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(Re)apresentações do jornalismo na era digital: o caso do V Digital

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Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais

Andreia Isabel Teixeira Freitas

(Re)apresentações do jornalismo na era

digital: o caso do

V Digital

Relatório de estágio

Mestrado em Ciências da Comunicação Informação e Jornalismo

Trabalho realizado sob a orientação da

Professora Doutora Sandra Marinho

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DIREITOS DE AUTOR E CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DO TRABALHO POR TERCEIROS

Este é um trabalho académico que pode ser utilizado por terceiros desde que respeitadas as regras e boas práticas internacionalmente aceites, no que concerne aos direitos de autor e direitos conexos.

Assim, o presente trabalho pode ser utilizado nos termos previstos na licença abaixo indicada. Caso o utilizador necessite de permissão para poder fazer um uso do trabalho em condições não previstas no licenciamento indicado, deverá contactar o autor, através do RepositóriUM da Universidade do Minho.

Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual CC BY-NC-SA

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Agradecimentos

Foi uma caminhada longa e difícil. Um ano de acontecimentos inesperados que fizeram mudar prioridades. A ti, mãe, obrigada por não teres desistido de lutar pela tua vida. Deste-me força para terminar esta tese, até porque, que moral tinha eu em desistir deste pequeno desafio, depois de tudo o que enfrentaste? Nenhuma! A força de uma filha vê-se pela coragem de uma mãe. Mas também seria impossível estas duas mulheres terem conseguido enfrentar estas intempéries sem um grande homem. O pilar da minha vida, o sábio das palavras. E se vim até à Universidade do Minho fazer este mestrado, na esperança de um bom emprego, a ti o devo. Porque sempre me apoiaste e incentivaste a lutar por um bom futuro e a não ficar parada, tal como tu fizeste por nós. A garra que tenho é tua e espero um dia vir a orgulhar-te como eu de ti.

Obrigada Joana, por teres sido das poucas pessoas que tirou um pouco do seu tempo, mesmo perante a azáfama diária, para ler este relatório. Soubeste dar os conselhos certos, o carinho necessário. Mas não esperava outra coisa pois uma irmã, na pura essência da palavra, fá-lo assim mesmo. E tu honras bem esta palavra. Obrigada também por me dares, juntamente com o Bruno, um afilhado, capaz de me fazer soltar sorrisos, mesmo quando não tinha vontade de o fazer. A ti, Carlos, pela compreensão das longas ausências, das palavras tensas e incapacidade em lidar com todas as etapas (longas) deste relatório. Permitiste que o “nós” ficasse em segundo lugar para que eu cumprisse um sonho que espero que venha a ser-nos útil. Á minha orientadora, Sandra Marinho, por ter feito a orientação que precisei, e que foi muita.

Estou grata pelo voto de confiança, pelas opiniões, pelo cuidado ao proferir as críticas construtivas e pela grande experiência que me proporcionou. Até porque, sem o seu acompanhamento, nada disto teria sido possível. Por fim, a toda a equipa do

V Digital

. Foi a melhor equipa de trabalho por onde passei até hoje. Uma equipa jovem, que se respeitava, que sabia ser amiga, companheira e acolhedora também. Ensinaram-me que o online pode ser muito bonito quando bem trabalhado em equipa, e foi nesta casa que aprendi o verdadeiro significado desta tão bonita palavra. Estou-vos eternamente grata e vou levar comigo, seja eu jornalista, ou até funcionária de outro ramo, os vossos ensinamentos.

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DECLARAÇÃO DE INTEGRIDADE

Declaro ter atuado com integridade na elaboração do presente trabalho académico e confirmo que não recorri à prática de plágio nem a qualquer forma de utilização indevida ou falsificação de informações ou resultados em nenhuma das etapas conducente à sua elaboração.

Mais declaro que conheço e que respeitei o Código de Conduta Ética da Universidade do Minho. Também declaro aqui que tive o consentimento para a recolha de dados e identificação de todos os que se encontram citados neste documento.

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v

(Re)apresentações do jornalismo na era digital: o caso do

V Digital

Resumo:

Entender a evolução tecnológica implica olhar para as suas implicações na sociedade. O jornalismo é parte integrante da comunidade humana já que não só se baseia naquilo que acontece no quotidiano, como também influencia o dia a dia dos que o integram. Com o crescente conhecimento e domínio das potencialidades do meio online, o jornalismo mudou. Por um lado, alterou-se no que concerne à forma, deixando de ser apenas um meio para o leitor aceder àquilo que já tinha visto na versão impressa, nas televisões ou ouvido nas rádios. Alteraram-se também as formas de alcançar a informação, com o emergir de novas fontes de informação, que chegam de todo o lado, desde os motores de busca e redes sociais. E um deles poderá estar associado à necessidade dos média de publicar primeiro o que, muitas vezes, faz com que veiculem informação pouco rigorosa e verificada, e tem desencadeado a crescente proliferação do trabalho de agências nas notícias. No meio deste turbilhão de mudanças desencadeadas pelo online, emergem novos projetos. Num grupo onde já existia um pouco de tudo, a

Global Media Group,

sentiu necessidade de mais vídeo e de ter um canal dedicado às notícias morosas e explicativas, longe da atualidade. Em 2018 chegou o

V Digital.

É toda esta necessidade de criação de um novo meio, assim como a sua viabilidade no mercado, que tentaremos compreender neste relatório. Este órgão de comunicação foi cedendo às preferências de um leitor habituado ao imediato e ao valor-notícia do entretenimento. Com ele, mudaram-se as rotinas dos jornalistas e, assim, muitos deles despediram-se e, no fim, muitos foram despedidos, num projeto que terminou, pelo menos, naquilo que foi a sua essência: explicar os fenómenos aos leitores através de conteúdos híbridos e novas formas de comunicar. Para perceber até que ponto o online está a mudar o jornalismo e as rotinas dos jornalistas, foi levado a cabo um estudo de caso, tendo por base o

V Digital,

local de estágio, através da observação participante.

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vi

Abstract

Re(presentations) of journalism in the digital age: the case of the Digital V

Understanding technological evolution means looking at its implications for society. Journalism is as integral part of the human community because it is not only based on what happens in everyday life, but it also influences the daily lives of its members. Along with the growing knowledge and the dominium of the online world potentialities, journalism has changed. On one hand, the form has changed, being no more just a way to reach what the reader had already seen on the printed version, on televisions or heard on the radio. The ways to reach information have also changed, along with the emergence of new sources of information, that come from everywhere, from the internet search engine and social networks. Along with consummate knowledge of online capabilities, risk awareness increases. These may be associated with the need for media publishing, which often causes publication of bit of strictly and verified information, as well as a growing proliferation of news agency work. In the midst of this spate of changes triggered by online, new projects emerge. In a group where there was a little bit of everything, a Global Media Group felt the need for more video and for a channel dedicated to time-consuming and explanatory news, far from the present time. In 2018 the V digital arrives. It’s the need to create a new means, as well as its market viability, that we will try to understand in this report. This media has been giving in to the preferences of a reader accustomed to the immediate consumption and news value of entertainment. Along with it, the journalists routines have also changed and so, many of them quited their jobs and, in the end, many others were fired, in a project that ended, at least, in what was its essence: to explain the phenomena to readers through hybrid contents and new ways of communicating. To understand the extent to which online is changing journalism and journalists' routines, a case study was conducted, based on the digital V, place of internship, through participant observation.

