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Staff. Tradução: Priscila. Revisão inicial: Cristina A/Hillary. Revisão Final: Anfitrite/Taciana. Leitura Inicial: Janaina/Hígia

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Academic year: 2022

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Staff

Tradução: Priscila

Revisão inicial: Cristina A/Hillary Revisão Final: Anfitrite/Taciana

Leitura Inicial: Janaina/Hígia Leitura Final: Héstia Formatação: Kytzia/Cibele

Disponibilização:

Grupo Rhealeza Traduções

06/2019

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Quando o conheci, resisti.

Como qualquer amor proibido, eu disse a mim mesma que era uma paixão, e que passaria.

Isso foi uma mentira.

Nunca passou.

E nunca esperei que ele se apaixonasse por mim tão fortemente.

Havia muitas razões para nos manter separados, a menor dessas razões era a década que nos separava.

Crescendo na cidade de New York, aprendi cedo que o amor é uma faca de dois gumes. O amor acabou com os meus pais, o amor tirou os meus

amigos, e o amor, do tipo grande, intenso: "como nunca antes", me jogou na terapia.

Agora vou para a faculdade, e é hora de dar uma outra chance ao amor.

Mas, posso mesmo recomeçar quando ele ainda está na minha vida?

Porque o único homem que eu já quis, é também o único homem que não posso ter... E ele me quer completamente. Então posso me

contentar com algo menos do que o amor da minha vida?

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CAPÍTULO 01 Kennedy

As bolhas do champanhe fazem cócegas no meu nariz.

Eu não sinto o gosto da bebida que seguro. Nem mesmo encosto meus lábios na taça. Não é porque sou muito jovem para beber, mas porque não bebo. Prefiro ter o controle, portanto, em vez de beber ergo minha taça de cristal em um brinde.

Estou sempre brindando porque tudo é grandioso no mundo em que vivo.

Tudo é brilhante.

Tudo é fabuloso.

Mesmo quando não é.

Contudo, o programa de TV da minha mãe foi renovado para outra temporada, e todos que importam estão aqui em nossa casa perto do Central Park West, bebendo e beliscando, rindo e conversando.

Como a minha mãe, por exemplo, que recebe seus admiradores na sala de estar, graciosamente sentada em seu sofá vermelho cereja. Seu cabelo preto é brilhante e lindo, e seus olhos verdes brilham de felicidade quando o chefe da emissora brinda a ela.

—À Jewel! Uma joia entre produtores. —Ele diz, parecendo

tão brilhante e reluzente quanto o terno que ele usa. Ele é

notavelmente sofisticado e sabe exatamente o que dizer nestes

momentos. Tenho certeza que ele uma vez tentou passar a noite

com minha mãe. E tenho certeza que ela rejeitou seus avanços.

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De vez em quando, muito raramente, acontece dela rejeitar um pretendente.

—À LGO! A melhor emissora que existe! —Ela diz, segurando sua taça no alto. Ela nem tenta fingir embaraço por ser o centro das atenções. Ela não está envergonhada. Ela adora o seu papel de destaque. Ela poderia muito bem ter nascido para isso, como um poodle premiado. Ela está sorrindo como sempre porque ela tem tudo o que quer. Seu novo homem, Warren, está ao seu lado, bajulando-a.

A pequena amiga de minha mãe, Bailey, uma publicitária de seu programa de TV, brinda sua taça com a minha e bebe metade de seu champagne.

Eu não bebo nada e, em vez disso, passo despreocupadamente o dedo pela borda da taça, querendo uma coisa, desejando poder não querer nada. Mas eu não posso.

Eu quero ele.

Estou usando meu melhor jeans, um par de saltos pretos e uma blusa cinza-prateada. Eu gosto de estar bonita. Eu gosto de ficar bonita para ele, aquele cara do outro lado da sala, encostado casualmente na parede, que não está bebendo também. Olhando a cena se desdobrar. Parte dela, mas separado.

Fico imaginando o que ele pensa quando olha para mim. Se ele ainda sente a mesma atração. O mesmo maldito desejo.

Seus olhos encontram os meus. Os seus são azul-escuros, a cor da aurora antes que o dia amanheça. Eles me dão a resposta quando ele não desvia o olhar, e meu coração tenta se libertar do meu peito e se ligar ao dele. Estar no mesmo espaço, mesmo com ele a tantos metros de distância, é difícil. Muito difícil. Mas eu não queria de outra forma.

—E você?

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A voz de Bailey me atinge. Faz com que eu lembre que estamos tendo uma conversa enquanto eu estou sonhando com ele.

—Hã? —Pergunto, franzindo a testa. —Eu o quê?

—Rapazes? Caras? Está namorando? Alguém especial?

Minhas bochechas ficam vermelhas. Calor se espalha em meu rosto. Não estou saindo com ninguém.

—Não. —Digo, mesmo que por dentro esteja dizendo: É complicado, é complicado, é complicado. Foi o que eu disse para minha prima Anaka de Los Angeles quando ela me mandou um e-mail no início dessa semana me perguntando se havia algum cara gostoso em cena.

Conversamos bastante, falamos bobagens, uma habilidade que tenho aprendido desde que balbuciei minhas primeiras palavras.

Então Bailey estala os dedos e seu rosto se ilumina em reconhecimento.

—Quase esqueci! Tenho um roteiro de um amigo que quero passar para o Hayes. —Ela diz e vai em direção ao homem que faz as coisas acontecerem. Eu observo por um momento, catalogando a expressão do rosto dele enquanto ela faz seu discurso, a mudança naqueles olhos azul-escuros para seu olhar de negócios. Ele acena com a cabeça e eu posso imaginar que ele está dizendo, claro, mande para mim, e isso me lembra mais uma vez de tudo entre nós.

Tenho que sair desta festa e de perto da minha mãe, de seus amigos e de toda essa gente.

Quando chego ao meu quarto, mando uma mensagem para ele. Porque não consigo resistir.

Uma palavra. É tudo que consigo. É tudo que não consigo

ficar sem.

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Oi.

Depois da meia-noite, todos já foram. Todos eles. O sobrado de arenito marrom está misterioso e quieto, como deveria estar de madrugada. Entro silenciosamente na cozinha, encontro uma maçã na cesta sobre o balcão, lavo e dou uma mordida, voltando para algumas horas atrás na festa, para aquele momento quando cruzamos nossos olhares. Para aquela carga elétrica, que juro que passou pelo ar, nos conectando. Nos amarrando, como estivemos por tanto tempo.

Estremeço, lembrando dos beijos. Lembrando seu toque. Sua voz suave sussurrando em meu ouvido. A música que ouvíamos juntos. As histórias que ele me contou.

É como estar sonhando, e voltando no tempo.

Então escuto passos e abro meus olhos.

Meu devaneio é cruelmente interrompido quando percebo que estou prestes a descobrir algo que preferia não saber, a resposta a se o mais recente namorado de minha mãe usa boxers ou cuecas comuns.

Porque o Warren usa boxers brancas. Ele caminha pelo corredor, atravessa a sala e passa pela mesa da sala de jantar antes de perceber que a filha da dona da casa está encostada no balcão da cozinha.

—Sério? —Digo enquanto mastigo a fruta.

Mesmo no escuro posso ver seu rosto ficar vermelho enquanto ele para na cozinha.

—Eu sinto muito, Kennedy.

Mas ele não se move. Talvez seus pés descalços estejam

grudados no chão na porta de entrada.

(9)

—Não tinha ideia que você estaria na cozinha. —Warren diz, tropeçando nas palavras.

—Isso é evidente. Agora, você precisa que eu te sirva um copo de leite, ou você acha que talvez consiga passar o resto da noite sem um?

Ele está agitado e nervoso, sua barriga é flácida e é o tipo de coisa que faria uma garotinha gritar, se encolher ou chorar. Mas isso era de se esperar. Eu tive que superar a ideia boba de que eu poderia andar pela minha casa sem encontrar com um companheiro da minha mãe há muito, muito tempo. Eles estão sempre descalços, tomando café da manhã à mesa ao meio-dia, largados no sofá à noite, procurando comida na geladeira de madrugada. Se eu não tivesse meu próprio banheiro, talvez nunca poderia ficar na casa da minha mãe sequer metade das minhas noites.

