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Academic year: 2022

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DEPARTAMENTO DE ECONOMIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO

ABRAÃO DA CRUZ TAVARES

FALE AGORA OU CALE-SE PARA SEMPRE: VIOLÊNCIA DE GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS EM OLINDINA/BAHIA (2006-2018)

Osasco 2021

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ABRAÃO DA CRUZ TAVARES

FALE AGORA OU CALE-SE PARA SEMPRE: VIOLÊNCIA DE GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS EM OLINDINA/BAHIA (2006-2018)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Economia e Desenvolvimento do Departamento de Economia da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios, da Universidade Federal de São Paulo, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Economia.

Orientador: Prof. Dr. Fábio Alexandre dos Santos

Osasco 2021

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Dedico este trabalho a necessidade de construir Políticas Públicas para Mulheres no município de Olindina.

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AGRADECIMENTOS

Eu não queria ser frio nem ao menos indiferente neste momento, afinal é aqui que conseguirei externar o turbilhão de coisas que aconteceram, novas que estão acontecem e não por coincidência se justificam também pela trajetória acadêmica.

Para início de conversa, minha gratidão começa a Divindade que me guia; aquele que me deixa sempre sem palavras e que não está somente em um lugar inacessível e mítico; Deus manifesta-se em cada pessoa que “mexeu” com minha trajetória. No fundo, sinto-O em cada uma e um que muito se fez presente em mim e comigo nessa empreitada. Minha mãe, Maria José, e meu pai, José Cândido: eu sei que mesmo com medo dos desafios que teria de enfrentar, vocês me apoiaram e continuam a me incentivar sempre com um abraço apertado.

Quando em 2018 não consegui dar prosseguimento ao mestrado por uma questão financeira, estava perto de acontecer o carnaval; eu na capital pernambucana, Recife, totalmente perdido. Voltei para a casa de meus pais no interior da Bahia, e meses depois recebi uma proposta de trabalho de amigos de longa caminhada: Bárbara e Rogério da Kemp Arquitetura me proporcionaram um 2018 em Maceió de muito trabalho, aprendizado e possibilitaram que eu conseguisse fazer uma reserva financeira para ser posteriormente usadas com minhas despesas, na aprovação e ingresso, em 2019, no PPGED da Unifesp.

No entanto, começar o mestrado sem certeza de bolsa, tendo que residir na capital paulista poderia ter ficado na categoria de sonho se duas mulheres incríveis não tivessem investido nesse intento: Eraide Andrade e Ainglis Souza. Sou grato a vocês duas por abrirem as portas de suas casas, vidas e corações. Todo meu tempo em São Paulo no mestrado também é por vocês acreditarem em mim. Junto com elas, não vou esquecer do carinho de Evellyn Andrade, Molly, Manuela e Isa Cruz, Dona Adelina, Wilton e Tia Marlene que sempre me abraçaram e com carinho familiar sempre me fizeram sentir em casa; mesmo cansado da rotina de aulas, vocês transformavam meus dias em momentos melhores. Gratidão ao meu irmão, Alexandre Cruz e a minha cunhada Wanda Alves por toda a liberdade de compartilhar amor e lar comigo; saudades sempre de meus sobrinhos: Kamilly e Arthur Tavares.

Os finais de semana não sobravam muito tempo para lazer, afinal, a maior parte da pesquisa e estudos acontecem fora da sala de aula, e especialmente Pamela Belmiro, Erick Rocha, Elizeu Cavalcante, Samara Santos, Hélio Silveira, Cinthia Benini, Kauê Ribeiro, Bruna Roque e Ricardo Gabarron nunca desistiram de mim e tiveram paciência com minha rotina (as vezes não). Por outro lado, a distância geográfica de Raquel Xavier, Dari Ribeiro, Matheus Milosz, Arthur Cassemiro, Dani Vargas e Matheus Cantarutti foram supridas por muitas

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conversas pelo whatsapp. Aos amigos e amigas que me fazem saber que a Kemp é uma família:

Timóteo Andrade, Andreia Dalbão, Camila Sato (Zangui), Juliana Capellari, Taine Santos, Tatiane Zuane, Malu Almeida, Baby e Rogério (chefes), Fernanda Salerno, Marcos Vinicius, Ana Gomes e tantas e tantos outros, amo tanto vocês. Minha gratidão a galera incrível do Ibab Cidade, Ibab Jovem, Blitz, Ibab Criança e Ibab PG’s (amo vocês Myrelle Rodrigues, Mayara Povôa, Beatriz Oliveira, Andressa Álvares, Monique Lassarot, Lari Cordeiro e Ana Machado) – ressalto sempre: que saudades de nossos encontros presenciais!

Essas linhas me fazem também perceber que vivemos como que em uma teia humana;

pessoas que nos levam a outras pessoas e o sentido disso tudo é viver cada momento, pois quem sabe, alguns deles poderão não mais repetir (ao menos nos moldes como esperamos). Com isso, registro minha gratidão e digo que, o quanto de amor sinto por vocês dimensiona a minha saudade do que juntos vivemos: Tio José Felix, Ada Belmiro e Tio Vavá. A pandemia Covid- 19 passou como um trator, deixou feridas não só no meu coração como em milhões de pessoas no mundo. Especialmente aqui no Brasil, milito, luto e desejo que tenhamos dias melhores, governos melhores que de fato respeitem a vida e a existência plural de tantas e tantos brasileiros espalhados pelos mais de 5 mil municípios em nosso território – a vacina poderia ter chegado a vocês.

Tudo o que você lerá aqui concernente a pesquisa foi possível devido encontros profissionais/acadêmicos que hoje se tornaram laços de amizade e carinho. Eu lembro, como se fosse hoje minha primeira conversa com Prof. Fábio Alexandre; eu ainda estava perdido, mas com tanto desejo de ser orientado por ele. Com muito respeito e cuidado, ele foi abrindo diversos caminhos e possibilidades. Para mim é imensurável o quanto eu tenho aprendido de pesquisa e vida com o Fábio. No PPGED-Unifesp, muitas pessoas de diversas formas contribuíram com minha trajetória no mestrado, mas gostaria de especialmente agradecer a Profa. Cláudia Tessari por permitir que eu me aproximasse dela: Profa. Cláudia e Prof Fábio são minhas duas inspirações quando no futuro eu vier a lecionar. Profa. Luciana Rosa, Prof.

Flavio Tayra, Prof. Daniel Feldman, Prof. Veneziano Araújo, Prof. Marcelo Soares, Profa.

Daniela Vaz, Prof. Julio Zorzenon, Prof. André Roncaglia e Prof. Diogo Prince: gratidão por deixarem uma marca em mim. Aos meus amigos e amigas de sala, eu sinto saudade de estar com vocês, conversando no Restaurante Universitário: Amanda Bento, Ana Luísa, Bruno Viveiros, Matheus Pizzani, Tais Maria (sua risada é ímpar), Fernando Martins, Káritas Allen, Gustavo, Adriano Fonseca, Wagner Aiello, Isa Matos e especialmente a você, Gabi Rocha, por lembrar que essa conexão Minas Gerais e Bahia é pra vida toda. Gratidão também a Dra. Debora Ferro e Joseval Argolo: o trabalho de vocês na Segurança Pública de Olindina é fantástico;

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vocês abriram as portas da Delegacia Territorial de Olindina, como permitiram ampliar meus conhecimentos e vivências na cidade. Cláudia Cruz, Kaka Cruz, Kinha Cruz, Jaime e Raimunda: vocês transformam meus dias em Salvador deixando ainda mais o sabor do dendê de nossa “Bahêa”.