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vii

Índice

Índice de figuras ... ix

Introdução ... 11

Capítulo 1 – A experiência de estágio ... 15

1.1. Apresentação da empresa

V Digital

... 16

1.2. Uma reestruturação em três meses ... 18

1.3. A mudança na “forma de ver o mundo” após três meses ... 19

1.4. O estágio como uma realidade impactante ... 23

1.5. A adaptação à linguagem

V Digital

... 25

1.6. A primeira aventura: a alavanca para o jornalismo no terreno... 32

1.7. O dia a dia no

V Digital

... 35

1.8. As reportagens no terreno ... 37

1.8.1. As dificuldades na adaptação à linguagem/ caraterísticas online ... 37

1.8.2. As potencialidades e riscos das entrevistas ... 38

1.8.3. Quem decide o que é notícia: jornal, jornalista ou entrevistado? ... 40

1.9. A produção de notícias pré-fabricadas e a decadência do trabalho autónomo do jornalista 42 1.10. As notícias de agenda… que saltam da agenda ... 44

1.11. A procura por um jornalismo

multitasking

como consequência da quebra de receitas46 1.12 Em Síntese ... 50

Capítulo 2- Enquadramento Teórico ... 53

2.1. Caraterísticas do meio online ... 53

2.1.1 A hipertextualidade ... 55

2.1.2 A multimedialidade ... 57

2.1.3 A interatividade ... 58

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viii

2.1.5 A personalização ... 64

2.1.6 A ubiquidade ... 68

2.2. O online como potenciador do fenómeno da hibridez ... 70

2.3. O jornalismo

multitasking

... 75

2.4. Rotinas de produção de informação ... 78

2.5. Tipologia das fontes de informação ... 82

2.6. Valores-notícia no online ... 86

2.7. Consumo dos média e modelos de negócio ... 89

3.2. Opções epistemológicas ... 98

3.4. Observação como técnica ... 103

3.5. A entrevista ... 105

4. Análise dos dados ... 109

4.1. Os dados da observação participante ... 109

4.1.1. De que modo é organizada a produção jornalística? ... 109

4.1.2. Quais as fontes de informação valorizadas? ... 114

4.1.3. Qual a predominância de conteúdos pré-fabricados? ... 122

4.1.4. Qual a interatividade entre o cidadão e os jornalistas no

V Digital

? ... 124

4.1.5. Quais as características do webjornalismo presentes nos conteúdos do

V Digital

? ... 125

a) Hipertextualidade ... 125 b) Personalização ... 127 c) Multimedialidade ... 128 d) Instantaneidade ... 129 e) Simultaneidade/ubiquidade ... 130 f) Interatividade... 131

4.1.6. Qual o valor-notícia mais valorizado? ... 133

(9)

ix

Conclusões ... 141

Referências Bibliográficas: ... 146

Índice de figuras

Figura 1: Comparação entre interação do conteúdo em V Digital e Jornal de Notícias ... 20

Figura 2: Estatísticas de site V Digital acedidas no dia 13 de setembro de 2018. Fonte: NewsGenX ... 21

Figura 3: Comparação entre interação do conteúdo em V Digital e Jornal de Notícias, em 11 de setembro Fonte: NewsGenX ... 21

Figura 4: Os 10 mandamentos do V Digital ... 27

Figura 5: A hibridez das linguagens na televisão ... 29

Figura 6: Hibridez das linguagens no V Digital ... 30

Figura 7: Comparação do olhar do entrevistado entre reportagens da TVI e V Digital ... 31

Figura 8: Processo de criação de conteúdos com hipertexto ... 56

Figura 9: Notícias publicadas em jornais tendo por base o trabalho das Relações Públicas (Fonte: Lewis, Williams & Franklin, 2008, p. 7). ... 80

Figura 10: Valores notícia, segundo Nelson Traquina, 2005) ... 88

Figura 11: Infográfico sobre o uso regular da Internet ... 90

Figura 12: Infográfico dos conteúdos mais vistos em Portugal ... 92

Figura 13: Notícias publicadas através da fonte Lusa sem hiperligações ... 126

Figura 14: Ausência de hipertexto nos conteúdos V Digital ... 127

Figura 15: Personalização nos conteúdos do V Digital ... 128

Figura 16: Exemplo de conteúdo para análise de caraterísticas online ... 131

Figura 17: Audiências de três dias diferentes no V Digital ... 132

Figura 18: Um dos conteúdos com mais interação no V Digital ... 134

Figura 19: Relatório de visualizações de “O desafio deste verão? Virar o biquíni ao contrário” 135 Figura 20: Exemplo de notícia publicada oriunda da agência Lusa ... 138

(10)

x

Índice de gráficos

Gráfico 1: Análise quantitativa às reuniões de planeamento de 27 de julho a 21 de setembro de

2018 ... 110

Gráfico 2: Tipologia das fontes de informação ... 115

Gráfico 3: Predominância de agências de notícias como fontes de informação ... 117

Gráfico 4 Número de fontes consultadas por notícia ... 123

Gráfico 5: Número de visualizações de: "O desafio deste verão? Virar o biquíni ao contrário" . 134 Índice de tabelas Tabela 1: Percentagem de acessos por meio em Portugal, segundo dados de Digital News Report, 2019 ... 91

(11)

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Introdução

Em julho de 2018, surgiu a oportunidade de integrar a equipa do canal da

Global Media Group

(GMG) mais recente: o

V Digital

. Embora soubesse que um novo meio de comunicação poderia acarretar instabilidade para a realização de um estágio, arrisquei. E fi-lo precisamente por acreditar nas oportunidades de um meio totalmente online, em que o vídeo era a forma de comunicação mais frequente, aliado ao facto de estar ainda numa fase ainda embrionária. E assim foi. A 2 de julho de 2018, entrei com o pé direito na sede do Porto da GMG. Esse foi o passo que determinou três meses ricos em experiências.

Se, por um lado, estar neste recém-criado órgão de comunicação social proporcionou grandes experiências laborais – tendo em conta a falta de mão-de-obra e recursos, naturais num novo projeto – também motivou reflexões acerca do paradigma da comunicação e dos modelos de negócio atuais. No momento em que iniciei o meu estágio, a equipa era constituída por mais de 20 profissionais. Em abril de 2019, a maioria dos contratos foi rescindida, sendo a grande parte de jornalistas com quem trabalhei. Em menos de um ano, o canal de vídeo da

GMG

estava a alterar-se de tal forma que não só se mudou a grelha de programação, como também a equipa. Ora, tais mudanças significavam que alguma coisa não estava a correr de acordo com as expetativas da direção. Assisti a essas transformações e vivi mergulhada nelas. Os momentos de instabilidade que a equipa atravessou foram imensos e isso afetou o meu estágio. Não que tenha sido uma estagiária sem trabalho, mas fui levada a refletir sobre várias questões em torno da profissão que tinha escolhido.

Porquê tanta mudança em tão pouco tempo? Esta foi a minha pergunta durante o estágio, e que persistiu também durante a redação deste relatório, até porque foram aparecendo respostas até ao último dia em que o mesmo foi escrito. Perceber o que, aparentemente, motivou alterações editoriais era uma ambição. Desde julho de 2018 que comecei a observar a linha editorial que tinha sido delineada, acompanhando todo o caminho até ao resultado que em abril de 2019 já se via nos ecrãs. Muitas foram as horas a observar, a escutar, a escrever, para além das tarefas diárias que me calhavam. Essas mostraram-se o fator motivador para dar o meu melhor durante o estágio. Isto porque as reportagens do

V Digital

eram distintas daquilo que estava habituada a ver e a produzir. O conceito de hibridez das linguagens que aprendera durante o mestrado em Informação e Jornalismo na Universidade do Minho aplicava-se, a meu ver, na perfeição. Assim como o de construção de narrativas que tanto foi discutido nas aulas de Narrativas Jornalísticas.

