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(1)UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO DIRETORIA DE PÓS GRADUAÇÃO E PESQUISA Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde. LÍGIA MARIA VEZZARO CARAVIERI. VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: A HISTÓRIA DESSA REALIDADE NA REGIÃO DO GRANDE ABC-SP. São Bernardo do Campo 2019.

(2) UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO DIRETORIA DE PÓS GRADUAÇÃO E PESQUISA Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde. LÍGIA MARIA VEZZARO CARAVIERI. VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: A HISTÓRIA DESSA REALIDADE NA REGIÃO DO GRANDE ABC-SP. Dissertação apresentada como pré-requisito para o processo de conclusão de Mestrado junto ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde da Universidade Metodista de São Paulo. Orientadora:. Professora. Capelão Avoglia.. São Bernardo do Campo 2019. Doutora. Hilda. Rosa.

(3) FICHA CATALOGRÁFICA C176v Caravieri, Lígia Maria Vezzaro Violência contra crianças e adolescentes: a história dessa realidade na Região do Grande ABC-SP / Lígia Maria Vezzaro Caravieri. 2019. 132 p. Dissertação (Mestrado em Psicologia da Saúde) --Diretoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2019. Orientação de: Hilda Rosa Capelão Avoglia. 1. Crianças e adolescentes – Vítimas de violência 2. ONG Ficar de Bem – CRAMI 3. Políticas públicas – Região do Grande ABC (SP) I. Título CDD 157.9.

(4) A dissertação de mestrado sob o título VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: A HISTÓRIA DESSA REALIDADE NA REGIÃO DO GRANDE ABC-SP, elaborada por Lígia Maria Vezzaro Caravieri foi apresentada em 21 de agosto de 2019, perante banca examinadora composta por Profª Dra. Hilda Rosa Capelão Avoglia (Presidente/UMESP), Profª Dra. Miria Benincasa Gomes (UMESP) e Profª Dra. Eda Marconi Custódio (Universidade de São Paulo).. Profª Dra. Hilda Rosa Capelão Avoglia Orientadora e Presidente da Banca Examinadora. Profª Dra. Maria do Carmo Fernandes Martins Coordenadora do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Saúde. Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Saúde Área de concentração: Psicologia da Saúde Linha de Pesquisa: Saúde, Violência e Adaptação Humana.

(5) Dedicatória. Dedico este trabalho à Jaqueline Magalhães, eterna amiga e companheira de ideais, que incansável, mas afetivamente, me incentivou a levar minha experiência profissional para o universo acadêmico. Amiga que partiu muito cedo, mas que, tenho certeza, mesmo em outro plano, está vibrando por esta conquista..

(6) Agradecimentos. Difícil, pois são tantos e temo esquecer alguém. À Deus, gratidão pela vida e por ter colocado em meu caminho tantas pessoas importantes que fazem com que eu tema esquecer de agradecer alguém neste momento. Gratidão a meus pais João e Ida, que me deram a vida, amor, cuidados e confiança além do imaginável. Ao meu irmão Rogério, que na infância me ofereceu alegria e cuidados e, que me presenteou com uma amiga querida, ao casar-se com sua amada Cinthia. Aos meus sogros Romário e Lúcia, cunhados (Ricardo, Mônica, Rogério, Solange, Ronaldo, Débora, Rivaldo, Regiane, Renato, Patricia, Tatiane, Paulo e Cinthia) e sobrinhos (Ignês, Nathália, Giovanni, Larissa, Marco Antonio, Lucca e Nathan) que tornaram minha família grandiosa em número e afeto. A todos os colegas da Ficar de Bem – CRAMI, com quem aprendi muito nesses 26 anos de jornada. Para além de compartilharmos vivências, agradeço por serem companheiros de ideais. Agradecimento especial à Evenson Dotto, Paulo Roberto Machado, Celso Lourenço e aos demais diretores da Ficar de Bem, pela confiança e por terem possibilitado a realização desta pesquisa e deste sonho. A Thelma Armidoro, Marjori Macedo, Bruno Fedri, Cristiane Parra, Janaina Matareli, Sara de Souza, Aline Dias, Fernando Caffarello e Cinthia Okino pelo carinho, incentivo e torcida em meus projetos pessoais e profissionais. À Rafaella Perricone e Amanda Munari, que contribuíram com a coleta de dados. À Ignês Bordwell Caravieri, pela contribuição na tradução das inúmeras versões do resumo. A meus amigos Marcelo Neumann e Elaine Medina, irmãos de alma que me foram concedidos nesta vida. À Melissa Terron, pela amizade, apoio e parceria profissional. Aos professores que me inspiraram desde o início da minha formação e que ainda guardo como exemplo de ética e conhecimento; dentre eles um agradecimento especial à professora Mariantonia Chippari, que torce por mim e sempre me recebe com muito carinho..

(7) A todos os professores da Pós Graduação, que acompanharam minha trajetória e tornaram possível a conclusão desta etapa. Gratidão aos professores doutores Miria Benincasa, Antonio de Pádua Serafim e Eda Marconi Custódio por aceitarem prontamente a compor a banca e enriquecer este trabalho com seus apontamentos valiosos. À minha querida professora doutora, orientadora e amiga Hilda Avoglia, por seus ensinamentos, disponibilidade, incentivo, confiança e paciência. Será minha eterna mestra. A todas as crianças, adolescentes, famílias que permitiram que eu as ouvisse e cuidasse de suas feridas, e que me tornaram a profissional e pessoa que sou hoje. Ao meu amado marido Romário, companheiro de vida, pelo seu afeto, confiança, incentivo, apoio e amor incondicional. Muitos dizem que o mestrado é um processo solitário, mas a sua presença e cuidado nunca deixou com que eu me sentisse só. Compartilho essa conquista com você.. Gratidão eterna!.

(8) Vocês dizem: “Cansa-nos ter de conviver com as crianças”. Têm razão. Vocês dizem ainda: “Cansa-nos porque precisamos descer ao seu nível de compreensão”. Descer. Rebaixar-se, inclinar-se, ficar curvado. Estão equivocados. Não é isso o que nos cansa, e sim o fato de termos de elevar-nos até o nível de sentimentos das crianças. Elevar-se, subir, ficar nas pontas dos pés, estender a mão. Para não machucá-las”. Janusz Korczak.

