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9. OPERACIONALIZAÇÃO DOS USOS E COSTUMES NO VIGENTE

9.2 Alguns precedentes em matéria arbitral

Na sentença estrangeira contestada de n. 885,233 à Corte Especial do STJ foi dado

discutir e decidir sobre a legalidade ou não da homologação de sentença estrangeira em caso no qual não ficou totalmente evidente o contrato que submetia as partes ao procedimento arbitral.

A questão a ser respondida, ao final, era: houve concordância com a cláusula compromissória ante a ausência de um contrato assinado por ambas as partes?

232 Ibid., p. 268.

233 EX (2005/0034898-7), Rel. min. Francisco Falcão, Corte Especial – j. 18.04.2012 (Requerente: Kanematsu USA Inc. Requerido: ATS – Advanced Telecommunications Systems do Brasil Ltda.).

Segundo seu relator, o min. Francisco Falcão,

Kanematsu USA Inc., empresa norte-americana, com sede em Nova York, requer homologação da sentença arbitral estrangeira proferida pela Amercian Arbitration Association, que condenou a empresa ATS – Advanced Telecommunications Systems do Brasil Ltda., com sede em São Paulo, ao pagamento da quantia de R$ US$ 1.348,939,05...decorrente dos prejuízos causados pelo descumprimento de obrigações em contrato internacional de compra e venda de equipamentos e produtos de telecomunicação, que teria celebrado com a empresa requerente.

Em sua contestação, a requerida sustentou, em suma, inexistência de contrato assinado pelas partes e a falta de fundamentação da decisão.

Quanto à primeira matéria de defesa, que ora se analisará, a requerida sustentou a sua tese sob o argumento de que não consentiu livremente com a instituição da arbitragem, não sendo competente, portanto, a instituição arbitral que proferiu o laudo que se pretendia homologar.

Em contrapartida, a requerente “Kanematsu” sustentou que a “ATS” “submeteu- se voluntariamente à arbitragem, apresentou defesas e provas e teve respeitado seu amplo direito de defesa”, havendo como prova correspondências enviadas a ela nesse sentido.

Em suas razões de decidir, o relator assentou que

Das alegações das partes, merece relevo a contestação, na parte em que se alega a ilegitimidade do órgão prolator da sentença em causa, por não ter sido eleito pela empresa compradora e, portanto, teria sido violado o princípio da autonomia da vontade, contrariando assim os arts. 39, II, da Lei 9.307/1996 e art. 217, I, do RISTF. O contrato ou minuta de contrato apresentado pelo próprio requerente, que deu origem ao pedido de arbitragem pela empresa requerente, não traz a assinatura das partes envolvidas, e perante o juízo arbitral – embora haja registro de aceite de um único árbitro, sem indicar ou concordar com o nome do mesmo –, fez a requerida tempestivas contestações, alegando que não estava submetida, por contrato, ao julgamento da AAA.(...) O certo é que da análise da documentação trazida aos autos, não resultou comprovada a existência de cláusula compromissória, inexistindo documento que demonstre o consentimento da requerida com tal procedimento, sem o

qual não se pode aferir a competência do juízo prolator... (...)

É certo que não pretendemos aqui discutir matéria de fundo que cabe ao juízo arbitral. Todavia, a falta de assinatura deste contrato pelos intervenientes, é prova inconteste da falta de obrigatoriedade de submissão ao foro arbitral, como pretendeu demonstrar a requerida, nas oportunidades que lhe coube falar nos autos.(...)

Ora, se a requerida não pactuou nenhuma cláusula compromissória, dando-lhe a adesão do modo formal e acabado, não pode ela prevalecer se instituída apenas por uma das partes, sobretudo pelas consequências que dela resultam, em especial a renúncia da jurisdição natural do Estado.

Em que pese não se exija, ao menos segundo a lei nacional, uma forma solene rígida para a cláusula compromissória, é essencial que o ajuste, além de escrito, surja de uma comunhão de vontades. Admite-se, é certo, sua convenção mediante troca de correspondência, telegrama, fac-símile, ou outro modo expresso qualquer, desde que, conforme assevera Carreira Alvim, “comprovada a proposta de uma das partes e a aceitação da outra”.

Do trecho transcrito, fica claro que a posição defendida pelo julgador foi no sentido de que a inexistência de elementos mais formais, que apontassem para a concordância da requerida em contratar a arbitragem, resultaria em uma incerteza quanto à vontade daquela parte em afastar a jurisdição estatal (efeito negativo da arbitragem) e, em segundo plano, quanto à própria instituição da arbitragem cuja sentença se pretendeu homologar.