Profa. Maria Teresa Marques e Prof. Fernando Saraiva: conversar com vocês no X Encontro de Pós-graduação em História Econômica produzido pela ABPHE foi um divisor de águas para minha pesquisa. Outro encontro lindo na ocasião da qualificação foi com a Profa Lina Brandão; devido a pandemia, por enquanto só nos conhecemos de forma virtual, mas suas orientações foram tão preciosas que encerro este ciclo grato pelos rumos que você nos ajudou dar a esta pesquisa. Prof. Claudino Ferreira, minha gratidão por ter aceitado participar da banca de defesa, mas também por inflamar minhas expectativas para os próximos passos na pesquisa.

Antes de encerrar esse texto, depois que tanta coisa mudou na rotina de vida com o advento da Pandemia Covid-19, agradeço hoje por mulheres incríveis que me permitem andar lado a lado na luta em conjunto por Políticas Públicas para Mulheres. Neste sentido, destaco Alana Lisboa, Juci Cardoso e Thais Mendes (eu quero sempre aprender e estar ao lado de vocês). Meus amigos Jonatha Matos, Luciana Faustino, Ricardo Nanes, Luiz Alberto, José Agnaldo e Bruno Teixeira por abrirem novos caminhos e traçarmos juntos e juntas novas rotas.

De maneira direta e indireta, a tantas mãos que permitiram hoje estar aqui: gratidão!

Meu respeito a todas as mulheres de Olindina, da Bahia e do Brasil que ao longo da história lutaram e ainda lutam por respeito, inclusão e aceitação.

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Mas através de toda a época patriarcal – época de mulheres franzinas o dia inteiro dentro da casa, cosendo, embalando-se na rede, tomando o ponto dos doces, gritando para as molecas, brincando com os periquitos, espiando os homens estranhos pela frincha das portas, fumando cigarro e às vezes charuto, parindo, morrendo de parto; através de toda a época patriarcal, houve mulheres, sobretudo senhoras de engenho, em quem explodiu uma energia social, e não simplesmente doméstica, maior que a do comum dos homens.

Energia para administrar fazendas, como as Das.

Joaquinas do Pompeu; energia para dirigir a política partidária da família, em toda uma região, como as Das.

Franciscas do Rio Formoso; energia guerreira, como a das matronas pernambucanas que se distinguiram durante a guerra contra os holandeses, não só nas duas marchas, para as Alagoas e para a Bahia, pelo meio das matas e atravessando rios fundos, como em Tejucupapo, onde é tradição que elas lutaram bravamente contra os hereges.

Langsdorff, nos princípios do século XIX, visitou uma fazenda no Mato Grosso, onde o homem da casa era uma mulher. (...) Era uma machona. Junto dela o irmão padre é que era quase uma moça.

(FREYRE, Gilberto, 2013; grifo nosso)

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RESUMO

TAVARES, Abraão da Cruz. Fale Agora ou Cale-se para Sempre: violência de gênero e políticas públicas em Olindina/Bahia (2006-2018). 2021. 219 f. Dissertação (Mestrado) – Escola Paulista de Política, Economia e Negócios, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2021.

Esta pesquisa buscou levantar as tensões econômicas e sentidos empregados no entendimento de gênero nos relatos de crimes de gênero através da leitura de inquéritos policiais em um município no interior da Bahia, Olindina, entre os anos de 2006 e 2018. O conceito de violência de gênero congrega duas tipificações criminais sancionadas pelo Código Penal brasileiro que trata sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher, Lei nº 11.340/2006, e o Feminicídio, pela Lei nº 13.104/2015; ambos crimes que congregam a manifestação da violência carregando a subordinação da mulher pelo homem corroborada na dependência econômica, ligação sentimental e familiar, e historicamente reproduzida por uma legislação androcêntrica. A fim de aprender como gênero, mercado de trabalho, acesso ou escassez à renda e partilha de bens ganham significados e sentidos dentro das narrativas policiais, carrega-se a hipótese de que a exposição à violência aprofunda desigualdade de gênero e amplia a vulnerabilidade socioeconômica das mulheres vítimas, assim como o aprofundamento da problemática diante da carência de implementação de políticas públicas voltadas ao enfrentamento e amparo das mulheres na região. A pesquisa de campo constatou que a maior parte dos casos foram denunciados por mulheres em idade ativa de trabalho, mulheres negras, com algum vínculo emocional com o agressor, os poucos rendimentos tencionaram a relação conjugal, a partilha de bens e pensões alimentícias inflamaram muitas ocorrências e, determinados bairros, tradicionalmente conhecidos por outros crimes foram o cenário recorrente das denúncias implicando uma estreita relação entre crime, economia e políticas públicas. Logo, com a análise dos inquéritos policiais foi possível estabelecer um sentido próprio na forma de narrar os crimes de gênero, formulando uma orientação em como as informações são produzidas e circuladas entre Polícia e Judiciário, assim como indicar lacunas deixadas pela ação do poder público. Por este caminho, a pesquisa conclui que mesmo existindo um contingente de mulheres que se calam gerando a subnotificação da violência, muitas outras, apesar das carências e exposições resolveram falar, isto é denunciar, não somente o agora, mas em muitos casos recorrentemente com uma grande participação de vizinhos, quebrando a máxima popular do “não meter a colher”.

Palavras-chave: Violência de Gênero; Políticas Públicas; Gênero e Economia; Violência e Economia; Crime e Economia; Políticas para Mulheres.

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ABSTRACT

TAVARES, Abraão da Cruz. Speak Now or Shut Up Forever: gender violence and public policy in Olindina/Bahia (2006-2018). 2021. 219 f. Thesis (Master’s degree) – Escola Paulista de Política, Economia e Negócios, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2021.

This research seeks to raise the economic tensions and meanings used in the understanding of gender in the reports of gender crimes by reading police inquiries in a municipality in the interior of Bahia, Olindina, between 2006 and 2018. The concept of gender violence brings together two criminal classifications sanctioned by the Brazilian Penal Code that deals with domestic and family violence against women, Law nº. 11.340/2006, and Feminicide, by Law nº. 13.104/2015; both crimes that bring together the manifestation of violence, carrying the subordination of women by men, supported by economic dependence, a sentimental and family connection, and historically reproduced by an androcentric legislation. In order to understand how gender, the labor market, access or scarcity to income and sharing of goods gain meanings and meanings within police narratives, it is hypothesized that exposure to violence deepens gender inequality and increases the socioeconomic vulnerability of women victims, as well as the deepening of the problem given the lack of implementation of public policies aimed at confronting and supporting women in the region. The field research found that most cases were reported by women of working age, black women, with some emotional bond with the aggressor, the low income strained the marital relationship, the sharing of assets and alimony ignited many occurrences. and certain neighborhoods, traditionally known for other crimes, were the recurring scenario of accusations, implying a close relationship between crime, economy and public policies. Therefore, with the analysis of police inquiries, it was possible to establish a specific sense in the way of narrating gender crimes, formulating guidance on how information is produced and circulated between the Police and the Judiciary, as well as indicating gaps left by the action of the public authorities. In this way, the research concludes that even though there is a contingent of women who remain silent, generating underreporting of violence, many others, despite the shortages and exposures, decided to speak, that is to denounce, not only the now but in many cases recurrently with a large participation of neighbors, breaking the popular maxim of “don't take the spoon”.