(9) RESUMO A violência é uma grave violação de direito de crianças e adolescentes e embora o Brasil tenha uma legislação que garanta a proteção integral desse segmento da população, é possível identificar-se reiteradas violações desses direitos. Assim, este estudo teve como objetivos descrever e analisar o perfil sociodemográfico das crianças e adolescentes vítimas de violência na Região do Grande ABCD-SP, relacionando-o com o desenvolvimento histórico das políticas públicas que compõem o Sistema de Garantia de Direitos. Trata-se de uma pesquisa epidemiológica, tendo sido utilizados princípios metodológicos da pesquisa descritiva e bibliográfica. A amostra foi composta por 1559 prontuários referente a 2470 crianças e adolescentes, com idades de 0 a 18 anos incompletos, vítimas de violência, atendidas pelo Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância do ABCD, atual Ficar de Bem – CRAMI, no período de janeiro de 1993 a dezembro de 2017. Os dados obtidos foram sistematizados estatisticamente e descritos por meio de frequências e percentuais, utilizando como nível de significância de 0,05, o qual equivale a uma confiança de 95%. Os resultados indicaram que a violência física predominou entre as crianças e adolescentes pesquisadas (57,7%), seguida da negligência (37,8%). Houve um equilíbrio referente ao sexo das vítimas, exceção aos casos de violência sexual, com 77,9% das vítimas do sexo feminino. A maior incidência das vítimas foi na faixa etária inferior a 7 anos (39,1%), seguida pela faixa dos 8 anos aos 11 anos (34%) e adolescência (26,9%). Os resultados apontam ainda que a mãe foi identificada como a principal agente agressora nas violências física (41,6%) e psicológica (32%), seguida pelo pai, sendo 29,3% e 29,4% respectivamente. O pai predominou como agente agressor nos casos de violência sexual (25,9%), seguido pelo padrasto (20,1%). Nas ocorrências de negligência, a mãe predominou como a maior agente violadora, seja considerando quando agiu sozinha (66,6%) ou com o pai da criança ou adolescente (21,9%). Os homens prevalecem como autores da violência na violência sexual (91,8%). Diante deste cenário, é importante que os indicadores epidemiológicos fornecidos pelas notificações e analisados na presente pesquisa, não sejam percebidos apenas como dados estatísticos, mas como um recurso que subsidie a implementação de Políticas Públicas que assegurem a proteção e o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. A participação da Psicologia nesse processo deve ocorrer em uma perspectiva interdisciplinar, que considere o aspecto subjetivo das diferentes formas de organização social, fazendo uso das Políticas Públicas como estratégia coletiva para a transformação social.. Palavras-chave: Violência Contra Criança e Adolescente; Ficar de Bem CRAMI, Perfil Sociodemográfico; Políticas Públicas..

(10) ABSTRACT Violence is a serious violation of the rights of children and teenagers, and although Brazilian legislation guarantees their full protection, this demographic continues to suffer repeated violations of their rights. Thus, the objective of this study is to describe and analyse the socio-demographic profile of children subjected to violence in the Great ABCD region, in the State São Paulo, relating their profiles with the historical evolution of the public policies that make up the System of Guarantee of Rights. The research is epidemiological, utilising methodological principles from descriptive and bibliographical research. The sample consisted of 1559 records of 2470 children and teenagers (ranging from zero to nearly 18 year olds) victims of violence assisted by the Regional Centre of Child Abuse Awareness in the ABCD region (CRAMI), currently called Ficar de Bem – CRAMI, between January 1993 and December 2017. The gathered data was statistically organised and described with frequencies and percentages, with a reliance rate of 95%. The results showed that physical violence was present in the majority of cases (57.7%), followed by negligence (37.8%). Regarding the sex of the victims, there was a certain equilibrium in the rates of violence, with the exception of sexual abuse rates, in which 77.9% of victims were female. Most victims were younger than seven years old (39.1%), the second largest group being between the ages of eight and eleven (34%), with teenagers coming in last (26.9%). The results also showed that mothers are the main perpetrators of physical (41.6%) and psychological (32%) violence, followed by fathers, showing respective rates of 29.3% and 29.4%. In cases of sexual violence the great majority of abusers were men (91.8%), fathers being the most frequent culprits (25.9%), followed by stepfathers (20.1%). In cases of negligence mothers were to blame for most violations, either acting alone (66.6%) or sharing the blame with the youth’s father (21.9%). Given this scenario, it is important that the epidemiological indicators analysed in this research are not perceived only as statistical data, but as a resource that can subsidize the implementation of public policies that ensure the protection and integral development of children and teenagers. The application of psychology in this process must occur in an interdisciplinary manner, considering the subjective aspects of the different forms of social organization and using Public Policies as a collective strategy for social change. Keywords: Violence against children and teenagers; Ficar de Bem – CRAMI; Sociodemographic profile; Public Policies..

(11) LISTA DE TABELAS. Tabela 1 -. Distribuição das crianças e adolescentes por sexo e idade. 78. Tabela 2 -. Distribuição das vítimas quanto à violência sofrida ............ 80. Tabela 3 -. Distribuição censitária por natureza da violência ............... 81. Tabela 4 -. Distribuição das crianças e adolescentes vítimas por sexo e natureza da violência ....................................................... 82. Tabela 5 -. Distribuição censitária dos autores da violência ................. 85. Tabela 6 -. Distribuição dos agressores por violência praticada ........... 86. Tabela 7 -. Distribuição censitária por natureza da violência praticada. 87. Tabela 8 -. Vínculo entre vítima e o(a) autor(a) da violência ................ 90. Tabela 9 -. Violência física: vínculo entre vítima e autor da agressão.. 91. Tabela 10. Violência sexual: vínculo entre vítima e autor da agressão. 92. Tabela 11 -. Violência psicológica: vínculo entre vítima e autor da agressão ............................................................................ 93. Tabela 12 -. Negligência: vínculo entre vítima e autor da agressão ...... 94. Tabela 13 -. Informações da rede de serviços ........................................ 95.

(12) LISTA DE SIGLAS. CFESS – Conselho Federal de Serviço Social CFP – Conselho Federal de Psicologia CLAVES - Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CRAMI – Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância do ABCD CREAS - Centro de Referência Especializado da Assistência Social DSD – Depoimento sem Dano ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente FAISA - Fundação de Assistência à Infância de Santo André GPPJEC - Grupo Permanente de Psicologia Jurídica e Escuta de Crianças OMS – Organização Mundial da Saúde NUDECA - Núcleo de Depoimento Especial de Criança e do Adolescente Corregedoria Geral da Justiça NUFOR - Programa de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica PNAS - Política Nacional de Assistência Social SEDH – Secretaria Especial de Direitos Humanos SGD – Sistema de Garantia de Direitos SINAN - Sistema de Informação de Agravos e Notificação SNAS - Secretaria Nacional de Assistência Social SUAS – Sistema Único da Assistência Social UNICEF - Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância VIVA - Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes.

