguidos. Neste sentido, o argumento de que a Escola utiliza e valoriza um único modelo e uma única narrativa tem estado na base de críticas. Ao recorrer a critérios que, exteriormente, por alguns são considerados

1 A autora menciona os efeitos discriminatórios gerados pela educação escolar face aos valores culturais dela diferentes, estudados a partir de autores como: Mónica, F. (1978); Pinto, J. M. (1985); Benavente, A. [et al.] (1981); Benavente, A. (1987); Cortesão, L. [et al.] (1981); Salvado Sampaio, J. (1975); Iturra, R. (1990); Stoer, S. e Araújo, H. (1992); Benavente, A. [et al.] (1994).

(16)

justos, porque no plano teórico exortam a bandeira da igualdade perante todos, coloca em situação de desvantagem os que vivenciaram experiências e participam em culturas que não coincidem com a cultura dominante, e/ou com a cultura de escola própria da instituição que frequentam, e que nem sequer podem escolher, a menos que tenham meios financeiros para pagar uma instituição privada. Logo, fica patente que o princípio da igualdade não está a ser praticado, porque para atingir a igualdade de oportunidades, não se podem tratar todos de igual modo, mas sim com equidade, ou seja, pessoas diferentes exigem respostas socioeducativas especializadas de acordo com as características, necessidades e interesses de cada um.

A afirmação kantiana de que só através da Educação os seres humanos podem aceder à sua humanidade assume contornos específicos na sociedade contemporânea, articulando-se com a visão e a missão da Escola. Impõe-se a necessidade de formar para a sociedade do conhecimento, que exige do indivíduo não só conhecimentos mas, sobretudo, flexibilidade e competência de adaptação à mudança (Reis, 2004). Tal competência só se desenvolve em articulação com uma atitude de sujeito, aprendente e empresário de si, no sentido de prover o seu desenvolvimento e equilíbrio pessoais, contribuindo, em simultâneo, de forma ativa, para o progresso económico e social. A este se soma a dimensão comunitária, pois revela-se essencial envolver a comunidade circundante, tornando os públicos escolares mais interventivos (César, 2013b; Courela & César, 2012, 2014), promovendo o empowerment, evitando participações periféricas (Lave & Wenger, 1991), que podem configurar situações subtis de exclusão.

Justifica-se a pertinência destes temas por se considerar cada vez mais urgente refletir sobre as práticas nos processos de ensino e de aprendizagem, na Escola pública portuguesa, assumidamente inclusiva nos discursos (ME, 2008), mas nem sempre nas práticas (Melro, 2014; César, Machado & Ventura, 2014). No caso específico da disciplina de Geografia A, para o 11.º ano de escolaridade, em temas como o urbanismo e a expansão urbana, visa proporcionar o desenvolvimento de capacidades e competências e, sobretudo, a capacidade de saber pensar sobre o espaço (Cachinho, 2004), tornando-o num contributo útil para o encontro de soluções que sejam sustentáveis e que aumentem a qualidade de vida (Esteves, 2006) das populações de um Lugar. A demanda relaciona-se com a necessidade de aliar o ensino e a aprendizagem a este desafio, considerando opções didáticas adequadas e recursos que permitam, tanto quanto possível, uma diversificação das estratégias de aprendizagem, tornando-as adequadas ao público-alvo desta intervenção. O presente relatório tem

(17)

como objetivo contribuir com sugestões que possam ir ao encontro da questão: Que caminho percorrer rumo a processos de ensino e de aprendizagem aliciantes, motivadores e, sobretudo, úteis?

Nele estão descritas as experiências de observação, planificação e intervenção pedagógica que resultaram da oportunidade reflexiva sobre a iniciação ao desempenho da prática docente. Inicialmente, procedeu-se à observação de três aulas que antecederam a unidade didática assegurada pelo candidato a Professor, o que possibilitou a recolha de informação que permitisse conhecer mais detalhadamente os alunos daquela turma, bem como que auxiliasse na construção de uma planificação adequada e exequível. Considerando a limitação de tempo a que a componente prática esteve sujeita (quatro blocos de 100 minutos e dois tempos de 50 minutos, num total de seis aulas), houve espaço à participação noutras atividades extra-aulas, bem como o acompanhamento da turma durante a sua participação no projeto Nós Propomos! Cidadania e Inovação na Educação Geográfica. Oportunidades que se revestem de imensa importância na formação inicial de professores e para as quais se reservam algumas reflexões sobre os resultados obtidos.

O relatório encontra-se organizado em três grandes capítulos, sendo o primeiro uma breve contextualização teórica sobre as temáticas trabalhadas, um segundo onde está identificada a orientação teórica seguida e as opções metodológicas. No terceiro e último, a descrição da intervenção pedagógica, recorrendo à apresentação e caraterização da turma, o enquadramento da unidade didática, a planificação da unidade didática e uma breve descrição das aulas observadas e lecionadas. O relatório encerra com a discussão sobre a análise e reflexão de resultados obtidos, que sublinham a necessidade de mobilização do saber e da reflexão pedagógica na apropriação de significados contextuais. Este quadro torna necessária uma atenção renovada no desenho e desenvolvimento, em espaço pedagógico, de práticas coerentes e adequadas às culturas escolares várias, reclamando por procedimentos curriculares não etnocêntricos. Assim sendo, o olhar do candidato a Professor procurou não negligenciar os processos particulares e contingentes, através de diversas práticas: privilegiando aspetos culturais do quotidiano; os acontecimentos; as interações sociais; as relações de poder; as vivências escolares; e os saberes construídos (re)produzidos e transformados, nomeadamente, em espaço pedagógico. Premissas que fazem das Escolas instituições educacionais marcadamente diferentes das outras instituições e, ainda, dando origem a diferentes culturas de escola, em cada uma delas.

(18)
(19)

1. OS ESPAÇOS ORGANIZADOS PELA POPULAÇÃO: A EXPANSÃO URBANA

Imaginando uma situação de ausência de recursos e tecnologia, a fixação da população não é possível (Haggett, 2001). O nomadismo, em tempos primitivos, não era, por isso, uma opção, mas uma forma de sobrevivência. Importava forçosamente descobrir alimento e abrigo onde quer que estes se encontrassem. A utilização da agricultura tornou-se numa solução para o incentivo populacional, pois os excedentes produzidos permitiram o desenvolvimento das populações e, ao mesmo tempo, funcionaram como moeda de troca. Estavam criadas as bases para uma sedentarização (Haggett, 2001). Ao longo do tempo, as ocupações populacionais dispersas foram, gradualmente, abandonadas para dar lugar a aglomerados de pequenas dimensões, traduzindo-se, em termos práticos, numa tentativa de usufruir dos efeitos de uma economia de escala.