Keywords: Gender Violence; Public policy; Gender and Economy; Violence and Economy;

Crime and Economy; Policies for Women.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Variação Percentual do Estoque de Emprego Formal por Gênero ... 48 Gráfico 2 – Principais Registros Criminais – Comparativo entre 2014 e 2018 ... 51

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Capela São João Batista em Olindina – Década de 1960 ... 27

Imagem 2 – Olindina - Década de 1960 ... 32

Imagem 3 – Olindina - Década de 2000 ... 33

Imagem 4 – Olindina - Década de 2020 ...33

Imagem 5 – Delegacia Territorial de Olindina ... 108

Imagem 6 – Zona Urbana de Olindina - 2021 ... 109

Imagem 7 – Croqui da Delegacia Territorial de Olindina ... 110

Imagem 8 – Olindina – Bairro Cidade Nova em 2021 ... 118

Imagem 9 – Posicionamento Topográfico de Olindina – Década de 2020 ... 145

Imagem 10 - Leitura do Imaginário Policial ... 147

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Bahia, Microrregião de RP e Olindina ... 25 Mapa 2 – Disposição Geográfica de Olindina e DEAM’s na Bahia ... 41 Mapa 3 – Proporção de Ocorrências de Crimes de Gênero na Bahia – Comparativo entre Bases de Dados ... 55 Mapa 4 – Localização das Ocorrências Criminais em Olindina ... 69

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Relação de Nomes Fictícios e Tensões ... 113

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Estatísticas Populacionais ... 30

Tabela 2 – Estatísticas de Saúde em Olindina ... 43

Tabela 3 – Estatísticas de Educação ... 45

Tabela 4 – Estatísticas Econômicas ... 46

Tabela 5 – Estatísticas do Mercado de Trabalho ... 47

Tabela 6 - Estatísticas de Vulnerabilidades Socioeconômicas em Olindina ... 49

Tabela 7 – Relação dos Municípios com Maiores Proporções de Ocorrências Criminais na Bahia - Comparativo entre Bases de Dados ... 57

Tabela 8 – Relação das Características das Vítimas de Violência de Gênero em Olindina ... 60

Tabela 9 – Panorama Geral dos Inquéritos Policiais em Olindina – 2006 a 2018 ... 63

Tabela 10 – Perfil dos Envolvidos nos Inquéritos Policiais em Olindina – 2006 a 2018 ... 66

Tabela 11 - Localização das Ocorrências Criminais em Olindina ... 67

Tabela 12 – Profissão nos Inquéritos Policiais em Olindina ... 71

Tabela 13 – Participação por Regime Contratual de Trabalho e Gênero no Brasil – em milhões (1985-2007) ... 103

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Cadúnico Cadastro Único

CLT Consolidação das Leis Trabalhistas

CNDM Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres CRAS Centro de Referência em Assistência Social

CREAS Centro de Referência Especializado em Assistência Social CPF Cadastro de Pessoa Física

DEAM Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH Índice de Desenvolvimento Humano

IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal IML Instituto Médico Legal

FBSP Fórum Brasileiro de Segurança Pública FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias

LMP Lei Maria da Penha

LOA Lei Orçamentária Anual

MDH Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos ONU Organização das Nações Unidas

PBF Programa Bolsa Família

PEA População Economicamente Ativa

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio

PPA Plano Plurianual

QDD Quadro Demonstrativo de Despesas RAIS Relação Anual de Informações Sociais

RF Responsável Familiar

RP Ribeira do Pombal

SIM/MS Sistema de Informação de Mortalidade/Ministério da Saúde SPI Secretaria de Promoção à Igualdade

SPM Secretaria de Políticas para Mulheres SSP/BA Secretaria de Segurança Pública/Bahia

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SUS Sistema Único de Saúde

UF Unidade Federativa

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 18

2. O TERRITÓRIO: CONHECENDO A CIDADE ... 24

2.1 A Cidade, História e Indicadores ... 24

2.2 Políticas Públicas e Violência de Gênero ... 35

2.3 O Contexto Criminal da Região ... 50

2.4 Os Crimes de Gênero em Olindina ... 58

3. A TEMÁTICA: VIOLÊNCIA, GÊNERO E ECONOMIA ... 75

3.1 Violência como Categoria Análise ... 75

3.2 Encontro entre Gênero e Economia ... 81

4. OS DOCUMENTOS: ENTRE FALAR E SE CALAR ... 107

4.1 A Delegacia Territorial de Olindina ... 107

4.2 As Tensões Existentes nos Documentos Oficiais ... 113

5. OS SENTIDOS: O FAZER POLICIAL ... 134

5.1 Entre o meter a colher e o cale-se para sempre ... 134

5.2 Outros contornos abstraídos do Fazer Policial ... 143

6. CONCLUSÃO ... 151

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 155

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1. INTRODUÇÃO

A violência de gênero é um conceito que engloba uma série de expressões violentas baseadas na condição e motivação do e pelo gênero do indivíduo. Tanto no Brasil como no mundo tem sido evidenciada a partir dos anos 1970, e em 1990 sobretudo, que as mulheres vivem e experimentam a experiência cidadã de maneira diferente considerando os devidos recortes de classe e raça-etnia. Quando se fala de violência, o termo conjura uma gama de diferentes manifestações expressas, considerando o tempo e o espaço por ser uma categoria volátil e mutável conforme as especificidades de cada sociedade.

Não é uma tarefa fácil definir o que seja violência. Não é um caminho trivial em que puramente uma definição oriunda de dicionários consigam satisfazer o entendimento do que seja essa manifestação em diversos momentos da história. Como se dá? Como acontece? Como se manifesta? Por que se manifesta? Algumas questões norteadoras que somente funcionam como preposições que mais espraiam o conceito do que propriamente ajudam a compreendê- lo. Como apontou Kowarick (2009) olhando para São Paulo entre 1970 a 2000, a violência se tornou uma espécie de elemento que fundamenta e estrutura a vida das pessoas, pois muitas decisões como qual lugar habitar, perpassam sensações quanto à dualidade violência/segurança (considerando inevitavelmente um recorte exclusivo das classes mais abastadas financeiramente, que possuem recurso suficiente para escolher onde residir, o que difere muito na realidade de um Brasil desigual).

O Brasil, segundo Walselfisz (2015), ocupa a quinta posição entre os países com os mais altos índices de assassinato violento de mulheres. A cada duas horas uma mulher é assinada no Brasil, 503 mulheres são vítimas de agressões a cada hora e, a cada dois minutos 5 mulheres são espancadas1. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP (2020), em alguns estados brasileiros pesquisados houve um aumento de mais de 45% nos casos de feminicídios no período da pandemia de Covid-19 comparado com os registros do mesmo período, março a abril de 2019. A maior parte dos feminicídios foram perpetrados por pessoas do convívio da vítima e no âmbito domiciliar, o que configura uma aproximação com a tipologia de crimes de violência doméstica (FBSP, 2019).

Isto posto, a violência doméstica e familiar contra a mulher e, no seu limite, o feminicídio, são aqui embasados a partir da convergência de seus elementos historicamente

1 Dossiê Feminicídio Instituto Patrícia Galvão. Para mais informações, acesse:

<https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/qual-a-dimensao-do-problema-no-brasil/>.

Acesso em: 18 jul 2020.

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constituintes. Analisados a partir da categoria gênero, partindo da premissa mulher com individualidade e especificidades sociais, mas, dialeticamente, sob fortes condicionamentos e pressões socialmente construídas – a dominação e exploração nos termos de Saffioti (1987;

2011). Neste sentido, considerando as implicações econômicas que não se restringem à esfera privada de cada vítima, muito ao contrário, atingindo a sociedade seja na existência ou ausência de políticas públicas que enfrentem a problemática.

Sejam os conceitos da i) violência doméstica e familiar contra a mulher oriundo da tipologia criminal pela Lei nº 11.340/2006, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, doravante LMP e, do ii) feminicídio proveniente da Lei nº 13.104/2015, busca-se englobar ambas manifestações no conceito de violência de gênero, alinhando o entendimento de que é uma manifestação criminal que responde à estrutura de subordinação da mulher pelo homem.

A violência empregada contra as mulheres por sua condição de gênero, como buscamos apresentar nesta pesquisa, não é uniforme e homogênea. Cada sociedade desenvolve um conjunto de ações e relações dentro de uma trama em que o poder não é estático nem objeto exclusivo de um indivíduo; como considerou Foucault (1987, p. 29). São relações de poder que se manifestam no controle do corpo a partir de ações diretas que lhes são impostas, em que “o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais.”.

