• Nenhum resultado encontrado

8. O INSTITUTO JURÍDICO DOS USOS E COSTUMES COMO FONTE DO

8.2 Usos e costumes como fonte de direito comercial no Brasil

8.2.1 Conceito

Geny definiu os usos e costumes “como toda formação de regras jurídicas processada fora da lei estrita”185, e Du Pasquier os considerou “o uso implantado numa coletividade

e por ela considerado juridicamente obrigatório – jus moribus constitutum”.186

Para Lopes,

Originariamente, se apresenta como um puro fato; uma decisão tomada certo dia pelo chefe do grupo. À ela todos se submetem, reputando uma solução justa, boa e razoável.

Nos primitivos tempos, era esse o meio único de origem da regra jurídica. Mas, florescente que se tornou a legislação, o seu pendor natural se voltou para a estratificação em lei.187

E prossegue, ensinando-nos como ele se operacionaliza:

No silêncio da lei, na indiferença dos poderes públicos, nada impede estabelecer-se um costume, sendo prescindível invocar uma tolerância emanada do Estado, ou uma implícita aprovação pelo silêncio. Reconhece a jurisprudência como órgão revelador do opinio necessitatis, mas recusa concluir que os julgamentos sejam indispensáveis à própria formação do direito costumeiro, pois importaria em fixar, sob uma forma rígida e única, o uso criador de costumes e desconhecer a

responda pelas consequências da dilação concedida, procedendo-se de igual modo se o comissário não der ciência ao comitente dos prazos concedidos e de quem é seu beneficiário.

182 Art. 701 - Não estipulada a remuneração devida ao comissário, será ela arbitrada segundo os usos correntes no lugar.

183 Art. 724 - A remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais

184 Art. 753, §4° - Se o transportador mantiver a coisa depositada em seus próprios armazéns, continuará a responder pela sua guarda e conservação, sendo-lhe devida, porém, uma remuneração pela custódia, a qual poderá ser contratualmente ajustada ou se conformará aos usos adotados em cada sistema de transporte.

185 GENY, F. Méthode d’interpretation et sources. 2 ed. Ed Louisiana State Law Institute, 1932 I, n. 110, p. 319 apud LOPES, Miguel Maria de Serpa. Comentário teórico e prático da lei de introdução ao código civil, 1943, op. cit., p. 64.

186 DU PASQUIER, Claude. Introduction à la théorie générale et à la philosoph e du droit. 2 ed. Delachaux et Niestlé Michigan, 1941, n. 56, p. 38 apud LOPES, Miguel Maria de Serpa. Comentário teórico e prático da lei de introdução ao código civil, 1943, op. cit., p. 64.

187 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Comentário teórico e prático da lei de introdução ao código civil, 1943, op. cit., p. 64.

essência do uso, que é um ato voluntário, nada mais cabendo à jurisprudência do que o colorir.188

A pretexto de conceituar os usos comerciais, Carvalho de Mendonça dispõe que:

Sob a denominação de usos comerciais, fonte subsidiária do direito comercial, entendem-se as normas ou regras observadas uniforme, pública e constantemente pelos comerciantes de uma praça e por estes consideradas como juridicamente obrigatórias, para, na falta de lei, regularem determinados negócios.

Os usos são a primeira manifestação jurídica da prática mercantil, ou melhor, a expressão mais completa das opiniões e convicções que os comerciantes foram do fato econômico.189

Sebastião José Roque, a seu turno, primeiro separa práticas mercantis e costumes, para depois conceituar:

Embora descartadas dos costumes, as práticas mercantis constituem um direito consuetudinário; provem, esse direito, de costume especializado no âmbito da atividade empresarial. Nossa legislação empresarial refere-se a costumes e usos e práticas mercantis, dando a entender que o costume tem aplicação genérica e o uso e prática tem aplicação específica nas questões empresariais. Conceitualmente, os dois se fundam na mesma realidade: é o comportamento uniforme e constante de uma determinada classe de pessoas ou de um agrupamento social, cujos atos repetidos autorizem a formulação de uma regra geral, aceita pela maioria desse agrupamento. Representa pois a manifestação da vontade coletiva. (...) Pelo que parece, os usos e práticas comerciais são determinados costumes, previstos pela lei em casos específicos... (...)