Em seu voto-vista, o min. Massami Uyeda discordou dos fundamentos que levaram ao indeferimento da homologação pelo relator, tendo sustentado que havia nos autos elementos que permitiam concluir que a parte recalcitrante aceitou a cláusula compromissória.

Compulsando-se os autos, observa-se que, nas f., fora juntado aos autos “contrato de pagamento” firmado pelas partes, com cláusula compromissória de arbitragem, e assinatura no campo reservado à ATS...tendo todas as folhas sido rubricadas.

O fato de não constar a firma da Kanematsu USA Inc. no documento apresentado não dispensa a ATS – Advanced Telecommunications Systems do Brasil Ltda. de cumprir o que fora acordado, inclusive no que se refere à arbitragem. Isso porque, como é cediço, os contratos mercantis, salvo disposição legal, dispensam

formalidades, por não ser compatível com a dinâmica da atividade empresarial. É incomum, salvo melhor juízo, que, no momento da contratação, a parte assine a sua via contratual; via de regra, o contratante assina a minuta que ficará com o contratado, e vice-versa, afinal, o que interessa para cada um é o compromisso assumido pelo outro.(...)

Corrobora-se, ainda, essa assertiva, pela resposta da requerida (f), endereçada à American Arbitration Association, referente ao pedido de arbitragem solicitado pela requerente, na qual, acerca do árbitro a “ATS concorda em prosseguir com o caso com apenas um árbitro” e, sobre a mediação, a “ATS esta de acordo com estes procedimentos e estará aguardando os próximos passos, a fim de contribuir para que se atinja um consenso”.

Observa-se que o entendimento discordante reconheceu a competência da “AAA” para dirimir os conflitos eventualmente existentes entre as partes, ressaltando, ademais, que o comparecimento espontâneo da parte no juízo arbitral convalida eventuais irregularidades na citação.234

Alguns comportamentos foram particularmente determinantes para se chegar a essa conclusão, em especial a verificação da assinatura da parte recalcitrante no “contrato de pagamento” avençado com a requerente, e a notícia do aviso de recebimento do pedido de instauração de arbitragem, anuência à eleição de árbitro único, apresentação de resposta, protocolo de manifestação complementar e ausência de apelo quanto à sentença arbitral proferida.

Para o que mais importa no contexto deste trabalho, o voto-vista considerou que a concordância com a cláusula compromissória nem sempre se dá de modo inequívoco, não se podendo exigir uma aceitação expressa naqueles casos em que a parte tenha demonstrado seu consentimento de outro modo.

No caso analisado, levou-se em conta a moderna prática comercial de troca de informações, muito mais célere e fluida entre seus participantes (e na qual o silêncio pode ser considerado como consentimento), e a conduta negocial da parte requerida enquanto no juízo arbitral, para ao final concluir que houve aceitação da cláusula arbitral.

234 No mesmo sentido, AgRg na Rcl 5.198/RJ, rel. min. Castro Meira, DJe 14.10.11; SEC 4.464/FR, rel. min. Francisco Falcão, Dje 28.02.11; e SEC 4.746/US, rel. min. João Otávio de Noronha, DJe 23.08.10.

Em outras palavras, pode-se afirmar que houve a aplicação dos usos e costumes como força normativa ao contrato discutido, especialmente ao reconhecer não ser comum (portanto um padrão de comportamento, um costume) da atividade empresarial o contratante assinar também sua via do contrato.

Considera-se acertada a aplicação do art. 113, do C.C. ao caso, levando em conta no voto-vista a conduta das partes nas negociações e, após, durante o curso do procedimento arbitral, que ao final claramente tentavam negar uma prática empresarial já consolidada no mundo dos negócios.

A decisão prevalecente, em sentido oposto, interpretou a discussão sobre a necessidade da assinatura de ambas as partes no contrato que prevê a arbitragem de maneira por demais literal e singela, desconsiderando completamente a conduta das partes antes e durante o procedimento arbitral, e fazendo vistas grossas para os usos e costumes empresariais presentes em situações como a analisada.

Quer parecer que o comportamento denotado pelas partes (que são altamente informadas e acostumadas à sofisticação de certos contratos) no processo obrigacional apontou para clara manifestação de suas vontades quanto à concordância na contratação da arbitragem.