Nestas relações não estáticas pensamos a heterogeneidade de formas em que se insere o debate do controle masculino sobre a mulher. Pela perspectiva de Scott (1994), o olhar histórico para a situação e relação entre homens e mulheres não é exatamente demarcar quais foram suas reações e implicações, e sim, como se deu a construção de categorias subjetivas e os significados coletivos de identidades dos sujeitos. Considerar que qualitativamente a vida das mulheres é diferente no tempo e no espaço, é corroborar as diversas realidades que a categoria gênero permite elencar, decorrentes de outras camadas. De acordo com Saffioti (1987), não existe um tipo exclusivo de Feminismo (enquanto movimento político e teórico que permite fundamentar a crítica estrutural da subordinação da mulher pelo homem); mesmo existindo um eixo de interpretação que se baseia a luta pela independência e igualdade das mulheres Os Feminismos levantam distintas bandeiras com enfoques políticos pautados em reivindicações que respondam à realidade vivida pelos diferentes grupos de mulheres.

Outrossim, grande parte das ocorrências acontecem entre quatro paredes, no contexto familiar, e os desdobramentos da violência podem ser sentidos e impactados no contexto da sociedade trazendo impeditivos diretamente relacionados com o acesso e permanência no

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mercado de trabalho, como um exemplo. Meneghel et al. (2013) sobrepõem ainda a ordem patriarcal como um código de conduta que posiciona o homem como aquele que “protege” a mulher; no entanto essa forma de proteção está ligada com a construção histórica do que é ser mulher. Quando sente e percebe que a mulher saiu do lugar de submissão que ele projetou, sua ação será as estratégias de dominação com violência pela via dos corpos que como apontou Federici (2017, p. 32) “constituíram os principais objetivos — lugares privilegiados — para a implementação das técnicas de poder e das relações de poder” manifestando a dupla relação da dominação da mulher, historicamente constituída a partir do imaginário patriarcal e sua exploração na esfera da produção e reprodução da vida.

A temática criminal, tradicional campo de estudos nas ciências jurídicas, também se tornou atrativa nas Ciências Sociais, sobretudo na Ciência Econômica posterior a uma série de análises já desenvolvidas na Sociologia e Antropologia. Entretanto, como resposta, a teoria marginalista pretendeu, a partir de uma modelo metodológico hipotético-dedutivo, o famigerado homo economicus, condicionar o crime a uma análise racional. O modelo de agente racional proposto pela Escola Clássica e aperfeiçoado pela Escola Neoclássica, que especificamente corroborou a Teoria do Crime na Ciência Econômica, indica que o indivíduo possui pleno conhecimento anterior das situações que o envolvem (conhece todos os riscos que corre legalmente caso seja autuado assim como o benefício pela atividade criminal comparado ao retorno em outras opções disponíveis). Porém, desconsidera relações sociais e influências históricas de maneira a generalizar respostas a partir da observação de um modelo rígido e individual. Esta pesquisa se posiciona de maneira teórica e metodológica contrária ao sentido utilitário de indivíduo maximizador, enveredando por um entendimento que considera como a estrutura, conjuntura e os fatos de maneira dialética influenciam e são influenciados pela realidade concreta e histórica a partir de uma vertente que traga um diálogo econômico.

Como apontou Bresser-Pereira (2009), nas Ciências Sociais é praticamente impossível não ser analítico e dialético, pois causa e consequência não estão em linearidade, como uma em função da outra, mas, retroalimentando, respondendo contraditoriamente; logo,

“fale agora ou cale-se para sempre” é, sem sombra de dúvida, dialético pois convida a olhar relatos de mulheres que corajosamente resolveram não se calar mesmo implicando estarem vulneráveis aos seus agressores. Por outro lado, também fala de mulheres silenciadas pela escassez do que a letra da lei prevê: políticas públicas de amparo e enfrentamento à violência.

A metodologia empregada na pesquisa se distanciou do aparato teórico da racionalização do indivíduo e caminha por meio de uma abordagem histórico-dedutiva. O modelo proposto se fundamentou na observação local visando entendimento e teorização para

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a realidade, considerando que a estrutura influencia a continuidade (ou não) dos fatos e permitindo entender a convergência com os/as atores/atrizes sociais (BRESSER-PEREIRA, 2009).

O intuito não é entender o agente enquanto indivíduo – agressor – a partir da escolha racional que parte do axioma que ele detém todas as informações e está em constante avaliação do custo e benefício para o intento criminoso, tampouco tenta-se inferir causa e efeito da violência de gênero. Todos esses pontos possuem sua importância na Ciência Econômica, todavia, buscamos aprender como as dimensões econômicas estão presentes nas narrativas policiais implicando sentidos do ser vítima, acusado e testemunha nas tramas. O formato qualitativo de tratar o objeto desta pesquisa buscou se inserir no debate de avaliação de políticas públicas ofertando um instrumento crítico do que se encontra registrado oficialmente sobre o tema. Privilegia uma ferramenta de captação da estrutura social e econômica forjada na atitude social, considerando que a análise microfundamentada do comportamento individual é incompatível tanto com o arranjo histórico que avalia continuidades e descontinuidades não somente para um agente, como também seu contexto e instituições que o cercam; logo, é considerar que por trás dos documentos existe um discurso a ser revelado (CARDOSO &

VAINFAS, 1997).

O recorte espacial busca responder indicações de outros trabalhos que apontam a necessidade de estudos regionalizados (CERQUEIRA et al. 2015; PCSVDF MULHER, 2016;

FERRAZ & SCHIAVON, 2019), assim como a possibilidade de acessar aos arquivos oficiais de uma delegacia territorial, o que não é uma tarefa trivial e depende de uma rede de contatos que facilite a autorização entre órgão público e pesquisador. Neste sentido, o município do interior da Bahia, Olindina pertencente a Microrregião de Ribeira do Pombal, apresenta não somente dados de violência de gênero acima das médias estaduais, como será apresentado ao decorrer do texto, mas também se encontra na condição de escassez de políticas públicas neste campo. Um dos fatores que coloca o município na condição de escassez de políticas públicas é não ser atendido por Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), Centro de Referência no Atendimento à Mulher (CRAM), Núcleo de Atendimento à Mulher assim como a ausência de uma Rede de Organismos Integrados no Combate à Violência de Gênero (todos previstos na LMP).

Temporalmente, a análise parte da sanção legal das duas manifestações de crimes que aqui tipificam o que chamamos de violência de gênero: LMP de 2006 e Lei do Feminicídio de 2015; o recorte de análise se encerra em 2018 em função da necessidade de um avanço temporal

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para apreensões de casos implicados sob a Lei de 2015, no intuito de se ampliar a visão da problemática.

Os documentos oficiais da Polícia Civil aqui usados para montar o roteiro dos fatos criminais são os inquéritos policiais instaurados pela Delegacia Territorial de Olindina (DT) no período citado. Esses documentos possibilitam entender o que e como narram os agentes de segurança pública sobre a trama que envolve o acontecimento criminal. A todo momento termos do campo do Direito são utilizados e possuem uma significação específica. Implica que acessar aos inquéritos policiais é se valer das tipologias habitualmente usadas para contar os fatos;

sendo assim, reserva-se a esta pesquisa os seguintes usos e significados:

• Vítima: quem sofreu o crime;

• Acusado: aquele que ainda está no estágio de investigado como responsável pelo crime;

• Testemunha: indivíduo enquadrado para relatar o que viu ou sabe sobre o crime ocorrido;

• Indiciado: apontado pela autoridade policial como aquele que possui fatos suficientes que o leva a condição de culpado;

• Declarante: aquele que está sendo ouvido na investigação;

• Agressor: julgado como responsável (culpado) pelo crime;

• Autos: peças produzidas que integram o inquérito policial; e,

• Oitivas: ato de ouvir os envolvidos no caso, por parte dos agentes policiais.