Costume é a prática reiterada de determinado comportamento pela maioria das pessoas que façam parte de um grupo social, com aceitação geral, de tal forma que esse comportamento se considere regra. Os costumes, perante o Direito Empresarial, sofrem um definhamento, devido aos usos e práticas mercantis, mas, nem por isso, sua importância deixa de ser considerada. Na fase do direito mercantil, era preponderantemente sua influência como fonte do Direito Empresarial, pois não havia ainda

188 Ibid., p. 65.

189 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro, 2000, op. cit., p. 205.

a legislação mercantil. As grandes compilações marítimas, aparecidas no início da Idade Moderna, eram descrições ordenadas dos costumes observados, há séculos, no comércio marítimo. Fala-se comumente que a lei é a principal fonte do direito, mas o costume é a principal fonte da lei.190

Ressaltando seu caráter subsidiário, isto é, aplicável para dirimir lacuna à falta de lei, Vampré afirma que

por usos commerciaes se devem entender as regras observadas, uniforme, publica e constantemente, pelos commerciantes de uma praça, e por estes consideradas como juridicamente obrigatórias para, em falta de lei, regularem determinados negócios.191192

Para Waldemar Ferreira,

Reputavam-se usos os atos ou os fatos reiterados e continuamente praticados; e costumes as normas jurídicas deles oriundas, que afinal passaram a regê-los.(...) Foi assim nos tempos antigos; e a tradição jurídica se conservou, mesmo nos países de Direito legislativo ou escrito. O povo também faz leis. Não somente as faz; como as executa. Como eles, os comerciantes: estes, em todos os tempos. Os seus usos e costumes como leis sempre se observaram. Não há distinguir uns dos outros. Os dois vocábulos se unificam no significado.(...)

Considera-os (os usos mercantis) a ciência moderna fonte viva, a mais rica e importante, do Direito objetivo. Sendo a lei comercial escrita, em regra, a sanção, pelos órgãos legislativos, do Direito Consuetudinário, das normas implantadas por prática diária e contínua, nenhum código poderia estancar essa fonte de Direito, deixando de considerar os usos e costumes mercantis como

190 ROQUE, Sebastião José. Moderno curso de direito comercial. São Paulo: Ícone, 1996, p. 29. 191 VAMPRÉ, Spencer. Tratado elementar de direito commercial, 1921, op. cit., p. 53-54.

192 Em outra distinção de como os usos e costumes se operam em sua função interpretativa, Pontes de Miranda afirma que “O uso é conceito, com que se integra a regra jurídica interpretativa, como poderia ser conceito, com que se integrasse regra jurídica dispositiva, ou cogente. Discutir-se se o uso, aí, é regra jurídica, ou não o é, não vem ao caso: a) se o uso é atendido sem lei que remita a ele é só manifestação da vontade; b) se é atendido porque a lei manda atender a ele, é parte integrante (talvez a conteúdo variável) da lei; c) se é aplicado como lei, então é uso noutro sentido, o de direito costumeiro” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo I, vol. I. 3 ed. Rio de Janeiro: Ed. Borsoi, 1970, p. 70).

subsidiários da lei escrita, no caso de silêncio de seus textos.193

Fábio Ulhoa Coelho inseriu os usos e costumes no rol de princípios do direito comercial:

Particularidade do direito comercial é a importância reservada aos usos e costumes, como padrão para a definição da existência e do alcance de qualquer obrigação entre empresários. Em nenhum outro ramo jurídico, as práticas adotadas pelos próprios sujeitos têm igual relevância. É certo que a globalização vem reduzindo a variedade destas práticas, no bojo do processo de pasteurização cultural que lamentavelmente a acompanha. Dependente da crescente padronização dos mercados, como meio de facilitar o transito global de mercadorias, serviços e capitais, a economia dos nossos tempos tem, paulatinamente, prestigiado os usos e costumes internacionais e reduzido os locais. Estes, porém, ainda cumprem função de importância em muitas operações. O direito comercial, por meio do princípio da eficácia dos usos e costumes, reconhece como válidas e eficazes as cláusulas do contrato empresarial em que as partes contraem obrigações de acordo com as práticas costumeiras, seja no âmbito local ou internacional. O princípio da eficácia dos usos e costumes é legal, especial e implícito.194