Não que eu tenha muito o que dizer sobre o assunto. Não tenho poder. Não tenho escolha. Sou muito jovem.

Warren, de algum modo, encontra forças para voltar para a caverna escura de festividades noturnas e sórdidas, o quarto de minha mãe, embora seja mais como um antro de ópio.

Termino a maçã em silêncio, volto para meu quarto no andar de cima e fico mexendo no Instagram, vendo uma nova coleção de corações encontrados na natureza, fogos de artifício vermelhos formando um coração, um coração desenhado na areia de uma praia, uma pedra com o formato de coração. Eu salvo todas e mando para uma pasta especial no meu telefone enquanto me deito na cama. As fotos me fazem esquecer o encontro na cozinha.

Verifico minhas mensagens de texto mais uma vez. Ainda estou esperando uma mensagem de volta dele.

Não tem nada.

Talvez esteja só na minha cabeça.

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Noah

O elevador para no sexto andar e as portas se abrem. Ainda estou segurando meu telefone, e poderia encontrar um milhão de razões para justificar o modo como estou encarando a tela.

Respondendo aos clientes. Escrevendo de volta para os produtores.

Lidando com meu chefe. Tudo isso é verdade. Porém, tudo é mentira, porque um pequeno texto me leva de volta para onde sei que não deveria estar.

Mas desisti há muito tempo.

Com minha mão livre, destranco a porta do meu apartamento e jogo as chaves na mesa. Acendo a luz, esfrego minhas mãos sobre os olhos e suspiro profundamente. Já repassei por todas as razões pelas quais deveria ignorá-la. Já tentei lutar contra isso por muito tempo. Não estou ganhando nenhum troféu por resistência.

Nunca ganhei. Joguei a toalha há muito tempo.

Além do mais, uma mensagem não vai me matar.

Um. Um. Um.

A palavra ecoa na minha mente tentadoramente. Apenas uma mensagem. Apenas um beijo. Apenas um encontro.

É sempre uma coisa que leva a outra. Eu sei disso. Mesmo assim, eu respondo. Não há nada mágico nas minhas palavras. A única coisa mágica é ela. E o poder que ela ainda tem sobre mim.

Então eu acrescento uma foto porque eu sei do que ela gosta.

Eu sei o que a faz feliz. Se não posso tê-la, pelo menos posso fazê-la

sorrir. Eu anexo uma imagem que encontrei na internet de neve

caída sobre galhos no formato de um coração.

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Kennedy

Deito na cama sob as cobertas. Coloco o telefone no meu travesseiro, pertinho de mim. Toco no colar que uso todos os dias, sentindo o formato dos três pingentes brilhantes diferentes que estão pendurados nele.

Fecho meus olhos, mas o sono está tão longe que pode muito bem estar na Indonésia.

Então meu telefone vibra. Seguro minha respiração por um segundo, fazendo um desejo. Abro meus olhos e deslizo meu polegar na tela.

Oi para você.

Três palavras. São suficientes para me fazer passar outra noite desejando ele de volta, mas sabendo que não posso tê-lo.

Então vejo uma foto, e posso morrer de felicidade.

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CAPÍTULO 02 Kennedy

—Você sabia que apenas quatorze por cento dos alunos do último ano sabem por que a guerra da Coréia começou?

É assim que meu bom amigo Lane me cumprimenta na sala de espera do consultório do psiquiatra no dia seguinte. Não temos o mesmo psiquiatra, apenas a mesma sala de espera. Sim, sou esse tipo de garota. A filha de dezessete anos confusa e perdida de pais bem- sucedidos e divorciados que vai ao psiquiatra em Manhattan. É meio que uma caricatura, e caricatura é algo que tento evitar na vida.

Especialmente porque, diferente de muitos outros adolescentes em New York que frequentam psiquiatras, eu de fato gosto de minhas visitas semanais a Caroline. Elas são, talvez, as únicas horas em que posso estar na presença de um adulto e não sentir uma necessidade instintiva de mentir.

—Eu não sabia disso. Mas eu sei por que começou. —Digo para Lane enquanto ele brinca com um rastelo em miniatura na areia de um jardim zen na mesa da sala de espera. Foi aqui que nos conhecemos vários meses atrás. Nesta sala de espera. Estamos ambos no último ano, mas frequentamos escolas diferentes e em lados diferentes da cidade.

—Por quê?

—Suponho que um bando de pessoas não se davam bem e acabaram se envolvendo em brigas.

Lane toca a ponta de seu dedo indicador no seu nariz.

—Bingo.

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Ele tagarela outros fatos aleatórios, que nós chamamos de papo de festa. Lane verifica um novo grande livro de fatos da biblioteca toda semana e se empenha em memorizar os fatos mais interessantes sobre a natureza humana.

—Nunca fique sem um pouco de baboseira para uma conversa. —Ele gosta de dizer.

Ele nunca fica.

Ele me informa que cobras não vivem na Irlanda, Groenlândia, Islândia, Nova Zelândia ou Antártica, então seu psiquiatra abre uma porta no final do corredor e o paciente antes do Lane sai. Lane se levanta, me cumprimenta e diz:

—Porque elas não podem migrar grandes distâncias sobre a água.

Um minuto depois, eu entro no consultório da Caroline, fecho a porta e me afundo no sofá de couro preto.

—Como você está? —Eu pergunto. —Consertou alguém hoje?

Ela balança uma mão no ar dramaticamente.

—Todo mundo. Eu tenho feito milagres entre essas quatro paredes.

—Você não pode ser muito boa. Vai ficar sem clientes.

Ela assente e dá um pequeno sorriso.

—Isso é verdade.

Enquanto entrego a ela o cheque mensal do meu pai, reparo

em seus sapatos. Ela está usando um par de sapatilhas de marca, que

quero dizer a ela para não usar porque ela tem pés gigantescos, e

mulheres com pés gigantescos parecem ter pés ainda maiores

quando usam sapatilhas. Mas não consigo tirar a crítica de moda da

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minha boca. Não preciso de uma psiquiatra para me dizer o porquê fico muda neste ponto. Eu gosto muito mais da Caroline do que de qualquer outro adulto. Com a Caroline não me sinto como um gato encolhido no canto quando o cachorro da família passa.

—O atual inimigo público número um usa cuecas boxer brancas. —Eu digo.

—Warren?

Eu aceno e respiro fundo.

—Ele nem teve a decência de, digamos, pegar um roupão antes de sair para a cozinha ontem à noite. —Eu digo, e então conto sobre ontem à noite. O engraçado é, ou melhor, o irônico é que eu não vim aqui da primeira vez por causa dos casos da minha mãe.

Estou aqui por causa de uma carta de amor.

Não o tipo de carta com corações e marcas de batom, mas o tipo que te deixa sem fôlego. Eu queria que tivesse esse efeito nele, e assim foi a história de como nos apaixonamos contada através de nossos beijos. Os beijos que tivemos, os beijos que queríamos ter e os lugares que queríamos nos beijar. Lugares como Paris e Amsterdam, na beira do rio ou do canal ou sob as cachoeiras de Kauai.

Era uma carta de amor épica e era tudo o que eu sempre quis na vida, sentir esse tipo de amor épico.

Mas meu pai encontrou a carta antes que eu a enviasse no

início deste ano. Ou melhor, uma marca de uma frase ou duas. Meu

pai não é um xereta e eu não sou tão descuidada a ponto de deixar

algo como isso largado por aí para ser descoberto por alguém. Mas

aprendi uma lição valiosa do mesmo jeito, mesmo que você esteja

escrevendo em um papel de carta lindo, novo e límpido, não

pressione muito com uma caneta roxa enquanto usa um bloco de

papel como superfície de apoio. Algumas das palavras podem

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marcar o bloco de papel de baixo. Meu pai decifrou uma parte da carta aquela noite e ele disse que eu era muito nova para dizer para alguém que o amaria pelo resto da minha vida e mais. Mas o que ele sabe? Ele não é um expert em grandes amores. Ele é sim uma autoridade em ser majestosamente ferrado por alguém que ama, minha mãe, então eu entendo porque ele reagiu daquela maneira e me mandou para um psiquiatra.