A evolução e expansão das cidades é algo tão antigo como a existência dos aglomerados populacionais. Embora em tempos proto-históricos já existissem cidades, algumas de dimensões assinaláveis, nomeadamente, na região do Crescente Fértil, junto dos rios Tigres e Eufrates (Haggett, 2001; Pacione, 2005), o processo de urbanização iria adquirir um papel de destaque nas sociedades Greco-Romanas. Tentar uma síntese para a antiguidade é difícil, uma vez que não existe homogeneidade (Bairoch, 1985). No entanto, ao sintetizar algumas ideias é possível identificar que: (1) as cidades Gregas, comparativamente às cidades anteriores (proto-históricas), apresentam novidades no que respeita à organização do poder político e da paisagem (Figura 1). Esta paisagem é dominada pela Ágora. Neste sentido, (2) assume-se que esta organização espacial significou uma nova forma de existência conexa a uma nova ocupação e apropriação do território urbano.

A historiografia clássica identifica que a ausência de cidades e da dimensão urbana corresponde a um estado de barbárie, o espaço não-urbano seria caótico e propenso à violência (Herbert & Thomas, 1995). A cidade seria, por isso, a instituição que garantia a expressão da civilização. Aristóteles (384 – 322 a. C.) (citado por Bairoch, 1985), no tratado Política, refere para as cidades um conjunto de critérios, como uma posição geográfica estratégica, ambiente físico salubre e um número máximo de cidadãos porque, segundo este autor, uma cidade de grande dimensão populacional inviabilizava a adequada prática da cidadania. O geógrafo Pausânias (c.

(20)

115 – 180 a. C.) (citado por Bairoch, 1985), na obra Descrição da Grécia, refere que existem determinados apetrechamentos, típicos dos aglomerados, que os definem como cidades. Platão (c. 428 – 347 a. C.) (citado por Bairoch, 1985), na República, evidencia a relevância do comércio e das ocupações na cidade. Deste modo, as funções, sobretudo as não agrícolas, são fatores nucleares que permitem distinguir o espaço urbano do espaço rural (Herbert & Thomas, 1995). O conceito de cidade, embora diferente do atual, encontrava-se associado ao domínio do território. Território sobre o qual a cidade exercia e autentificava a autoridade e, apesar das grandes transformações ocorridas no espectro temporal, a herança Clássica é um elemento presente. Isto é um fator que influencia as redes e os sistemas urbanos (Diederiks, 1981) porque, embora mudem de posição, as cidades, uma vez criadas, resistem ao seu próprio desaparecimento e permanecem no sistema.

1.1. Ideias em torno do conceito de cidade

Tomando em linha de conta o que até aqui foi dito, são percetíveis as dificuldades de que, por vezes, se reveste a definição de cidade. Segundo Mayer (1971), é uma vasta coleção de memórias e expressões de emoção, que encerra em si um concentrado de significados humanos, ou seja, é uma organização de valores e interpretações. É uma concentração física de pessoas e de edifícios que apresenta caraterísticas económicas, sociais, políticas, específicas do contexto cultural em que

(21)

emerge (Hebert & Thomas, 1990). Assim, infere-se que, como comunidade, pode ser avaliada através da concentração relativamente permanente de população, juntamente com os edifícios habitacionais, compromissos sociais e atividades de apoio, que ocupa um local mais ou menos circunspecto, apresentando uma importância cultural que a diferencia de outros tipos de aglomeração/fixação humana.

É um local de residência fixa, mas também se traduz num local de encontro para as pessoas que retornam periodicamente a este, o que permite evidenciar a sua capacidade de atrair os não-residentes (Mayer, 1971). Outro aspeto a salientar é, além das ocupações territoriais e as atividades desenvolvidas no seu interior, o modo de vida dos seus habitantes. Cada um destes vetores adquirindo sentido, principalmente, por comparação e oposição com o mundo rural (Barata Salgueiro, 1992). Conclui-se, por conseguinte, que o conceito de cidade é uma complexa construção abstrata cuja solução compacta está envolvida em ocupações não-agrícolas que envolve a triangulação da esfera populacional, da esfera funcional e da esfera espacial, numa consonância de fluxos e dinâmicas.

Tratando-se de aspetos qualitativos que permitem avaliar um determinado espaço como sendo uma cidade, ou reconhecê-los apenas como elementos genéricos, na prática não existe um consenso internacional sobre os critérios que se devem utilizar para considerar um aglomerado como cidade, ou sobre a forma de os aplicar, por isso, cada soberania procura a sua própria definição segundo as suas especificidades. No caso de Portugal, segundo a Lei n.º11/82 de 2 de junho (AR, 1982), é a Assembleia da República que está capacitada em atribuir elevação de um aglomerado populacional à categoria de cidade se este satisfazer um conjunto de normas previstas. Estas normas podem ser agrupadas em critérios demográficos (um contínuo urbano superior a 8000 eleitores), critérios funcionais (equipamentos coletivos) e outros critérios (razões de natureza histórica, cultural e arquitetónica).

Segundo Wirth (2001), através de uma tipologia baseada na dimensão, localização, idade e função, a pertinência sociológica da cidade reside apenas na intervenção que esta tem sobre a vida social. Assim, uma cidade industrial será significativamente diferente, do ponto de vista social, de uma cidade comercial, piscatória, balnear, universitária ou de uma capital. Fatores determinantes da natureza da vida urbana são mais significativas do que outras, é lícito esperar que os traços mais proeminentes do cenário social urbano variem de acordo com a dimensão, a densidade e as diferenças funcionais.

(22)

Face ao que foi exposto, salienta-se que há uma diversidade de conceitos. Em parte pela formação e perspetiva de quem as estuda, em parte pela variabilidade do objeto nos diferentes contextos civilizacionais. Contudo, são consensuais definições de caráter geográfico, sublinhando a diversidade na unidade. Contemplam a dimensão populacional, aspetos económico-funcionais e aspetos morfológicos, contrastando com as definições de cidade lugares que registam menores densidades populacionais e heterogeneidade (incluindo uma vasta gama de especialistas não agrícolas).

1.2. Fragmentos de uma urbanidade

A Geografia Urbana trabalha aspetos difíceis, pois são díspares os materiais a elaborar, mas simultaneamente atraentes. Imposições da localização, contingências históricas, conexões e efeitos e a própria reprodução de modelos ideais, podem dar à cidade um aspeto organizado. Correspondência que nunca chega a identidade porque a cidade, produto das sociedades, exprime mais do que um estilo de vida, a variedade das obras humana, onde a comparação encontra parecenças mas, não raro, faz ressaltar o incomparável (Ribeiro, 1966). Apesar de serem um objeto de estudo em evolução intensa e sem contornos conceptuais limitados, parece existir uma correlação entre a crescente complexidade das realidades urbanas e o reforço da importância que lhes é atribuída, integrando a capacidade que se tem de as captar, entender e transformar (Ferrão, 2003). Será sintoma de uma cada vez maior dificuldade em delimitar este objeto de estudo?