Usados como apoio a forma de escrita, ao longo do texto algumas simbologias de grafias expressam sentidos ao que se propõem comunicar. Logo, o uso de palavras ou frases em itálico, por exemplo, simbolizará expressões em língua estrangeira, expressões ou títulos de obras; o uso de texto ou palavras entre aspas, “por exemplo”, confere expressões diversas em língua portuguesa como também referência a algum conceito, termo ou legenda usados tanto na teorização do tema como em figuras, gráficos, imagens ou mapas; para o uso de texto ou palavras em itálico e entre aspas, “por exemplo”, atribui as citações diretas de falas sejam as colhidas no campo (chamadas aqui de caderno de campo e fruto das anotações dos documentos oficiais), seja oriundas de outras produções citadas no texto; e por fim, além de sistematizar as histórias criminais reordenadas e contadas na pesquisa de forma agrupadas, foi utilizado o recurso de informar o número de controle de cada inquérito policial obtido na DT e citado na pesquisa no formato de três numerais seguidos do ano de instauração (001/2020, por exemplo).

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Isto posto, o objetivo foi levantar nos inquéritos policiais, quais as dimensões econômicas são problematizadas nos crimes e os sentidos adotados para os papéis de gênero nas narrações redigidas pelos agentes policiais. De maneira pormenorizada a pesquisa buscou posicionar o município em relação aos principais indicadores socioeconômicos, apresentar as estatísticas criminais e levantar parte da bibliografia que trata sobre a condição de subordinação da mulher pelo homem na história como forma de teorizar a violência de gênero e buscar apreender os desdobramentos oriundos da ausência de políticas públicas por parte do poder público.

Conseguinte, o texto foi divido em seis seções. A primeira seção destinada a esta introdução. A segunda, denominada “O Território: Conhecendo a Cidade” propicia um posicionamento socioeconômico e histórico do recorte da pesquisa. A terceira seção, “A Temática: Violência, Gênero e Economia”, levanta os principais conceitos e o caráter histórico envolvendo o tema da violência de gênero. Na quarta seção, “Os Documentos: Entre Falar e Calar-se”, é reescrito fatos criminais buscando destacar os fatores econômicos e de gêneros, problematizados na escrita dos documentos. A quinta seção denominada “Os sentidos: O Fazer Policial” avança buscando interpretar sentidos nos documentos e levanta o que eles informam para além dos crimes narrados. Por fim, a sexta seção traz o fechamento da pesquisa pelas

“Considerações Finais”.

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2. O TERRITÓRIO: CONHECENDO A CIDADE

Enquanto a cidade dos países industrializados é parte integrante de um território que mais ou menos a gerou e com o qual viveu, em constantes inter-relações, a mesma aventura histórica e econômica, a cidade dos países subdesenvolvidos aparece muitas vezes como um corpo estranho, alógeno, inserido em um meio com o qual estabelece relações descontínuas no espaço e no tempo.

(SANTOS, Milton. 2018)

2.1 A Cidade, História e Indicadores

Definir tempo e espaço na pesquisa não é puramente um rígido rito científico, nem somente uma ação que cumpre um formato metodológico no tratamento de um tema. Bacurau é uma produção cinematográfica brasileira que conta a história de uma cidade que não existe no mapa, alternando manifestações alegóricas de futuro e passado, caracterizando um povo com o arquétipo rústico do nordeste brasileiro, buscando problematizar questões relacionadas à política, cultura e violência2. No entanto, como Valéria B. Magalhães e Cristiano Feliciano3 apontam em suas críticas culturais, torna-se problemático reproduzir a estigmatização que a Região Nordeste é uniforme (afinal, Bacurau se passa no Nordeste mas não foi localizado em um de seus 9 estados, logo, a ideia de uma identidade cultural singular “nordestina”) e que os desafios impostos à população são resolvidos através de uma resistência sangrenta (renovando o modelo do cangaço, marcas da marginalização das narrativas sobre a Região).

Essas ordenações de onde e quando se fala implicam verificar como mesmo existindo um todo, ou seja, um caráter estrutural que permite entender a operação do sistema econômico e mesmo, como buscamos trabalhar aqui, as interfaces sociais, culturais e políticas, a faceta individual, própria de um lugar, deve ser extraída e exposta pois é justamente por ela que se é possível entender processos descontínuos e não reproduzir estereótipos coletivos. Com isso, busca-se observar que a Região Nordeste não detém por si só um povo singular; existe uma pluralidade de sujeitos com culturas diversas e que reafirmam seus modos de vida a partir de experiências ímpares.

2 Bacurau, 2019. Diretores: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Produzido por: Emille Lesclaux, Said Bem Said e Michel Merkt.

3 Filme com Especialista Universidade de São Paulo. Disponível em: <

https://www.youtube.com/watch?v=llMyC7KSxm4>. Acesso em: 30 set 2021.

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Neste sentido, localizamos a pesquisa no município baiano de Olindina, interior do estado da Bahia, representando o que alguns estudos indicam como problemática ainda a ser estudada em relação à violência de gênero: municípios de pequeno porte que necessitam de atenção, pois grande parte das pesquisas focam em capitais, regiões metropolitanas e grandes municípios. A consideração da regionalização pode imprimir dinâmicas diferentes e atenções voltadas a espaços com ação ou não do Estado (CERQUEIRA et al. 2015; PCSVDF MULHER, 2016; FERRAZ & SCHIAVON, 2019).

A Bahia é composta por 32 microrregiões conforme nomenclatura e divisão do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Olindina encontra-se na Microrregião de Ribeira do Pombal (Microrregião de RP), que ainda abrange outros 13 municípios, dos 417 municípios baianos: Adustina, Antas, Banzaê, Cícero Dantas, Cipó, Fátima, Heliópolis, Itapicuru, Nova Soure, Novo Triunfo, Paripiranga, Ribeira do Amparo e Ribeira do Pombal. A divisão territorial de Olindina e sua posição no estado como na Microrregião, recorte espacial da pesquisa, pode ser visualizada no mapa 1 a seguir.

Mapa 1 – Bahia, Microrregião de RP e Olindina

Fonte: Elaboração própria através dos dados do IBGE.

O estado da Bahia ocupou em 2010 a 22ª posição entre as Unidades Federativas (UFs) brasileiras no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), para o coeficiente de Gini que afere a concentração de renda. Também no mesmo ano ocupou a 9ª posição entre as UFs com maiores

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níveis de concentração, enquanto ocupou a 12ª posição entre as UFs com as mais altas taxas de feminicídios no Brasil4. Comparando o município com o estado, em 2010, o IDHM de Olindina era de 0,559; da Bahia, 0,660, ao passo que para o Brasil foi de 0,727; já na Microrregião de RP, Olindina ocupou a posição 9ª na escala decrescente de IDHM5. A população ocupada formalmente na Microrregião de RP ainda em 2010 estava muito abaixo da média estadual:

6,7% e 40,1% respectivamente. Os autodeclarados de religião Cristã católicos em Olindina estão acima da média nacional: 84,7% e 64,6% respectivamente. Os evangélicos são de 7,3%

no município6.

Olindina é descrita como “cidade altaneira, de um povo pacato e gentil; progressista e hospitaleira” segundo a letra de seu hino oficial, escrito por Hiberlúcio Miranda, Maria José Borges Fonseca e José Carlos Batista Borges7. Fazendo um voo possivelmente curto devido aos parcos apontamentos históricos sistematizados, o surgimento, consolidação e emancipação do município foi descrito tanto pelo hino oficial citado, como pelo histórico de surgimento fornecido pelo IBGE (2017b) ao menos em três atos: i) Fazenda Mocambo como princípio; ii) a continuidade enquanto distrito chamado de Nova Olinda; e por fim, iii) a consolidação, em 1958, como município independente. Uma enorme carência, que não é exclusiva da cidade objeto da pesquisa, é conhecer sua história, desvendar os meandros, conflitos, concessões, motivos e formatos que a constituiu como território.