(13) SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .................................................................................. 15. 1. INTRODUÇÃO................................................................................... 17. 2. REVISÃO TEÓRICA 2.1.. Conceito de violência.......................................................... 21. 2.1.1. Violência doméstica contra crianças e adolescentes........... 23 2.1.2. Violência física contra crianças e adolescentes................... 25 2.1.3. Violência psicológica contra crianças e adolescentes......... 29 2.1.4. Violência sexual contra crianças e adolescentes................. 31 2.1.5. Negligência e abandono....................................................... 37 2.2.. Marcos legais da infância................................................. 38. 2.2.1. Legislação brasileira sobre a infância ................................ 40 2.2.2. O Estatuto da Criança e do Adolescente............................. 41 2.2.3. Lei da Alienação Parental.................................................... 44 2.2.4. Lei nº 13.010/14 (Lei Menino Bernardo).............................. 46 2.2.5. O Sistema de Garantia de Direitos...................................... 47 2.2.6. A Escuta de crianças e adolescentes vítimas de violência.. 51 2.2.7. O Sistema Único de Assistência Social............................... 56 2.3.. Psicologia e Políticas Públicas................................... 2.4.. Violência contra crianças e adolescentes: pesquisas epidemiológicas recentes............................................ 2.5.. 59. 61. O Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância do ABCD (Ficar de Bem - CRAMI)...................................... 66. 3. MÉTODO........................................................................................... 69. 3.1.. Participantes.......................................................................... 69. 3.2.. Local...................................................................................... 70. 3.3.. Instrumentos......................................................................... 71. 3.4.. Procedimentos..................................................................... 72. 3.4.1. Procedimentos para coleta dos dados................................. 72 3.4.2. Procedimentos para análise dos dados............................... 73 3.4.3. Aspectos éticos..................................................................... 74.

(14) 4. RESULTADOS ............................................................................ 77. 5. DISCUSSÃO.................................................................................. 96. Caracterização das crianças e adolescentes vítimas por natureza da violência ................................................................... 96. Caracterização dos autores de violência: sexo, idade, violência praticada e vínculo com a vítima ...................................................... 104. A participação dos serviços da rede de atendimento.................. 109. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................ 113. REFERÊNCIAS. ............................................................................... 118. Anexo A – Declaração da Instituição Coparticipante............................ 127. ANEXOS Anexo B – Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa............................................................................................... 128.

(15) APRESENTAÇÃO Este trabalho tem uma importância ímpar para mim, justifico ao dizer que o tema desta pesquisa e minha trajetória profissional até este momento, aqui convergem. Há 26 anos trabalho com a temática da violência contra crianças e adolescentes na Ficar de Bem – CRAMI, organização coparticipante desta pesquisa. A história da organização e a minha se misturam, ambas crescemos juntas. Nesse período atuei no atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência, às suas famílias e aos agentes autores da violência. Ouvi suas histórias e presenciei o sofrimento de vítimas e agressores.. Mediante a. necessidade de proteger crianças e adolescentes e evitar que tais situações ocorressem, saí da sala de atendimento e fui para a comunidade, conhecer a realidade dessas famílias e os espaços que cotidianamente frequentam. Visitei creches, escolas, projetos sociais, sociedades de amigos de bairro, igrejas, hospitais, para refletir com pais e responsáveis sobre as dificuldades encontradas na criação e educação de crianças e adolescentes. Ao frequentar esses espaços, me deparei com vários relatos de profissionais que revelavam ter conhecimento de situações de violência sofrida por crianças em seus lares e pediam orientações acerca de como proceder diante desses casos. Queixas sobre escassez de políticas públicas e falta de respaldo de seus superiores de como lidar com a situação sempre foram muito presentes em seus relatos. Mais uma vez, eu e a instituição tivemos que refletir e repensar nossa prática, rever enquadres e propor estratégias que contemplassem além do atendimento às pessoas envolvidas na situação de violência e de ações preventivas, a formação e suporte aos profissionais que compõem a rede de atendimento. Inicialmente as capacitações eram direcionadas aos profissionais dos municípios da Região do Grande ABC- SP, como Santo André, São Bernardo do Campo e Diadema, onde a Ficar de Bem – CRAMI tem núcleos, e.

(16) atualmente, prefeituras e organizações de outros municípios do Brasil requisitam esse serviço. A instituição cresceu e amadureceu. Eu cresci e amadureci. Hoje a instituição realiza vários projetos e atua em uma proteção mais ampla de crianças e adolescentes, considerando demais situações de violações de direitos sofridas pelas mesmas. Eu atuo como coordenadora técnica da instituição em um âmbito regional, responsável pelas equipes de atendimento de todas as unidades, supervisão, articulação intersetorial e capacitação de profissionais em todo o território nacional. Mas ainda um desafio me convocava, que era trazer essa experiência para o meio acadêmico. Era transitar de uma posição empírica para uma investigação teórica desta realidade. E aqui cheguei, acompanhada da minha bagagem de 26 anos de vivências, aprendizados e indagações que estão contempladas neste estudo..

(17) 17. 1. INTRODUÇÃO Aproximadamente 300 milhões de crianças de 2 a 4 anos em todo o mundo (três em cada quatro) sofrem, regularmente, disciplina violenta por parte de seus cuidadores; 250 milhões (cerca de seis em cada dez) são punidas com castigos físicos. São dados alarmantes e atuais, apresentados em “A Familiar Face: Violence in the lives of children and adolescents”, publicado pelo Fundo das Nações Unidas em 2017. Alguns estudos já foram realizados para identificar o perfil das notificações envolvendo maus tratos contra crianças e adolescentes e analisar possíveis fatores associados. Entre estes, destacamos a pesquisa realizada no estado de São Paulo por Gawryszewski, Valencich e Marcopito (2012), que analisou 4.085 notificações referentes a maus tratos sofridos por crianças e adolescentes menores de 15 anos de idade, realizadas por 429 serviços sentinela, registradas no Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) em 2009, com o objetivo de descrever o perfil das notificações. O instrumento de coleta de dados foi a Ficha de Notificação de Violência Doméstica, Sexual e/ou Outras Violências, que é padronizada nacionalmente. Assim, concluíram que o sexo feminino foi 61,4% do total das vítimas, sendo que, a faixa etária mais frequente entre as meninas foi de 10 a 14 anos (38,8%) e, entre os meninos, foi abaixo de 5 anos (35,8%). A violência física representou 43,3% dos casos em meninos e a sexual 41,7% em meninas. Os principais autores das agressões foram os pais (43,8% do total) e conhecidos (29,4%), sendo que, os agressores homens representaram 72%. A residência foi o local de ocorrência de 72,9% dos casos, em que pais, mães, padrastos e madrastas figuraram como principais perpetradores desses atos (Gawryszewski, Valencic & Marcopito, 2012; Calza, Dell’Aglio & Sarriera, 2016). A pesquisa acima referida foi realizada com o objetivo de discutir criticamente estudos brasileiros sobre a temática dos maus-tratos, assim, Gawryszewski et al. (2012) buscaram compreender as características da violência perpetrada contra crianças e adolescentes, assim como os desafios para sua notificação. Para tanto, analisaram registros de estudos realizados em vários locais do Brasil acerca de situações de violência contra crianças e.