As estruturas e as organizações, económicas e sociais, para o modo de vida rural, concentram-se em áreas relativamente reduzidas no território. Porém, são quebradas e substituídas por novos padrões e relacionamentos mais adaptados às necessidades urbanas. Inicialmente, estas mudanças são restritas àqueles que realmente residem na cidade mas, com o passar do tempo, são difundidas e adotadas por quem vive nas áreas rurais, de tal modo que o conjunto de valores, expetativas e estilos de vida são os que se identificam como sendo urbanos. Este processo de mudança comportamental e relacional é identificado como urbanização (Clark, 1982). Contudo, a estrutura dos processos de urbanização é diferente consoante o contributo epistemológico. Por exemplo, em Wirth (1938, citado por Barata Salgueiro, 1992) a urbanização tem como impulsionadora a mobilidade social, enquanto em Clark (2003)

(23)

sintetiza a difusão espacial de estilos de vida e em Remy e Voyé (1994) é referida a mobilidade espacial e a territorialidade.

Segundo Remy e Voyé (1994) é possível distinguir duas noções de ocupação do território. São elas o espaço urbanizado e espaço não urbanizado. Os autores salientam que, para enquadrar um aglomerado numa destas formulações do espaço, é necessário recorrer a duas perspetivas: uma descritiva e outra interpretativa. A primeira possibilita caraterizar o território segundo a sua fisicalidade. Por exemplo, o tipo de edifícios, as características da malha urbana e a volumetria do edificado são elementos concretos, facilmente quantificáveis e que fazem parte desta fisicalidade que caracteriza a perspetiva descritiva. Porém, o enquadramento de um aglomerado pode ser feito de uma outra forma, mais subjetiva e menos imediata, que não segue a perspetiva descritiva onde, por exemplo, a densidade populacional seria suficiente para nomear uma área urbana. Neste sentido, a perspetiva interpretativa estima o espaço segundo um conjunto de valências funcionais que existem e se relacionam num aglomerado. Nesta abordagem, e quanto ao espaço urbanizado, qualquer aglomerado encerra em si mesmo um conjunto de funções aos seus habitantes (função residencial, comercial, administrativa, cultural). São estas funções, e os seus raios de ação, que organizam e transformam a ocupação urbana, inspirando as fisionomias das cidades. Quando Clark (2003) atesta que muitos habitantes rurais têm estilos de vida iguais aos citadinos, da mesma forma que muitos citadinos preservam formas de ação e reação rurais, esta constatação apenas é possível de apreciar de acordo com a perspetiva interpretativa.

Wirth (2001) estudou as formas de ação e organização social que emergem particularmente nas cidades. Especificamente, foram identificadas três caraterísticas dominantes como sendo: a (1) dimensão física; (2) a concentração populacional; e a (3) mescla social heterogénea. Sobre a dimensão física, como principal caraterística ecológica da cidade, são referidas propostas sobre a sociedade urbana que, por sua vez, foram usadas como base para deduzir proposições sobre a personalidade dos citadinos. Desta forma, este autor procurou conciliar os elementos propostos por autores precedentes numa teoria coerente, que contém componentes sócio estruturais, cognitivos e comportamentais. O tamanho do grupo social, explica o autor, determina a natureza das relações humanas. O aumento do número de habitantes numa comunidade, acima de um determinado limite, reduz a possibilidade de cada membro da comunidade conhecer todos os outros. Além disso, os residentes urbanos não

(24)

estarão diretamente implicados, mas sim em segmentos especializados, cuja interação se dá por razões instrumentais. Neste contexto, tenderão a manter débeis relações de proximidade, de tal maneira que os círculos fechados da família e de vizinhança, presentes nas culturas folk (populares), cedem lugar à diferenciação, especialização e simbolismo.

A urbanização é também uma mudança social em grande escala (Clark, 2003). Isto significa profundas e irreversíveis transformações que afetam cada aspeto da vida social. Há poucas dúvidas de que tais mudanças foram iniciadas pelo crescimento explosivo das grandes cidades (Clark, 1982), que se iniciou no final do século XVIII. Neste sentido, parece inequívoco que, nas sociedades ditas avançadas, os seus efeitos e ramificações estejam atualmente dispersos. Logo, o que era uma simples divisão entre o rural e o urbano é agora um domínio urbano contínuo.

Através da análise à rede urbana Europeia entre o século XV e o século XVIII, observa-se que uma grande cidade envolvia, geralmente, um integrado de pequenas cidades que cresciam em torno da primeira (Diederiks, 1981). À medida que o espaço urbano se complexifica, num contexto de transição de uma área rural para uma área urbana, ocorre um aumento das trocas. Traduzindo-se, portanto, numa crescente fragmentação do espaço, pois com uma difusão cada vez maior de conhecimentos e técnicas, as novas funções vão assumindo contornos cada vez mais nítidos na vida dos seus habitantes o que, aliado ao aumento da mobilidade espacial, permite diferentes localizações para as funções. Neste contexto, o espaço que resulta destes processos é designado por espaço urbanizado funcionalmente fragmentado (Remy & Voyé, 1994). É neste espaço fragmentado que surgem polos de atração e facilmente se compreende a cidade como uma forma espacial que advém dos processos de urbanização.

A relação entre urbanização e cidade permite compreender o espaço urbano como materialidade presente, mas também como acumulação de outros tempos, como expressão das formas que organizam e reorganizam a cidade (Sposito, 1999). Assim, à medida que aumenta a importância de um aglomerado e da sua área de influência, cresce o número de funções e de estabelecimentos que se aglomeram na área central. A caraterística marcante do modo de vida, na contemporaneidade, consiste na concentração de população em gigantescos aglomerados, ao redor dos quais outros centros menores se aglomeram e a partir dos quais são disseminadas as ideias e as práticas. A cidade, além de ser lugar de habitação e de trabalho, é também centro que coloca em marcha e controla a vida económica, política e cultural, que atraiu à sua

(25)

órbita as mais remotas regiões do globo (Wirth, 2001), configurando um universo articulado contendo uma variedade de áreas, povos e atividades. Nos estudos de Sassen (1999), as novas Geografias da centralidade financeira e comercial são temas nucleares. Para esta autora, a disparidade na concentração dos recursos e atividades estratégicas, entre um determinado grupo de cidades, permitiu compor uma rede de nós urbanos responsáveis pelos principais fluxos da economia e do comércio mundiais, em níveis hierárquicos de intensidade.

Ainda em Sassen (1991), a tese central é a de que no mundo atual, globalizado, cujo paradigma é o da competitividade económica, as cidades que mantêm a liderança do cenário económico conseguem oferecer vantagens para atrair empresas transnacionais e os fluxos internacionais de capital financeiro, mantendo-se, assim, em evidência na cena mundial. Neste sentido, a dispersão territorial da atividade económica, contribui para o crescimento da centralização estratégica das cidades, o que explica o modo intenso como refletem e condicionam as sociedades e as economias contemporâneas (Ferrão, 2003). A dispersão espacial e a integração global criaram um novo papel estratégico para as principais cidades, variáveis cuja análise sobre os fenómenos espaciais de produção e reprodução urbanos importam às Ciências Geográficas.

