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De que modo é organizada a produção jornalística?

Capítulo 2- Enquadramento Teórico

4. Análise dos dados

4.1. Os dados da observação participante

4.1.1. De que modo é organizada a produção jornalística?

Esta será a primeira questão que se tentará responder neste capítulo. Para tal, foi considerada a dimensão “organização de trabalho”, nos quais se consideraram duas componentes, sendo elas o “agendamento” e as “notícias da atualidade”: artigos feitos a partir da atualidade e outros que já estavam predefinidas através das reuniões de planeamento.

No que concerne a esta última, semanalmente, todos os jornalistas eram chamados à sala de reuniões que existia no edifício do

JN

. Ligava-se o

Skyp

e e, em videoconferência, estabelecia-se ligação com os colegas de trabalho que estavam em Lisboa. Dava-se assim início à reunião de planeamento. Era aqui que se davam ideias para temas que poderiam ser abordados no

V Digital

durante a semana seguinte ou até mais à frente. Discutia-se entre jornalistas, editores e diretor e, no fim, se a ideia fosse validada, era registada no Google Docs, um documento a que todos os

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jornalistas tinham acesso, em tempo real. Foi precisamente através desse documento que eu – observadora participante – fui semanalmente retirando todos os temas que eram registados como “de agenda”. O documento tinha não só o título provisório, como uma atribuição da tarefa e a data prevista de publicação. A partir daí, foi possível aperceber se a agenda era ou não cumprida pelos jornalistas, através de uma análise quantitativa dos dados. De ressalvar que não tive acesso a este documento nas primeiras semanas de estágio, embora já assistisse às reuniões e tomasse algumas notas (consideradas na análise qualitativa e não quantitativa dos dados). O documento foi partilhado comigo no dia 23 de julho de 2018. A observação participante permitiu ter acesso a um total de 130 ideias oriundas das reuniões de agendamento. Esse é o número total da amostra considerada na análise deste indicador.

Gráfico 1: Análise quantitativa às reuniões de planeamento de 27 de julho a 21 de setembro de 2018

Da análise quantitativa dos dados, resultou o gráfico 1. Pode-se apurar que o primeiro planeamento foi o menos cumprido. Houve sete notícias que foram publicadas na data prevista face às 20 notícias que não foram cumpridas. Duas notícias foram publicadas antes da data prevista e, em sete temas, verificou-se a desistência do seu tratamento jornalístico.

Tentou-se perceber o porquê do não cumprimento do planeamento. No caso do meu trabalho, consigo oferecer as explicações. Mas o mesmo não se pode dizer no que concerne às notícias atribuídas aos meus colegas, pois nem sempre foi possível perceber o que desencadeava a falha do planeamento, tendo em conta que eu nem sempre estava na redação e, outras vezes, encontrava-me a desempenhar tarefas.

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No que se refere ao primeiro planeamento, verificou-se que houve vários casos de “não cumprimento” apenas no que respeita à data prevista de publicação das reportagens. Foi o caso da reportagem “100 anos da Poças”, prevista para dia 22, e que só acabou por sair no site no dia 29 de julho. Na reunião seguinte, era comum fazer-se um balanço daquilo que tinha sido cumprido e era discutido muitas vezes se seria viável continuar a apostar em certos conteúdos. O meu estágio desenvolveu-se numa época em que muita gente define como “difícil” para conseguir contactar com as fontes, tendo em conta que era um período de férias (julho a setembro). Era comum ouvir nas reuniões que não conseguiam contactar com fontes, especialmente as fontes oficiais. E isso verificou-se numa reportagem sobre a “Direita do Observador” e, que a jornalista não conseguiu estabelecer os contactos que desejava com as fontes. Mas o facto de serem meses de verão influenciou também noutros casos. Exemplo disso foi a notícia que me foi atribuída sobre as novidades nos parques aquáticos. Embora não se tratasse de fontes oficiais, o certo é que, pela afluência que os parques estavam a ter nesta época do ano, a informação teimava a não chegar. Mas mais do que aquilo que foi adiado, importa olhar para aquilo que acabou efetivamente por sair do planeamento. Um destes casos dizia respeito ao caos num dos aeroportos do país, no verão. A ideia dos jornalistas era fazer um apelo nas redes sociais para que os cidadãos enviassem o seu contributo e contassem as suas piores experiências. A interação entre o cidadão e o jornalista foi tão pouca que acabou por ser alvo de desistência.