—E isso tudo aconteceu na cozinha ontem à noite? Depois da última festa?

Eu assinto e acrescento, apenas para dar ênfase. —O Warren é casado, você sabe. Ele tira o anel quando ele vem para que eles possam fingir.

Caroline não me pergunta como me sinto. Caroline sabe como isso me faz sentir. Horrível. Brava. Frustrada como o inferno.

Ela fez café da manhã para ele hoje. Frittatas

1

com cogumelos e queijo. Ela serviu na sua melhor louça, é claro.

—Você se juntou a eles?

—Tomei café e saí. Não posso me sentar com eles. Eu simplesmente o odeio.

Porque é isso que eu faço. Eu odeio os namorados da minha mãe. Amantes, devo dizer. Eu odeio que ela os tenha, que eles tomem café da manhã e jantem na nossa casa, que eu minta para ela fugir deles, que ela minta para todos a respeito deles, que ela tenha mentido para o meu pai por anos e me fez mentir para ele por anos também. Nunca esquecerei como minha vida tem sido marcada pelos homens que minha mãe teve.

Seus amantes são a razão pela qual não posso estar com o homem que amo. Ela arruinou meu pai para o amor, e então, em um

1 Fritatta é uma especialidade da culinária italiana como omeletes e que normalmente é preenchida com diferentes ingredientes, como carne, legumes, queijos, cogumelos, etc.

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ato de retribuição descabido, ele tirou o amor da minha vida.

—Já pensou como seria não odiá-los?

—Ah. Sem chance.

—Estou falando sério, Kennedy.

—Para isso precisaria remover meu cérebro. Não estou pronta para uma lobotomia.

—Hipoteticamente. —Caroline propõe, virando sua mão, palma para cima, como se segurasse um prato invisível e fosse uma garçonete em seu ofício. —E se você fizesse uma lobotomia que apenas removesse a parte do seu cérebro que odeia os amantes.

Eu considero essa situação por alguns segundos. Eu contemplo os potenciais resultados. Mas é como se alguém propusesse transplantar meus olhos verdes por azuis. Qual é a diferença, realmente?

—Eu não sei.

—Porque não são eles que você odeia. —Caroline diz. —É o papel que você sente que teve quando seus pais estavam casados. É isso que você odeia.

Eu espero ela dizer mais alguma coisa.

—Você conhece o programa dos doze passos?

—Claro. Quer dizer, de uma maneira geral.

—Um dos elementos vitais em qualquer programa de doze

passos se redimir. De fato, é talvez o passo mais importante porque

é sobre mudanças. Mudar seu comportamento, reverter o dano e

dizer que se arrepende, viver de outra maneira. —Ela continua. —

Não estou falando sobre você. O que estou dizendo é que o

conceito pode ser aplicado. Se redimir é sobre fazer reparos

diretamente às pessoas que você prejudicou.

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Volto meus pensamentos para meu pai, para o olhar perdido em seu rosto na noite que despejei tudo, há três anos, na maneira que sua vida virou quando sua única filha disse a ele que sua esposa fora uma Hester Prynne

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com ele por anos. Ele ainda não saiu com ninguém desde que se separaram, há três anos. Acho que seu coração ainda deve estar muito machucado.

O meu também. Porque as razões ainda estão embaixo do meu nariz, na minha cara e na minha cozinha tarde da noite, os lembretes em todos os lugares, os lembretes como um fardo, esse grande peso da raiva sempre dentro de mim.

—O que eu acho. —Caroline continua. —É que se redimir pode ser um exercício útil para você. Pode ser o tipo de coisa que te ajudaria a libertar-se de tudo o que você sente a respeito dos amantes de sua mãe.

Eu gosto como isso soa.

—Como devo me redimir?

—Não tenho certeza. Mas sei que você encontrará um jeito.

Porque eu não sou do tipo que faz qualquer coisa pela metade, eu não bebo, não fumo, não falo palavrão, não como carne ou falto na aula de lacrosse

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quando tenho dor de cabeça, e raramente falto na escola, sei que encontrarei um jeito de me redimir Não pelas coisas que fiz. Mas pelas coisas que não fiz. Eu não parei minha mãe. Eu não disse: Não, mãe. Não direi mentiras por você.

2 O romance mais famoso de Hawthorne, The Scarlet Letter, é a história de Hester Prynne, uma jovem que comete adultério e é forçada a viver com as consequências na comunidade puritana de Salem, Massachusetts.

3 Lacrosse é um esporte de equipe de origem nativa americana. Ele é jogado com uma bola de borracha maciça, de pequena dimensão e um bastão de cabo longo chamado de crosse ou taco de lacrosse.

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Noah

Jonathan bate em minha porta.

—Entre. —Eu digo, mas é irrelevante. É claro que ele vai entrar. Ele é o chefe. Ele comanda essa agência de talentos. E comanda com mãos de ferro, um terno risca de giz e com a perfeição de Don Draper

4

. Tenho que admitir, o cara tem o estilo do agente implacável.

—Como vai indo?

—Bem. —Eu digo, porque é o que ele quer ouvir, e além disso, o trabalho é bom. O trabalho sempre foi bom. O trabalho nunca foi o problema na minha vida.

—Ouvi dizer que o The World on Time está explodindo a cabeça dos críticos. —Ele diz, imitando uma explosão com suas mãos.

—Sim. —Digo, porque eu teria que ser um ignorante sobre o mundo do entretenimento para não saber disso. A série de TV de humor negro sobre um ex-agente da CIA que trabalha disfarçado será lançada esta quinta à noite. O que estão dizendo é que o criador-escritor, David Tremaine, não está feliz com seus agentes e está procurando um novo parceiro. Tremaine é um gênio, tenho acompanhado sua carreira desde que ele escrevia uma coluna de humor para um jornal local.

—Eu quero Tremaine. —Jonathan diz, enquanto afunda em meu sofá de couro e cruza as pernas.

—Quem não quer Tremaine? —Eu devolvo.

4Don— Draper é um personagem fictício e protagonista da Série de televisão da AMC, Mad Men. Foi criado por Matthew Weiner, e interpretado por Jon Hamm. Até o final da temporada 3, Draper foi diretor criativo da empresa de publicidade Manhattan Sterling Cooper.

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Ele aponta para mim.

—Me consiga Tremaine, Hayes. Você é meu melhor homem.

Preciso de você para conquistá-lo. Tem um evento de caridade neste fim de semana no MoMA

5

. Algo com arte e literatura. Ele vai. Leve uma acompanhante, para não parecer que você está lá só para bajulá-lo. —Ele diz, levantando suas sobrancelhas e apontando para mim.

Eu estremeço por dentro, mas não demonstro. Encontrar uma acompanhante não é difícil. É difícil quando você não liga para a mulher ao seu lado porque você ainda está caído por aquela que não está ao seu lado.

—Claro. —Digo para ele.

—Ainda está saindo com a Mica? Não tenho visto você com ninguém faz algum tempo. Está mudando para meu time?

Nego com a cabeça e dou risada, feliz que ele desatentamente permitiu que eu evitasse o assunto de porque não tenho saído com ninguém há muito tempo.

—Ainda gosto de garotas, senhor. Mica e eu nos separamos faz um ano. Ele é uma boa garota, porém.

Ele abana a mão com indiferença.

—Que seja. Eu não ligo se ela é bacana. Só me importo como isso parecerá na festa. Certifique-se que sua acompanhante seja bonita. Não quero que você traga um canhão.

—Nenhum canhão comigo, senhor. —Digo secamente.

Ele ri.

—Adoro seu senso de humor, Hayes.

5 Museu de Arte Moderna de New York City

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Mais tarde naquela noite, enquanto passo por meus contatos tentando encontrar alguém para convidar para a festa, o nome de Kennedy aparece numa mensagem de texto. Meu peito se aquece.

Meu coração dispara. É por isso que não dou a mínima.

Eu já dei tudo que tenho para outra pessoa.

Ouvindo 42nd Street 6e pensando em você.

Lembro a época que a levei para ver o relançamento. A maneira como ela entrelaçou suas mãos em meus cabelos e me beijou no beco fora do St. James

7

com o letreiro do show ainda iluminado. Ela ama musicais da Broadway e suas grandes, espalhafatosas e exageradas declarações de amor. Tínhamos isso em comum. Tínhamos tudo em comum. Era quase muito para suportar.