De acordo com o acervo da Biblioteca Pública Municipal de Olindina (BPMO), a história olindinense tem início com o fim da Guerra do Paraguai (1864-1870), ocasião em que o médico chefe dos feridos de guerra, Dr. Pedro de Araújo Ribeiro (nascido em Salvador em meados de 1830), recebeu terras na região como condecoração pela sua atuação na zona dos conflitos, nomeando aquela localidade de Fazenda Mocambo. Sua atuação clínica não se limitou ao período conturbado da guerra paraguaia, mas continuou atuando como médico na Fazenda aplicando seus serviços clínicos em agrupamentos conhecidos como Preguiça, Cedro, Pé de Areia, Caraíba, Roncador e Mangues. Um ilustre visitante em meados de 1882, de passagem pela região da Fazenda Mocambo e orientado por suas peregrinações pelo sertão baiano, promoveu algumas alterações cruciais na dinâmica de crescimento do então povoamento. Tratava-se de Antônio Vicente Maciel, muito conhecido na História e Literatura

4 Elaboração própria através dos dados de mortalidade do Ministério da Saúde - DATASUS/Tabnet e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE/Cidades.

5 Para mais informações, acesse: http://www.atlasbrasil.org.br/. Acesso em: 30 set 2021.

6 Elaboração própria através dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE-Cidades e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

7 Disponível em: https://bibliotecadeolindina.wixsite.com/bibliotecadeolindina/pagina-em-branco. Acesso em: 29 jun 2021.

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Brasileira como Antônio Conselheiro. O seu principal feito no município foi a construção da Capela São João Batista (imagem 1) que registra o que seriam os momentos (não sabendo ao certo se meses ou ano) finais deste templo religioso, tendo em vista que a nova capela se encontrava em fase de construção, como pode ser observado nesta imagem, logo atrás da capela em primeiro plano. O relato diz que Antônio Conselheiro “passou” pela região da Fazenda, o que levaria crer por um descuido involuntário, que sua visita fora simplesmente um turismo de final de semana. No entanto, além de participar da construção, Conselheiro, vendo alguns casebres que se formavam nas imediações, denominou aquele território de Nova Olinda (como diz o hino oficial: “Nova Olinda, continuação”).

Imagem 1 – Capela São João Batista em Olindina – Década de 1960

Fonte: Acervo iconográfico da BPMO.

Fazia parte da promessa do peregrino, a abertura de igrejas ao longo de sua trajetória, inclusive como protesto e alento às populações marginalizadas pelo conturbado período político e social que o país vivia tanto pela Grande Seca, que atingiu a região por volta do fim dos anos 1870, quanto também pela iminência do que viria ser a Primeira República, em 1989, e toda a

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tensão em torno da libertação dos povos escravizados. Um grande grupo de adeptos à causa antirrepublicana de Conselheiro ganhava corpo e cortava os caminhos dos sertões baianos criando uma aderência ao que, nos fins do século XIX, culminaria na Guerra de Canudos (1896 – 1987). As edificações levantadas por Antônio Conselheiro foram desde o Rio São Francisco, passando pelas imediações do Rio Vaza-Barris (que margeia a atual Microrregião de RP), até chegar no Rio Itapicuru, rio que também banha o atual município de Olindina (BLINI &

CASTILHO, 2016 APUD CALASANS, 1973).

Pertencente ao extenso e veterano município baiano de Itapicuru, aquele pequeno povoado começou a se desenvolver socioeconomicamente pelo surgimento, em 1912, da feira livre e de uma casa comercial que atualmente é o centro da cidade. Nomes de destaques daquela época como: Calisto José de Santana, José Camil de Santana, Antônio Pereira, Jose Luís, Jose Macário Góes, Francisco Ribeiro de Araújo, Antônio Ribeiro de Araújo, José Moreira, Josefa Pereira, Tomé Ribeiro, Malaquias Pereira, Mestre Viturino, Pedro Borges de Santana, Mariano Jose dos Santos, Major Otico e Américo de Souza Góes; são considerados os primeiros habitantes da então Nova Olinda. Em 1918, a primeira padaria foi instalada, mas foi na observação de que o solo se mostrava potencial no plantio de milho e feijão que as terras começaram a receber pessoas vindas de outras regiões, sendo decisivo para marcar ali o nascedouro do ponto comercial corroborado pelo estabelecimento de duas rodovias: as atuais BR-110 e BR-3498.

Esse dinamismo provocou, em 30 de novembro de 1938 pelo Decreto nº1.189, a elevação do povoado para Distrito de Itapicuru pelo interventor baiano Landulfo Alves (nesta ocasião, o município de Itapicuru detinha três distritos: Nova Olinda, Crisópolis – atualmente município - e Sambaíba, que continua na condição de distrito).

Em 1944, pela ratificação do Decreto Estadual nº141/1943, o distrito passou a ser chamado de Olindina. Atraía novos moradores provenientes sobretudo dos estados de Sergipe, Pernambuco, Alagoas e Paraíba, e que começavam a pressionar para elevação à categoria de município. Em 1957 a Câmara de Vereadores encaminhou à Assembleia Legislativa da Bahia o requerimento de emancipação, o que no ano seguinte, em 14 de agosto pelo Decreto Estadual nº1.033/1958, instituiu o dito pelo hino municipal: “Olindina hoje és município. Salve, salve a

8 Na região, conta-se de maneira popular que em 1932 foi aberta a estrada que posteriormente seria denominada como BR-110, como resposta à seca e à necessidade de transportar alimentos para os municípios e distritos da região. Em meados de 1960 a Rodovia recebeu asfaltamento e fora remodelada: como atravessava o centro do já município, ela foi desviada para a periferia geográfica da cidade como ação de segurança pública aos munícipes.

Diante do crescimento populacional da cidade através da distribuição de terras que originaram os bairros de Nova Olindina, Cidade Nova e Mutirão, em meados de 1980, a cidade hoje está novamente cortada pela BR-110. Em relação a BR-349 não encontramos informações sobre seu processo de abertura.

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emancipação”. Em abril de 1959 aconteceu a solenidade de posse da Câmara de Vereadores composta na época pelos seguintes homens: Benigno Dantas de Matos, João Borges Barreto, Antônio Paraiso Dantas, Napoleão Caldas, José Germano da Rocha, Joaquim Barreto Borges, João Fonseca de Sousa e Coreolando Alves Actis; a frente do executivo municipal, Petronilo Freire de Farias9. Na mesma ocasião, a primeira delegacia foi estabelecida no agora município.

Nos mais de 60 anos de existência como município, passaram pela gestão do executivo municipal 16 prefeitos, sendo 15 homens e somente uma mulher (entre os anos 2013 e 2016).

De acordo com os dados do Tribunal Superior Eleitoral tabulados pelo Atlas Brasil10, no Brasil entre 2013 a 2017 houve uma queda de quase 50% na participação percentual de mulheres entre as governadoras nas UF’s: de um percentual já baixo, 7,41% em 2013, para 3,7% em 2017. Na Bahia, no mesmo período, a participação feminina entre prefeitos se manteve em 11,84% corroborando para a diminuta presença da mulher nos espaços políticos de poder11. Desde sua emancipação, Olindina passou por um crescimento econômico baseado na agricultura familiar. Seu crescimento populacional baseou-se nas pessoas que buscavam em suas terras fonte de renda e um novo lar como é contado oficialmente pelo canal de comunicação da Prefeitura Municipal12. A tabela 1 traz um apanhado populacional do município de 2000 a 2020 que, seguindo uma tendência nacional, demonstra a maioria de seus residentes como mulheres, sendo que a população majoritariamente se autodeclarou negra (segundo a categoria do IBGE que soma pretos e pardos).

9 Primeiro prefeito do município, a população local conta que ele chegou no então povoado, Mocambo, em meados de 1932 para atuar na construção da então estrada que posteriormente seria denominada de BR-110. Também é conhecido na localidade por ser avô do esposo da primeira e até então única mulher a ocupar a posição de Prefeita do município, em 2013, Bianca de Jesus Menezes.