(18) 18. adolescentes no país. Consultaram pesquisas realizadas com dados do Conselho Tutelar de Caruaru/PE (2006), Programa de Saúde da Família de Niterói/RJ (2011), SOS Criança de Curitiba/PR (2002), Programa Sentinela de Campina. Grande/PB. (2008),. trabalho. realizado. com. adolescentes em. Araçatuba/SP (2012), Centro de Referência em Acolhimento a Crianças e Adolescentes vítimas de violência sexual em Porto Alegre/RS (2010), entre outros. O estudo realizado no Conselho Tutelar de Caruaru/PE referente ao registro de 798 casos de maus-tratos, indica a prevalência da negligência (49,2%), seguido da violência psicológica (28,9%), violência física (17,6%) e violência sexual (4,7%). A consulta feita por Calza et al. (2016) referente à pesquisa realizada por Rocha e Moraes em 2011, junto ao Programa Saúde da Família, no município de Niterói/RJ apontou que a violência psicológica foi identificada em 96,7% dos domicílios, seguida do castigo corporal que foi referido por 93,8% das 278 crianças respondentes. Ainda nesse estudo, a mãe destacou-se enquanto a principal autora de todos os tipos de maus-tratos relatados. As estatísticas revelam que as crianças e os adolescentes vivenciam a violência em todas as fases da infância e da adolescência, em diversas configurações e, frequentemente, pelas mãos de pessoas em quem confiam e com quem interagem diariamente. Na Região do Grande ABC paulista, da qual se ocupa a presente pesquisa, a situação não é diferente. Em pesquisa realizada pelo Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância do ABCD (Ficar de Bem – CRAMI)1 referente ao perfil das famílias encaminhadas a esse serviço no ano de 2017, os resultados apontaram 265 famílias, com 495 crianças e adolescentes vítimas de violência e 366 autores da mesma, ou seja, um mesmo agente agressor comete violência contra mais de uma criança ou adolescente (Ficar de Bem - CRAMI, 2018). 1. Em 2018 a instituição mudou o seu nome fantasia, porque o termo “maus tratos” causava constrangimento no público atendido, além do nome remeter ao problema, e não, aos resultados do trabalho da instituição. Uma agência de comunicação realizou análise para mudança de marca institucional, sendo que a partir de maio/2018 o CRAMI passou a ser chamado de Ficar de Bem – CRAMI..

(19) 19. Os casos envolvendo violência física têm como autores da violência o próprio pai (24%), a mãe (54%), o padrasto (8%), a madrasta (1%), outros parentes, como avô, avó, irmãos e tia (9%) e, outros, como amigo, namorado e desconhecido (4%). Referente à violência psicológica, os perpetuadores da violência foram o pai (38%), a mãe (50%), padrasto (2%), madrasta (2%) e outros parentes – avô e avó (8%). Nas situações de negligência, a referida pesquisa aponta novamente os cuidadores com vínculo direto com a criança e o adolescente, sendo: pai (30%), mãe (62%), padrasto (3%), madrasta (1%), parentes – avó, irmã e tia (4%) e outros (1%). No que tange à violência sexual, os abusadores identificados foram o pai (40%), padrasto (14%), mãe (6%), parentes - avô, irmão e tio (17%) e outros – amigo, vizinho e desconhecido (23%), conforme dados da referida pesquisa. Neves, Castro, Hayeck e Cury (2010) elaboraram um resgate teórico sobre o fenômeno do abuso sexual perpetrado contra crianças e adolescentes, apresentando um panorama com dados nacionais e internacionais sobre o tema no qual identifica-se que, também na literatura mundial a figura do pai biológico é aquela que mais vitimiza sexualmente as crianças, chegando a 97% dos casos. O conhecimento das características do perfil de crianças e adolescentes vítimas de violência e suas famílias pode subsidiar a formulação de políticas públicas e está em consonância com a Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030, que dentre suas pautas, considera a necessidade de superação da violência contra crianças e adolescentes, por meio de ações de enfrentamento que incluem planos e realizações coordenadas, fortalecimento de marcos legais e políticos, mudança de padrões que perpetuam a violência e implementação de políticas para superar a violência e melhorar os serviços.. OBJETIVOS Os objetivos da pesquisa são: a) Descrever e analisar o perfil sociodemográfico de crianças e adolescentes vítimas de violência na região do Grande ABCD-SP, no período de janeiro/1993 a dezembro/2017;.

(20) 20. b) Relacionar o perfil sócio demográfico com o desenvolvimento das políticas públicas que compõem o Sistema de Garantia de Direitos..

(21) 21. 2. REVISÃO TEÓRICA. 2.1.. Conceito de violência. Pesquisas. realizadas. sobre. a. violência. sofrida. por. crianças. e. adolescentes adotam diferentes conceitos sobre a violência, natureza do ato e formas de manifestação. Calza et al. (2016) alertam para a necessidade de uma padronização conceitual acerca das diversas modalidades de maus-tratos, no intuito de estabelecer parâmetros mais confiáveis entre os diversos serviços de proteção do país, considerando-se que as variadas formas de conceituar maus-tratos, as amostras e instrumentos utilizados, bem como os diversificados aportes teóricos que embasam as discussões, dificultam uma visão consensual sobre o fenômeno da violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Para fins deste estudo, foram considerados os autores que compreendem a violência em um contexto que engloba elementos econômicos, políticos, históricos, culturais, religiosos, jurídicos, psicológicos, biológicos, entre outros. Para Chauí (1985), violência é uma relação de força caracterizada em um polo de dominação e, no outro, pela coisificação: Entendemos por violência uma relação determinada das relações de força tanto em termos de classes sociais quanto em termos interpessoais Em lugar de tomarmos a violência como violação e transgressão de normas, regras e leis, preferimos considerá-la sob dois outros ângulos. Em primeiro lugar, como conversão de uma diferença e de uma assimetria numa relação hierárquica de desigualdade, com fins de dominação, de exploração e opressão. Isto é, a conversão dos diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre superior e inferior. Em segundo lugar, como a ação que trata um ser humano não como sujeito, mas como coisa. Esta se caracteriza pela inércia, pela passividade e pelo silêncio de modo que, quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, há violência (Chauí, 1985, p. 35).. Adorno também considera a violência como uma forma de relação social, que se expressa nas relações entre classes sociais e nas relações interpessoais e que tem como consequência a coisificação da vítima, afirmando que a violência “está presente nas relações intersubjetivas que se verificam entre homens e mulheres, entre adultos e crianças, entre profissionais de categorias distintas..