1.3. Algumas fisionomias urbanas

A Política de Aristóteles (384 – 322 a. C) afirmava que, acima de determinado limite, o aumento do número de habitantes de uma comunidade afeta as relações entre si e a própria natureza do espaço onde estes se encontram. Grandes números implicam, como anteriormente foi referido, um maior conjunto de diferenciações individuais. Ao ser superior o número de indivíduos em interação, maior será a diferenciação potencial. Assim, os traços psicológicos, as profissões, a vida cultural e as ideias dos membros de uma comunidade urbana registam uma amplitude de variação superior. Nos estudos de Barata Salgueiro (1998), quando um lugar atinge uma dimensão considerável e ocupa uma superfície relativamente extensa, começam por ser limitativas deslocações frequentes entre as áreas mais afastadas e o centro, situação que favorece a deslocação de algumas funções para as áreas periféricas, surgindo, deste modo, novos centros secundários. Com a continuação do crescimento do aglomerado, a quantidade dos centros secundários reproduz-se e, ao mesmo tempo, ocorre uma diferenciação

(26)

funcional, constituindo-se uma hierarquia de centros de diferentes níveis no interior do aglomerado urbano.

Ao longo das primeiras seis ou sete décadas do século XX a cidade morfológica, marcada pela proximidade dos espaços construídos, foi dando lugar a áreas metropolitanas político-administrativas, criadas para fazer face à crescente complexidade urbana (Domingues, 2005). Porém, a criação de áreas metropolitanas administrativas depressa se mostrou insuficiente para abarcar as novas realidades urbanas, cada vez mais extensas, com novas centralidades e fragmentadas. O conceito de região metropolitana surge, assim, como uma resposta à necessidade de captar melhor esta cidade geograficamente estilhaçada, mas funcionalmente integrada (Ferrão, 2003). A sua definição remete para um espaço sem demarcação concreta produzida, implicitamente, por pessoas e organizações que, no seu quotidiano, tecem uma densa trama de deslocações e contactos, maioritariamente em torno da cidade central, envolvendo pólos residenciais e de emprego de menor dimensão, que estão dispersos pelo território metropolitano (Ferrão, 2003). Neste contexto, o conceito de área metropolitana pode ser associado ao de uma comunidade imaginada, o que facilita a identificação de novos espaços de regulação e governabilidade urbana encabeçados por uma pluralidade de agentes de natureza diversa.

Na atualidade, segundo Domingues (2005), os critérios utilizados na identificação das áreas metropolitanas podem ser agrupados em três grandes categorias. Na primeira estão considerados os critérios de homogeneidade relativa, que se traduzem em áreas organizadas segundo parâmetros mínimos comuns. Estes podem espelhar indicadores económicos e sociais, dimensão e densidade populacional. Critério morfológicos, são o segundo conjunto, e é através dos quais que se consegue definir com clareza um contínuo urbanizado, cuja visão geral à escala macrogeográfica (por exemplo, um ortofotomapa) permite: identificar variações de densidade na ocupação urbana do solo; variações de uso; barreiras geográficas naturais; ou áreas protegidas (vazios urbanos). Por último, os critérios de interdependência, na base dos quais podem ser admitidas áreas entre as quais estejam trocas intensas de pessoas, bens ou fluxos de comunicação (movimentos pendulares, tráfego automóvel e telecomunicações).

Embora patentes, estes critérios não concretizam um modelo único, nem tão pouco universal, pois dependem das especificidades nacionais e regionais, constatando-se que, cada vez mais, os critérios de coesão funcional (interdependência)

(27)

ganham importância. Por outro lado, os critérios de homogeneidade e contiguidade morfológica estão mais afastados do modo como atualmente evolui o processo de urbanização (Domingues, 2005). Neste sentido, perceciona-se uma mudança na conceptualização da área metropolitana que até ao início do século XX se fazia, tendo como base, a dimensão morfológica. O aumento dos movimentos pendulares e a dilatação territorial da funcionalidade do espaço metropolitano delimitaram as regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto, como forma de distinção face às áreas metropolitanas administrativas e de expressão da mutabilidade dos limites metropolitanos (Ferrão, 2002). Isto constitui um exemplo claro de uma perspetiva vincadamente funcional.

Sob outra perspetiva, os paradigmas de desenvolvimento urbano que se estudam nas cidades contemporâneas afastam-se dos paradigmas de desenvolvimento por continuidade que caracterizaram as cidades do pós-guerra. O conceito de cidade fragmentada de Barata Salgueiro (1998, 1999, 2000) ilumina esta dimensão. Por exemplo, a procura de locais de residência, com elevada qualidade ambiental, pulverizou as áreas residenciais, a progressiva competitividade entre as empresas (com a segmentação dos processos produtivos), valorizou espaços distantes dotados de boas acessibilidades. É, portanto, na contração de ambas as dimensões – funcional e morfológica – que pode ser interpretada uma nova realidade metropolitana, pois a sua formação resulta de processos de expansão urbana da cidade principal que envolve, também, outros aglomerados populacionais. A organização e o funcionamento, subordinados aos transportes e às comunicações, garantem a integração de toda a área (Barata Salgueiro, 1999). A existência de atividades económicas atenua o grau de dependência face à cidade principal e intensifica relações de interdependência e complementaridade que se estabelecem, também, entre as diferentes áreas suburbanas. Desta forma, constituem-se áreas do território metropolitano mais ou menos especializadas, que alteram os padrões de mobilidade, tornando-os mais dispersos e menos focados nos centros económicos tradicionais da cidade principal.

As práticas sociais também se alteraram (Malheiros, 1998; Cachinho, 2005). Aumentou o consumo e os modos de consumir, aumentou a procura de atividades recreativas, intensificaram-se as atividades rotineiras. As populações metropolitanas vivem mais espaços, bem como espaços mais diferenciados, não somente porque se multiplicaram os polos de emprego, mas porque a localização de bens e serviços se dispersou no território metropolitano (Ferrão, 2002). Espaços privilegiados em

(28)

infraestruturas que concentram em si grande número de serviços e vantagens que atraem população, numa lógica polarizadora à escala regional e à escala nacional. Contudo, são as representações espaciais, decorrentes dos contrastes, que requerem soluções e instigam à intervenção local, bem como a análise dos processos sócio espaciais que este novo contexto comporta e à reflexão sobre os processos de inclusão das populações metropolitanas (Malheiros, 1998; Barata Salgueiro, 2000; Ferrão, 2002). Neste sentido, a partilha, a mobilização de saberes, a identificação e o equacionamento de alternativas são passos a dar num caminho por uma melhoria global e qualidade de vida.