Passo meu polegar pela tela, imaginando-a com seus fones de ouvido, então coloco a trilha sonora também e sua música favorita começa a tocar.

Depois vejo quem vou levar ao MoMA este fim de semana.

Escrevo de volta:

Qual música?

Em segundos ela responde com o nome da que eu estou escutando, e posso muito bem me perder naquele beijo do lado de fora do teatro mais uma vez.

6 Peça musical americana de 1980.

7 Teatro em New York

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Nossos beijos roubados

Acabamos de assistir 42nd Street e você estava cantarolando "Lullaby of Broadway" e eu te disse que você tinha uma voz boa. Você riu e afirmou que não poderia alcançar uma nota se tentasse. —Sou terrível cantando.

Eu disse. —Você é incrível beijando, no entanto. E caso duvide, deixe-me fazer você lembrar. —Então corri minhas mãos em seus cabelos. Deus, amo seus cabelos. Senti-los entre meus dedos. Beijei você fora do teatro e naquele momento não nos importávamos se alguém nos visse mesmo naquele beco. Não nos importávamos porque a única coisa que importava era seus lábios nos meus. Sentir sua respiração. A maneira como segurava meus quadris, me trazendo para perto, mas mantendo distância também, caso chegássemos muito perto em público. Como se importasse. Como se qualquer um que nos visse não soubesse como nos sentíamos.

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CAPÍTULO 03 Kennedy

Tecnicamente, o lacrosse não é um esporte de contato.

Se olhasse no livro de regras para lacrosse feminino, veria todo tipo de aviso para manter suas mãos, cotovelos e bastões próximos ao seu corpo. Mas não é assim que eu jogo. No meu livro de regras, lacrosse é um esporte de contato. A vida é um esporte de contato. Melhor ser corajosa e encarar.

Atravesso o campo determinada a acertar a bola na rede da Keeland Prep. Sua principal defensora tenta trombar em mim e evitar que eu marque. Viro minha mão para dentro e meu braço para fora, transformando meu cotovelo em uma arma. Ela firma os pés em minha frente, então eu enfio meu cotovelo direito em sua lateral.

Ela perde o equilíbrio e vem um pouco para frente, seu rabo de cavalo loiro chicoteando para o lado. Ela se recupera rapidamente e agora está como um touro bravo me caçando porque ela é uma jogadora feroz.

Mas eu também sou e disparo à frente, e então lanço a bola na rede.

A multidão da Agnes Ethel School for Girls vibra. Levanto o punho no ar e grito alto

—Sim!

Minhas companheiras de time me saúdam, e eu estou

voando, rindo e subindo em direção aos céus enquanto tudo de

bom cai sobre mim

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—Uh-hu! Vai Kennedy!

Minha mãe grita meu nome das arquibancadas. Aceno para ela e volto meu foco para o campo e meto mais dois gols na rede para derrotar Keeland Prep por 12 a 6. Ela é a primeira a me cumprimentar quando o jogo termina. Ela já está no campo, agitando os punhos no ar.

—Você. Foi. Brilhante. —Ela diz.

—Obrigada, mãe.

—E se posso te lembrar, apenas mais três vitórias para a divisão.

Estou impressionada que ela se lembre. Sempre me surpreende que ela se lembre desses detalhes, mas ela sempre se lembra.

—Não rogue praga.

Ela acena com uma mão no ar.

—Pragas? Quem acredita nisso? E então, vamos celebrar essa noite? Posso arrumar uma mesa para nós no fabuloso Sushi Ko assim. —Ela diz, estalando os dedos, seu anel de safira brilhando no sol. —E eles têm sushis vegetarianos deliciosos.

Qualquer vitória, grande ou pequena, requer uma celebração, um jantar elegante, um novo par de sapatos, uma sobremesa que é verdadeiro sacrilégio.

—Tenho que ir à exposição do papai esta noite. É a noite de abertura. —Digo, desejando os velhos tempos quando minha mãe e eu íamos juntas à galeria. Quando minha mãe entraria feliz passeando pela galeria, beijaria meu pai na bochecha e se encantaria com seu trabalho. Quando nós três iríamos ao Sushi Ko juntos.

Íamos a restaurantes incrivelmente bons. Ninguém agitava um

restaurante como os Stanzlingers. Éramos nova iorquinos, jantar

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fora era indispensável nesta cidade.

—Vou me despedir das minhas colegas de time.

Corro de volta para as outras garotas de uniforme de lacrosse verde e dourado.

—Garota indomável!

Minhas companheiras de equipe me chamam pelo meu apelido. É uma piada pois não sou indomável. Eu não rebato sem controle. Quando eu rebato é com controle impecável.

—Matadora? Quem marcou nesse jogo? —Eu digo enquanto bato mãos com cada uma, porque me dou bem com todas elas.

Embora a escola preparatória possa ser como uma besta selvagem em Manhattan, eu sobrevivi e tive sucesso seguindo algumas poucas regras: mantenho meus próprios segredos, foco no trabalho da escola e mando muito bem no campo. Esse combo triplo tem sido meu roteiro e eu o tenho seguido à risca. Também é o que me permite ter a vida que tenho fora da escola, em que entro e saio do mundo adulto, e ninguém na escola tem a menor ideia sobre a minha família ou os meus casos amorosos.

Bato as mãos com a Amanda por último e ela segura meu braço e me puxa para o lado.

—Tenho que te contar uma coisa. —Uma gota de suor escorre em seu rosto. Ela limpa. —Meu pai veio ao jogo.

Dou a ela um olhar zombeteiro, como se ela não pudesse estar falando sério. Isso é notícia de primeira página.

—Seu pai nunca vem aos jogos. Qual é o problema?

—Minha mãe o repreendeu na outra noite. Ela acabou com

ele por não aparecer em nenhum dos nossos eventos, do meu irmão

ou meu.

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—E ele ouviu? Achei que ele não ligasse.

—Ela disse para ele que todos os outros pais estavam lá. Ela disse que cancelaria suas férias em Tokyo se ele não aparecesse, e ele adora Tokyo.

—Uau, isso é demais. —Digo, porque sei que a mãe da Amanda é quem sustenta a sua família. Seu pai perdeu o emprego no banco há uns dois anos e não achou nada desde então. Sua mãe é CEO de uma empresa de publicidade, então ela está indo muito bem, dá as cartas, define as férias e geralmente determina o que vão fazer, onde vão e onde gastarão seu dinheiro.

Amanda aponta para as arquibancadas e seu pai está sentado num banco, sua cabeça abaixada sobre seu smartphone.

—Aposto que algum de seus estúpidos colegas de faculdade mandou um e-mail e foi tipo “Ei, conheço alguém que conhece alguém que pode saber quem está contratando”, então é claro que ele teve que responder prontamente. Sabia que ele passou o jogo todo no seu telefone idiota?

Então a Amanda bufa. É um bufar sarcástico e eu sei disso não só porque já o ouvi várias vezes, mas porque Amanda e eu fizemos uma lista de todas as variedades de suas bufadas. —Ela é uma bufadora campeã e se especializou em expressá-las com várias emoções: a bufada de rir-para-caramba, a de essa-comida-cheira-mal, a de essa-é-a-tarefa-mais-idiota-que-já-recebi, a bufada sarcástica, a bufada cômica, a bufada envergonhada, e a aquele-cara-do-outro- lado-da-rua-não-é-gostoso?

Seu pai para de digitar, pega um lenço e assoa o nariz e então

olha para o campo e acena para Amanda. Aposto que é a primeira

vez que ele nota a filha. Então ele anda até o campo. Mas o e-mail

mais fascinante do mundo deve ter chegado porque agora ele está

respondendo uma outra mensagem e então consegue trombar com a

minha mãe e eles começam a conversar.

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Minha pulsação dispara. Meus ombros ficam tensos enquanto possibilidades perigosas passam pela minha cabeça. A última coisa que preciso é que minha mãe comece a flertar com o pai da minha melhor amiga. Pego minha mochila com a velocidade de um trem expresso e digo adeus para Amanda no mesmo ritmo, e então tiro minha mãe da conversa. Respiro aliviada novamente quando estamos longe do campo.