(22) 22. Seu resultado mais visível é a conversão de sujeitos em objeto, sua coisificação” (Adorno, 1988, citado por Guerra, 1998, p. 12). Pioneira nos estudos sobre violência doméstica contra crianças e adolescentes no Brasil, Azevedo (1997) formula o modelo interativo ou multicausal para explicar a ocorrência da violência. Este modelo foi formulado a partir de pesquisas ancoradas na Teoria Sistêmica e apresenta como pressupostos que “as forças ambientais, as características do agressor e as características da criança ou adolescente vítima atuam de maneira dinâmica e recíproca neste processo” (Azevedo, 1997, p. 43). Assim como a realidade familiar, social, econômica e a cultura estão organizadas como um sistema composto por subsistemas que se articulam entre si de maneira dinâmica, sendo os maus-tratos infantis resultado das forças que atuam considerando os diversos contextos, tais como o próprio indivíduo, sua família, comunidade e cultura. Em 2002, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publica o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, no qual define a violência como “uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento ou privações” (OMS, 2002, p. 5). Na compreensão da violência, a OMS (2002) defende que não há um fator único que explique porque algumas pessoas se comportam de forma violenta em relação a outras, ou porque a violência ocorre com maior incidência em algumas comunidades comparativamente com outras. Para compreensão da causalidade da violência, a OMS adota o Modelo Ecológico, que considera os fatores de risco e de proteção nos níveis individual, relacional, comunitário e social. O nível individual compreende fatores biológicos, demográficos e histórico de agressão, sendo que as características da pessoa indicam a possibilidade de ser uma vítima ou um perpetrador da violência. O nível relacional explora como as relações sociais mais próximas estabelecidas, por exemplo: parceiros íntimos, membros da família, que interferem no comportamento do indivíduo, aumentando o risco para ocorrência da violência. O nível comunitário analisa o.

(23) 23. contexto comunitário no qual as relações estão inseridas. Todos esses níveis relacionam-se com o nível social, que inclui as normas culturais que aceitam o uso da violência como meio para resolução de conflitos, a desigualdade de gênero, a prioridade aos direitos dos pais sobre o bem-estar de crianças, bem como as políticas públicas que contribuem para a manutenção ou elevação da desigualdade econômica e social entre os grupos na sociedade (OMS, 2002). Ambos modelos, multicausal e ecológico, consideram a violência como resultante de um contexto em que fatores ou subsistemas individuais, familiares, comunitários, sociais e culturais interagem entre si.. 2.1.1.. Violência doméstica contra crianças e adolescentes. Precursoras nos estudos e pesquisas da violência sofrida por crianças e adolescentes no Brasil, Azevedo e Guerra (1995) identificam o ambiente doméstico como cenário da maior incidência dos casos, sendo pais, parentes e responsáveis os perpetuadores da violência. O conceito de violência adotado pelas autoras considera A violência doméstica como todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis, contra criança e ou adolescente, que – sendo capaz de causar à vítima dor ou dano de natureza física, sexual e/ou psicológica – implica, de um lado, numa transgressão de poder/dever de proteção do adulto e, de outro, numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento (Azevedo & Guerra, 1995, p.36).. Desmembrando a definição acima para melhor compreensão, temos: - todo ato ou omissão significa que os maus tratos podem assumir forma ativa (atos) ou passivas (omissões); - que praticada por pais (biológicos ou adotivos), parentes (diretos ou afins: irmãos, avós, primos, tios etc.) ou responsáveis (sejam esses legais ou informais, tais como tutores e outras pessoas que cuidam da criança); - contra crianças (0 a 12 anos incompletos) e adolescentes (13 a 18 anos incompletos);.

(24) 24. - que sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima, abrange as diversas modalidades de violência e considera que o dano pode ser efetivo ou potencial; - implica de um lado numa transgressão do poder/ dever de proteção do adulto, ou seja, a exacerbação do poder de autoridade e do dever de proteção parental que se inscreve na família, ou seja, um claro abuso do poder/dever de proteção familiar de que infância e adolescência necessita para desenvolver-se; - e de outro, numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e adolescentes tem de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento – reconhecimento de que o fenômeno é uma violência, tal como define Chauí (1985): uma relação interpessoal assimétrica, hierárquica, de poder, implicando numa dominação (polo adulto) e, no outro, objetalização, coisificação, submissão aos desígnios e desejos do outro (polo criança/adolescente). A violência doméstica contra crianças e adolescentes ocorre em todas as classes sociais e em todos os casos significa uma violação dos direitos de crianças e adolescentes (Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos na Infância do ABCD, [CRAMI-ABCD], 2008). Segundo Fonseca, Egry, Nóbrega, Apostólico e Oliveira (2012) a violência no contexto familiar constitui-se em um fenômeno complexo que envolve questões como a desigualdade social e prejuízos na qualidade de vida que atingem as famílias com comprometimento nas relações intrafamiliares, evidenciadas pelo abuso de poder de uma das partes. A violência implica sempre o uso da força para causar um dano, sendo sinônimo de abuso de poder. Implica, portanto, hierarquização de poder, envolvendo um acima – mais forte e poderoso – e um abaixo – mais fraco, real ou simbolicamente, que adotam habitualmente a forma de pares complementares, por exemplo, pai-filho, marido-mulher (p. 898).. Existe uma diferença conceitual entre violência doméstica e intrafamiliar. A violência intrafamiliar pode ser cometida dentro e fora de casa, por qualquer integrante da família que esteja em relação de poder com a pessoa agredida, incluindo também as que estão exercendo a função de pai e mãe. A violência doméstica inclui além de integrantes da família, as pessoas que convivem no ambiente familiar, como empregados, agregados e visitantes, que.

(25) 25. possuem vínculos afetivos ou de cuidados com as crianças e adolescentes (Sacramento & Rezende, 2006). Para fins desta pesquisa será considerada a violência doméstica, por ser mais abrangente, considerando além da relação de parentesco, os vínculos afetivos existentes entre as crianças e adolescentes vítimas e os autores da violência. A organização em que será realizada a coleta dos dados também adota o conceito de violência doméstica para compreensão do fenômeno.. 2.1.2. Violência física contra crianças e adolescentes Segundo o Centro Latino Americano de Estudos de Violência e Saúde (CLAVES), a violência física é “qualquer ação única ou repetida, não acidental (ou intencional) cometida por um agente agressor adulto (ou mais velho que a criança e adolescente), que lhes provoque consequências leves ou extremas como a morte” (Assis, 1994, p. 17). Considerando a violência física que ocorre no âmbito doméstico, os agentes agressores podem ser os próprios pais ou responsáveis pela criança e/ou adolescente (Azevedo & Guerra, 1995; CRAMIABCD, 2008; SEDH, 2004). O primeiro estudo científico sobre violência física doméstica contra crianças que se tem notícia foi realizado em 1860 pelo médico francês, Dr. Ambroise Tardieu. Em seu trabalho intitulado “Étude médico-legale sur les services et mauvais traitements exercés sur des enfants”, o autor apresenta 32 casos (com 18 mortes) de crianças submetidas a maus-tratos com idade inferior a cinco anos. Além de descrever as lesões sofridas, Tardieu aborda a discordância. entre. as. explicações. fornecidas. pelos. agressores. e. as. características das lesões (Guerra, 1998, p. 62). Desse modo, o autor identificou influência. das. condições. socioculturais. dos. pais. agressores. com. o. comportamento violento. Seu trabalho levantou a possibilidade de conexão da violência doméstica com problemas sociais, tais como o desemprego e o isolamento social (Guerra, 1998). Na. França. do. século. XIX,. outros. escritores. denunciavam. sistematicamente as violências domésticas sofridas pelas crianças. Victor Hugo.