Do mesmo modo, as práticas mercantis reiteradas entre aqueles que integram esse mercado (os usos e costumes empresariais), deveriam ser consideradas pelos julgadores que compuseram a maioria, devendo prevalecer ao formalismo exacerbado235

no processo hermenêutico desempenhado por aquela Corte Superior.

Nesse contexto, oportuna a lição de Emilio Betti236 ao esclarecer que o modus

operandi de interpretação de uma declaração contratual, ao propugnar que não é a vontade das partes in abstracto que deve ser considerada, mas a declaração ou o comportamento, enquadrados na moldura das circunstâncias que lhes confere

235 Em artigo intitulado “A força normativa dos usos e costumes na hermenêutica contratual”, Gustavo Mendoza Sudbrack e Luiz Gustavo Meira Moser lembram que “(...) A boa-fé, no direito romano, foi a ponte que permitiu a passagem do formalismo exacerbado para o consensualismo, pois, desaparecendo a certeza da forma, a boa-fé entre os contratantes confere suporte à relação jurídica obrigacional. (...) Vale dizer que, no contexto das relações mercantis, a fides atuava como elemento catalisador do conteúdo econômico dos contratos, uma vez que funcionalmente constringia as partes a ter claro e presente o conteúdo concreto dos interesses que se encontram no ajuste. A boa-fé atua aqui, como força que produz ao mesmo tempo a definição da estrutura negocial e a configuração da responsabilidade dos contraentes” (MENDOZA, Sudbrack. MOSER, Luiz Carlos Meira Moser. “A força normativa dos usos e costumes na hermenêutica contratual”. Revista Síntese Direito Empresarial. n. 34, set./out., 2013, p. 227-228). 236 BETTI, Emilio. Teoria generale dela interpretazione. Milão: Giuffré, 1955.

significado e valor. Destarte, o que conta não é tanto o teor das palavras ou a materialidade das atitudes, e sim a situação objetiva nas quais elas foram pronunciadas ou subscritas.

Em outro precedente, REsp 712.566/RJ237, questionou-se a validade da cláusula

compromissória estipulada antes da vigência da L.Arb., quando a legislação nacional ainda distinguia cláusula arbitral e compromisso, estipulando que aquela primeira representava apenas intenção de solucionar conflito por meio de arbitragem, portanto de aplicabilidade não obrigatória.

Segue-se a ementa:

Processual civil. Recurso especial. Cláusula arbitral. Lei de Arbitragem. Aplicação imediata. Extinção do processo sem julgamento de mérito. Contrato internacional. Protocolo de Genebra de 1923. – Com a alteração do art. 267, VII, do CPC pela Lei de Arbitragem, a pactuação tanto do compromisso como da cláusula arbitral passou a ser considerada hipótese de extinção do processo sem julgamento do mérito. – Impõe-se a extinção do processo sem julgamento do mérito se, quando invocada a existência de cláusula arbitral, já vigorava a Lei de Arbitragem, ainda que o contrato tenha sido celebrado em data anterior à sua vigência, pois, as normas processuais têm aplicação imediata. – Pelo Protocolo de Genebra de 1923, subscrito pelo Brasil, a eleição de compromisso ou cláusula arbitral imprime às partes contratantes a obrigação de submeter eventuais conflitos à arbitragem, ficando afastada a solução judicial. - Nos contratos internacionais, devem prevalecer os princípios gerais de direito internacional em detrimento da normatização específica de cada país, o que justifica a análise da cláusula arbitral sob a ótica do Protocolo de Genebra de 1923. Precedentes. Recurso especial parcialmente conhecido e improvido.

Orientando-se na L.Arb., o CPC promoveu modificação em seu art. 267, VII, substituindo-se a expressão compromisso arbitral por convenção de arbitragem e, assim, também a cláusula compromissória passou a configurar uma das hipóteses para extinção do processo sem julgamento do mérito, afastando-se a solução do conflito via Judiciário.

237 Relatora: ministra Nancy Andrigui. Recorrente: Spal Representações e Conta Própria Ltda; Recorrido: Wilhelm Fette GMBH. DJ 05.09.05. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 6 dez. 2015.

Passando-se à margem sobre a discussão da L. Arb. ter aplicação para casos anteriores, por ter caráter processual, esse julgado tem relevância pelo fato de a sua relatora haver entendido pela aplicação do Protocolo de Genebra de 1923 ante o caráter internacional do contrato celebrado.