Ouço minha mãe fazer seu habitual resumo do jogo enquanto entramos no táxi que nos leva do campo de lacrosse na Randall's Island de volta à Manhattan. Ela reproduz todas as grandes jogadas, imita todos os momentos de glória e eu dou risada e nem finjo que ela é ridícula, porque não acho que ela seja. Eu acho que ela é tipo incrível por nunca ligar seu telefone durante um jogo de lacrosse.

Nunca.

Eu quero que esses momentos sejam os que definem nosso relacionamento. Eu quero apagar todos os outros momentos, como os que envolvem pais dos amigos e, no lugar, cobri-los com esses.

Quando entramos no sobrado de arenito marrom que nós três compartilhávamos, minha mãe me diz que tem uma surpresa para mim. Ela cobre meus olhos e me leva até a antessala.

—Tha-ram!

E a Joe, minha bicicleta de marchas, sexy, elegante e prateada está esperando lá, brilhante e reluzente, a corrente quebrada consertada.

—Eu a peguei para você esta noite. Aproveitei e a levei para o conserto. Regulagem completa. —Ela aperta os freios. —Veja!

Também mandei regular os freios. E polir o quadro.

—Está linda. —Corro minhas mãos pelo quadro e parece

seda de aço. Dou-lhe um beijo na bochecha. —Você é a melhor,

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mãe.

—Tudo por você, querida.

É por isso que nunca posso odiá-la. É por isso que meu ódio é reservado apenas para eles, seus amantes. Nunca para minha mãe, a quem amo loucamente.

Vou até a geladeira para meu ritual de Coca Diet gelada pós- jogo. Abro uma lata, saboreando o primeiro gole. E então ela liga o telefone novamente e ele começa a vibrar imediatamente. As mensagens devem ter se acumulado. Ouço ela ligar para seu agente e meu rosto fica vermelho quando ela diz seu nome. Hayes. É assim que todos o chamam. Todos menos eu.

Eu imagino Hayes no escritório sendo todo profissional e negócios, sexy em suas camisas coloridas, a vermelha, a roxa, a azul marinho, e mais do que tudo, imagino o modo como elas se ajustam muito bem em sua estrutura alta, forte e robusta.

—Eu fui muito produtiva hoje e escrevi três cenas quentes para a nova sequência da história. —Ela diz para ele. Lords and Ladies é a série noturna de maior audiência que ela criou há vários anos e ainda escreve até hoje para a emissora de TV mais popular e famosa, a LGO. Como a produtora de Lords and Ladies, ela cria, controla e escreve as cenas quentes. Claro, ela tem toda uma equipe de escritores à sua disposição lá nos estúdios da LGO na West Fifty- Seventh Street, mas o enredo é dela, a intriga, os casos e as traições são todos cortesia da mente de Jewel Stanza. É um pseudônimo, abreviado de seu nome de casada.

Olho pela janela da cozinha, dessa vez ouvindo trechos e

partes do que ele diz com sua voz forte e sexy do outro lado da

linha. A voz que quero manter só para mim. Mas ele pertence a

tantas outras pessoas. Ele pertence a ela, aos seus clientes, aos

negócios e a todos os que querem uma parte dele.

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Mais que tudo, ele pertence aos oito anos que nos separam.

—Venha para jantar e conversaremos sobre as cenas. —Ela diz casualmente para ele, como se fosse uma simples sugestão. Mas não é uma opção desobedecer. —Convidaremos os de sempre. — Ela diz os nomes da publicitária chefe da LGO e seu marido, o chefe de distribuição internacional do estúdio e o escritor chefe da série e sua esposa. —E Warren, claro. Vou chamar Warren e faremos uma festa.

Ela termina a ligação e se vira para mim. —Você poderia me fazer um enorme favor? Preciso que você leia três cenas. Eu sei que você geralmente lê antes de dormir, mas eu realmente preciso do seu feedback. Estou terrivelmente nervosa. Especialmente por causa do... —Ela faz sinal de aspas. —Conteúdo.

Ela espera pela minha reação. Ela quer que eu fique ansiosa para ler as cenas e o conteúdo nelas, como se eu tivesse acabado de ganhar um prêmio, uma prévia do que os fãs de Lords and Ladies tanto querem. Minha mãe, a mulher que sozinha devolveu o poder das séries noturnas à TV, que renovou um meio de comunicação antes dormente com suas voltas e reviravoltas de ingleses vitorianos – e mulheres e suas conspirações na vida e no amor – é conhecida por seu suspense semanal, suas revelações chocantes e as cenas quentes de sexo da série. Isso, a série ter a fama de causar suor no colarinho, é o que mais agrada minha mãe.

A última coisa que quero é ler as cenas inspiradas em sua própria vida sexual. Mas sei onde falar a verdade vai me levar. Vai levar a rupturas e farpas e uma vida pela metade.

—Claro. Vou ler agora mesmo.

É simplesmente mais fácil.

************************

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Depois que tomo banho e lavo os vestígios do jogo de lacrosse, visto meu jeans skinny favorito, uma camiseta justa e meus tênis Converse. Como sempre, coloco meu colar de pingentes.

Posiciono de modo que ele não poderá deixar de vê-lo se eu o vir.

Quero que ele saiba que uso o tempo todo, que ele está comigo, próximo ao meu coração, mesmo quando não posso estar perto dele.

Envio um desejo silencioso ao universo para que ele chegue cedo. Que eu possa vê-lo por um momento. Um sorriso, um piscar de seus olhos, um olhar só para mim.

Pego as páginas do script que minha mãe deixou, fecho meus olhos para não ver nenhuma palavra, e passo página após página para trás. Depois de contar quinze, abro meus olhos, confirmo que voltei ao início e que as páginas parecem lidas e desço as escadas.

—As cenas são totalmente absolutamente esplendorosamente incríveis mãe. —Digo em voz alta, enquanto coloco as páginas no balcão, em seguida, abro a geladeira, pego outra Coca diet e bebo um grande gole.

—Conte-me tudo. —Ela indica as páginas em minha mão enquanto empunha uma grande faca e corta cenouras em fatias finas. Ela também se trocou, sua roupa casual por uma blusa magenta decotada, a cor tão descaradamente forte que ela parece da realeza. Ela combinou sua blusa com calças pretas e saltos de couro de 10 centímetros. —O que achou da cena? Sobre o que Gerald faz com Pauline nos estábulos? Me diga o que gostou.

Não. Oh Deus, não. Não há nada que eu possa dizer a você sobre o que o Gerald faz com Pauline nos estábulos. Especialmente quando ouvi o que o Warren fez com você na outra noite, que foi com certeza a inspiração para a brincadeirinha dos personagens nos estábulos, e eu tive que tocar a trilha de 42nd Street pelo resto da noite para camuflar os sons.

—Sexy. Totalmente sexy. —Digo, recitando as palavras

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exatas que minha mãe anseia ouvir. —E doce também. Uma perfeita mistura de sexy e doce, e os telespectadores vão amar.

Ela dá um largo sorriso, como se um peso tivesse sido tirado de seus ombros. —Obrigada. Não quero desapontar os telespectadores.

—Eles amam seu programa, mãe. Eles amam todos os Lordes e Damas. —Eu digo, tranquilizando-a corretamente, porque usei as palavras certas, disse-as no tom certo para dar confiança a ela. Porque a amo, mesmo que eu odeie tantas coisas sobre ela. Meu amor é mais forte que meu ódio.

Tem que ser.

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CAPÍTULO 04 Noah

Dois segundos depois que saio do elevador do prédio de meu escritório, o porteiro me chama.

—Oi, Sr. Hayes. Tenho algo para você. —Ele diz, de seu posto na mesa reluzente no hall de entrada. Ele me acena como se tivesse um segredo para me contar.

—Oi, Randy. O que tem aí?

O homem de bigode no uniforme azul marinho abaixa sua voz para um sussurro. —Meu primo Joey tem um roteiro. Uma nova série de ação centrada em torno de um grupo de colegas de trabalho, cada um tem um poder especial. Vai ser épico. Vou trazer para você amanhã. —Ele diz com um sorriso.

