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Capítulo 2- Enquadramento Teórico

2.3. O jornalismo multitasking

O papel do jornalista tem vindo a alterar-se ao longo dos anos. Este é um fenómeno que adveio de outras mudanças nos média, nomeadamente os modelos de negócio. É neste contexto que há autores que defendem que o jornalismo está em crise, não no sentido pejorativo da palavra, mas antes como um período de mudança pela qual a profissão está a passar (Lewis, Williams & Franklin, 2008). Autores mais atuais, como Doudaki e Spyridou (2014), afirmam que as múltiplas mudanças a que o jornalismo tem sido alvo, fazem com que seja um fenómeno ainda em aberto, sujeito a uma realidade emergente e convergente, fruto de todas as caraterísticas do online. Mas há quem diga que se atravessa também uma crise, no sentido financeiro da palavra. Isto porque, no que concerne ao jornalismo online, este continua a não conseguir fazer com que os leitores paguem pelos conteúdos. Segundo o Digital News Report (2019), quase todas as agências de notícias digitais (94%), nos sete países analisados, num artigo publicado em 2019, oferecem acesso gratuito às notícias.

Estamos numa era de “Martini Media”, expressão que surgiu por Highfield (citado por Deuze, 2014, p.3), após uma campanha publicitária, em que a bebida Martini estava em todo o lado, quando e como o consumidor queria. É assim que o jornalismo se tem apresentado: disponível quando e onde o consumidor quer, com os conteúdos a circularem livremente entre diferentes dispositivos e plataformas (Deuze, 2014). Isto significa que cada notícia tem de se adaptar aos desafios decorrentes da Internet, mas, também, usufruir das potencialidades que estão ao dispor do jornalista. Ao mesmo tempo, os conteúdos na web podem ser acedidos em diferentes plataformas, como o telemóvel e o computador, ecrãs que possuem caraterísticas diferentes e que

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têm obrigado os meios de comunicação a adaptarem as suas linguagens a cada um (Santos, 2018).

Mas, para dar resposta a estas necessidades e produzir conteúdos cada vez mais híbridos, foi necessária uma adaptação do jornalista a estras transformações. A sua capacidade de adaptação às linguagens das narrativas online definem a viabilidade das organizações mediáticas (Rodrigues, 2017). Os jornalistas passaram a adquirir novas competências, para além de saberem produzir para a linguagem mãe do meio – um jornalista de imprensa já não sabe apenas escrever, sabe também editar vídeo e até fotografar, por exemplo (Coelho, 2015).

No entanto, já em 2005, Joaquim Fidalgo defendia que o jornalismo estava a ser alvo de pressões relacionadas com a crise, que diminuíam o número de jornalistas por cada redação (Fidalgo, 2005). O panorama atual mostra-se idêntico. Em novembro de 2017, o

Dinheiro Vivo

14 noticiava o facto de o Sindicato dos Jornalistas se opor ao despedimento de cerca de uma dezena de fotojornalistas do grupo

Impresa

. Além destes, o Sindicato dos Jornalistas pedia ainda esclarecimentos sobre o processo de rescisão de contratos previstos aos jornalistas do

Expresso

. Estes são alguns dos casos de grandes despedimentos em órgãos de comunicação social nacionais, devido a dificuldades económicas dos grupos bem como a reformulações das funções e papéis dos mesmos.

É neste sentido que se defende que os profissionais, para sobreviverem a este novo ecossistema, devem reivindicar as suas funções e manter a qualidade de produção, assumindo o compromisso de verificar e contextualizar os acontecimentos. O problema é que, com as múltiplas funções do jornalista dentro da sua redação (escrever, editar, fotografar, entre outros), na produção da sua narrativa, começam a aparecer alguns entraves a etapas fundamentais para manter essa qualidade. E talvez seja a qualidade que será o fator que levará aos leitores a pagarem por conteúdos que estejam online (Marín, Vanz & Vázquez, 2017). Além disso, as múltiplas funções do jornalista, aliadas às novas formas de produzir notícias fizeram com que muitos empregos fossem eliminados da indústria (Ganiyu & Akinreti, 2015).

Mas, torna-se difícil, com a exigência de produção, com a atualização de notícias ao minuto e com as redações cada vez mais reduzidas, conseguir-se tal proeza. A carga de trabalho dos profissionais

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está a aumentar, e o jornalista está cada vez mais híbrido. Isto porque tem de desempenhar múltiplas funções: aliar múltiplas linguagens, ao passo que lhes exigem o imediatismo, gerando um aumento do stress e dificuldade em desempenhar todas as funções corretamente. Quando o vídeo está envolvido na produção da narrativa, estas questões intensificam-se, o que, consequentemente, desequilibra modelos multidisciplinares que dependem de um único repórter e que antes eram desempenhados por vários, cada um na sua especialização (Marín et al., 2017). Os jornalistas deixaram de ter apenas uma função, como ser redator, fotógrafo, repórter de imagem, editor entre outros. Deixou de estar num só meio, como a imprensa, a rádio ou a televisão. O jornalista, atualmente, produz para vários meios, conjuga diversas funções e alia diversas linguagens num só conteúdo. Há a emancipação de duas particularidades que passaram a definir o jornalista: multitarefa e multiplataforma. Hoje em dia, é natural vermos um jornalista redator a fotografar, a filmar, entre outros. “Embora esta seja a faceta mais visível, a convergência profissional originou ainda duas outras situações: a extinção de algumas atividades e a emergência de novos perfis” (Canavilhas, 2015). Na perspetiva de Coelho (2015), o mercado exige a polivalência dos jovens, em que, além de escrever, narrar ou aparecer em frente ao ecrã, têm de saber lidar com outros afazeres e plataformas. “Adaptar” passou a ser a palavra de ordem aos novos colabores. E é na contratação que isso se evidencia. A maioria dos novos empregados em jornalismo online é jovem. Tal facto impõe novos desafios à formação académica, que não pode ignorar que a convergência e adaptabilidade dos novos formandos vai determinar o seu percurso no mercado de trabalho (Granado, 2015).

Mas estas caraterísticas de um profissional

multitasking

têm “colocado os jornalistas a acorrerem, em simultâneo, aos ritmos e necessidades dos diferentes meios de grupos multimédia. A formação académica deve refletir “sobre estas questões” (Coelho, 2015, p.50). Por este motivo, é um perigo enveredar pelo jornalismo

multitasking,

visto que, na maioria das vezes, todas as realidades que encaminham para esta prática levam a que o jornalista avance etapas da produção noticiosa, de forma rigorosa e eficaz (Marín et al., 2017). Isto, porque os sites jornalísticos para gerarem lucro, necessitam de obter um elevado número de visitas, que espelhe a notoriedade e o alcance do órgão, de modo a que as marcas queiram pagar para terem ali as suas publicidades (Veríssimo, 2017). A verificação continua a ser a essência do jornalismo e o que o distingue, perante blogues e outras plataformas que divulgam informação (Ganiyu & Akinreti, 2015).

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