Referido protocolo, lembre-se, não distingue cláusula compromissória de compromisso arbitral. E, a despeito do quanto dispunha a legislação nacional à época, o STJ entendeu nesse caso pela sua aplicação já que, em contratos internacionais, “ganha relevo a aplicação dos princípios gerais de direito internacional em detrimento da normatização específica de cada país”.

Foi considerada nesse caso a praxe internacional que, segundo relatado no voto da min. Nancy Andrigui, “a inserção de cláusula arbitral nos contratos internacionais constitui prática frequente, sendo, muitas vezes, condição essencial para celebração da avença”.

Ou seja, trata-se de mais um exemplo em que os usos e costumes (especificamente internacionais) foram decisivos para solução da lide, que no caso reconheceu a aplicabilidade da cláusula compromissória e, por conseguinte, a própria jurisdição arbitral com base num comportamento aceito e normalmente seguido entre aqueles que avençam contratos internacionais.

Em outro precedente emanado do STJ – Ag 1181388/PR238 –, tentou-se a

anulação da sentença arbitral por suposta inobservância dos princípios previstos na L. Arb., dentre os quais mais especificamente a imparcialidade do árbitro e o contraditório, cuja ementa é a seguinte:

Apelação Cível. Nulidade de sentença arbitral, cautelar inominada e atentado. Juntada de documentos novos. Possibilidade mesmo após a sentença. Prova emprestada de interceptação telefônica. Imprestabilidade para efeitos civis e sem o contraditório, inobservância de procedimento e princípios da arbitragem. Inocorrência. Suspeição de parcialidade do árbitro. Extensão e profundidade do relacionamento entre as partes e o árbitro cientes no momento da escolha. Recurso não

238 Relator: ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Agravante: Saul Chervonagura Trosman; Agravado: Isidoro Rozenblum Trosman e outros. Dje 02.03.12. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 6 dez. 2015.

provido. Segundo consta do relatório, a parte requerente entendia ser necessária a anulação da sentença arbitral por esta não haver levado em consideração prova pericial em matéria contábil, em procedimento arbitral em que as partes convencionaram pela resolução exclusivamente por equidade e com base nos usos e costumes da atividade exercida pelas partes.

Aqui, o entendimento prevalecente foi de que se as partes concordaram com o julgamento, em sede arbitral, segundo critérios de equidade e os usos e costumes daquela atividade, reflexamente concordaram com um julgamento menos técnico, circunstância em que a produção de dada prova (no caso, a pericial) não seria indispensável.

Veja-se:

O apelante diz que o árbitro não realizou auditoria ou análise da escrituração contábil e que não produziu as provas requeridas pelo recorrente. Sustenta ainda que a decisão arbitral pautou-se apenas em documentos produzidos pelo apelado Isidoro e não respeitou o contraditório, devido processo legal, ampla defesa e isonomia.

Expressamente as partes convencionaram que a arbitragem seria realizada 'exclusivamente por equidade, com base nos usos e costumes da atividade exercida pelas partes' (cláusula 4º dos compromissos). Ora, sem o julgamento deveria fundar-se em usos e costumes da atividade exercida pelas partes, obviamente não era caso de proceder à perícia contábil de escrituração contábil. Caso o apelante desejasse julgamento mais técnico não deveria ter avençado a exclusividade da equidade com base em usos e costumes (...).

Parece, no entanto, que tal entendimento chegou à conclusão certa, mas por fundamento equivocado.

Se é certo que o julgamento por equidade autoriza o julgador a desconsiderar a lei escrita e julgar com base no seu senso de justiça, não é verdade que ele equivalha a um julgamento menos técnico. Será a fundamentação da sentença e a capacidade do julgador de sustentar as questões decididas (ainda que com base na equidade) que definirá quão técnico foi o julgamento.

O fato é que os princípios previstos na L. Arb. devem ser observados, em especial o contraditório, mesmo nos casos de julgamento por equidade.

O que não se concebe – e nisso se concorda com o julgado – é que o indeferimento de produção de uma prova represente, de modo automático, inobservância do contraditório, caso já esteja convencido o julgador por outras provas já produzidas e levadas em conta.

Seja como for, é dos raros precedentes localizados em que se relata a eleição de arbitragem a ser julgada com base nos usos e costumes e por equidade.

10. OS USOS E COSTUMES COMO REGRA DE JULGAMENTO NAS