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12

Mas as peças jornalísticas que foram por mim produzidas espoletaram igualmente curiosidades que considerei serem merecedoras de um olhar atento. Refiro-me ao facto de a maioria do trabalho por mim desenvolvido ser baseado em conteúdos que já chegavam à redação “pré-fabricados”, isto é, quase prontos a publicar. A maior parte dos dias era passada dentro da redação, em frente ao computador, a trabalhar sobre esses conteúdos que nos iam chegando através de agências. Nesses, era-me pedido que efetuasse a verificação da veracidade da informação – ainda que pouco frequente – e que fizesse a tradução dos textos que, muitas vezes, chegavam em outras línguas. Produzir informação para um canal que vive sobretudo de imagem requer conhecimentos sobre o manuseamento de vídeos e imagens, mas não só. Também emergiu a necessidade de saber como aliar a linguagem sonora e textual à visual. Ou seja, era necessário conseguir articular as várias linguagens, para que as debilidades de cada uma fossem colmatadas. O

V Digital

vivia, assim, desta hibridez. E isso viu-se ainda mais nos trabalhos em que saí para o terreno. Foram muitas as reportagens que produzi em que senti necessidade de ter uma maior sensibilidade para a construção de uma narrativa em vídeo. Embora não tivesse de filmar – até porque o conceito de

multitasking

não se aplicou no meu estágio – era eu quem delineava como contar a história. Em alguns programas do

V Digital

em que fui o rosto, colocaram-me em mãos autênticos desafios, tais como idealizar os grafismos que iriam animar a reportagem. Isso significava, por exemplo, que, enquanto fazia o pivô, teria de imaginar uns bonecos a saltar do lado direito. Toda esta experiência foi enriquecedora, pois, além de perceber o muito que ainda tinha para aprender, ganhei mais sensibilidade para o mundo do vídeo.

Ainda que considerasse que o

V Digital

tinha efetivamente qualidade na informação que partilhava com os seus leitores, o certo é que a audiência se manifestava pequena tendo em conta as expetativas da direção. Os conteúdos eram gratuitos e percebia-se que a fonte de receita do canal advinha da publicidade que era feita. Os editores de vídeo eram os que mais contribuíam para tal, isto porque nenhum dos jornalistas que trabalhava diariamente no canal fazia programas publicitários. Nesses, havia sempre um apresentador convidado.

Tendo em conta toda esta conjuntura, considerou-se pertinente analisar, neste relatório de estágio, a forma como o jornalismo online tem vindo a mudar as rotinas de produção jornalística e o jornalismo. Para tal, observou-se, de forma sistemática, as rotinas de produção jornalística, desde o surgimento dos factos, a todo o processo de apuramento dos mesmos, até à fase em que tais chegavam aos leitores através da plataforma online. Para tal, considerou-se importante tentar

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13

descobrir qual o papel do jornalista em todo este processo de produção jornalística online, perante todas as atuais potencialidades do meio, mas também exigências, tendo sempre por base todo o estudo de caso do

V Digital.

Com isto, espera-se contribuir para um maior conhecimento das atuais rotinas de produção do jornalismo, dos problemas subjacentes e equacionar possíveis soluções, tendo em conta o panorama nacional dos meios de comunicação social.

Num primeiro momento, este relatório de estágio dá conta da realidade da empresa, aquando da sua fundação, cruzando-a com as mudanças de que foi alvo. Tendo em conta que este relatório se baseia num estágio curricular, relatar-se-á as vivências mais marcantes, os desafios, as dificuldades e aprendizagens. Em toda esta descrição, tentou-se verificar o que a teoria tem vindo a dizer sobre alguns aspetos que foram vivenciados na minha experiência de estágio, com o objetivo de retirar reflexões.

De seguida, há um enquadramento teórico mais aprofundado que abordou temas que se evidenciaram pertinentes durante a experiência de estágio. Além disso, este enquadramento serviu de base à grelha aplicada no período de observação do estágio. Neste ponto, tentou-se entender quais as caraterísticas do jornalismo online, as estratégias da comunicação neste meio, assim como práticas de recolha e tratamento da informação. Perante a conjuntura que o

V Digital

atravessou nos primeiros meses de 2019, houve ainda espaço para averiguar o que dizem os teóricos sobre os modelos de negócio dos jornais atuais, nomeadamente online.

Depois desse enquadramento, define-se a metodologia adotada para um estudo empírico. Nesse capítulo, será abordada a discussão dos dados que foram recolhidos durante os três meses de estágio, através de observação contínua e participante. Assim, foi levado a cabo um estudo de caso a fim de compreender as rotinas de produção do

V Digital,

comprovado com dados concretos aquilo que foi falado ao longo do relatório de estágio, cruzando esses mesmos dados com o já comprovado com a teoria existente sobre os componentes analisados.

Depois de, no capítulo 1, se descrever toda a experiência de estágio; no capítulo 2, fazer-se o levantamento da teoria existente sobre as questões a investigar; de se mostrar o caminho da investigação, no capítulo 3, e implementar-se o trabalho empírico no capítulo 4, espera-se conseguir: a) analisar a produção noticiosa no

V Digital;

b) compreender de que modo estão patentes as características do webjornalismo neste canal; c) analisar a predominância de

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14

conteúdos pré-fabricados num meio de comunicação que se propôs a explicar os fenómenos com rigor e verificação de informação; d) verificar as linguagens predominantes no canal online; e) percecionar o papel do jornalista no processo de produção das notícias.

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15

Capítulo 1 – A experiência de estágio

A primeira fase deste relatório é dedicada a explicar o que era o

V Digital

no momento em que entrei na redação, em julho de 2018. Mas tendo em conta as alterações que o canal da

GMG

atravessou três meses após a sua fundação, com a mudança de diretor, foi feito um contraponto entre o que era e no que se transformou este meio de comunicação.

Seguidamente, faz-se um relato detalhado da minha experiência enquanto estagiária. Com este relato, espera-se conseguir mostrar o que era o

V digital

enquanto permaneci dentro daquela redação. A adaptação a um órgão de comunicação é sempre difícil, mas neste caso foi mais do que o esperado. Isto porque o canal tinha acabado de entrar no ar e isso fazia com que faltasse tempo à redação para me explicar quais as tarefas a desenvolver durante o estágio. Com tempo e persistência, a situação foi ficando mais fácil e até fui colocada no terreno a fazer entrevistas dois dias, após ter entrado naquela redação. Mas nem sempre as reportagens aconteciam no terreno. Esse trabalho integrou uma pequena parte dos três meses. Embora fosse mais fácil ficar sentada na redação a trabalhar os conteúdos pré-fabricados, o certo é que foi nas produções em que saí da secretária que estiveram as maiores aprendizagens e também dificuldades. Esta decadência do trabalho autónomo do jornalista, bem como a dependência das agências, será um dos pontos de reflexão. Também a linguagem do

V Digital

era distinta dos meios de comunicação onde já tinha estado, o que consequentemente exigiu grande preparação para ir para o terreno e, posteriormente, tratar os dados recolhidos. Por esse motivo, será explicada a dificuldade em torno desta nova linguagem, assim como as suas potencialidades. Todas as sextas-feiras decorria uma reunião de planeamento que delineava o trabalho semanal da redação. Era definida a publicação de conteúdo exclusivo do canal – ou seja, feito totalmente a partir do trabalho da redação e longe dos

press release

. Mas constatou-se, através da observação assistemática, que a maioria dos planeamentos não eram cumpridos. Por fim, e porque esse incumprimento poderia estar relacionado com a falta de recursos humanos, procurou-se perceber se neste canal havia a prática do jornalismo

multitasking

como consequência da quebra de receitas.

Deste modo, além de se procurar neste capítulo explicar a experiência de estágio, pretende-se também lançar um olhar crítico sobre o que foi desenvolvido e uma consequente reflexão acerca de cada situação vivenciada.

(16)

16

1.1. Apresentação da empresa

V Digital

O

V Digital

foi o “novo bebé” da

Global Media Group

(GMG), a empresa que detém meios de comunicação, como o

Jornal de Notícias, o Diário de Notícias, TSF e O Jogo

. Mas o

V Digital

era “uma nova forma de ver esse mundo”, tendo em conta que o objetivo passava por, mais do que informar os leitores sobre o que se passa no mundo, explicar os fenómenos 1.

Entrou no ar a 26 de maio e era um canal digital de vídeo que estava disponível através do telemóvel ou do computador e que pretendia um dia chegar à televisão. A ideia emergiu da ausência de uma televisão neste grupo de comunicação social e da perceção de que teria grande potencialidade. Em contrapartida, mais do que uma televisão, decidiram criar um canal de vídeo online, devido às preferências do público no que concerne ao consumo de notícias online (Cardoso, 2018).

