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Capítulo 2- Enquadramento Teórico

2.1. Caraterísticas do meio online

2.1.5 A personalização

Com todas estas mudanças, percebe-se que há um processo facilitado em várias frentes no webjornalismo: a publicação já não precisa de uma grande máquina para imprimir os conteúdos, os jornalistas já não têm de se mover sempre até ao local e o processo de escrita alterou-se. A maior dificuldade deixou de centrar-se em “como publicar a informação” e passou a focar-se em manter esse conteúdo como o mais relevante para a audiência (Lorenz, 2014).

Na Internet há muito mais formas de comunicar para além dos média e, por isso, importa marcar a diferença diante dos demais canais de informação. O caminho da personalização é entendido como o percurso a seguir para conseguir não só captar a atenção dos leitores, como também os prender para sempre. Mas falar em personalização é fazer alusão à capacidade dos média responderem às necessidades individuais do público. Este foi um caminho que o

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tentou traçar. A própria segmentação dos programas visou dar resposta a algumas das necessidades. Exemplo disso era o programa “Quebra-Mitos”, nascido da curiosidade da população em saber se algumas situações em que acreditamos são verdade, à luz da ciência.

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Também o facto de a população poder escolher o que quer ver, consoante aquilo em que tem interesse, é uma das potencialidades do online. Há várias opções de oferta baseadas nas preferências e necessidades do público-alvo (Lorenz, 2014). Ao passo que, ao assistir ao noticiário da televisão, por exemplo, o telespetador é obrigado a ver as notícias que são escolhidas pelo canal como essenciais, perante critérios de noticiabilidade, mas que o leitor em nada pode intervir, no online isso muda. Se uma pessoa mostra mais interesse por conteúdos nacionais, não tem como fugir aos conteúdos de índole internacional num noticiário televisivo. Já no online, como a escolha parte da interação do leitor, ele vê aquilo que lhe interessa. Também com os algoritmos das plataformas informativas, os conteúdos principais que observamos, por exemplo, no destaque do Facebook, chegam ao leitor pela preferência que já manifestaram e que ficou registada. No entanto, isto levanta alguns problemas. O utilizador passou a ver apenas aquilo que é fruto de combinações de sinais que são levados em conta através de algoritmos, que incluem apenas aquilo que vemos com frequência e excluem aquilo que menos vemos (Poell & Dijck, 2014). Isto dá ao leitor uma nova lógica de conhecimento, que não depende da sua escolha autónoma, mas da combinação feita através de uma máquina que julga dar-nos aquilo que queremos ver. Os algoritmos recolhem dados sociais e oferecem informação personalizada (Poell & Dijck, 2014). Com esta personalização, acontece que, embora, por exemplo, o

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produzisse em média 13 conteúdos12 por dia, nem todas as pessoas que seguiam o meio de comunicação nas redes sociais teriam esses conteúdos no seu

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de notícias das redes sociais. Ou seja, cada rede social mostra ao seu leitor o conteúdo que, perante o algoritmo (que analisou vários aspetos relativos ao seu gosto) ele quererá ver, de forma a que a informação seja personalizada (Borgesius et al, 2016). Mas com a personalização crescem as preocupações com estas “filter bubble”, que podem limitar a diversidade de conteúdo com que as pessoas estão em contacto.

Essa personalização levou a preocupações com bolhas de filtro e exposição seletiva: conteúdos e serviços personalizados podem limitar a diversidade dos conteúdos dos média aos quais as pessoas estão expostas e, desta forma, ter um efeito adverso no discurso democrático, na mente aberta e num público saudável. (Borgesius et al, 2016, p.2)

Estes filtros podem fazer com que haja a proliferação de correntes de pensamento extremistas e conservadoras, por exemplo. Se o algoritmo perceber que o leitor lê artigos “de esquerda”, vai oferecer-lhe apenas mais artigos “de esquerda”, reforçando apenas a sua ideologia e não lhe

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permitindo fazer leituras de outras correntes de pensamento (Borgesius et al, 2016). Este pode ser um dos perigos da personalização. Ainda sobre esta questão do algoritmo, Lorenz (2014) alerta também que medir audiências através de algoritmos pode ser perigoso, assim como tentar chegar a massas ao invés de públicos mais pequenos. O autor defende que é nos grupos mais restritos que se encontram públicos mais interessantes. Torna-se importante para os média saberem com que público lidam, para lhes oferecerem o que eles querem e não apenas entreter multidões. Desta forma, combatem os filtros e conseguem evitar os padrões gerados pelas máquinas (os algoritmos e as “bolhas”). No entanto, alerta que entender tal coisa, em milhões de pessoas, só é possível com a ajuda da inteligência artificial. Já nos grupos pequenos, é possível observar-se interesses comuns, os seus hábitos e preferências de leituras, e dar-lhes o que mais gostam. A essa capacidade de perceção o autor chamou de “grau de resposta”. Esta é a capacidade dos meios se adaptarem “aos diferentes tamanhos de ecrãs, como a um monitor de computador ou aos

tablets

e smartphones (ecrãs muito menores)” (Lorenz, 2014, p.142). É igualmente pertinente perceber-se o dispositivo pelo qual obtêm os conteúdos e o tempo que têm para dedicar a cada um deles. Este é um ponto que o

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não deixou passar ao lado aquando da sua fundação. Ou seja, estudaram, primeiramente, os meios de propagação de informação, e adequaram gradualmente as suas produções a cada um deles (Lorenz, 2014).