10 Para mais informações, acesse: http://www.atlasbrasil.org.br/consulta/planilha. Acesso em: 06 out 2021.

11 O estado da Bahia ainda não registrou em sua história uma governadora mulher.

12 Disponível em: https://www.olindina.ba.gov.br/municipio. Acesso em: 30 set 2021.

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Tabela 1 – Estatísticas Populacionais

Fonte: Elaboração própria através dos dados do SEI/Bahia e IBGE e TCU.

Olindina ocupou a 5ª posição na Microrregião de RP com maior quantitativo populacional pelo Censo IBGE 2010; ainda comparando com os demais 13 municípios que compõe a Microrregião, detinha a 7ª maior população rural e o que a coloca em destaque no grupo, a 3ª maior população urbana (ficando atrás somente de Ribeira do Pombal e Cícero Dantas)13. Em grande medida a atividade econômica que baseia a cidade é a agricultura e de maneira muito tímida, a pecuária. A maior parte das lavouras dos municípios são consideradas temporárias, isto é, marcada pelo plantio anual, uma tendência encontrada nos demais 12 municípios que compõem a Microrregião de RP (exceto para o município de Itapicuru que se destaca por obter um dos maiores territórios municipais da região e por ter um plantio permanente, isto é, plantio de longo prazo). De acordo com a Pesquisa Produção Agrícola do IBGE, em 2016 (último ano de divulgação dos dados), milho, mandioca e laranja foram as maiores produções agrícolas de Olindina, seguidas em menor escala para feijão, castanha de caju, banana e amendoim. Diferente de vizinhos como Ribeira do Amparo, Ribeira do Pombal, Heliópolis, Cipó, Cícero Dantas, Fátima, Paripiranga e Nova Soure, Olindina não conseguiu

13 Para mais informações, acesse: http://www.atlasbrasil.org.br/. Acesso em: 04 set 2021.

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diversificar a produção de frutas (um dos principais componentes de garantia da segurança alimentar da população)14.

Na pecuária, conforme aponta a Pesquisa de Pecuária Municipal do IBGE, o município detém uma participação de cerca de 8% na Microrregião de RP, de criação de animais de grande porte (bovinos, bubalinos e equinos). Essa participação ainda é menor na Microrregião quando se considera animais de médio e pequeno porte, 5,6% e 4,6% respectivamente15. Por outro lado, a produção oriunda da criação animal em Olindina é baixa ante os municípios vizinhos; dos itens levantados, somente leite, ovos de galinha e mel de abelha apresentaram percentuais de participação microrregional: 2,9%, 1,2% e 1,8% respectivamente16.

O crescimento da cidade pode ser comparado nas imagens 2, 3 e 4, composta por três momentos temporais distintos: na primeira tem-se o registro de Olindina em meados dos 1960.

De acordo com informações da BPMO, estima-se que nesta data o poder público municipal solicitou fotos aéreas da cidade. Ao centro, encontra-se a nova Igreja Matriz, inaugurada em 1969, e construída pelo primeiro vigário do município, Pe. José Justino de Almeida; no seu entorno encontra-se uma concentração de casas em poucos quarteirões, nos quais se concentraria a expansão da cidade, o que pode ser comparada na sequência das imagens. A imagem 3, por sua vez, mostra uma área urbana ampliada pelo aumento das construções. Os quarteirões se multiplicaram e, além do crescimento na zona central da foto (centro da zona urbana do município), é possível também indicar o povoamento da área além da rodovia BR- 110 – importante ligação entre Alagoinhas e Paulo Afonso (parte superior da imagem). A imagem 4 apresenta a situação atual do município e propõe olhar seu crescimento por um ângulo aproximadamente parecido – não um ângulo exato, mas aproximado. Nela é possível encontrar no centro, à direita, a Igreja Matriz, agora com um entorno mais expressivo em residências e estabelecimentos comerciais, aventando um crescimento territorial maior na parte superior da imagem (os bairros Mutirão, Cidade Nova, Nova Olindina e Urbis). Nas três imagens em questão, o centro do município foi destacado no tracejado vermelho tendo por referência a Igreja Matriz.

14 Para mais informações, acesse: < https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9117- producao-agricola-municipal-culturas-temporarias-e-permanentes.html>. Acesso em: 28 nov 2021.

15 Válido considerar que essas categorias são as que possivelmente sejam de maior facilidade na criação por serem característicos de menor valor de aquisição e maior manejo na criação como ovinos, suínos, caprinos e galináceos.

16 Para mais informações, acesse: < https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/9107- producao-da-pecuaria-municipal.html?=&t=o-que-e>. Acesso em: 28 nov 2021.

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Imagem 2 – Olindina - Década de 1960

Fonte: Acervo iconográfico da Biblioteca Pública de Olindina.

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Imagem 3 – Olindina - Década de 2000

Fonte: Acervo iconográfico da Biblioteca Pública de Olindina.

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Imagem 4 – Olindina - Década de 2020

Fonte: Acervo iconográfico da Biblioteca Pública de Olindina.

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Pra lá da estrada estão os bairros de Nova Olindina, Cidade Nova e Mutirão que juntos formam a expressão popular no município quando se é tratado o crescimento habitacional e populacional de Olindina. A inexistência de registros oficiais inviabiliza ir a fundo na dinâmica urbana municipal, uma vez que parte dos documentos produzidos nas décadas de 1950 a 1980 são escassos por parte do Poder Público Municipal. A população local conta que em meados da década de 1980, prefeitos começaram a distribuir lotes para a construção de moradias na região citada. Ainda hoje, o município esbarra em uma necessidade de reorganizar o espaço urbano pois justamente esses locais que aqui chamamos de bairros, como reprodução do que o povo local considera, oficialmente são loteamentos rurais devido à falta de documentação legal.

Como uma política de assistência social para populações carentes, os lotes foram doados, as construções habitacionais responsabilizadas pelos elegíveis das terras e o Poder Público atuou na abertura de alguns serviços públicos posteriormente, já na década de 199017. Nesse sentido, uma importante caracterização desses bairros é a escassez de serviços públicos, a construção de habitações em condições mais simples, a vulnerabilidade socioeconômica em que vive boa parte dos moradores e a estigmatização social que se fortaleceu nos últimos anos a partir da responsabilização dos crimes e violência urbana aos moradores desses locais18.

2.2 Políticas Públicas e Violência de Gênero

Muito mais do que tentar esgotar as possibilidades em se debater os conceitos em torno das duas temáticas aqui propostas, isto é, política pública e violência de gênero, buscamos minimante historicizar até que ponto ambos conceitos manifestos na sociedade brasileira foram incorporados na esfera regional de Olindina.

Seja já na introdução deste trabalho, dito que a violência de gênero é a expressão de uma relação assimétrica de poder em que se manifesta a repulsa pelo sujeito decorrente do gênero, adotamos o entendimento de política pública como o “fazer” do Estado que passa primeiro pelo estágio da identificação do problema, na sequência pela articulação junto à sociedade e pôr fim à efetivação de um modelo de ação, baseado na sugestão de Souza (2006, p. 26) ao indicar que

“constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e

17 Ginásio Esportivo, uma Creche e um Posto de Saúde da Família tiveram suas obras iniciadas através das Leis Municipais nº 392/1999 nº 394/1999, nº 395/1999 respectivamente. A abertura e alargamento de algumas vias nos bairros de Nova Olindina e Cidade Nova aconteceram a partir da Lei Municipal nº 378/1997. Ainda hoje, um dos grandes impasses relatados pela população local é a carência de esgotamento sanitário.

18 Devido à topografia desses bairros apresentar uma elevação, quem reside no centro do município costumeiramente se retrata a essas localidades como: “o pessoal lá de cima”, como uma espécie de estratificação social.

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plataformas eleitorais em programas e ações que produziram [produzirão] resultados e mudanças no mundo real”.