Outro tema que acabou por não ser concretizado foi atribuído a mim, e era sobre um projeto “Por um Porto Ciclável”. Entrar em contacto com a fonte pioneira do projeto não foi fácil, sendo que o mesmo foi sendo adiado. Acabou por ser tratado pelo

Jornal de Notícias

. Era frequente ouvir-se que o

V Digital

não devia tratar assuntos que os outros meios de comunicação da

GMG

já noticiavam, mesmo que lhe dessem um tratamento diferente através das linguagens adotadas (como o audiovisual) ou aprofundassem o tema. Assisti a isso várias vezes – em que jornalistas de outros grupos reclamavam de estarmos a abordar os mesmos temas.

Na segunda semana de setembro a reunião foi “muito produtiva”, registava eu na grelha de observação. Isto porque membro da direção explicou a todos um pouco daquilo que seria o futuro do

V Digital.

Foi aqui dito que o futuro se desprendia das notícias produzidas apenas por texto e imagem logo pela manhã, uma prática corrente, que derivava da informação que chegava cedo à redação por parte da fonte

Lusa.

Acabar com estes conteúdos era pretensão do novo diretor do canal, assim como diminuir a quantidade de conteúdos produzidos através do

Wibbitz

, ferramenta

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que continha informação pré-fabricada e que constituída a maioria da produção do canal (como veremos seguidamente). Por todas as novidades proliferadas nesta reunião, e pela agitação que causou em todos os jornalistas, poucas foram as notícias que foram sugeridas neste planeamento. A maioria foi surgindo durante a semana e, por isso, admite-se aqui uma margem de erro na análise quantitativa a esta reunião de planeamento e, por isso, não foi incluída no gráfico. No que concerne ao planeamento referente ao dia 17 de agosto, pode dizer-se que voltou a ser um mês em que se verificou um elevado número de notícias que estavam planeadas mas que não foram cumpridas na data prevista. Um dos conteúdos não cumpridos foi meu. Chegou a ser publicado mas não na data prevista. Era sobre as caves de vinho do Porto que se apresentavam remodeladas neste verão. O tema não era, para mim, fácil, visto ter poucas fontes de informação a consultar sobre o tema. A editora ajudou, até porque era um tema que ela dominava. No entanto, sentiu que eu precisava de mais tempo para tratar a informação e solicitar conteúdo multimédia, nomeadamente fotografias, a fim de ser construído um conteúdo

Wibbitz

, mas com informação própria oriunda do contacto direto com as fontes. Isto denota que muitos conteúdos eram adiados, porque não importava somente o tempo que cada pessoa precisava para produzir, importava mais a qualidade do conteúdo que era publicado. E essa realidade foi observada várias vezes. Não era comum verificar-se pressão excessiva nos jornalistas, talvez porque muitos dos conteúdos não se prendiam com o valor-notícia atualidade, mas de aprofundamento de temas que dela sobressaiam e que necessitavam de escrutínio. Por isso, tornavam-se morosos no processo de produção jornalístico.

Na reunião de planeamento de 24 de agosto houve poucas sugestões. Havia várias pessoas de férias entre redações de Porto e Lisboa. Também estava um clima de, por um lado, instabilidade e, por outro, de mudança. Se o diretor já tinha anunciado novidades no dia 10 de agosto, a incógnita continuava no ar sobre o futuro do

V Digital.

Ainda assim, a maioria dos conteúdos não foram cumpridos (oito), tendência que se manteve até ao fim do estágio. Em jeito de balanço, pode dizer-se que, dos sete planeamentos analisados, o de 17 de agosto foi o mais cumprido, embora não se tenha conseguido produzir uma explicação para tal. O certo é que se verificou também um decréscimo das ideias que saíam das reuniões de planeamento. Até ao dia 17 de agosto, verificou-se uma média de 33,5 notícias por reunião de planeamento. Já de 24 de agosto até 21 de setembro, a média de notícias passou a ser de 16,5 notícias.