David Pontes, o primeiro diretor do órgão de comunicação, projetou as suas ideias e criou um grupo de “visionários”. A equipa era constituída por 20 pessoas e contava ainda com o contributo de 14 marcas do grupo. Estas marcas contribuíram para que o

V Digital

partilhasse nas plataformas online destas 14 marcas os seus conteúdos, de modo a conseguir alcançar mais visibilidade no mercado. Há também o processo inverso em que, sempre que os conteúdos dos outros meios do grupo cumpriam os critérios de noticiabilidade do

V Digital,

eram partilhados por este meio de comunicação.No site era possível aceder a reportagens, programas, documentários,

podcasts,

alertas ou “à simples espuma dos dias” (Cardoso, 2018, §2). Ou seja, o novo projeto tinha conteúdos de produção autónoma ou desenvolvidos em parceria com as marcas

GMG.

O canal contemplava uma oferta variada de conteúdos, pensados para o consumo móvel e para as plataformas digitais. Afirma ainda ter conteúdos para todos os públicos, desde os mais jovens aos mais velhos, “com fontes fidedignas e de referência”2.

“A informação passará por aqui, com uma leitura inédita e pertinente das notícias”, afirmava a jornalista Ana Sofia Pinto, no vídeo de apresentação do canal digital. A editoria do canal pretendia, mais do que mostrar o que está a acontecer (tal como os outros meios de comunicação do grupo), explicar o que estava a acontecer no país e no mundo. Os vídeos seriam levados até ao leitor através das redes sociais, YouTube, site e aplicação albergam produções, quer exclusivas do

V

Digital

, quer os vídeos produzidos pelo restante grupo.

1 Informação retirada do site: https://www.voltaaomundo.pt/2018/05/26/global-media-group-lanca-novo-casal-de-video/noticias/351546/ 2 Informações retiradas da notícia disponível em: https://www.dinheirovivo.pt/empresas/v-um-projeto-de-video-no-digital-para-respirar-mais-fundo/

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17

“No

V

, promete-se ver a atualidade que marca a ordem dos dias, de forma alheia às grelhas e programações, sem compromisso, mas com a garantia da linguagem usada no mundo digital”: é assim que o canal se apresentava no comunicado do grupo de comunicação 3. David Pontes defendia a existência de “um cansaço das pessoas quer em relação às marcas digitais, ao

clickbait, quer em relação à informação constantemente atualizada”, como se pode ler na notícia

publicada online no jornal Dinheiro Vivo. “Temos uma variedade de conteúdos que vão desde a informação ao entretenimento, que se calhar, de outra maneira, as pessoas tinham de pescar de plataforma em plataforma ou de rede social em rede social”, explicou.

A equipa pretendia criar a sua própria forma de “contar o mundo”, criando uma personalidade, de modo a não serem vistos como um canal “agregador de vídeos”. Em entrevista ao

Dinheiro

Vivo

, David Pontes, que manteve as suas funções como diretor até julho de 2018, disse que o projeto pretendia “fazer diferente do processo de televisão: diretos em cima de diretos, e muitas peças construídas com

talking heads

e planos de corte”, algo que não é o desejado pelo consumidor do online, garantia. O objetivo inicial do projeto passava pela tentativa de equilibrar o volume de produção de vídeos ligados à atualidade, mas também daqueles que vão para além dela, como o entretenimento. David Pontes rejeitava a ideia de que o

V Digital

fosse um agregador de vídeos, à semelhança do YouTube, mas não rejeitava “ir buscar público a essas plataformas”, até porque considerava que o canal daria conteúdos de borla a quem “roubou receitas publicitárias”. O novo projeto assinala também a ambição do

GMG

no vídeo digital: “Há quatro anos iniciámos a liderança no digital e agora estamos a iniciar a liderança no vídeo, é essa nossa ambição, em todas as plataformas de vídeo”, dizia Luís Ferreira, diretor-geral comercial do

GMG.

A ideia era retirar o que de melhor produziam as outras marcas do grupo e construir conteúdos novos a partir desses. O objetivo era, também, levar o V Digital para plataformas

Over the Top

(OTT) e smartTV 4

.

3 Citação retirada de comunicado interno enviado pela Global Media Group, a 10 de julho de 2018, aquando da mudança oficial de direção do V

Digital

4 Citação retirada de comunicado interno enviado pela Global Media Group, a 17 de setembro de 2018, aquando da mudança oficial de direção do V Digital

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18

1.2. Uma reestruturação em três meses

Três meses após a sua primeira exibição, a direção do

V Digital

sofreu alterações. A 11 de julho, a redação recebeu a notícia de que David Pontes tinha deixado a direção do canal para assumir o cargo de diretor-adjunto do

Público.

5 Os meses que se seguiram foram de remodelações na

redação do

V

. Também o editor de redação de Lisboa, Pedro Rios, aceitou uma proposta de trabalho no

Público

e um mês depois, outra das jornalistas, Teresa Abecasis, saiu igualmente do

V Digital

, juntando-se à equipa de David Pontes. Em setembro, juntou-se ao

V Digital

José Machado, ex-assessor da direção na empresa

Produções Fictícias

, com o objetivo de fomentar a internacionalização da marca.

Depois disto, os meses seguintes foram de grande instabilidade. No entanto, trouxeram uma nova visão para o futuro do canal. Se o local para onde fui estagiar foi criado para explicar os fenómenos descritos pelos outros meios de informação do grupo, com esta mudança passou a estar ligado ao entretenimento e a desprender-se da informação.

A esta equipa, mais reduzida, juntaram-se dois novos rostos: Daniel Deusdado, antigo diretor de programação da

RTP

, e Sérgio Sousa, animador da Rádio Nova e colaborador em vários programas da

RTP.

. A direção continuou a contar com os membros de direção Pedro Tadeu, diretor adjunto, da

Global Media Play

, e Hugo Correia, subdiretor do

V Digital.

A comissão executiva informou oficialmente o grupo, no dia 17 de setembro, de que Daniel Deusdado seria o novo responsável pela área vídeo da

Global Media Play

, unidade de produção de vídeo da

GMG

. “A estratégia passa por gerir entre o acesso básico e acesso

premium

e, em consequência, produzir conteúdos que elevem a fasquia do que habitualmente se faz na Internet”, defendia Daniel Deusdado, via comunicado de imprensa.

A

Global Media Play

foi criada em Janeiro de 2018 dentro da

Direção de Novos Negócios e

Internacionalização

– liderada por João Moraes Palmeiro -, sendo o braço operacional deste subgrupo da GMG para os conteúdos vídeo de internet e televisão. Com o intercâmbio de conteúdos entre as marcas do grupo (nas quais o V Digitais estava incluído) conseguiu-se alcançar um público maior, por força do número de leitores que plataformas como o

JN

possuíam, ao contrário do

V Digital

que estava no mercado há três meses.

5 As informações referentes a esta mudança patentes neste ponto foram baseadas na experiência de estágio, bem como no comunicado de

(19)

19

1.3. A mudança na “forma de ver o mundo” após três meses

Com a nova direção, o

V

passou a ter novas práticas. Começou por diminuir o número de notícias que eram construídas a partir do

Wibbitz,

uma plataforma que disponibiliza conteúdos aos assinantes do seu serviço. Afastou-se gradualmente daquilo que era atualidade e passou-se a produzir maioritariamente entretenimento. A direção informou durante vários meses sobre a implementação de uma nova grelha de programação que, até março de 2019, nunca foi apresentada. Ao mesmo tempo, os jornalistas começaram a ver os seus contratos terminados com o

V Digital

e obrigados a procurar emprego noutro lugar. A incerteza do que viria a ser o

V Digital

era constante, principalmente pelo facto de dispensarem os jornalistas.