Eu sorrio de volta. Não porque esteja ansioso para ler mais um roteiro. Mas porque é esperado. Todo mundo, em todos os lugares, parece ter um programa de TV e estão sempre me pedindo para ler. Para fazer com suas ideias o que fiz com as de Jewel.

Torná-la um sucesso.

—Parece ótimo, Randy. —Eu digo e dou um rápido aceno de adeus enquanto saio para a noite quente de maio.

Sinto uma leve batida no ombro. Me viro e vejo meu amigo Matthew. Ele é crítico de uma famosa revista de música e trabalha no mesmo prédio. Ele nunca me pediu para ler um roteiro de algum amigo, primo ou vizinho. Gosto disso em nossa amizade.

—Super-heróis companheiros de trabalho? —Ele diz,

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levantando uma sobrancelha. Ele devia estar atrás de mim e ouviu a conversa.

Dou de ombros enquanto andamos em direção ao centro da cidade. —Você nunca sabe quando vai encontrar o próximo sucesso.

Ele ri, jogando a cabeça para trás.

—Você é muito gente boa. Quais as chances de encontrar um tesouro em um roteiro aleatório que alguém te manda?

—Quais as chances de você encontrar uma grande banda nos arquivos que as gravadoras te mandam? —Devolvo.

—Touché, companheiro. Touché. No entanto, falando de grandes bandas, a Jane e eu vamos ver uma hoje à noite no Roseland. Não é nem de longe tão excitante como ver um show de cancan na Broadway, ou algo como o que você já foi, mas quer ir conosco?

Reviro os olhos enquanto um ônibus passa, lançando uma nuvem de fumaça.

—Ha-ha-ha. Zombar do meu trabalho, por que você não zombaria?

—Não é realmente zombar do seu trabalho, é? Já que tenho certeza que você vai nesses shows da Broadway por diversão, não por trabalho. —Matthew diz quando chegamos na avenida.

—O que posso dizer? Sou um cara hétero que gosta de musicais da Broadway. —Digo, com firmeza. E daí se gosto de teatro?

—Estou só brincando com você. Topa ir ver Retractable Eyes?

—Que horas? —Pergunto, olhando meu relógio.

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—Tarde. Às dez. Precisa do seu sono de beleza?

—Eu aguento. Estou indo para a casa da Jewel agora para jantar e revisar seu roteiro.

—Quando vai se declarar para ela?

Eu dou risada.

—Nunca.

Há um estranho silencio entre nós, e então ele pigarreia quando chegamos na entrada do metrô.

—Certo. Quase esqueci. Não é dela que você gosta. —Ele diz baixo, sua voz séria pela primeira vez. Ele é o único que sabe sobre Kennedy. —É por isso que você ainda vai lá?

—Não. —Eu digo, respondendo rapidamente e sinceramente, pelo menos em parte. É claro, gosto de ver Kennedy.

Embora gostar não seja a palavra certa. Ansiar seria mais apropriado.

Mas isso tudo é complicado pelo fato de que eu realmente gosto da mãe dela, e não apenas porque ela é minha maior cliente. Jewel Stanlinger é a razão pela qual ganhei o respeito que tenho e a lista de clientes que veio depois dela. Nossa parceria de negócios é uma das raras histórias do tipo fidelidade e confiança no estilo Hollywood.

Eu comecei a trabalhar com ela quando eu era um estagiário da

faculdade e ela estava tentando seu primeiro sucesso. Ela era a

escritora resignada no fim da base hierárquica de várias séries

diurnas que já saíram do ar faz tempo. Ela me contou sua ideia para

Lords and Ladies e eu rapidamente arrumei a ela um trabalho melhor

de escritora em outra série e forcei a barra para que ela chegasse à

escritora principal. Ela criou tramas mais sexys, impulsionou a

intriga e introduziu casos ainda mais sórdidos. Durante esse tempo

ela aperfeiçoou e reformulou e reescreveu Lords and Ladies até que

ficou irretocável. Então eu a vendi para a LGO poucas semanas

depois de me formar na faculdade. É um dos maiores programas de

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TV do país, e agora eu tenho a lista de clientes mais invejável de qualquer agente de TV no país, isso sem falar de qualquer agente da minha idade.

Devo tudo a Jewel.

O que provavelmente me faz o maior idiota do mundo por me apaixonar pela filha dela. Quatro meses depois do término, os sentimentos por Kennedy ainda não dão sinais de diminuir.

Nenhum. Nada. Zero.

Eu devia mesmo ir ver aquela banda hoje à noite. Apenas para tirá-la da minha mente.

—Te vejo às dez. —Digo para Matthew quando ele chega na entrada do metrô.

—Te vejo lá. E tenha cuidado. —Ele acrescenta, porque ele gosta de cuidar de mim no que se refere ao vespeiro que são minhas escolhas amorosas.

—Terei.

Me dirijo para a casa de Jewel e no caminho vejo uma explosão de amarelo e branco em um mercado do outro lado da rua.

Eu paro e olho para a faixa de pedestres. O carro mais próximo está a quinze metros de distância e mesmo no sinal vermelho, eu corro e atravesso, diminuindo quando chego perto do que chamou minha atenção. Um buquê de margaridas no meio de uma grande variedade de flores, rosas, tulipas, lírios e narcisos. O miolo de uma das margaridas quase parece que é o formato de um coração.

Ela vai amar, então eu compro.

Quando viro no seu quarteirão, meu coração começa a bater mais rápido e minhas palmas estão suando e essa resposta química me irrita. Eu deveria ser capaz de controlar melhor minhas emoções.

Inferno, eu a vi na outra noite na festa. Eu a vi várias vezes desde

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que ela rompeu nosso relacionamento, há quatro meses. Eu deveria me controlar melhor. Mas considerando que eu acabei de comprar flores para ela, duvido que eu consiga. Ou possa. Ou queira.

De algum modo, quando vejo o sobrado de arenito marrom, em todos seus quatro andares de esplendor na Central Park West, uma casa à altura de uma mulher como Jewel, dou um jeito de controlar minhas emoções.

Seguro as flores em uma mão enquanto toco a campainha.

Kennedy atende. Seu cabelo castanho é ondulado e exuberante e lembro como é segurá-lo entre meus dedos. Eles coçam para tocar as mechas macias. Seus olhos verdes brilham quando ela me vê. Seus lábios formam um sorriso quando ela segura a porta, mantendo-a apenas um pouco aberta. Criando um escudo.

Um casulo temporário de cinco segundos.

Ela me olha de cima a baixo e posso dizer que ela se demora na minha camisa. É roxa, justa no corpo e está enfiada dentro de minhas calças cinza-escuras. Ela é obcecada pelas minhas camisas.

Não tenho problema com isso. Eu gosto dessa obsessão.

Mais do que eu devia.

Sou uma causa perdida, e agora, quando meu coração bate mais forte e não me irrito. Isso me lembra de que tudo que tive uma vez foi puro, perfeito e verdadeiro.

—Roxo. —Ela diz num sussurro, como se fosse um sonho, como se fosse uma palavra com asas e que pode voar para longe daqui. Me transporta de volta no tempo, lembrando-me de uma noite de muitos meses atrás. A noite ela experimentou esta camisa.

Ela parecia deslumbrante, e minha respiração se apega à intensidade da memória. Estou cercado por lembranças dela e não posso deixá- las ir. Eu não quero que elas desapareçam. Nunca.

—Roxo. —Eu repito, baixo e suave, como se fosse nosso

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segredo. Eu digo tão baixo que é quase inaudível. Mas ela me ouviu.

—Como foi seu dia?

—Foi bom. —Eu digo. —Como foi o seu?

—Não foi ruim.

—Soube que você não pode ficar hoje à noite.

—Não. Meu pai tem uma exposição de arte.

—Exposição de arte. Parece divertido. Se você gosta de arte.

—Digo com uma piscada. Eu sei que ela gosta de arte. Eu sei muitas coisas sobre ela, e quero saber muito mais.

—Eu gosto de arte.

—Trouxe essas flores. Você pode fazer de conta que são para a casa. —Então sussurro, quando aponto para o miolo da flor. — Mas não são.

Ela arregala os olhos e seu queixo cai.

—Eu adorei.

—Eu também.