(26) 26. (1862/2012), na obra “Os miseráveis”, relata a violência que o personagem Gavroche sofre por parte de seus pais: ... o menino tinha ainda pai e mãe. Mas o pai não queria saber dele e a mãe não nutria por ele qualquer espécie de amizade. Tratava-se de uma dessas crianças dignas de maior lástima, que, tendo ainda pai e mãe, são, no entanto, órfãs. Em parte nenhuma esse menino se sentia tão feliz e à vontade como na rua. As lages do pavimento eram-lhe menos duras do que o coração de sua mãe... (Hugo, 1862/2012, p. 595).. As obras que retratavam a infância e a família na França do século XIX apontam que o trabalho de Tardieu mostrava uma realidade vivida por crianças francesas na época. Mesmo assim, a partir de Tardieu não se conhece nenhum movimento significativo de denúncia de violência contra a infância. Em termos científicos, o fenômeno da violência física doméstica contra crianças e adolescentes foi reconhecido em 1962, a partir de um trabalho publicado por Silverman e Kempe que apresentaram 749 casos (com 78 mortes) de crianças vítimas do que eles batizam de Síndrome da Criança Espancada. Esta Síndrome era encontrada com mais frequência em crianças com menos de três anos, que apresentavam diagnóstico de lesões incompatíveis com as informações fornecidas pelos pais (Guerra, 1998, p.71; Minayo, 2001, p. 91-102). A partir dos estudos de Silverman e Kempe, os profissionais da área médica reconheceram o problema e atualmente a literatura médica identifica síndromes provocadas pela violência física, tais como a Síndrome do Bebê Sacudido e a Síndrome da Criança Espancada (Guerra, 1998; Minayo, 2001). A Síndrome do Bebê Sacudido é decorrente de fortes sacudidas no bebê, geralmente com idade inferior a seis meses de idade. Já a Síndrome da Criança Espancada se refere a sofrimentos infligidos à criança ou adolescente como forma de castigo e de educação, que pode gerar fraturas, hematomas, lesões cerebrais, queimaduras e outros sinais de crueldade (Ministério da Saúde, 2006, p. 25). Entretanto, em 1962, época da formulação do conceito da Síndrome da Criança Espancada, os médicos consideravam a violência como decorrente de um quadro psicopatológico por parte do agressor e recorriam à medicalização como forma de tratar a “patologia” (Guerra, 1998)..

(27) 27. Na década de 1960 os estados americanos organizaram uma legislação que encorajava a denúncia de casos suspeitos ou confirmados de violência doméstica física aos serviços de proteção infantil. O aumento de casos e a escassez de recursos promoveu o surgimento de modelos de atenção para além da medicalização, considerando o conhecimento de outras áreas, tais como o Direito, a Psicologia, o Serviço Social, a Antropologia, entre outras (Guerra, 1998). No Brasil, sabe-se, através de estudos históricos que os índios não usavam os castigos físicos para o disciplinamento dos filhos. Segundo Guerra (1998) e Del Priore (1999) a violência física doméstica é uma realidade desde 1500, trazida pelos jesuítas, que pregavam a aplicação de castigos físicos como forma de educar e disciplinar as crianças, tendo esta prática se estendido na época do Império (1822-1889) e da República (1889 em diante). Do ponto de vista científico, o primeiro relato publicado no Brasil referente à violência física doméstica contra crianças ocorreu em 1973, por meio de publicação realizada por professores da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, no qual descreveram um caso de espancamento de uma criança de aproximadamente um ano e três meses. Segundo Guerra (1998), os autores fazem uma revisão bibliográfica sobre o assunto, apontam as formas adequadas de se fazer o diagnóstico clínico, as dificuldades, o prognóstico e as implicações sociais e psicológicas do fenômeno (p. 81). Posteriormente, ainda na década de 1970, surgem outros trabalhos, em sua maioria formulados pela classe médica, que seguiam a determinação do modelo psicopatológico. No campo da saúde pública, é na década de 1980 que a violência surge como uma questão importante a ser tratada como reconhecimento da morbimortalidade por violência. Nesse mesmo período começa a se esboçar no Brasil diagnósticos e propostas que culminam nos movimentos sociais e que desembocam na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990 (Minayo, 2001). Ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente tenha a concepção de proteção integral e prioridade absoluta dos direitos das crianças e dos adolescentes, mesmo assim, é comum a convivência com situações de graves.

(28) 28. violações, no âmbito público e privado. No que tange à violência física doméstica, inúmeras crianças e adolescentes sofrem diariamente em seus lares uma série de agressões e abusos físicos. A violência física doméstica apresenta indicadores que podem facilitar a identificação ou suspeita da ocorrência da violência (Assis, 1994; Azevedo & Guerra, 1995; CRAMI-ABCD, 2008; SEDH, 2004). Alguns indicadores físicos são identificados pela presença de lesões físicas que não se ajustam à causa alegada, ocultamento de lesões antigas, hematomas e queimaduras em diferentes estágios de cicatrização e contusões em partes do corpo que geralmente crianças e adolescentes não sofrem com quedas habituais. A criança ou adolescente que sofre violência física doméstica pode apresentar também comportamentos decorrente da violência sofrida, tais como medo dos pais e/ou responsáveis, alegação de causas pouco viáveis às lesões, fugas do lar, baixa autoestima,. problemas. de. aprendizado,. faltas. frequentes. na. escola,. desconfiança no contato com adultos e estado de alerta (Assis, 1994; SEDH, 2004). Nesses casos a família costuma ocultar as lesões ou justificá-las de forma não convincente ou contraditória, além de descrever a criança ou adolescente como merecedores das punições físicas. Os pais e/ou responsáveis acreditam no disciplinamento severo como forma de educar e é comum que tenham expectativas irreais sobre a capacidade da criança, como descreve Assis (1994) e a SEDH (2004). Vários autores alertam para o cuidado no uso dos indicadores para avaliação de uma situação de violência, pois a presença isolada de um dos indicadores não é significativa para a interpretação da presença de violência contra crianças e adolescentes. Assim, advertem que a ocorrência de vários desses indicadores associados a um bom conhecimento das características das fases de desenvolvimento infantil é que permitirão a constatação da violência (Assis, 1994; Azevedo & Guerra, 1995; CRAMI-ABCD, 2008; SEDH, 2004)..