O

V

Digital

era um projeto recente que, apesar de ter nascido no seio de um grande grupo, arrancou de forma lenta e isso observava-se pelos números baixos de leitores que manteve durante, pelo menos, um ano. Segundo a gestora das redes sociais, Sara Ribeiro, “uma marca nova deve ser bem comunicada, seguindo um plano definido - especialmente quando há a possibilidade de utilizar outras marcas do grupo como meios de divulgação” (entrevista pessoal, 11 de outubro de 2018). Mas quem acompanhou o início do

V Digital

, bem como quem chegou posteriormente, como no meu caso, percebe que não foi o que aconteceu com este órgão de comunicação. Quando se nasce no digital e com uma aplicação própria, não é benéfico para a marca que a aplicação não funcione corretamente e era isso que estava a acontecer: desde vídeos que não abriam, desde à morosidade de outros até que começassem a reproduzir. A imagem que passava aos curiosos que iam, pela primeira vez, ver os conteúdos (e não conseguiam) não era, de todo, positiva. Os números do

V Digital

“eram muito baixos, reflexo da quase inexistência do

V

, que não foi comunicado e, por isso, parece que não existe”, salienta a gestora das redes sociais (entrevista pessoal, 11 de outubro de 2018).

Os acessos diários rondavam os 15 mil por dia em outubro, valores baixos em comparação com os demais órgãos de comunicação do grupo. Estes números foram consequência dos múltiplos altos e baixos por que passou a empresa, principalmente pela saída de David Pontes.

Mesmo com as reformulações que o projeto atravessou, o número de leitores continuava a não crescer. Não creio, por isso, que tais mudanças tenham sido positivas para o crescimento do canal, visto que os leitores estavam a habituar-se a um determinado tipo e estilo de notícias, que foi modificado. Criaram-se hábitos de leitura nos seguidores que foram alterados ainda numa fase

(20)

20

“embrionária” do projeto. Esta situação poderá ser vista de dois prismas. Se, por um lado, a mudança de conteúdos poderá ter quebrado os laços que os leitores criaram com o

V Digital

até ao período de viragem, por outro, os novos conteúdos poderiam ser mais apropriados às caraterísticas da Web, aumentando o nível de interesse dos antigos e até de novos leitores. No que concerne ao padrão dos leitores do

V Digital

, importa perceber por que plataformas mais acediam aos conteúdos. A maioria do tráfego era proveniente das redes sociais (essencialmente do

Facebook

), mas, tal como referido anteriormente, não houve investimento no lançamento da marca e os seguidores que tinham sido conquistados aos poucos, (apesar de se mostrarem “fiéis” nas visitas à página) pareciam “estagnados” nos 8.500. Estes números, comparados com os do

JN

que tem mais de 2.2 milhões de seguidores só nesta rede social, denotam o distanciamento da plataforma face aos demais meios de comunicação da

GMG

6.

Uma das medidas que parece ter obtido melhores resultados foi a possibilidade de publicar nas páginas de

Facebook

das outras marcas da GMG: com uma estimativa de duas publicações diárias em cada uma das 13 marcas, incluindo “gigantes” como o Jornal de Notícias, a escolha dos conteúdos a publicar, de acordo com o perfil dos diferentes públicos, foi uma das ações com maior impacto.

Figura 1: Comparação entre interação do conteúdo em V Digital e Jornal de Notícias

6 Informação obtida através da visualização da página de Facebook do Jornal de Notícias a 19/11/2018, acedido em:

(21)

21

Na publicação anteriormente apresentada pela jornalista Joana Ascensão, conseguimos perceber que há mais interação na publicação feita na rede social do

Jornal de Notícias

do que do

V Digital.

Se na primeira figura verificamos que o

V

alcançou 19 gostos, o

JN

alcançou 66. Ao mesmo tempo, a interação através de comentários é também contrastante: o

V

não reúne nenhum comentário ao contrário do

JN

, que obteve 21. No

site

, o mesmo conteúdo conseguiu obter 587 visualizações, sendo assim o segundo mais visto do dia 13 de setembro. O mesmo acontece com muitos outros exemplos pesquisados.

Figura 2: Estatísticas de site V Digital acedidas no dia 13 de setembro de 2018. Fonte: NewsGenX

(22)

22

Os números voltam a multiplicar-se neste exemplo, de 11 gostos para 44, com a publicação do

JN

a superar.

O facto de a maioria dos seguidores se encontrar no Facebook fez com que se observasse uma aposta maior nesta rede social. No entanto, os primeiros meses de existência do

V Digital

não permitiram alcançar o número de leitores que a direção desejava, como era afirmado pela redação. O objetivo principal do

V Digital

nas redes sociais prendia-se com a criação de interação com os leitores. Com poucos seguidores, esta tornou-se uma realidade difícil de alcançar. Além disso, as poucas publicações que foram promovidas (pelo departamento de Marketing do grupo) não faziam uso do conceito do projeto, isto é, de “mostrar um novo olhar sobre o mundo”. Isto porque a maioria dos conteúdos publicados vinha de agências de notícias e era partilhado em várias partes do mundo. A equipa que fazia a gestão das redes sociais do

V

, constituída por Sara Ribeiro e Elsa Rodrigues, dizia muitas vezes que não era consultada sobre o planeamento das publicações a promover, para evitar que artigos “menos trabalhados” se tornassem “cartões-de-visita” do

V

(entrevista pessoal, 11 de outubro de 2018).

Apesar de a interação ter aumentado até setembro de 2018, tal como revelam os números consultados por mim através do Google Analytics, a quantidade de “gostos”, partilhas e comentários nas publicações do Facebook é pouco significativa e aumentava apenas nas horas de maior tráfego - entre as 12h e as 14h. No entanto, os vídeos publicados diretamente no Facebook tinham maior alcance.

Todos estes fatores levaram a concluir que as metas não foram alcançadas. O mesmo acontece com os conteúdos aos quais os poucos seguidores reagem mais. Durante o período de estágio, foi possível observar que, no topo dos mais vistos, estavam, na maioria das vezes, conteúdos oriundos da ferramenta mais utilizada para os produzir, como o

Wibbitz

. A plataforma fazia chegar ao jornalista já conteúdos pré-fabricados, como veremos mais adiante. São, na maioria, informações ligadas à sexualidade, com imagens de figuras femininas com elevada exposição corporal, como foi o caso da notícia publicada pelo

V Digital

intitulada “O desafio deste verão? Virar o biquíni ao contrário”.

O

Wibbitz

era uma ferramenta bastante útil na produção em quantidade. No entanto, se o

V

seguisse a estratégia inicial de produção de conteúdos próprios que acrescentassem “um novo olhar sobre o mundo”,

o Wibbitz

deixaria de ser um recurso, pois muitas outras marcas, um pouco

(23)

23

por todo o mundo, contam exatamente as mesmas histórias “pré-fabricadas” da plataforma. Ironicamente, dos conteúdos mais vistos até à data de fim de estágio foram

Wibbitz

sobre temas relacionados com

Life style

, por exemplo, temas como a sexualidade, amor, moda, lar, entre outros

.

Isto poderá revelar as tendências dos leitores que se interessam mais porassuntos mais ligados ao entretenimento do que a informação. E, talvez por isso, no último mês de estágio assisti a sinais de mudança da programação que ligavam o

V Digital

ao entretenimento ao invés da informação. Dos formatos próprios, o “Quebra-Mitos” era o formato que mais visualizações alcançava. Tal formato procurava desmistificar questões cujas respostas tendem a ser (mal dadas) pelo senso comum, o que também se prende com a categoria de

Life style.

1.4. O estágio como uma realidade impactante

Situado na Rua Gonçalo Cristóvão, na Trindade, na cidade do Porto, estava o

V Digital

, o canal onde permaneci durante três meses para realizar o meu estágio curricular.

O anseio de ser uma “visionária”, termo que a equipa utilizava, nasceu aquando da apresentação do projeto por parte do docente da unidade curricular de Oficina de Jornalismo, Hugo Correia, que lecionou, no segundo semestre do primeiro ano de mestrado, a área da televisão. Este é subdiretor do órgão de comunicação e, entusiasmado com o projeto que vira nascer, apresentou-o a todos os alunos da turma. A recetividade a um estágio curricular foi enorme, pelo que não pensei duas vezes em deixar-me levar pela aventura de ver um novo meio de comunicação nascer, embora temesse que a instabilidade que um novo média pudesse atravessar, afetasse o meu percurso enquanto estagiária. A minha ambição em juntar-me aos “visionários” tornou-se uma realidade. Mas, o sonho realizado foi tão grande que, no dia 2 de julho, primeiro dia de estágio, nem queria acreditar no que estava a acontecer. Entrar no prédio do

JN

foi logo uma grande emoção, tendo em conta que tinha estagiado neste mesmo local um ano antes e tinha sido a melhor experiência académica da minha vida. A forma como fui recebida por todos os meus antigos colegas de trabalho superou qualquer expetativa que tinha deste dia. Estava, portanto, a começar com o pé direito, muito embora temesse que o desfecho deste estágio não fosse tão animador como o primeiro dia.