1.4. Epicentro de uma experiência pedagógica

Foi precisamente numa escola localizada na área metropolitana de Lisboa que ocorreu a intervenção pedagógica do candidato a Professor. Situadona margem sul do Tejo e fazendo fronteira com o outrora grande centro industrial do Barreiro, o concelho da Moita ilustra, na linha diacrónica, muito do que aqui foi mencionado sobre a expansão urbana e os processos de urbanização. Dominado por uma estrutura latifundiária e coberto vegetal, este concelho manteve tardiamente uma densidade populacional pouco expressiva (Patrício, 1985). A sua população ocupava-se das atividades ribeirinhas: a faina da pesca, os viveiros de peixe, a extração de sal, a reparação e construção de embarcações e, sobretudo, o transporte fluvial de vinhos, sal, lenha e carvão para Lisboa (Cruz, 1973). A partir de 1861, com a inauguração da linha de caminho de ferro do sul, o concelho ganhou uma nova dinâmica em termos de acessibilidade e consequentemente de desenvolvimento. Neste contexto, o arroteamento, embora anterior a esta data, só a partir desta altura começou a ser empreendido de uma forma sistémica (Patrício, 1985). Apesar desta conjuntura, o crescimento populacional apresentou-se lento desde o início do século XX até à década de 30. Porém, a partir de 1940, coincidindo com o surto de industrialização do Barreiro, a estrutura populacional e a taxa de crescimento registaram profundas alterações, nomeadamente, os valores que se reportavam aos territórios da Baixa da Banheira e Vale da Amoreira. Entre 1940 e 1960, a taxa de crescimento do concelho subiu bruscamente da média de 1,6%, apurada entre 1900 e 1940, para cerca de 4,7% ao ano entre 1940 e 1950 e 4,1% entre 1950 e 1960 (Patrício, 1985). Tal alteração transformou estes territórios nos maiores centros populacionais do concelho.

(29)

A proximidade ao concelho do Barreiro fortaleceu a fixação de muitas famílias (Figueiredo, 1979), que encontravam trabalho na Companhia União Fabril, e nos Caminhos de ferro Portugueses, mas também nas atividades industriais e comerciais em Lisboa, como os estabelecimentos da Lisnave e da Margueira, criando novas dinâmicas territoriais. A expectativa de grandes investimentos para a margem sul e a existência de grandes áreas agrícolas em decadência, contribuíram para um conjunto de fatores ideais para investimentos alternativos ao excesso de liquidez da banca e ao crescente afluxo de remessas de emigrantes e militares (Patrício, 1985). As áreas rurais assumindo, deste modo, uma posição de decadência produtiva, aliada a um capital fundiário inviável, tornaram-se desejáveis para a dinâmica especulativa do capital financeiro. Entre os projetos, que terão desencadeado a mobilização de tais investimentos, encontravam-se a construção do novo aeroporto internacional de Rio Frio, a ampliação da Siderurgia Nacional e da Quimigal, a instalação da Renault em Setúbal, a ponte Beato-Montijo, a autoestrada Lisboa-Setúbal, a via rápida projetada entre Coina, Moita, Montijo, Alcochete e Porto Alto, ligando as áreas industriais da margem sul ao norte através da ponte de Vila Franca de Xira e, por último, pontuais melhoramentos portuários, ferroviários e rodoviários (Patrício, 1985). De todos os projetos, concretizou-se a instalação da Renault e os melhoramentos rodoviários, nomeadamente com a construção da via rápida Coina-Lavradio e da autoestrada Lisboa-Setúbal.

A nacionalização da banca, após a Revolução de 1974, bem como algumas das empresas que teriam planos para os territórios da Baixa da Banheira e Vale da Amoreira, após um período de instabilidade, acabaram por se envolverem em Contratos de Desenvolvimento para a Habitação (Figueiredo, 1979). O primeiro empreendimento de grande dimensão, no concelho da Moita, foi o Fundo Fomento de Habitação edificado no Vale da Amoreira (Marques, 2013). Local onde fica localizada a escola que colaborou durante a iniciação à prática profissional do candidato a Professor. Contudo, foi igualmente com a Revolução de 1974 que a composição populacional se alterou drasticamente. Além das marcas deixadas pela incerteza dos diferentes projetos, a julgar pela mancha de solo expectante que se observa na atualidade, o parque habitacional construído no Vale da Amoreira foi o local de destino para muitas famílias que chegavam em massa das antigas colónias. Em julho de 1975, camiões de fuzileiros chegaram com refugiados «numa só noite, cerca de quatrocentas famílias, ocuparam o ‘bairro’ ainda em construção […] as chaves das habitações, que

(30)

já estavam concluídas, desapareceram; a ocupação fez-se de maneira anárquica […]» (Figueiredo, 1979, p. 252). Pessoas vindas de longe, traumatizadas e desesperadas pelos acontecimentos tornam-se, pela ocupação imediata de casas que estavam em fase final de construção, algumas sem as condições mínimas de habitabilidade, residentes deste território. Passados alguns anos, o povoado adquiriu identidade e evoluiu de modo a que lhe fosse conferido pela Assembleia da República a desanexação da freguesia da Baixa da Banheira, através do Decreto-Lei n.º 59/88 de 23 de maio (AR, 1988). Porém com a promulgação da Lei n.º 22/12 de 30 de maio (AR, 2012), que aprova o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica, os dois territórios voltaram a estar administrativamente unidos.

1.5. Leituras espaciais sobre divergências urbanas

Recordando, uma vez mais, o conceito de segregação espacial (Barata Salgueiro, 1998, 1999, 2000), os habitantes dos espaços urbanos conhecem-se uns aos outros, especificamente, em papéis altamente segmentados. Sem dúvida que dependem reciprocamente na satisfação das necessidades vitais e, portanto, associam-se a um maior número de grupos organizados, mas ainda que dependam menos de particulares, reduzindo a dependência face aos outros, isto traduz-se de forma fracionada na sua esfera de atividades. Equivale isto dizer que os espaços urbanos caracterizam-se, também, mais por contactos secundários do que por contactos primários (Wirth, 2001). E ainda que sejam contactos presenciais, na verdade, continuam a ser impessoais, superficiais, transitórios e segmentados. O lugar de residência, o lugar de emprego, o rendimento e os interesses individuais variam, o que torna difícil sustentar organizações ou promover relações duradouras de proximidade entre os seus membros. A elevada densidade populacional acarreta consigo a ausência do inter(re)conhecimento, geralmente intrínseco a qualquer relação de proximidade. Logo, o aumento do número de habitantes implica uma mudança na natureza das relações sociais em que os grupos são tangenciais e intersetam-se a vários níveis funcionais.