(29) 29. 2.1.3. Violência psicológica contra crianças e adolescentes A violência ou abuso psicológico “consiste em toda forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobranças exageradas, punições humilhantes e utilização da criança ou adolescente para atender às necessidades psíquicas do adulto” (Assis & Avanci, 2006, p.25). A discussão sobre a violência psicológica foi a ausência mais sentida nos estudos de saúde pública no Brasil na década de 90, como aponta Assis (2006). O abuso psicológico em si não era reconhecido como uma violência com particularidades própria, sendo tratada como um tipo de violência associada às demais. Nesse enfoque, o abuso psicológico não era problematizado e suas consequências eram minimizadas, ficando submetidas às consequências dos outros tipos de agravos, explica o citado autor. Diante dessa realidade, estudos das décadas de 70, 80 e 90 apontam a preocupação e necessidade em se conceituar e definir a violência psicológica, possibilitando a detecção e adequada intervenção (Assis & Abranches, 2011). A Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências (Ministério da Saúde, 2001) destaca pela primeira vez, em âmbito nacional, a importância do diagnóstico e da notificação da violência psicológica, considerando esse problema como sinônimo de maus-tratos psicológicos, definindo-a como “agressões verbais ou gestuais, com o objetivo de aterrorizar, rejeitar, humilhar a vítima, restringir a liberdade ou ainda isolá-la do convívio social” (p. 51). Segundo Sanchez e Minayo (2006): a violência psicológica ocorre quando os adultos sistematicamente depreciam as crianças, bloqueiam seus esforços de autoestima e as ameaçam de abandono e crueldade. Essa forma de relacionamento, também difícil de ser quantificada, provoca grandes prejuízos à formação da identidade e da subjetividade, gerando pessoas medrosas ou agressivas e que, dificilmente, aportarão à sociedade todo o potencial que poderiam desenvolver. Essa forma de abuso passa pela forma cultural com que pais e adultos concebem as crianças e os adolescentes, considerando-os sua posse exclusiva e acreditando que humilhá-los é a melhor forma de educar (Sanchez & Minayo, 2006, p.35).. Crianças e adolescentes que sofrem violência psicológica podem apresentar doenças frequentes sem causa ou diagnóstico preciso, tais como obesidade, distúrbio de sono e alergias, assim como, podem também apresentar.

(30) 30. comportamentos depressivos, isolamento social, regressão a comportamentos infantilizados. e. tendências. suicidas. (CRAMI-ABCD,. http://www.eudenuncioabusoinfantil.com.br/). Nas famílias em que há a prática da violência psicológica, observa-se poucas manifestações de afetividade na relação entre pais e filhos, sendo que esses são depreciados por seus pais, que se referem às crianças e adolescentes de forma negativa e pejorativa. Assim como na violência física, muitas vezes, identificam-se expectativas irreais dos pais quanto à capacidade da criança. Desse modo, quando a criança ou adolescente não consegue corresponder às exigências por parte de seus cuidadores, são ameaçados, comparados, aterrorizados ou ignorados. Os atos de violência psicológica podem envolver o isolamento da criança, privando-a de experiências comuns a sua faixa de idade, de ter amigos ou ainda à indução à prostituição, ao uso de drogas e ao crime (Assis, 1994; Pires & Miyazaki, 2005; SEDH, 2004). Existem atitudes e comportamentos praticados por pais e responsáveis que englobam mais de um tipo de violência, como, por exemplo, a Síndrome de Munchausen por procuração. Sobre esse termo é possível explicar que foi utilizado pela primeira vez em 1951, para caracterizar pacientes que induziam doença em si próprios. A terminologia foi inspirada na história do barão germânico do século XVIII, Karl Frederich Vom Munchausen, que se tornou conhecido pelas histórias acerca dos seus pretensos atos heróicos. Em 1977, o pediatra inglês Meadow instituiu a designação de Síndrome de Munchausen by Proxy (SMBP) ou por procuração em português, para descrever doentes cuja sintomatologia era provocada ou inventada pelas mães (Moura, Oliveira, Guedes & Machado, 2000). Esta síndrome é uma forma de maus-tratos infantis, em que um parente, na maioria das vezes, a mãe, provoca ou inventa uma doença na criança, forjando sinais e sintomas de doença, seja através da administração de substâncias que causam sonolência e convulsões, asfixia da criança, entre outros quadros. A partir destas simulações, a criança é submetida a sofrimento físico, como por exemplo a coleta de exames desnecessários e psicológico, como internações desnecessárias. É um fenômeno de difícil diagnóstico para o.

(31) 31. profissional da saúde, pois os exames clínicos geralmente apresentam bom estado da saúde da criança, mas com queixas repetitivas trazidas pelo responsável (Pires & Miyazaki, 2005). As consequências da SMBP são psicológicas, físicas e atingem toda a família, pois quando as vítimas são hospitalizadas podem ser submetidas a múltiplos e, por vezes, agressivos exames auxiliares de diagnóstico que invariavelmente apresentam resultados negativos ou que dificultam mais o diagnóstico. Entretanto, como afirmam Moura, Oliveira, Guedes e Machado (2000), se a vítima e o agressor são separados, o quadro clínico tende a desaparecer.. 2.1.4. Violência sexual contra crianças e adolescentes Definir o conceito de abuso sexual não é tarefa simples e talvez não seja possível estabelecer uma única definição, uma vez que, na literatura especializada, encontram-se diversas formas de conceituar o tema. Faleiros (2000) realizou uma vasta revisão dos conceitos relacionados à violência sexual contra crianças e adolescentes e, sua pesquisa resultou na obra denominada “Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes”. Neste, a referida autora afirma que o termo abuso sexual é o mais utilizado para referir-se a situações de violência sexual contra crianças e adolescentes, principalmente quando este ocorre no ambiente familiar, e acrescenta que “conceitualmente o abuso sexual é considerado e nomeado ora como maus tratos ora como violência” (Faleiros, 2000, p.13). Buscando clarificar a questão, Faleiros (2000) percorre os conceitos de abuso sexual, maus-tratos e violência. Desse modo, cita Gabel (1997), que considera o abuso como a ultrapassagem de limites ou transgressão, Faleiros resume da seguinte forma o conceito de abuso sexual: Em síntese, o abuso sexual deve ser entendido como uma situação de ultrapassagem (além, excessiva) de limites: de direitos humanos, legais, de poder, de papeis, do nível de desenvolvimento da vítima, do que esta sabe e compreende, do que o abusado pode consentir, fazer e viver, de regras sociais e familiares e de tabus. E que as situações de abuso infringem maus tratos às vítimas (Faleiros, 2000, p.15)..