Foi Miguel Coutinho, jornalista do

JN

, quem me acompanhou à secção do

V Digital

. O espaço não era estranho, pois era o local onde estava a

Global Imagens

, que frequentava quando estive a estagiar na licenciatura e onde estavam os repórteres de imagem. Rapidamente conheci a equipa

(24)

24

do

V Digital

que me proporcionou uma boa receção. Não eram tantos como na redação do

JN.

Eram apenas dez pessoas que pareciam ter um nível de cumplicidade muito grande com o projeto. O ambiente foi das primeiras coisas de que gostei no

V Digital

. O facto de ser uma redação constituída por pessoas com idades compreendidas entre os 23 e 40 anos fez com que me sentisse um pouco mais confortável. Havia, entre estes dez colaboradores do

V,

dois estagiários que, rapidamente, me acolheram e me mostraram “os cantos à casa”. Sabiam, portanto, aquilo que eu estava a sentir.

Toda a redação fez-me lembrar rapidamente o conceito de conceito de webjornalismo, adotado neste relatório de estágio. Segundo Canavilhas (2003), o jornalismo feito na web deve ter uma linguagem específica, ou seja, ser pensado perante as potencialidades do meio e segundo as plataformas onde os conteúdos vão estar disponíveis ao leitor. O meio por onde a informação se propaga e o tipo de informação propagada alteraram a forma de produção noticiosa, bem como a forma como o leitor lê/vê o mundo (Canavilhas, 2003). Foi a partir deste conceito de

webjornalismo

que o meu estágio se desenrolou.

No

V Digital

nada se revelou semelhante às redações dos demais órgãos de comunicação por onde já tinha passado. Ali, havia uma direção muito próxima dos seus colaboradores e princípios de cordialidade incomuns, como o cumprimentar com beijinhos sempre que alguém chegasse à redação. Ao mesmo tempo, havia um ambiente de trabalho silencioso, calmo, que dava condições aos jornalistas e demais constituintes da equipa para desempenharem as suas funções longe do ambiente frenético que, geralmente, envolve as redações. Não havia telemóveis a tocarem constantemente, nem jornais a voarem entre jornalistas. Este foi um dos pontos que considerei mais vantajoso. O facto de a redação do

V digital

estar longe da redação do

JN

– embora permaneça no mesmo andar do prédio situado na Trindade – resulta num ambiente calmo que dá a possibilidade aos jornalistas de se concentrarem. Um princípio para um bom rendimento laboral, bem como para um jornalismo realizado longe da desconcentração que, consequentemente, resultou num trabalho sem grandes lapsos, verificado ao longo dos três meses, da minha parte.

Em contrapartida, embora o

V Digital

tenha chegado aos leitores apenas a 26 de maio de 2018, o certo é que já existia um elevado volume de trabalho. Isto porque o

V Digital

, além de tratar de assuntos da atualidade, tinha igualmente programas semanais e, ainda, parcerias com empresas a quem fornecia anúncios publicitários. Por esse motivo, as exigências do

webjornalismo

aliadas

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25

a uma redação pequena proporcionaram um estágio repleto de experiências, longe da mera tarefa de leitura de jornais. E felizmente percorrer os jornais tornou-se uma constante, não como a única atividade que me ocupava o dia, mas antes como forma de perceber o que de interessante integrava a imprensa, que pudesse vir a tornar-se num conteúdo

V Digital.

Tal como defende Macedo (2012), um jornalista tem de “conhecer e manejar formas culturais que o tempo amadureceu e a vida continua a usar” (Macedo, 2012, p.12). Essas formas são, também, a informação que circula entre o cidadão através de diferentes linguagens e meios de comunicação (Macedo, 2012). Foi esse o princípio que tentei seguir enquanto estagiária, tentando posicionar-me como profissional de informação que está predisposto a verificar os factos, assim como aprofundá-los (Macedo, 2012).

1.5. A adaptação à linguagem

V Digital

Falar em

V Digital

implica falar em “ver o mundo”, dizia quem por lá trabalhava, justificando com o facto de a informação ser contada, essencialmente, através de elementos visuais (julgava eu). Por esse motivo, o trabalho jornalístico no

V Digital

mostrou-se completamente novo face aos meus conhecimentos. Embora já haja uma forte aposta por parte das universidades em preparar os seus alunos para o webjornalismo, o certo é que, mesmo assim, não me considerava preparada para a nova experiência. Senti que não estava num local confortável em termos de conhecimento. Esperava que o meu orientador me explicasse um pouco mais do que iria fazer e como deveria fazer. Mas isso não aconteceu. Rapidamente foi possível perceber que a direção deste órgão informativo ainda estava a definir o caminho iria seguir. Por isso, o tempo escasseava para qualquer esclarecimento.

No entanto, a falta de tempo dos jornalistas para me ensinarem a trabalhar segundo as normas

V

não foi encarada como um ponto negativo do meu estágio. Pelo contrário. Foi o fator que mais espoletou a vontade de descobrir mais sobre o canal e aprender sozinha através da observação e imitação. Portanto, nem sempre a ajuda é um bom aliado. Por vezes, a iniciativa tem de partir de nós. E foi esse o caminho que marcou os três meses de jornalismo “à

V Digital

”. Porém, é de ressalvar que houve um sentimento de “não pertença” e de “inadaptação” no início do estágio, mas que talvez tenha sido normal, tendo em conta a minha posição dentro do

V.

O estágio é uma unidade curricular do mestrado, com um peso de 60 créditos, o que denota a sua importância enquanto escola prática de aprendizagem. Nesse sentido, considero que a equipa

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26

V Digital

não adaptou o seu comportamento para comigo, embora entenda que a falta de atenção nos primeiros tempos se tenha devido às sucessivas alterações no meio. Ao contrário da experiência de estágio anterior, no

JN

, não houve uma orientação inicial e senti que toda a redação me tratou, durante os três meses de estágio, como jornalista e não estagiária, o que, de certa forma, demonstrou que consegui desempenhar o papel de jornalista dentro do órgão de comunicação. Era frequente ouvir: “até me esqueço que não estás mesmo cá a trabalhar”. Palavras que serviram de motivação para fazer mais e melhor, mas que se traduziram numa inadequação do canal ao meu verdadeiro papel dentro dele – estagiária.

A procura pelo esclarecimento sobre o papel que iria desempenhar dentro deste órgão de comunicação começou com o olhar ao meu redor. Na redação do

V Digital

havia papéis colados nas paredes que comunicavam e muito! O primeiro papel dizia “KISMIF: Keep it simple make is fast”. Não percebi muito bem o que era aquilo, pelo que decidi perguntar à editora Ana Isabel Pereira. A mesma mandou-me um documento que se mostrou muito útil, o livro de estilo do

V

Digital.

