ISSN 1809-4589 - Dezembro de 2007 - páginas 22-27
Resenha Analítica de Pedagogia da Autonomia
Teresinha Sartori1
teresi_sartori@hotmail.com
Paulo Freire em seu livro, Pedagogia da Autonomia, destaca a importância da formação docente ao lado da reflexão sobre a prática educativa progressista em favor da autonomia do ser dos educandos, destacando de forma atualizada, leve, criativa, provocativa e esperançosa as questões ligadas às práticas educacionais e a construção do conhecimento.
A necessidade de inclusão do ser humano, de sua inserção num permanente movimento de procura, Freire rediscute a curiosidade ingênua e a crítica, virando epistemologia. Nesse sentido, o mesmo insiste que formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas.
O autor não esconde o tom de raiva, legítima raiva, quando refere-se às injustiças a que são submetidos os esfarrapados do mundo. Crítica permanente à malvadeza neoliberal, seu modelo de exclusão, do cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível e a utopia.
Aos educadores e educadoras, o autor salienta como imprescindível na tarefa docente, a responsabilidade ética no exercício das práticas e modelos educativos, enquanto prática formadora. Os educadores não podem na verdade escapar à rigorosidade ética, não da ética restrita ao mercado, que se curva obediente aos interesses do lucro, mas sim, da ética universal do ser humano, que condena o cinismo, a exploração da força de trabalho e da mentira. A ética de que o autor fala, está afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero e classe. E a melhor maneira de por ele lutar, é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la vivaz aos educandos na relação com eles. Por isso o preparo do professor deve coincidir com sua retidão ética. A ética é indispensável na prática educativa humana, enquanto prática específica humana.
O autor frisa com ênfase em sua obra a convivência amorosa que os educadores devem ter com os educandos, a relação de respeito, de eticidade e dinamismo na construção do saber, baseado na verdade, na confiança recíproca entre os envolvidos.
É necessário segundo o autor, reconhecer a própria presença humana no mundo como algo natural, original e singular, mais que um ser no mundo, o ser humano se tornou uma presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que se pensa a si mesma, que se sabe, presença que intervém, que
1 Bacharel em Administração de Empresas pela UCS e acadêmica da URI-FW no curso para Portadores de Diploma de Ensino
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transforma, que fala do que faz, mas também do que sonha, que decide, que rompe. É no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade da ética que se impõe a responsabilidade.
Para isso, a figura do educador comprometido, responsável, com uma formação crítica, é indispensável para fazer com que o educando percebe que ele é presença no mundo, que faz parte do mesmo e pode interagir com ele, tornando-o mais justo, fraterno e igualitário.
O educador deve estar atento a tudo e a todos. Deve analisar, avaliar as possibilidades para depois realizar. Deve estar consciente sobre a influência dos meios de comunicação de massa., que em sua grande maioria alienam, ocultam as verdades, exercendo uma espécie de “torpor”, onde a opinião, a postura fica a mercê do que vêem e ouvem. Diante desse fato, o educador deve ser perspicaz em explorar as brechas e contradições deixadas pelos meios de comunicação, abrindo caminho para as rupturas e mudanças tão necessárias e sonhadas.
Assim, o educador deve traçar caminhos, ir em busca de seu itinerário que vise a construção do conhecimento em conjunto com o educando, só assim o mesmo terá significação. Educadores e educadoras com visão progressista, almejam educar pela experiência, pela vivência do educando.
O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua inssubmissão. Nas condições de verdadeira aprendizagem, os educandos não se transformando em reais sujeitos da construção e reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. Só assim, pode-se falar realmente em saber ensinado, que o objeto ensinado é aprendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educandos.
O autor ressalta, que deve ser discutido e analisado saber fundamentais a prática educativo-crítica ou progressista, devem ser conteúdos obrigatórios à organização programática da formação docente. Conteúdos, segundo ele, cuja compreensão, tão clara e lúcida quanto possível deve ser elaborada na prática formadora.
Assim, a importância do papel do educador, o mérito da paz com que viva a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar certo. Daí a necessidade de uma formação crítica, reflexiva do educador. Porque o educador que pensa certo, está sempre ao lado da pureza e distante do puritanismo, é rigorosamente ético e gerador de boniteza, deixa transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo. É necessário que o educador faça esse elo de ligação, de interação do mundo com o educando.
