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Capítulo 2- Enquadramento Teórico

2.1. Caraterísticas do meio online

2.1.4. A instantaneidade

Da correria desesperada pelas audiências, num ambiente em que, quase todos, falam sobre os mesmos temas, emerge a necessidade de ser o primeiro a noticiar, para mostrar que se é o mais atento e original. Com isso, os média tentam captar a atenção do leitor para melhorarem as audiências.

Em 1985, Aurélio Cunha levou anos a escrever uma reportagem, sobre casos de sangue contaminado, ao serviço do Jornal de Notícias (Cunha, 2015). O caso terminou cinco anos depois do início das investigações. Aurélio Cunha conta que em 1985 chegou-lhe, via telefone, uma denúncia, por parte de uma fonte sua, Gina. Anunciava que via diariamente vários homens que iam até ao pátio do prédio onde morava para “espreitar as pernas das senhoras visto que, como o elevador estava avariado, tinham de ir pelas escadas” (Cunha, 2015, p. 121). Naquela altura, aparentemente nada havia ali de notícia, mas Aurélio Cunha decidiu investigar o caso. Soube que os homens iam todos os dias até ao segundo andar do prédio de Gina. A pesquisa revelou-se muito morosa, comparativamente às investigações que se levam a cabo atualmente. Para obter informação, o jornalista teve de ir até ao local.

Esta prática, atualmente, é muito descurada, tendo em conta que as tecnologias permitem aceder à informação sem a deslocação do jornalista, já que é possível fazer-se trabalho de investigação através das ferramentas que a tecnologia colocou à disposição do mesmo.

Ainda assim, no caso de Aurélio Cunha, infiltrou-se e fingiu ser um daqueles homens que iam até ao segundo andar do prédio: fez-se passar por um mendigo que dava sangue para obter uma esmola.

Começou a minha inquietação. Em dias de folga comecei a frequentar tabernas e, também, as filas da sopa dos pobres, na ordem da Trindade e na Casa de Saúde da Boavista, a fim de me infiltrar junto daqueles que vendiam o sangue. (Cunha, 2015, p. 122)

Descobriu que o sangue das transfusões não era controlado e que muitos dos homens estavam infetados com o vírus da Sida. Fruto desta situação, aumentaram os casos de infetados com essa doença (Cunha, 2015).

Agora, com as novas tecnologias e a ânsia de publicação primeiro do que os concorrentes, o tempo dedicado a cada investigação tornou-se, tendencialmente, menor. Também os públicos exigem que a informação seja veiculada ao segundo. Os jornais já não estão presos aos tempos de

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impressão que condicionava a informação. Por isso, parece não haver condicionantes à proliferação da informação no imediato com o webjornalismo. “Os repórteres tinham de recolher informação para a estória, escrevê-la ou editá-la em algum tipo de unidade de produção e, então, passá-la para outros que a reeditavam, diagramavam, programavam, imprimiam e distribuíam” (Bradshaw, 2014, 115). O momento de acesso à informação, por parte dos leitores, dependia da velocidade com que cada etapa fosse realizada. Atualmente, o ritmo de produção é distinto e tem possibilitado a alimentação das redes com publicação de meia em meia hora, por exemplo. Ao mesmo tempo, há um jornalismo sem fronteiras. Saber quem é o leitor de um determinado jornal torna-se difícil. Mas com o webjornalismo chegamos a um estado em que até um jornal local é global. Quando uma notícia é publicada no meio online, o seu autor deixa de conseguir controlar quando e onde vai ler a sua notícia. Há, assim, um espaço de convergência e universalidade (Bradshaw, 2014).

Mas o facto de o jornalista já não estar limitado a questões físicas para recolher informação gera “um outro lado da moeda”. Também o cidadão comum pode fazê-lo e, por vezes, de forma mais rápida do que o próprio jornalista que está mergulhado em múltiplas tarefas. O leitor poderá estar com total disponibilidade, estar no local da ocorrência, com ferramentas de captação de informação. Tal facto tem originado uma crescente pressão para simplificar as rotinas jornalísticas, algumas das quais determinantes na qualidade do conteúdo jornalístico, até porque os jornais têm optado pelo imediatismo em detrimento dos trabalhos morosos. Para que o jornalista consiga publicar primeiro que o próprio “repórter cidadão”, muitas vezes o trabalho não é revisto nem supervisionado pelo editor (Bradshaw, 2014). Com todas estas mudanças, começou a ser recorrente criar notícias constituídas por duas linhas – jornalista e leitor – em que a exatidão pode ser descurada em detrimento da publicação no imediato.

Há também outro fenómeno: incentivar os leitores a colaborarem gratuitamente. Vai contando ao jornalista, que está na sua secretária, aquilo que está a acontecer no local, evitando o envio de uma equipa para realizar a cobertura que o cidadão repórter está a fazer (Bradshaw, 2014). Há quem diga que o jornalista ainda é, e deve ser, cético ao uso da informação que lhe chega, por exemplo, por parte de um leitor via Facebook, já que o jornalista não sabe sequer se quem está a falar é quem vê na fotografia de perfil. Mas Bradshaw (2014) defende que aquilo que os jornalistas estão a sentir agora é o mesmo que sentiam quando os telefones surgiram. O problema não é a utilização daquilo que chega pelo online, mas antes da falta de conhecimento de formas de

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verificação de informação neste meio. Na minha primeira semana de estágio, a

GMG

ofereceu uma sessão formativa aos colaboradores – na qual estive presente – que teve por objetivo dotar os profissionais de técnicas de verificação de informação. A intenção era dotar-nos da capacidade de detetar, através de ferramentas online, notícias falsas. Esta é também uma das vantagens do online: se, por um lado, permite a disseminação em massa de notícias falsas, permite também mecanismos para as detetar.

Assim, esta sessão tornou bastante útil, pois consciencializou os ouvintes para os perigos da instantaneidade. A memória, caraterística anteriormente mencionada, auxilia os jornalistas a verificarem se há registo da informação que lhe chega. Existem outras técnicas de verificação da informação, como a utilização do

frame-freeze

, para vídeos (verificar, por exemplo, se as condições meteorológicas condizem com data e local), verificar o contexto da comunicação, dados do perfil de quem comunica (quanto tempo é que existe aquele usuário, a sua rede de amigos, entre outros). Também o código que é subjacente à comunicação online encaminha para a origem do vídeo e concede informação sobre quando foi gravado e publicado. Há, também, softwares que permitem verificar se o vídeo ou o áudio do mesmo foi manipulado (Bradshaw, 2014).