“KISMIF” é o mandamento explícito numa das paredes da redação do

V Digital

, como já referi. A ideia inicial dos membros fundadores do canal assentava na simplificação do trabalho, que deveria ser feito de forma rigorosa mas rápida. Porém, observei o resultado contrário: quando não havia tempo e o conteúdo tinha de ser produzido, a informação não era rigorosa, muito embora considere que o

V Digital

não seguia a política de “fazer pressão” sobre os seus colaboradores. Porém, os jornalistas sabem que os conteúdos têm de ser produzidos e fazem-no com recurso a notícias que chegam até eles já pré-fabricadas e que são reescritas, muitas vezes, sem a sua confirmação. Quando os conteúdos passam por questões de escrutínio jornalístico, tornam-se trabalhos morosos, o que nem sempre é bem visto. Não aconteceu comigo, mas observei várias situações destas. Um jornalista estagiário profissional foi pressionado a editar brutos de uma reportagem gravada há vários meses, em 24 horas. O resultado foi simples – o incumprimento do prazo estabelecido. O mesmo foi alvo de críticas devido ao seu atraso, o que o deixou de tal modo pressionado que o resultado foram erros patentes no vídeo. O facto de haver várias pessoas, para além da editora, a corrigirem um trabalho, criava muitas vezes situações confusas. Isso complicava o trabalho do editor e do jornalista que, muitas vezes, tinha de alterar mais de duas vezes os vídeos, consoante duas ou mais opiniões sobre o mesmo. Isto resultava em atrasos na entrega dos trabalhos. Este processo aconteceu aquando da minha segunda reportagem como pivô, em que o editor de vídeo e câmara projetou na sua mente uma reportagem em que eu era o guia da

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27

mesma. O diretor foi o primeiro a ver e disse que deveria ser alterado apenas o fecho, porque assemelhava-se demasiado ao trabalho desenvolvido pelas televisões e um dos mandamentos do canal era “A internet não é TV”. Depois, a editora Ana Isabel Silva viu e considerou que a reportagem em nada cumpria o estilo do

V Digital

. Também os planos do operador de câmara foram alvo de críticas distintas: para uns, as belas filmagens dos produtos podiam gerar a ideia de que se tratava de uma publireportagem; para outros, espelhava a qualidade do operador de câmara. É sabido que o consenso é difícil de alcançar mas, no caso desta produção informativa e de outras, até jornalistas opinavam sobre as reportagens uns dos outros. Porém, esse é o papel da editora, que se confundia diariamente face às sucessivas tentativas de desempenho do seu papel.

Mas à parte destes princípios, noutra das paredes encontravam-se os dez mandamentos deste órgão de comunicação social:

Figura 4: Os 10 mandamentos do V Digital

Relativamente a estes mandamentos, percebi, ao longo do período de estágio, que alguns eram efetivamente aplicados, mas que outros não. De facto, a rotina de produção de conteúdos distinguia-se da televisão. O pensamento dos jornalistas era distinto e atendiam a caraterísticas da web e não da TV. Deste estudo autónomo para entender o meio onde estava, percebi que “a internet não é TV”, tal como o primeiro “mandamento do

V Digital

afirma. Esta primeira regra do enquadrava-se na perspetiva de Canavilhas (2003) que considera um desperdício apresentar os mesmos conteúdos, bem como os mesmos formatos tradicionais, na esfera online. Isto porque o meio potencializa outras formas de observar o que se passa no mundo e a forma como o transmitimos aos leitores. Embora esta teoria de Canavilhas (2003) tenha sido defendida há 15 anos, o certo é que continua atual e parece que os meios de comunicação atentam cada vez mais às diferenças de conteúdo consoante os meios onde os mesmos são divulgados.

(28)

28

No que concerne ao mandamento “Não serás aborrecido”, pode afirmar-se que, em meu entender, foi respeitado. Ao longo do estágio fui-me apercebendo de que não ser aborrecido significava, principalmente, não ultrapassar os dois minutos de reportagem. O tempo era outro dos mandamentos: “Não ultrapassarás os dois minutos na tua peça”. Este cruzava-se com o segundo, tendo em conta que defendiam ambos que os vídeos longos devem ser evitados. Porém, este mandamento nem sempre era cumprido. Em alguns dos meus trabalhos cheguei a realizar conteúdos que tinham cerca de três a quatro minutos. Porém, para que a questão do tempo fosse minorada, era necessário tornar a peça atrativa o suficiente (com grafismos, vários entrevistados dentro da narrativa, entre outros elementos). Assim, considero que o mandamento número dois e o mandamento cinco estão intimamente ligados, ou seja, para os conteúdos poderem ultrapassar os dois minutos, têm de ser atrativos, mostrar ritmo e fluidez da narrativa, para que o leitor não o ache aborrecido e desista de ver antes do fim.

A questão da

voz-off

7 levanta várias dúvidas, no que respeita à sua pertinência na integração das regras de produção noticiosa. Embora nunca tenha realizado peças com

voz-off

, o certo é que verifiquei que outros colegas recorriam à narração do texto, a fim de complementarem a informação adquirida através das entrevistas. Por exemplo, a explicação de fenómenos sociais ou astronómicos foi várias vezes conseguida através de grafismos aliados à

voz-off.

Nas últimas semanas em que estive a estagiar, foi dito à redação, pelo novo diretor, que a questão da

voz-off

deixaria de integrar os mandamentos. Isto porque, além de ser uma regra que não estava a ser cumprida, era uma regra “que nem sempre faz sentido”. Ou seja, chegou-se à conclusão de que a

voz-off

acarreta vantagens e pode até simplificar o trabalho do jornalista, caso sejam cumpridos outros mandamentos do

V

, como a realização do trabalho, de forma simples e rápida, questão que explorarei mais adiante neste relatório de estágio.

No que respeita ao mandamento número sete, isto é, “deves legendar sempre os teus vídeos”, considero que este é um dos mais importantes para o meio. Esta advém das exigências da web, como a hibridez, caraterística cada vez mais visível nos órgãos de comunicação social online, em que diferentes linguagens se aliam, de modo a criarem uma nova, combatendo as debilidades que cada uma, na sua individualidade (Santaella, 2012). Por esse motivo, a web é, só por si, um meio com uma linguagem própria. Esta é “baseada nas potencialidades do hipertexto e construída em torno de alguns dos conteúdos utilizados nos meios existentes” (Canavilhas, 2003, p. 64). Durante

7 Corresponde à narração de texto em que o jornalista se dirige diretamente ao telespetador sem estar visível na peça. O jornalista narra informações que explicam aquilo que é visionado nas narrativas (Silva, 2013)

(29)

29

a minha experiência de estágio, o

V Digital

foi-se adaptando-se ao meio online. Inicialmente, os conteúdos da imprensa escrita eram transportados para o site do

V

e apresentados ao leitor, através de uma fotografia do acontecimento e do texto que noticiava os factos. Mas, tal como Canavilhas (2003) dizia há 15 anos, os média têm de se adaptar às caraterísticas do meio onde se inserem, e foi isso que o

V Digital

foi fazendo, de forma progressiva. Com o passar do tempo e, principalmente, com a entrada do novo diretor para o canal online, foi solicitado aos jornalistas que não produzissem conteúdos semelhantes à televisão, como forma de alcançarem a distinção entre os inúmeros meios de comunicação nacionais. Se analisarmos os conteúdos de televisão, percebemos o esquema da sua linguagem, tal como ilustra a figura 5.

Figura 5: A hibridez das linguagens na televisão

Quando comparado este género de produção noticiosa com os conteúdos do

V Digital

, percebemos que a linguagem se altera face à da televisão. O

V Digital

dava especial destaque à linguagem visual. A linguagem sonora não estava presente através de

voz-off

, porque um dos mandamentos do

V

o proibia. Isso fez com que aquilo que estava a ser transmitido através das imagens tivesse de ser suficientemente claro e alusivo às informações escritas para se perceber a informação. Ou seja, essas legendas - elemento textual - ganham também um maior poder nos vídeos do

V,

quando comparados com a televisão. Neste último existe a

voz-off

que conta a história e o elemento textual dá apenas apontamentos sobre a informação dita. Já no meio de comunicação em análise toda a informação é comunicada pelo vídeo e texto, sendo que a componente sonora serve apenas para criar emoção ou transmitir sons ambientes.

(30)

30

Considero que a legendagem dos vídeos é muito pertinente. Isto porque nem sempre os leitores acedem à informação em locais onde podem escutar o som das peças jornalísticas. Ora, se aquilo que estiver a ser comunicado pela linguagem sonora for transmitido pela linguagem textual, o leitor consegue entender a informação da narrativa jornalística na sua totalidade. Este é um exemplo claro da potencialidade da hibridez das linguagens que, aliadas, cumprem a sua função representativa. “As imagens não produzem o mesmo mecanismo de transformação, de maneira que as palavras, ao serem lidas, criam imagens. Na leitura há um esforço criativo e intelectual que quase é eliminado com o visual” (Llosa, 2015, §3).