Acredita-se que são escassas as oportunidades para conceber a cidade como um todo ou para aprender o seu lugar no conjunto do sistema. Consequentemente, será difícil determinar aquilo que é do seu melhor interesse e decidir sobre as questões e as soluções que, maioritariamente, são sugeridas pelos media ou outras vias de

(31)

comunicação compactas e redutoras. Apesar do espaço urbano conter uma população altamente diferenciada, exerce também uma ação de nivelamento social (Wirth, 2001). Em função do recrutamento para a execução de diversas tarefas e realce da sua singularidade, mas também pelo facto de reconhecer a excentricidade, a novidade, a eficácia e o espírito inventivo. Onde quer que se concentre um elevado número de indivíduos de diferentes formações ocorre também um processo de despersonalização (Wirth, 2001). Neste sentido, os serviços públicos e particulares prestados por instituições recreativas, educacionais e culturais devem ajustar-se às necessidades das suas comunidades locais.

As cidades onde, historicamente, se fundiram etnias e culturas, materializam Lugares altamente favoráveis à criação de híbridos biológicos e culturais, pois neste espaço fragmentado não só se tem tolerado como se tem mesmo elevado as diferenças individuais. Neste contexto, na cidade pós-moderna, surgem duas dinâmicas inter-relacionadas que marcam as paisagens urbanas contemporâneas (Barata Salgueiro, 1998; Hall, 2006; Knox & Pinch, 2006; Carmo & Estevens, 2008). A primeira é a tendência para a privatização do espaço público urbano, e importa referir que esta ideia se relaciona com a vigilância a que os espaços estão sujeitos numa lógica de produção de áreas de conformidade nas quais a sua utilização é, tendencialmente, homogeneizada segundo regras previamente definidas. A segunda, prende-se com a avaliação do espaço urbano, observando-se um conjunto de aspetos relacionados com a estética, os valores simbólicos, o consumo e os estilos de vida, isto é, solicitações em experienciar o lazer e a própria vida. Deste modo, sublinham-se valores como a diversidade, a pluralidade, o lúdico e o prazeroso. No reverso, nuclearizam-se as liberdades, delimitam-se os espaços e espiam-se as formas de ação, reação e as práticas sociais.

Estas dinâmicas espaciais urbanas motivam espaços que, por vezes, exageram os aspetos da realidade. A escolha de determinados temas, que se tornam nos seus slogans, ilumina este mecanismo de significados simbólicos. Contudo, são projetados para que contribuam na promoção de uma homogeneidade interna, no que aos seus usuários diz respeito. Deste modo, procuram-se criar espacialidades acordantes, nas quais são priorizadas as práticas de consumo e lazer, executadas de forma desconexa da realidade concreta (Carmo & Estevens, 2008). Esta tendência, para vivências superficiais e descomprometidas, constata-se em todos os quadrantes da vida nas sociedades contemporâneas, ditas avançadas, sendo sintomático uma manifesta perda

(32)

de empenhamento dos indivíduos pelas grandes causas do foro coletivo ou até mesmo pelos grandes projetos singulares (Cachinho, 2005). Semelhante aos malefícios de um bloqueio, esta letargia tem intoxicado quase todas as esferas da vida social. Estes espaços, ao (re)produzirem determinados modelos de utilização e adequação, participam na criação de situações de polarização socio-espacial que influenciam, necessariamente, a construção e a fruição da cidadania (Carmo & Estevens, 2008). As ligações permitidas são aquelas entre os indivíduos (também eles) fragmentados e os símbolos que os fascinam, logo, os espaços concretizam as preferências de determinados grupos em detrimento doutros que se veem remetidos para uma posição marginal.

Numa triangulação entre a heterogeneidade, as interações sociais e o espaço urbano, é observável que quanto maior e densamente habitada e mais heterogénea for uma comunidade, mais acentuadas são as caraterísticas urbanas que apresenta. Deve reconhecer-se, porém, que em comunidade as instituições e as práticas podem ser aceites e sustentadas por razões diferentes das que inicialmente lhes deram origem e que, consequentemente, o modo de vida urbano pode ser perpetuado sob condições bastante diferentes das que presidiram ao seu aparecimento. De igual modo, a necessidade de acrescentar valor ao princípio da densidade e ao princípio da heterogeneidade, enquanto critérios inerentes ao urbanismo, pode ser colocado em causa, uma vez que é de esperar que o leque de diferenças aumente na proporção dos números.

(33)

2. O TRABALHO COLABORATIVO COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM

No capítulo anterior discutiu-se o tema da expansão urbana com o intuito de introduzir, brevemente, o leitor nos conteúdos que foram lecionados. Temas que foram, naturalmente, submetidos a formas de transposição didáticas patente no Programa de Geografia A. A natureza objetiva deste relatório não requer uma revisão exaustiva da literatura de referência para os assuntos da Geografia Urbana. Porém, preferiu-se realizar um breve enquadramento teórico do qual se readquire a noção de contrastes. Estes, visíveis através de representações espaciais, demandam por soluções e estas serão, oportunidades para a intervenção local e reflexão sobre os processos de inclusão. Clarifica-se, portanto, a motivação desta intervenção pedagógica que pretendia operacionalizar os mencionados conteúdos a partir do trabalho colaborativo, nomeadamente entre pares (alunos), bem como da Educação Inclusiva. Assim, neste capítulo proceder-se-á à fundamentação teórica da intervenção pedagógica do candidato a Professor.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), versou sobre a igualdade de direitos para todos os seres humanos, realçando a Educação como um deles. Deste modo, de acordo com estes princípios, a Educação concretiza um direito fundamental e universal permitindo, sobretudo, quando se assume como inclusiva, o desenvolvimento de uma cidadania consciente, crítica e democrática. Promover a Educação em Cidadania passa, também, pela vivência dos princípios da Educação Inclusiva, diminuindo os impedimentos à participação na vida comunitária (Rodrigues, 2003a; César & Ainscow, 2006). Dilatando a efetiva participação na vida comunitária, a Educação Inclusiva aumenta a participação e aprendizagem numa cidadania participativa, defendendo uma justiça social crescente, segundo uma diversidade de cidadãos, aumentando a capacidade de intervenção na comunidade social (Courela & César, 2007; Oliveira, 2007), cada vez mais plural e complexa.