Ela pega o telefone para tirar uma foto do meio da margarida.

—Para minha coleção. —Ela acrescenta.

—Eu sei, K. —Digo, e ela morde os lábios quando a chamo

assim. Como se tivesse guardando dentro de si todas as coisas que

eu também guardo bem dentro de mim também.

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Kennedy

Não quero me mover. Não quero que este momento acabe.

Meu coração ainda está agitado em meu peito porque ele chegou cedo. Meu desejo para o universo se tornou realidade, e mesmo que o tenha visto inúmeras vezes, não consigo tirar os olhos dele.

Seu cabelo castanho é grosso e despenteado, e ele está com a barba por fazer. Tenho que manter minhas mãos atrás das costas para não estender o braço e passar a mão pelo seu queixo, e então pela linha do seu cabelo deixando-o deslizar entre meus dedos enquanto acomodo meu corpo junto ao seu.

Eu resisto, me forçando a não me mexer para não ceder ao que quero fazer.

Seus olhos azul-escuros brilham. Ele olha apenas para mim e minha pele se aquece num instante. Ninguém nunca olhou para mim como ele. Duvido que alguém vá olhar.

Noah Hayes é a pessoa mais linda que eu já vi. Por dentro e por fora. De todos os modos. De vez em quando me pergunto porque minha mãe nunca deu em cima dele. Considerando a aparência dele e o apetite dela, ele seria uma presa óbvia. Mas tudo que consigo pensar é que ela precisava de um homem que não fosse descartável. E talvez seja por isso que ele seja o único homem que é uma constante, porque ele é o único homem com quem minha mãe não teve um caso. Ele é seu melhor amigo, seu confidente e, para todos os efeitos, seu parceiro de negócios. Mais que isso, ela pensa nele como seu filho. Sua mãe já se foi, então ela cuida dele. Ela o ama de um jeito protetor.

O que torna a situação ainda mais confusa.

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Nossos beijos roubados

Nossos lábios nem se tocaram em nosso primeiro beijo. Você não estava nem presente.

Beijei uma foto que você me deu. Você me viu várias vezes inclinada sobre meu telefone, vasculhando fotos. Finalmente, você me perguntou o que eu estava procurando uma noite quando estávamos sentados frente à frente na minha sala de estar. Não tinha ninguém por perto. Eles tinham saído para tomar sorvete, e você estava lendo um roteiro. Você levantou os olhos das páginas.

—Mensagens do namorado?

Você arqueou uma sobrancelha. Sua voz estava carregada de curiosidade. Tanto que me deu esperança que você estivesse torcendo para eu dizer não.

Balancei a cabeça e te mostrei meu telefone.

—Minha coleção de corações encontrados. —Eu disse, e o meu próprio bateu contra o meu peito.

Mostrar a você algo que era importante para mim era arriscado. Mas eu correria o risco.

—Encontrados onde?

—Na natureza. Na rua. Animais. Qualquer lugar.

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—Eu disse e então observei enquanto você percorria o aplicativo onde eu guardava as fotos que encontrava.

Um recife de corais na Austrália no formato de um coração. Um desenho em giz numa calçada. Dois galhos de árvore entrelaçados como um coração.

Você levantou os olhos da tela, os cantos de sua boca se curvando num sorriso.

—Os galhos de árvore são novos. Acabei de encontrar num blog e os adicionei. —Disse, com minha voz seca.

—Você os encontra facilmente?

Dei de ombros. —Quando preciso.

—Por que você precisa?

—Eles me dão esperança.

—Eu me pergunto quando você encontrará o próximo. —Você disse como se estivesse simplesmente meditando sobre isso.

Alguns dias depois, assim que terminei de jantar com meu pai, você me enviou uma foto. Eu abri a mensagem com dedos trêmulos e esperançosos simplesmente porque tinha seu nome.

—Encontrei isso para você. —Você escreveu e anexou a foto de um cavalo marrom chocolate com uma mancha branca no formato de um coração no

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nariz.

Eu beijei a tela.

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CAPÍTULO 05 Kennedy

Lane espera na Columbus Circle

8

. Ele está de bicicleta também e não nos incomodamos em dizer oi, apenas nos cumprimentamos com um aceno de cabeça e saímos em direção ao centro, usando capacetes, prontos para a emoção de correr na hora do rush e vencer os carros. Andar assim requer um foco supremo para não ser morto, e ainda tem o bem-vindo benefício de manter minha mente longe de toda situação confusa com o Noah.

Percorremos o tráfego no caminho para West Village para chegarmos à mostra mais recente organizada pelo meu pai, uma exposição de cartas de amor famosas dos maiores escritores da história, dividindo espaço na parede com fotografias de homens, mulheres, garotas e garotos escrevendo.

Logo chegamos ao nosso destino na West Village, um quarteirão estreito com calçadas de paralelepípedo, galerias de arte e cafés muito maneiros a cada poucos metros. É um daqueles quarteirões de cinema, o tipo onde a heroína de comédia romântica anda na rua à noite usando um tipo de saia de tule, saltos bonitinhos e uma bolsinha de mão.

Prendemos nossas bicicletas em um poste. A corrida resolveu o problema, meu cérebro hiperativo e coração rebelde se concentram no aqui e agora enquanto observo o cenário.

Uma multidão de hipsters de trinta e poucos anos usando jeans pretos e blusas desleixadas estão saindo da galeria para as calçadas. Uma faixa na janela diz Letters Form The heart, o nome da

8 E uma rotatória na cidade de New York próxima ao Central Park batizada em homenagem ao navegador europeu Cristóvão Colombo. É considerada a praça mais visitada de Manhattan depois da Times Square

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exposição, as fotografias estão à venda, as famosas cartas de amor são um empréstimo e são a isca.

Noto um rosto familiar no final da rua, um sorriso torto e bajulador que conheço bem, observando a multidão na galeria, enquanto segura um café numa mesa do lado de fora. Meu coração dá um salto. É o ex-parceiro do meu pai, Jay Fierstein. Minha mãe se envolveu com ele no ano passado.

Franzo a testa.

—Esse é o cara que seu pai odeia?

Concordo. —Por muitas, muitas razões. O advogado dele está atrás do advogado do meu pai sobre a divisão da empresa.

—O que ele está fazendo aqui? Espionando seu pai?

—Não me surpreenderia. —Digo, e então vejo meu pai lá dentro, ouvindo um pequeno grupo de observadores curiosos discutir o significado do desenho de uma garota segurando um coração duas vezes o seu tamanho. Meu pai é um homem grisalho, com um tufo de cabelo que mal cobre sua cabeça, como um patinho. Aceno para ele, e depois mostro a Lane o original de uma carta de amor que Zelda Fitzgerald escreveu para o seu marido, F.

Scott Fitzgerald.

Não há nada no mundo que eu queria, a não ser você, e seu amor precioso. Todas as coisas materiais não são nada. Eu odiaria viver uma existência sórdida e sem cor, porque você logo me amaria menos, e menos, e eu faria qualquer coisa, qualquer coisa, para manter seu coração só para mim.

—É daí que vem sua inspiração para a famosa carta de amor? —

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Lane pergunta.

—Famosa carta de amor não enviada. —Eu acrescento, feliz por poder falar livremente com alguém. Lane é a única pessoa além da minha psiquiatra para quem contei sobre o Noah. —Meu pai estava trabalhando na organização desta exibição quando comecei a escrevê-las. Eu deveria ter colocado a culpa nele, né?

—Totalmente. Os pais sempre merecem a culpa.

—Quero dizer, sério! Ele estava constantemente falando sobre cartas de amor famosas, me mostrando cópias delas. O que uma garota podia fazer?

—O que você fez, é claro. Escrever uma você mesma. —Ele provoca.

Lane e eu terminamos de ler a carta.

—É uma carta linda, não acha?

—Ah, certamente. Especialmente se considerar que ela estava completamente pirada e F. Scott era um cara super atraente, ele diz.

—Lane!

—Mas é verdade. Você é tão Sra. Apenas os Fatos, Por Favor. Então deveria saber que a Zelda foi diagnosticada com esquizofrenia e passou seus dias em um sanatório enquanto F. Scott se acabava na bebida. —Ele diz enquanto uma garota de uns vinte anos passa por nós e dá uma conferida no Lane dos pés à cabeça. É quase impossível não fazer isso, porque sua aparência é espetacular.