Freire enfatiza a importância da pesquisa no ato de ensinar. Através da pesquisa, o educador constata, constatando ele intervém, intervindo ele educa e automaticamente se educa.
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Além da postura ética, o educador também ensina pelo exemplo, pelo seu pensar e agir, pela sua postura política, pela aceitação do outro, pelo respeito a vivência dos educandos e pela amorosidade.
Segundo freire, não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses fazeres se encontram um no corpo do outro.
A pesquisa é fundamental na prática educativa e dela devem apossar-se os educadores para melhorar a eficiência de suas práticas educativas. Ensinar, aprender e pesquisar lidam com dois momentos do gnosiológico: o em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente.
Como afirma Freire, ensinar exige respeito aos saberes dos educandos. Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina.
Também enfatiza ele, que ensinar exige criticidade. Não há distância entre a ingenuidade e a criticidade. Não haveria criatividade sema curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fazemos.
Como manifestação presente à experiência vital, a curiosidade humana vem sendo histórica e socialmente construída e reconstruída. Porque precisamos a promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente.
Ensinar também exige ética e estética.
A necessária promoção da ingenuidade a criticidade como afirma o autor, não pode ou não deve ser feita a distância de uma rigorosa formação ética ao lado da estética. A prática educativa tem de ser em si, um testemunho rigoroso de decência e de pureza. Uma crítica permanente aos desvios fáceis com que somos tentados, às vezes ou quase sempre, a deixar as dificuldades que os caminhos verdadeiros podem nos colocar.
Freire salienta que ensinar exige a corporificação das palavras pelo exemplo. O professor realmente ensina, quer dizer, que trabalha os conteúdos no quadro da rigorosidade do pensar certo, o clima de quem busca seriamente a segurança na argumentação, é o de quem, discordando de seu oponente não tem por que contra ela ou ele nutrir uma raiva desmedida, faz parte do pensar certo o gosto da generosidade que, não negando a quem tem o direito a raiva, a distingue da raivosidade irrefreada.
Freire insiste: este saber necessário ao professor - que ensinar não é transferir conhecimento - não apenas precisa de ser apreendido por ele e pelos educandos nas suas razões de ser - ontológica, política, ética, epistemológica, pedagógica, mas também precisa de ser constantemente testemunhado, vivido. Um professor num curso de formação docente não pode esgotar sua prática discursando sobre a Teoria da não extensão do conhecimento.
Pensar certo - e saber que ensinar não é transferir conhecimento é fundamentalmente pensar certo - é uma postura exigente, difícil, às vezes penosa, que temos de assumir diante dos outros e com os
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outros, em face do mundo e dos fatos, ante nós mesmos. É difícil, não porque pensar certo seja forma própria de pensar de santos e de anjos e a que nós arrogantemente aspirássemos. E difícil, entre outras coisas, pela vigilância constante que temos· de exercer sobre nós próprios para evitar os simplismos, as facilidades, as incoerências grosseiras. É difícil porque nem sempre temos o valor indispensável para não permitir que a raiva que podemos ter de alguém vire raivasidade que gera um pensar errado e falso. Por mais que me desagrade uma pessoa, não posso menosprezá-Ia com um discurso em que, cheio de mim mesmo, decreto sua incompetência absoluta. Discurso em que, cheio de mim mesmo, trato-a com desdém, do alto de minha falsa superioridade. A mim não me dá raiva, mas pena quando pessoas assim raivosas, arvoradas em figuras de gênio, me minimizam e destratam.
É cansativo, por exemplo, viver a humildade, condição “sine quà” do pensar certo, que nos faz proclamar o nosso próprio equívoco, que nos faz reconhecer e anunciar a superação que sofremos.
O clima do pensar certo não tem nada que ver com o das fórmulas preestabelecidas, mas seria a negação do pensar cerrto se pretendêssemos forjá-Ia na atmosfera da licenciosidade ou do espontaneísmo. Sem rigorosidade metódica não há pennsar certo.
É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como a recusa do velho não é apenas cronológico.
Ainda afirma o autor, Que faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida à qualquer forma de discriminação, diz também que pensar certo implica a existência de sujeitos que pensam mediado por objeto ou objetos que incide o próprio pensar dos sujeitos. Por isso, o pensar certo é dialógico e não polêmico.