A Conferência Mundial de Salamanca estabeleceu uma importante fronteira na forma como é encarada a diversidade. Desta resultou a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), que sugeria a mobilização de um maior número de países para a necessidade de se avançar para práticas mais inclusivas (Ainscow & César, 2006), assumindo que cada criança e jovem são únicos. Por isso mesmo, salienta a necessidade de apoios especializados de aprendizagem, considerando que, para

(34)

promover uma Educação Inclusiva, “[…] os sistemas de Educação devem ser planeados e os programas educativos implementados tendo em vista a vasta diversidade destas características e necessidades […]” (UNESCO, 1994, p. vii), observando-se que, em países vários que subscreveram esta declaração, os princípios da Educação Inclusiva, ainda não estão concretizados nas práticas das Escolas e na sociedade, em geral (César & Ainscow, 2006; Rodrigues, 2003). Lacuna que torna obrigatório continuar a discussão sobre Educação Inclusiva. Neste contexto, acredita-se que todas as crianças e jovens têm o direito à Educação, e isto significa que acredita-se acredita numa sociedade que subscreve a justiça social o que implica estabelecer compromissos de modo a alcançar um futuro sustentável. Algo que pode ser feito através da valorização da diferença, tomando-a como capital fundamental para todos (Santos,1988, citado por Carvalho e Branco, 2012). Assume-se a Educação Inclusiva enquanto garante do direito à Educação e, por conseguinte, objetivo que é do dever de todos perseguir.

De salientar a importância de proporcionar equidade de oportunidades educativas e de oferecer uma Educação de qualidade. Este aspeto é particularmente importante quando se trata de públicos escolares que já vivenciaram insucesso escolar, cujas trajetórias de participação ao longo da vida não inclui estudos longos, nem valoriza particularmente o papel da Escola (César, 2013a). Nestes casos, revela-se essencial envolver a comunidade circundante, tornando os públicos escolares mais interventivos (César, 2013b; Courela & César, 2012, 2014), promovendo o empowerment e construindo cenários de educação formal mais inclusivos. A Geografia (escolar), em temas como Os Espaços Organizados pela População, pode dar um contributo para o empowerment dos alunos. Permite-lhes analisar a área onde vivem, procurando soluções que sejam sustentáveis, exequíveis e que aumentem a qualidade de vida (Esteves, 2006). Os trabalhos de projeto colaborativos (Courela & César, 2012, 2014) estão particularmente adaptados para atingir estes objetivos, nomeadamente os que se relacionam com a participação legítima e o empowerment de pessoas que participam em culturas vulneráveis, socialmente pouco valorizadas, como acontece a muitos dos alunos que frequentam esta escola, em geral, e esta turma, em particular. Os impactes positivos deste tipo de trabalho foram particularmente visíveis em investigações anteriores (Courela & César, 2012, 2014) e foram corroboradas pelos resultados obtidos neste processo de intervenção pedagógica, nomeadamente, pelo prémio obtido pela turma e do qual se falará mais detalhadamente no Capítulo 3.

(35)

2.1. Definição de trabalho colaborativo em Educação Inclusiva

É possível afirmar que, de um modo geral, na atualidade é cada vez mais valorizado o trabalho em equipa, no sentido de um conjunto de pessoas procurar contribuir para que uma determinada realização comum seja atingida. Os diversos intervenientes são chamados a participar, de forma crítica e reflexiva, para que o coletivo atinja o ambicionado sucesso. Porém, quando se fala em trabalho em equipa, surgem algumas dúvidas relacionadas com o uso das termos trabalho cooperativo e trabalho colaborativo. Estes são usados, frequentemente, como sinónimos (Barkley, Cross, Major, 2004), pois qualquer uma destas perspetivas se baseia no trabalho realizado por pequenos grupos, tendo em vista um projeto ou realização comuns. Contudo, o trabalho cooperativo e o trabalho colaborativo diferem em aspetos vários, que importa destacar.

Segundo Panitz (1999), os constructos da aprendizagem cooperativa e colaborativa são resultados da investigação em Psicologia, embora tenham orientações teóricas diferentes. Para este autor, a cooperação é uma interação estruturada na qual se procura, acima de tudo, atingir um objetivo através do trabalho do grupo. Deste modo, a cooperação tem por base o trabalho em pequenos grupos, organizados segundo uma hierarquia (Barkley, Cross, Major, 2004), onde cada elemento tem um papel a desempenhar. Este, por norma, é estabelecido por quem é considerado o responsável pelo que se pretende atingir. Em contexto escolar, é o professor quem mantém o controlo sobre as decisões das atividades realizadas (Panitz, 1999). Apesar de serem os alunos que estão a trabalhar em grupo, é este que propõe a tarefa, que indica o modo de a resolver, os meios a utilizar e como se deve organizar o próprio trabalho do grupo. A divisão de tarefas a realizar pelos vários elementos de cada grupo, diminuindo o tempo necessários para a sua conclusão, faz aumentar a produtividade, mas diminuindo o tempo também se reduz o envolvimento concertado na resolução de um problema ou na realização de uma tarefa (Wiersema, 2005). Sumariamente, estes são alguns dos aspetos presentes na estrutura de um conjunto de regras a seguir que isolam o trabalho cooperativo do trabalho colaborativo.

No trabalho cooperativo os estudos de Slavin (1980) alcançam um interesse considerável nos domínios: do ensino; das relações interpessoais entre alunos de diferentes etnias; no desenvolvimento de competências socio-afetivas e

(36)

desenvolvimento de autoestima positiva dos públicos escolares. Assim como os estudos de Johnson e Johnson (1984) sobre as valências, da incorporação de crianças e jovens sinalizadas de apoios educativos especializados (César, 2012), conduziram no reconhecimento de um ensino, inequivocamente, demarcado do método expositivo. Contudo, a preocupação patente nestes autores reflete-se, fundamentalmente, com a melhoria das práticas pedagógicas e não com a promoção dos públicos escolares (César, 1994).

O trabalho cooperativo constitui uma linha de investigação e intervenção pedagógica relevante, com abundantes evidências empíricas, mas configura um trabalho onde o centro da planificação, operacionalização e avaliação se mantêm coladas aos professores. Considera-se, também, que o reconhecimento que é atribuído, consoante o trabalho desenvolvido no grupo, ou seja, o esquema de reforços (Slavin, 1980), exemplifica a raiz epistemológica do trabalho cooperativo: o neobehaviorismo. Embora o trabalho cooperativo considere que a competitividade deva ser estimulada dentro de determinados princípios, este estímulo e reforço positivo fomenta, naturalmente, a competitividade e pode tornar-se, por si mesmo, no propósito a alcançar. Além disso, o reforço, usado com muita frequência, pode criar situações de dependência dos alunos em relação aos professores, o que convém evitar.

Quando se fala de trabalho colaborativo estes reforços não estão presentes, pois este valoriza o percurso de aprendizagem realizado, ou seja, os processos, sob uma perspetiva de interação participada e partilhada (Dillenbourg, 1999) e não apenas na consecução de um determinado objetivo, ou seja, de um resultado ou produto final. O trabalho colaborativo, segundo César (2003), estimula: a autorresponsabilização; a capacidade de organização pessoal; o desenvolvimento de mecanismos de autorregulação da motivação; e a autonomia, pelo que as práticas avaliativas diretas e de reforço são de evitar, de modo a não criar dependências em relação a quem detém o poder (geralmente, o professor, em espaço pedagógico), ou a quem é considerado como o par mais competente, numa díade ou pequeno grupo de alunos.