Depois dessa adequação aos ecrãs, deve-se publicar mediante a hora do dia. O conteúdo deve ser ajustado às necessidades e ao tempo do leitor. A tarde é o momento em que há uma grande procura por atualizações de informações que o público viu de manhã, sendo um bom horário para dar novas informações e recontar narrativas. A pesquisa efetuada durante a tarde tende a ser mais focalizada do que no horário da manhã. Mas é à noite que os leitores têm mais tempo para ver vídeos com som, pois cada pessoa já se encontra no seu lar (Lorenz, 2014). Também os horários de publicação foram tidos em conta no

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, que republicava durante o dia as notícias noutros meios de comunicação do grupo. Ajustaram-se igualmente à questão da indisponibilidade para escutar, combatendo a debilidade desta linguagem – que de dia poucos fazem uso – com a colocação de legendas nos vídeos.

O terceiro princípio para a personalização, segundo o mesmo autor, é apresentar o conteúdo de novas formas e permitir ao leitor deixar comentários. Depois de permitir essa interação, o passo seguinte é ajudar o leitor no ato de tomar decisões no dia a dia. Ou seja, desprender-se dos conteúdos apenas da atualidade e aprofundar conteúdos que sirvam para esclarecer dúvidas, que ocorrem todos os dias nas vidas de cada um de nós (Lorenz, 2014).

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Este é apenas um exemplo, que espero que seja compreensível, de personalização da informação. Mas, além da possibilidade de comprar uma casa, temos muitas mais situações como esta: o que é melhor – comprar um carro novo ou um usado com um ou dois anos? E seguros? Investimentos na bolsa? Educação para as crianças? Explorar carreiras diferentes e profissões, perguntar até quando tem de andar na escola, quanto podes fazer por mês num nível mais baixo ou no mais alto possível nessa profissão? A lista poderia continuar a crescer e, por isso, podemos dizer que há muito espaço para melhorar no campo do apoio à decisão, em todos os níveis da vida, tanto privada como nos negócios. Estranhamente, a oferta de aplicações de apoio é considerada. (Lorenz, 2014, p.148)

Outra contribuição dos algoritmos é perceber qual é o público-alvo dos média, através de métricas que avaliam o desempenho dos sites, contabilizando as visitas e o perfil dos visitantes. Ainda que seja útil, essas são apenas métricas que avaliam os acessos e não a relevância daquilo que cada meio faz (Lorenz, 2014). Durante várias conversas com as gestoras das redes do

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, as queixas das baixas audiências eram formalizadas a partir do baixo número de seguidores e reações. Os próprios jornalistas comentavam que havia jornais regionais com maior alcance. No entanto, não se estava a medir a qualidade que os trabalhos transpareciam para esse público – mesmo que pequeno –, que poderia ser mais importante para o canal. Os números tornaram-se de tal modo relevantes, para avaliar o trabalho desenvolvido, que foi um dos motivos pelos quais a grelha de programação se alterou.

Lorenz defende que as preocupações atuais devem centrar-se em perguntas como: “Com que frequência os utilizadores voltam para nós? Porquê? Como poderíamos fornecer uma ida ao site ou uma única oferta sendo muito relevante todos os dias, uma vez por ano ou apenas numa ocasião? A maior parte dos gestores seria pressionado para obter essa informação”. Para obter estas respostas, Lorenz (2014) sugere que se entendam primeiramente as métricas, para que se obtenha algo mais amigo do utilizador.

Tudo isto resultará num sexto grau, isto é, a mudança, proporcionada pela capacidade de reconfigurar, realinhar e reavaliar os fatores que evidenciam tal mudança. Para uma marca de sucesso, o autor sugere que se pense no modelo de personalização em massa versus personalização individual. Os dados recolhidos sobre o padrão de consumo ajudam a evidenciar tendências, mas não respondem de forma definitiva, pois hoje pode-se preferir ver notícias de gastronomia e amanhã sobre política, porque a situação profissional ou social mudou. A vida é uma constante mudança e o comportamento humano adapta-se a ela. “Para isso devemos afastar- nos da economia da atenção, onde as ideias, produtos ou serviços com maior visibilidade

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obtiveram sucesso, para a economia da confiança, onde esta mesma confiança é o elemento mais procurado”, (Lorenz, 2014, p.152). Talvez neste sentido o

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tenha conseguido fazer a diferença, mas, como as métricas do mercado se focam na quantidade de visualizações, poderá criar-se a ideia de que o canal foi lançado e fracassou. Embora tal situação possa não ser verdade.