Conforme aponta Martins, Cerqueira e Matos (2015, p. 35; grifo nosso), a LMP indicou um caminho de avanços no apoio e enfrentamento da violência de gênero no Brasil, entretanto a situação atual expressa a “necessidade de fortalecer a implementação dos serviços nas cidades do interior do País, ampliando a capilaridade para regiões e cidades estratégicas e nodais, a fim de que parcelas mais amplas e diversificadas da sociedade sejam atendidas”. O entendimento do que vem a ser capilaridade implica em reconhecer a inexistência de mecanismos de apoio e enfrentamento a violência de gênero, os quais também podem gerar subnotificações e, principalmente, o não acesso aos serviços públicos por estratos da sociedade.

No entanto, o tratamento dado ao tema das políticas públicas no Brasil, sobretudo considerando o século XX, necessariamente está ligado a dinâmicas sociais, propriamente oriundo em grandes medidas dos embates encampados pelos movimentos sociais. No movimento feminista, sua historização costuma ser enfocada pela perspectiva de ondas, isto é, uma relação imbricada com protestos sociais encabeçados pelos próprios movimentos sociais (DRAIBE, 1991; FARAH, 2004a; FARAH, 2004b; PASSOS & SOUZA, 2019; PEREZ &

RICOLDI, 2019; SORJ, 2004). Conforme define Perez & Ricoldi (2019, p. 3-4), “é possível pensar nas ‘ondas’ como ciclos de protestos, associadas ao contexto político, social e histórico mais amplo”, e neste caminho Draibe (1991) sugere que no Brasil da década de 1980, considerando o fim da Ditadura Militar instalada entre as décadas de 1960 a 1980, o debate popular sobre a necessidade de resoluções dos problemas sociais que também garantissem a participação popular foi sustentado pelo processo de redemocratização culminando com a Constituição Federal de 1988.

Políticas públicas não devem ser entendidas como um conceito isento justamente dos atores e atrizes sociais que circundam suas construções; para Farah (2004), ela se traduz como um conflito de interesse em que objetivos são manifestos à mercê de sua formatação. Segundo a autora, ao analisar as políticas que tinham como foco questões relacionadas ao gênero no Brasil, somente a partir de 1980 que o país começa a registrar ações neste sentido. Neste período, indica ainda a autora, o país vivia o fortalecimento de seus movimentos sociais e especialmente alguns movimentos sendo liderados por mulheres nas grandes cidades do país.

Alguns fatos são citados como importantes marcos para esse momento histórico do processo:

i) estabelecimento do primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina, em 1983 em São Paulo, ii) a criação da primeira delegacia especializada no atendimento à mulher, na cidade de Santos/SP em 1985; no âmbito federal iii) a instituição do Programa de Assistência Integral à

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Saúde da Mulher (PAIS) em 1983, iv) o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres ligado ao Ministério da Justiça, em 1985, e v) como anteriormente citado, a redemocratização via Constituição Federal de 1988.

De outro modo, o cenário internacional também contribuiu para movimentar e alimentar as discussões que aqui chegavam. Ainda segundo Farah (2004), a década de 1990 foi marcada pelas discussões de gênero através dos seguintes eventos:

• Eco-92, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e sediada no Rio de Janeiro/Brasil em 1992, com foco no debate sobre o clima;

• Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, organizada pela ONU e sediada em Viena/Áustria em 1993;

• Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, organizada pela ONU e sediada no Cairo/Egito em 1994;

• Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social, organizada pela ONU e sediada em Copenhague/Dinamarca em 1995;

• A Conferência Mundial sobre a Mulher, organizado pela ONU e sediada em Pequim/China em 1995; e,

• Fórum Social Mundial, entre os anos de 2001 e 2003, organizado por diversos movimentos sociais e espalhados por diversas cidades do mundo.

O grande resultado de toda esta movimentação de caráter internacional, não fez pressão no âmbito nacional apenas, mas começou, de fato, a se ter na pauta política o tema relacionado às mulheres considerando as assimetrias do gênero. Neste momento histórico do processo de redemocratização, os movimentos feministas discutiam justamente sua pluralidade quanto a representação das diversas categorias de mulheres. Temas como focalização de ações e aprofundamento da pobreza, sobretudo para mulheres, começaram a serem também pautados justamente considerando suas diferentes realidades vividas por suas condições de raça, cor, etnia, regionalização e idade19.

Se por um lado avanços na área da saúde, assistência social e garantias de direitos começavam a se delinear neste Brasil do final do século XX, não se pode esquecer que o país já no início da década de 1990 começava a se alinhar muito mais com os interesses e métricas de políticas econômicas afinadas com o neoliberalismo. As preposições do Consenso de Washington, manifestadas na América Latina e especialmente no Brasil, em seguir a cartilha do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, visavam um país alinhado às

19 Para uma discussão mais aprofundada sobre mulheres e indicadores de pobreza no Brasil, ver Lima (2021).

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ideias de eficiência e maximização do resultado em uma perspectiva de livre concorrência internacional20. Em meados de 2004, o país ganhou novos rearranjos nas formulações de políticas sociais, sobretudo. O Programa Bolsa Família (PBF), por exemplo, fora formulado na ocasião como uma política pública de governo com um intuito maior de dirimir os índices de pobreza da população visando a melhoria de indicadores sociais, econômicos, de saúde e educacionais. Mesmo não sendo uma política com enfoque de gênero, o programa preferencialmente indicava a mulher como referência no recebimento dos recursos e em certa medida, as orientações do Banco Mundial sobre políticas de combate à pobreza, segundo Carloto (2004), tinham como foco a manutenção da família asseverando, no ato da transferência de renda, a responsabilização pela superação da condição. Neste aspecto, é preponderante salientar que o PBF está envolto em um debate que ao mesmo tempo advoga sua importância na superação dos índices de pobreza, e indiretamente alimenta as expectativas estereotipadas dos papéis culturalmente estabelecidas à mulher na gestão da família, implicando assim o aprofundamento das experiências entre trabalho produtivo e trabalho reprodutivo (CARLOTO, 2004; CARLOTO & MARIANO, 2012; SUÀREZ & LIBARDONI, 2007)21.

O limiar desta questão está para o que Farah (2004) considerou como a ampliação da participação dos entes estaduais e municipais, junto com a união, no processo de implantação de políticas, sejam ela de caráter mais geral nos temas ou também focalizadas na temática de gênero (mesmo sendo está última ainda tímida no Brasil em relação a implantação). Para Pasinato e Santos (2008), o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), criado em 1985, no governo de José Sarney22, não possuía artifícios para articulações de políticas públicas, contudo foi primordial no processo de se atender às demandas feministas de então. Somente em

20 Em 1996 Gustavo H. B. Franco, então economista chefe do Banco Mundial, publicou em artigo intitulado “A inserção externa e o desenvolvimento”, um debruçar sobre novas orientações do que na época era “vendida” como os novos rumos do Brasil. O economista brasileiro indicou que nesse novo modelo de desenvolvimento do país, a questão central seria a produtividade da produção nacional, isto é, com vistas à concorrência internacional; assim, o modelo de crescimento do Brasil deveria prescindir ações do Estado. Ao considerar a ação governamental como coadjuvante, o autor concluiu que “progresso e o crescimento se obtêm crescentemente na área privada” (p. 40).

Para mais informações, acesse: <

http://www.gustavofranco.com.br/uploads/files/insercao%20externa%20e%20desenvolv.pdf>. Acesso em: 27 nov 2021.

21 A dualidade aqui indicada entre trabalho produtivo e reprodutivo indica que as mulheres continuam sendo relegadas ao trabalho doméstico, responsável pelos cuidados dos filhos/filhas e até familiares, e diante da expectativa do sucesso da gestão financeira oriunda da transferência de renda, seu tempo diário estará totalmente voltado a esses afazeres, impedindo-a de aventar atuação profissional no âmbito público, isto é, na esfera produtiva.

22 Pertencente na época ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), hoje MDB.

Referências

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