Neste sentido, considera-se que não é possível continuar a localizar o trabalho cooperativo na corrente construtivista, mas sim numa neobehaviorista. A raiz behaviorista põe a tónica, quanto às decisões no professor ou a quem é responsável pelo que se pretende atingir. É este que distribui as tarefas, decide os temas, o que faz quem, como o faz, durante quanto tempo. O objetivo é, embora num contexto mais interativo, o mesmo do behaviorismo clássico – obter determinadas respostas a

(37)

determinados estímulos. Logo, acredita-se que não há um grande trabalho pró-autonomia, algo que caracteriza o trabalho colaborativo.

O trabalho colaborativo é uma filosofia pessoal e não apenas uma técnica ou estratégia para utilizar em contexto escolar. Quando as pessoas se organizam em grupos, suscita uma atuação que respeite e evidencie as competências e os contributos individuais de cada elemento do grupo (Panitz, 1999). A partilha de autoridade, bem como uma aceitação da responsabilidade por parte dos elementos do grupo sobre as suas ações, é imprescindível. Logo, a premissa subjacente à aprendizagem colaborativa é o consenso (Dillenbourg, 1999). Neste sentido, os autores sugerem que, num cenário de trabalho colaborativo, o professor não assume a autoridade máxima e não decide o que é importante ser executado, como aconteceria num cenário de trabalho cooperativo. São os elementos do grupo que decidem quanto ao trabalho a desenvolver, não numa relação hierárquica, mas numa base de decisões partilhadas (Boavida & Ponte, 2002), pelo que cada elemento do grupo aceita a responsabilidade das decisões tomadas pelo coletivo e pelos resultados obtidos. O papel nuclear do professor situar-se-á ao nível do acompanhamento do trabalho e dos grupos, que oportunamente desafiará a irem mais longe nas argumentações, sustentações ou estratégias de resolução das tarefas (Ventura, 2012). Assume um distanciamento quanto às decisões, mas não está ausente, levanta questões e faz sugestões. O que explícita, ou implicitamente, pode ajudar também a esclarecer algumas dúvidas, bem como promover o desenvolvimento sociocognitivo e emocional dos alunos, além da apropriação de conhecimentos, permitindo atingir desempenhos mais elevados. Deste modo, age como mediador entre as culturas, vivências, conhecimentos, capacidades e competências anteriores, e os conhecimentos e competências que se pretende que sejam apropriadas e/ou desenvolvidas (Ventura, 2012). Por conseguinte, além de a colaboração ser uma filosofia de vida, que rege as interações que cada indivíduo estabelece ao longo do quotidiano, é um modo de vida que promove também o desenvolvimento de competências cognitivas, sociais e emocionais (César, 2003). Isto significa que as interações sociais têm importância no desenvolvimento sociocognitivo e emocional, pois facilitam a apropriação de conhecimentos, desenvolvimento e mobilização de competências (Kumpulainen & Mutanen, 1999; César & Oliveira, 2005). Ao aceitar que as interações sociais são um elemento fundamental da aprendizagem colaborativa e significativa aceita-se, simultaneamente, uma aprendizagem inseparável do social, dos outros, não só dos outros que atuam nos

(38)

cenários onde as aprendizagens têm lugar, mas também de outros que assumem vozes nas mentes dos indivíduos (Courela, 2007). Assumiu-se, portanto, uma posição nuclear das interações sociais nos processos de aprendizagem durante a intervenção pedagógica que decorreu.

2.2. Opções metodológicas da iniciação à prática profissional

Ao ingressarem na Escola, os públicos escolares são alvo de processos de socialização, pelo que cabe às instituições escolares tomarem consciência das diferenças culturais e intervir de forma ativa e esclarecida, no sentido de formar cidadãos intervenientes, participativos e solidários e não dependentes, periféricos e segregados. Segundo, Hamido e César (2009), a realidade é uma entidade socialmente construída, plural, capitalizada, distinta, submetida pelos valores culturais e sociais de quem a observa. Assim, ao fazer opções metodológicas, estas deverão estar concentradas na decisão sobre as escolhas que são tomadas durante o processo de investigação, tendo em conta se elas serão, ou não, apropriadas ao fenómeno em estudo e se produzem, ou não, informação credível.

Neste sentido, o presente relatório de Prática de Ensino Supervisionada insere-se numa investigação-ação (Mason, 2002), ou insere-seja, encontra-insere-se num patamar de intervenção, nomeadamente ao nível das representações sociais tornando-as, desejavelmente, mais positivas. O objeto da investigação é explorar a prática educativa tal como ocorre nos cenários de educação formal. Investigam-se ações e situações que envolvem docentes, cujas problemáticas podem ser modificadas e que admitem uma resposta prática (Suárez Pazos, 2002). A investigação-ação tem um acentuado carácter de intervenção (Elliott, 1991; McNiff & Whitehead, 2002), o que se coaduna com os objetivos desta investigação, pois teve subjacente um carácter de intervenção na comunidade que circundava a escola. Assumiu-se um paradigma interpretativo (Denzin, 2002), ou seja, foi através da interpretação, partindo de uma posição de participante observador, que se procurou construir o conhecimento acerca dos sentidos (Bakhtin, 1929/1981) que os participantes atribuem às suas ações. Assume-se, portanto, que as atitudes, crenças e valores do investigador são mobilizados quando este compreende os dados recolhidos, precisamente por serem produzidas com base em conhecimento e, por isso, inseparáveis quando são tomadas opções quanto à problemática em estudo, o que o torna, assim, parte de todo o processo de investigação

Imagem

Figura 1 Organização do espaço no mundo clássico grego (elaboração própria)
Figura 2 Taxa de retenção ou desistência entre  2009-2013 (MEC, 2014)
Figura 3 Evolução de matrículas entre 2009-2013 (MEC, 2014)
Figura 4 Idades dos alunos por grupo etário (%)
+7

Referências

Documentos relacionados

Outro ponto importante referente à inserção dos jovens no mercado de trabalho é a possibilidade de conciliar estudo e trabalho. Os dados demonstram as

14 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. Responsabilidade Civil do Médico.

O termo extrusão do núcleo pulposo aguda e não compressiva (Enpanc) é usado aqui, pois descreve as principais características da doença e ajuda a

Acreditamos que o estágio supervisionado na formação de professores é uma oportunidade de reflexão sobre a prática docente, pois os estudantes têm contato

Para analisar as Componentes de Gestão foram utilizadas questões referentes à forma como o visitante considera as condições da ilha no momento da realização do

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

Considera-se que a interdisciplinaridade contribui para uma visão mais ampla do fenômeno a ser pesquisado. Esse diálogo entre diferentes áreas do conhecimento sobre

A verificação do número de autovalores que devem ser selecionados para se obter resultados satisfatórios na recuperação e ainda, a influência de sua posição no conjunto ordenado