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Da observação efetuada, penso que a partir de 17 de agosto a redação passou por uma grande mudança no que concerne à sua grelha de programação. O novo diretor eliminou vários programas e trouxe novas ideias, às quais a redação sentiu alguma dificuldade em adaptar-se.

Em suma, as reuniões de planeamento tornaram-se de extrema importância no que concerne à rotina de produção dos jornalistas. Por um lado, permitiam que, todos juntos, tivessem mais ideias e contribuíssem para o sucesso da empresa. Recorde-se que, da minha anterior experiência de estágio, no

JN

, só os editores eram convidados a participar nas reuniões de planeamento. Os jornalistas eram apenas notificados do trabalho que tinham a fazer. As ideias eram passadas diretamente ao editor, não havendo momentos de reunião entre equipa e chefias. No meu entender, estes momentos permitiam a coesão entre o grupo e fomentavam o diálogo e a criatividade da equipa. Verificamos com os casos analisados que, das ideias partilhadas, muitas delas não foram cumpridas, pelo menos no prazo estipulado. Mas da observação participante foi possível percecionar alguns dos motivos que estiveram na origem desses casos. Por um lado, a dificuldade de contacto com as fontes, que em muito se deveu ao período do ano em que estávamos (verão).

Por outro lado, um crescente emagrecimento da redação. O número de jornalistas revelava-se insuficiente para produzir o necessário para aumentar o tráfego de cliques no site. Isto, aliado a outros fatores, conduziu o

V Digital

a uma crescente falta de cumprimento do planeamento. Tal observa-se, por exemplo, pelas vezes em que os editores mexeram nas datas de entrega dos trabalhos dos seus subordinados. Com o emagrecimento das redações, emerge a dificuldade de fazer-se jornalismo com qualidade, que passe por todas as fases de produção, principalmente pela averiguação dos factos. Se as redações começam a ficar com menos jornalistas, como foi o caso do

V Digital

, parece contraditório que se aposte cada vez mais em conteúdos morosos, como os programas. E isso era o que o diretor queria fazer e ficou declarado em várias reuniões de planeamento. Até porque vários autores (Drok & Hermans,2016; Deuze,2017, Santos, 2017; Lorenz, 2014) indicam que são precisamente as

“Slow News”

pelos quais os cidadãos vão pagar no futuro e não as notícias da atualidade (que muitas vezes se confundem com o trabalho do repórter cidadão), por considerarem que esta é a informação que confere rigor e qualidade, diferente de toda a demais agenda mediática.

Mas com menos pessoas a trabalhar, a carga de trabalho aumenta e os jornalistas acabam por ser cada vez mais híbridos no que concerne às suas funções. Mas todo este contexto poderia ter

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encaminhado a rotina de produção para um jornalismo cada vez mais

multitasking

(Deuze, 2017), algo que não se verificou. É certo que os jornalistas tinham capacidades de edição de vídeo e de conjugar nas suas produções diversas linguagens – necessidade esta desencadeada pela era do “Martini Media” (Highfield, citado por Deuze, 2014, p.3), em que os conteúdos passam a estar disponíveis quando e onde o consumidor quer, e em diversas plataformas (Deuze, 2017). Mas o certo é que, como o emagrecimento da redação não se deu no núcleo de editores de vídeo, tarefas como captação de imagem e sua edição continuaram a ser, em grande parte, desempenhadas por eles e não pelos jornalistas.

Mas há ainda outro um “lado da moeda”: a opção por programas e o desprender das informações oriundas de agências noticiosas, a par de uma redação com cada vez menos jornalistas, tende a originar o aumento do

stress

e dificuldade em desempenhar todas as tarefas corretamente (Marín et al, 2017). Tal verificou-se neste contexto de trabalho. A situação laboral desencadeou descontentamento,

stress

e desmotivação dos jornalistas para com o órgão e isso verificou-se pouco tempo após a saída do primeiro diretor. A falta de comunicação entre a direção e os jornalistas piorava a situação, bem como os rumores de que o

V

passaria por uma mudança tal que se desprenderia da atualidade e informação e ficaria cada vez mais com conteúdos ligados ao entretenimento.