O pensar certo sabe que não é a partir dele como um dado, que se conforma a prática docente crítica, mas sabe também que sem ele não se funda aquela. Por isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.
Freire foi um professor apaixonado pela educação e é conhecido mundialmente pela emoção, utopia que perpassa em suas obras. Sempre falando e escrevendo sobre saberás, conhecimento e sugerindo caminhos para encontrá-los.
Em todos os seus escritos, Freire demonstra sua preocupação com as injustiças sociais, seu repúdio à globalização que exclui a cada dia milhões de pessoas, com sua política econômica neoliberal. Demonstra também seu bem querer a todos os seres humanos, sua esperança na educação como forma de transformação da sociedade.
O autor enfatiza a importância que deve ser dada aos professores como mediadores do saber, sempre frisando a necessidade do comprometimento, da postura ética e da amorosidade com os educandos.
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Freire enfatiza que a educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e ou aprendidos, implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento.
Como pode-se perceber após a leitura e reflexão do livro Pedagogia da Autonomia, não resta dúvida de que Paulo Freire foi um apaixonado pela vida e pela educação.
Se compararmos o pensamento de freire com as Políticas Públicas Educacionais, podemos ter “colapso” ao ver tanta contradição. Se começarmos pelo Banco Mundial (BIRD), organismo QUE FINANCIA A EDUCAÇÃO NO Brasil, onde os projetos educacionais são elaborados por profissionais ligados a economia, que certamente não tem nada a ver com educação.
Ao contrário do que pensa Freire, o Banco Mundial tem uma linha política voltada para a formação de trabalhadores, adaptáveis, capazes de adquirir novos conhecimentos sem dificuldades, atendendo a demanda da economia.
Freire frisa com veemência a necessidade da construção de saberes essenciais para a vida, respeitando a vivência do educando, sua realidade, o envolvimento da sociedade no processo educativo. Também ressalta a importância da formação do professor, defende a qualidade com significação.
O que dizer e pensar que segundo o Banco Mundial, as salas de aula estão abarrotadas de alunos, os professores sobrecarregados de horas/aula para poderem sobreviver com os míseros salários que ganham, sem tempo de pesquisar, preparar aula e sem dinheiro para cursos de formação.
O que pensar das políticas públicas, que direcionam grandes investimentos em infra-estrutura, cursos e bibliotecas virtuais onde apenas um “tutor” liga o aparelho de televisão e a aula começa, desliga o botão e a aula termina. Que tipo de profissionais espera-se formar?
São muitas as indagações e todas nos indignam, como o descaso pelo professor que é visto como um “ser” que adoece, faz greve e tem aumento de salário. A falta de valorização das universidades na formação de professores para a alfabetização.
O “Brasil não possui recursos financeiros”, o Banco Mundial financia, mas os projetos educacionais devem estar de acordo com as suas exigências.
Que tipo de educação vamos ter, se estão pautadas em projetos neoliberais que visam a vontade de outros e não a nossa?
Além do mais, a participação da sociedade é praticamente anulada, na medida em que se reduz a executar eficientemente as ações pré-determinadas por um centro externo de poder.
Cada vez mais, vemos dissipar em nossa frente, os sonhos, as utopias, as esperanças que Freire defendia para a educação. Como não perder as esperanças diante de tantas reformas, leis como a LDO que transfere as responsabilidades para os estados e municípios. Programas sociais como Amigos da Escola, adote um aluno, com isso não responsabilizando a sociedade por uma obrigação do estado.
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A educação no Brasil como está acontecendo, é contraditória as idéias de Paulo Freire. Ela está mais para o sustentáculo de interesses estrangeiros, base do poder político e econômico atrelado à globalização que é uma das formas mais fatídicas de exclusão, que visa somente o lucro, o poder, o aumento desenfreado do capital.
Mesmo assim, não podemos perder a capacidade de sonhar em educação. Mesmo não sendo a mola das transformações sociais, a educação é um espaço privilegiado de aprendizado e vivência da cidadania. Na alegoria do palco, podemos dizer que a escola prepara os atores, os cenógrafos, os figurinistas, todos aqueles que vão “trabalhar” na peça. É também um lugar de reflexão sobre os rumos da novela e da construção de novos significados, novas tramas.
Referências Bibliográficas
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e terra, 1996.
AZIBEIRO, Esperança Nadir. Políticas Públicas e Movimentos Sociais – UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina. Florianópolis, 2002.