O cabelo dele é castanho claro com mechas douradas. É volumoso e

grosso e convida seus dedos a passarem neles. Seus olhos são

castanhos, ou talvez verdes, ou às vezes castanho-claros. Não é que

mudam com o tempo ou seu humor. Olhos não mudam. Mas os

dele são simplesmente de várias cores e cada tom é sedutor. São

daqueles tipos de olhos que podem derreter uma mulher com um

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único olhar.

—Você não é tão divertido. Você é um enorme desmancha- prazeres. —Digo enquanto passeamos pelas outras cartas, lendo as palavras de Franz Kafka para a mulher que ele amava: —

As portas

estão fechadas, tudo está quieto, eu estou com você mais uma vez.

—E Hemingway para sua esposa: —

Se alguma coisa acontecesse com você, eu morreria como um animal morreria num zoológico se algo acontecesse com sua companheira.

Quando leio as palavras novamente, não posso me conter.

Minha mente retorna a ele, o efeito da corrida de bicicleta é lavado pelas palavras e estou pensando mais uma vez no homem que não consigo esquecer, o que me deu flores porque encontrou um coração em uma delas. Posso ter que lidar com os fatos frios e cruéis sobre a minha mãe nos meus cadernos, mas dentro de mim, em lugares que ela não pode tocar, eu sei quem sou. Uma puritana. Uma amante do amor. Eu amo cartas de amor, declarações de amor e momentos verdadeiros e sinceros quando duas pessoas sabem que foram feitas uma para a outra.

Talvez seja porque sei como isso é. Eu tive isso por seis meses perfeitos com o Noah.

Sinto os braços do meu pai em volta de mim. —Que surpresa te ver aqui. —Ele diz, brincando.

—Um choque total.

—Oi, Sr. Stanzlinger. —Lane estende a mão para meu pai mesmo que eles tenham se encontrado muitas vezes.

—Bom te ver de novo, Lane. —Meu pai chega mais perto e me diz. —Já vendemos dez fotografias. Então, sou demais. Diga.

Diga meu pai é o melhor consultor de arte do mundo.

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—Você está me envergonhando. —Digo com um sorriso, mesmo que ele não esteja e nunca estará. Seus clientes o amam, os museus o amam. Ele tem uma reputação impecável. Por causa dele, eu planejo estudar história da arte quando começar na Universidade de New York em alguns meses.

Alguém o chama e eu observo enquanto ele se junta a outro grupo de possíveis compradores, não posso evitar sentir um familiar lampejo de pena dele. Ele é um homem de negócios extrovertido, sagaz e esperto, mas ainda assim foi totalmente enganado pela minha mãe. Algumas vezes, quero perguntar se ele já superou. Mas como se supera esse tipo de traição? Todas as esposas de todos os homens casados que minha mãe se envolveu superaram?

Eu não. Mantive todos seus segredos por anos, escrevi-os em meus cadernos, menti por ela, menti com ela, até que não aguentei mais a pressão.

E um dia contei tudo para meu pai.

Então fui eu que causei a separação dos meus pais três anos atrás. Mas para qualquer um que acompanhe, eu realmente acabei com o casamento deles há muitos anos atrás. Talvez eu mereça um

“A” em meu peito. Talvez um “A” duplo, por “Ajudar e Acobertar”.

Eu paro em uma reprodução de uma das mais raras cartas de amor de todos os tempos. Essa é do escritor Honoré de Balzac à condessa casada, Hańska. —

Não posso mais pensar em mais nada a não ser você

. —A carta é maravilhosa, mas vem de uma situação que não posso tolerar: Um caso.

E é quando isso me atinge.

Redimir.

Posso me redimir por ter sido cúmplice dela.

(46)

***********

—Deixe-me entender. Você vai enviar cartas de amor para as esposas dos homens com quem sua mãe teve casos?

Eu concordo e bebo o resto do meu café antes de explicar o projeto de reparação que nasceu totalmente formado momentos atrás.

—Sim e não. Não serão cartas de amor minhas. Serão mais como cartas de perdão. Cartas anônimas. Como uma forma cármica de reverter o dano. Já estou meio que me redimindo de ter mentido para o meu pai todos esses anos apenas indo ao psiquiatra, então agora posso me redimir pelo que fiz a todas as outras pessoas. Eu posso dizer que sinto muito sem dizer: —Ei, sinto muito que minha mãe fodeu seu marido e eu sabia e não fiz nada para parar isso.

—Mas você não podia impedir. —Lane salienta enquanto inclina-se para frente na sua cadeira para enfatizar. Estamos na Dr.

Insomnia’s Tea and Coffee Emporium, na West Village, o melhor café em todo o mundo, ou pelo menos em New York, que é o mundo para mim. É meu mundo.

—Kennedy, você não entende? Sua mãe teve os casos. Ela te pediu para mentir. Você não fez nada errado. Ela sim, e não havia nada que você pudesse ter feito.

—Talvez eu pudesse ter dito alguma coisa antes que fosse

muito longe. —Digo baixinho enquanto olho para a xícara marrom

de café à minha frente. —Talvez se eu tivesse dito algo quando tudo

estava começando, ela poderia ter parado. Ou ele poderia tê-la

perdoado antes que ela fosse longe demais. Então essa é a minha

chance. Posso escrever cartas para as mulheres que ela enganou,

como se fosse um desejo de felicidade, uma esperança de mais amor

no mundo. Então quem sabe acrescentar um trecho de uma carta de

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amor famosa.

—Soa meio como assédio.

—Não é assédio. É como se eu pusesse colocar o amor de volta no mundo do qual foi levado. —Digo, as palavras agarrando em minha garganta, mas eu engulo o caroço porque é hora de seguir em frente de todas aquelas mentiras.

—Você está obcecada. —Ele diz, jogando suas mãos para cima, sabendo que não vai me convencer do contrário. Ele levanta uma sobrancelha, passando para um modo brincalhão. —No entanto, não posso resistir a uma oportunidade de uma potencial encrenca, então devo insistir em ajudar.

—Mas você não tem nada do que se redimir. —Eu digo, já que Lane está em terapia por outras razões. O pai dele morreu há dois anos.

—Eu sei que isso vai parecer meio louco e radical, mas eu meio que acho que vai ser divertido. Você não vai privar um pobre garoto órfão de pai de um pouco de diversão, vai? —Ele diz, fazendo uma cara de cachorrinho sem dono.

—Pare com isso. —Eu digo, rindo, porque só o Lane poderia pegar uma tragédia do seu passado e transformá-la em uma piada.

Ele soca o ar e depois estende sua mão para um aperto.

—Considere-me seu parceiro na reparação.

Passamos a hora seguinte tomando café, fazendo listas e elaborando um plano de entrega de cartas de amor para compensar minhas mentiras do passado. Os endereços não são difíceis de achar.

Umas poucas pesquisas no Google por registros de propriedades e

proprietários de casas revelam a maioria. Um número desconhecido

é insignificante na era da internet. Quando vamos embora, eu vou

de bicicleta até a casa da minha mãe. Talvez, apenas talvez,

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conforme eu vou mandando as cartas de amor, eu possa restaurar um pouco do amor que foi roubado.

A matéria não pode ser criada ou destruída, mas pode mudar de forma, o ruim se torna bom, o errado começa a virar certo.

Como deveria ser.

Aperto os freios, empolgada quando vejo um homem de

camisa roxa andando em direção à Central Park West.

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Isso não soa muito como um convite.” Eu provoco enquanto empilho mais algumas caixas de coisas no canto, fingindo ficar ocupada para não ser vítima de seus olhos

Ezra plantou o cotovelo nos ombros de Daire para manter a cabeça baixa e fora do caminho, para que ele pudesse se inclinar mais perto e pressionar o pulso sangrando

— Eu não posso acreditar que eu disse isso, mas agora diria qualquer coisa para descobrir para onde ela foi.. — Você viu onde

"Nós vamos encontrar um acampamento para passar a noite, depois cruzar Mystwood para entrar em Lunos e depois ir até a Cidadela para pedir ao Conselho dos Anciões