Mas a audição e a visão são “sentidos da distância”, ao contrário do paladar, o olfato e o tato, que são “sentidos da proximidade” (Menezes, 2016, p.22). Isto significa que estes “sentidos da distância” são fundamentais no processo de comunicação mediada. Talvez, por isso, os conteúdos do

V Digital

possuíssem sempre um fluxo contínuo do som aliados a elementos visuais, como imagem e texto, como ilustra a figura 3.

Figura 6: Hibridez das linguagens no V Digital

No caso ilustrado anteriormente, há uma associação entre as experiências traumáticas e os sons. A música varia consoante os sentimentos que o jornalista pretende transmitir. Por esse motivo, o

V Digital

deixou que houvesse momentos em que a música se tornava na linguagem predominante, no que concerne à significação que gera na mente do leitor. Nesses momentos, introduzia apenas

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31

legendas que resumiam informação concordante com o sentimento transmitido pela musicalidade que envolvia a peça jornalística. Portanto, há efetivamente uma complementaridade entre as linguagens e a exploração das potencialidades de cada uma. Este é o lado em que o

V

se mostra mais original. Uma novidade. Pelo menos para mim. Se escrever sucintamente foi a maior dificuldade que senti durante o meu estágio, escrever a partir de frases curtas, como legenda que completa o visível das imagens, tornou-se ainda mais complexo.

Nas primeiras duas semanas considerei que tinha vindo para o sítio menos apropriado para mim, enquanto estagiária. A ausência de

voz-off

, aliada ao facto de a sua linguagem assentar em vídeos com uma extensão máxima de dois minutos, fez com que passasse demasiados minutos à volta de um vídeo. Achei que estava a desiludir a redação com esta lentidão. Isto porque existia em mim uma extrema dificuldade em adaptar-me à nova forma de construir narrativas.

Mas o que mais me espantou foi o facto de o entrevistado ter que estar a olhar para a câmara. Recordo-me daquilo que me foi ensinado, quer na licenciatura quer no mestrado: deve “dar-se ar” na imagem consoante o olhar do entrevistado. A forma como vemos e lemos as imagens cinematográficas é, em grande medida – e para além da cultura e rotinas visuais do espetador – “o resultado das opções do realizador no que respeita à escolha e organização dos planos8 (Nogueira, 2010, p.13).

8 Unidade mínima da linguagem cinematográfica, isto é, um segmento ininterrupto de tempo e espaço fílmico, ou seja, uma imagem contínua entre dois cortes ou duas transições (Nogueira, 2010)

Plano Womens Health

Plano V Digital

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32

Se atendermos à citação anterior de Nogueira (2010), podemos afirmar que o

V Digital

adotou uma nova forma de fazer os planos em situação de entrevista. E, no meu ponto de vista, esta forma é a melhor em várias perspetivas: primeiro, porque dá a ilusão de que o entrevistado está a falar diretamente com o leitor, logo é também uma forma de gerar mais proximidade com o público; por outro lado, torna-se mais fácil, no que concerne à captação de imagem, pois basta o entrevistador colocar-se junto do operador de câmara, diminuindo o risco de maus planos e, consequentemente, más interpretações da imagem. No entanto, colocar o entrevistado a olhar diretamente para a câmara transmite a ideia de que está a falar diretamente com o leitor. Com isso, o papel do jornalista, enquanto mediador, parece desaparecer. Este é um dos aspetos que faz questionar qual o papel do jornalista no

V Digital

, pergunta à qual tentar-se-á dar resposta neste relatório de estágio. É sabido que o tipo de planos que é usado gera significação diferente na mente do leitor. Os planos têm força e capacidade de significação distintos entre si. Por exemplo, os planos próximos permitem conhecer melhor a pessoa que está a falar, assim como o plano picado, que gera uma ideia de grandeza/ enaltecimento da pessoa entrevistada (Oliveira, 2007). Ao longo do estágio não consegui entender o antepenúltimo mandamento: “o entrevistado não se senta, não o queremos confortável”. Porque é que o entrevistado não pode estar confortável? O leitor deve perceber que o entrevistado está constrangido ou nervoso durante a entrevista? Não obtive resposta para estas questões mas o certo é que me apercebi de que há riscos para a adoção destes planos. Por exemplo, na reportagem intitulada “Gaivotas a mais? Este investigador diz ter solução para o problema”, realizada por mim, o entrevistado colocou as mãos nos bolsos, parecendo que estava muito tenso. Por causa da má qualidade sonora, a entrevista teve de ser repetida, mas, antes de sair para a rua, a minha editora pediu-me que, de forma delicada, pedisse ao entrevistado que não colocasse as mãos nos bolsos. Com isto pretendo dizer que tive melhores resultados, quando os entrevistados estavam sentados do que em pé e, por isso, não considero que este deva ser um mandamento, mas antes uma opção a tomar, consoante o entrevistado que tenhamos. Por outras palavras, penso que se deve atender ao ambiente que se tem no momento, em vez de se cumprir um mandamento.

1.6. A primeira aventura: a alavanca para o jornalismo no terreno

No primeiro dia de estágio, a editora pediu-me que escrevesse uma notícia do género das que estava habituada a fazer na imprensa online. A partir de um conteúdo vindo da

Agência Lusa

,

(33)

33

escrevi um texto e publiquei-o juntamente com uma fotografia. Neste primeiro contacto com o

V

Digital

questionei-me sobre a utilização deste formato de apresentação das notícias – exibidas ao público apenas com texto e uma imagem - uma vez que o canal se apresentava como sendo de vídeo. No entanto, associei a opção da jornalista Ana Isabel Pereira ao facto de ser o meu primeiro trabalho na redação. E, de facto, esta foi a única vez em que produzi conteúdos desta tipologia. Logo no primeiro dia, foi-me feito outro pedido: pesquisar sobre uma exposição intitulada "100 Dollar Bills Y'All", a fim de agendar uma reportagem no local da exposição. Fiquei surpreendida, contente até, mas ao mesmo tempo com medo deste desafio. Isto porque, por mais que tivesse feito um trabalho de pesquisa sobre o género de conteúdos pretendidos no

V

antes de iniciar o estágio, sentia falta de uma explicação sobre as minhas funções. O meu trabalho autónomo permitiu perceber o que os meus colegas costumavam fazer, tal como explanado anteriormente. Parti do conhecimento que me foi transmitido durante o meu percurso académico, no que concerne às etapas de produção de uma narrativa. Levei a cabo uma pesquisa online sobre a marca organizadora da exposição e percebi o que ia encontrar no local. Depois, contactei a minha fonte de informação, sendo que a mesma me explicou que poderia falar, quer com ela, quer com o seu companheiro, também mentor do projeto. Após saber quem seriam os meus entrevistados, decidi delinear as perguntas que fariam parte da entrevista.

Em todo o caso, existiam algumas questões que me deixavam inquieta: sabia que seria o meu primeiro contacto com a produção de vídeo. Mas, não sabia ao certo quais as etapas da produção audiovisual que regiam a atividade do

V Digital

. Foi-me apresentado o meu colega de trabalho, o editor de vídeo e câmara, César Sousa, um dos melhores profissionais e colegas com quem tive oportunidade de trabalhar. Embora já tivesse mais de 20 anos de experiência, percebeu que eu era estagiária, mas, nem por isso, me fez sentir como tal. Pelo contrário. Tomou a iniciativa de vir conversar comigo e explicar-me o que tinha em mente para o trabalho que tínhamos em mãos. Valorizei esta atitude, pois, embora saiba bem ser tratada como jornalista, o certo é que ainda não o era, sinal de que ainda tinha muito para aprender. Considero que o editor de vídeo foi dos poucos que agiu comigo como estagiária, ensinando-me muito daquilo que ele sabia. Os seus ensinamentos foram muito importantes para o meu percurso enquanto principiante. A sua vasta experiência fez com que me sentisse um pouco mais segura. No entanto, tentou colocar-me à prova, fazendo-me aparecer, logo no primeiro dia, num vivo. Foram os cinco segundos de pivô mais sofridos de toda a minha vida.

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