(32) 32. Em seguida, a autora detém-se sobre o conceito de violência sexual, considerando-o como “categoria chave na compreensão do abuso sexual contra crianças e adolescentes” (Faleiros, 2000, p.17), ressaltando a importância de se analisar o fato em seus contextos histórico, social, econômico, cultural, social e ético e, assim como outros atores, denomina relação de poder o que ocorre na violência sexual contra crianças e adolescentes. É consensual nos estudos sobre violência sexual contra crianças e adolescentes que esta se constitui numa relação de poder, autoritária, na qual estão presentes e se confrontam atores/forças com pesos/poderes desiguais de conhecimento, autoridade, experiência, maturidade, recursos e estratégias (Faleiros, 2000, p.15).. A citada autora diferencia violência, abuso sexual e maus-tratos e diz que os conceitos são epistemologicamente distintos. Explica que, a violência seria a categoria explicativa da vitimização sexual, referindo-se à natureza da relação estabelecida; o abuso sexual seria a situação de uso excessivo, de ultrapassagem de limites e, os maus-tratos seriam a descrição empírica do abuso sexual, referindo-se a danos, atos e consequências do abuso (Faleiros, 2000, p. 20). Com isso, conclui que “todas as formas de violência sexual contra crianças e adolescentes são ABUSIVAS e VIOLENTAS [grifo da autora]” (p.21). Azevedo e Guerra (2007) conceituam o abuso-vitimização sexual como todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual, entre um ou mais adultos e uma criança menor de 18 anos, tendo por finalidade estimular sexualmente a criança ou utilizá-la para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa (p. 42).. O Ministério da Saúde adota um conceito semelhante para definir a violência sexual contra crianças e adolescentes, referindo-se à mesma como [...] todo ato ou jogo sexual com intenção de estimular sexualmente a criança ou o adolescente, visando utilizá-lo para obter satisfação sexual, em que os autores da violência estão em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou adolescente. Abrange relações homo ou heterossexuais. Pode ocorrer em uma variedade de situações como: estupro, incesto, assédio sexual, exploração sexual, pornografia, pedofilia, manipulação de genitália, mamas e ânus, até o ato sexual com penetração, imposição de intimidades, exibicionismo, jogos sexuais e práticas eróticas não consentidas e impostas e voyeurismo (Ministério da Saúde, 2010, p. 33).. Ambas as definições consideram a diferença de nível de maturidade entre vítima e agressor, a intencionalidade do ato e contemplam as relações homo e heterossexuais. O Ministério da Saúde (2010) clarifica o conceito, mencionando.

(33) 33. os comportamentos que exemplificam a ocorrência da violência sexual contra crianças e adolescentes. Mesma preocupação teve a Secretaria Especial de Direitos Humanos e o Ministério da Educação ao publicarem o Guia Escolar (2004), com o objetivo de instrumentalizar os profissionais da educação na identificação de sinais de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. O guia também contempla as formas de abuso sexual, que podem ocorrer sem contato físico entre agressor e vítima - assédio, abuso sexual verbal, telefonemas obscenos, exibicionismo, voyeurismo, pornografia -, ou com contato físico - carícias nos órgãos genitais, tentativas de relações sexuais, masturbação, sexo oral, penetração vaginal e anal (SEDH, 2004). Outra classificação importante quando se refere à violência sexual, é a compreensão que esta pode ser praticada dentro do contexto familiar por parentes da criança e do adolescente; no ambiente doméstico por pessoas que independente do grau de parentesco tem relações próximas de afetividade ou responsabilidade pela criança ou adolescente; fora do âmbito familiar, praticada por pessoas que possuam (ou não) vínculo com a vítima; e para fins de exploração sexual da criança ou adolescente.. Abuso sexual intrafamiliar Dados de 28 países indicam que, em média, nove em cada dez meninas e adolescentes que foram vítimas de sexo forçado relatam que o autor da primeira violação era alguém próximo ou conhecido delas (UNICEF, 2017). Segundo dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, no período de 2011 a 2017 houve um aumento de 83% nas notificações ao Sistema de Informação de Agravos e Notificação (SINAN) de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. A maioria das situações acontece dentro da casa e os agressores são pessoas de convívio da vítima, geralmente familiares (Ministério da Saúde, 2018). Considerando um total de 58.037 crianças na faixa etária de 0 a 9 anos de idade vítimas de violência sexual, em 69,2% dos casos a violência ocorreu na.

(34) 34. residência, sendo praticado por familiares (pai, mãe, padrasto, madrasta e irmão) em 37% dos casos e amigos/conhecidos em 27,6%. Com relação à idade da vítima em 55,8% dos casos tinham até cinco anos de idade (Ministério da Saúde, 2018). Na faixa etária de 10 a 19 anos foram notificados ao SINAN 83.068 casos. Destes em 58,2% dos casos a violência ocorreu na residência e a vítima tinha entre 10 e 14 anos, tendo sido praticado por familiares (21,3%), parceiros íntimos (17,1%) e amigos/conhecidos (27,4%). A categoria “familiares” se refere a pai, mãe, padrasto, madrasta, irmão e filho. A categoria “parceiros íntimos” se refere aos cônjuge, ex-cônjuge, namorado e ex-namorado (Ministério da Saúde, 2018). O abuso sexual intrafamiliar pode ser conceituado como “qualquer ação de caráter sexual entre um adulto e uma criança ou adolescente ou entre um adolescente e uma criança, quando existe um laço familiar (direto ou não) ou relação de responsabilidade” (Cohen, 1993; SEDH, 2004, p. 37). Nesta modalidade de abuso sexual, o agente autor da violência é algum membro da família, que mantém uma relação de parentesco com a criança ou adolescente vítima. Nesta categoria são considerados laços biológicos, afetivos ou de responsabilidade. São abusos praticados por pais, mães, padrastos, madrastas, irmãos e demais parentes ou cuidadores que exercem a função de responsabilidade pela criança e pelo adolescente. Este abuso também é chamado de abuso intrafamiliar incestuoso quando há laços consanguíneos diretos, tais como pai, mãe e irmãos/irmãs. Incesto é a relação sexual e/ou amorosa entre pessoas com laços consanguíneos, que são impedidos de contrair matrimônio por lei (SEDH, 2004). Cohen (1993) explica que a origem da palavra incesto deriva do latim incestus, que significa impuro, manchado, não casto, ou seja, in = não e castus = puro. Logo, “o incesto deixaria a família impura ou manchada, ou seja, a família incestuosa é uma família que perdeu a castidade” (Cohen, 1993, p. 14). As famílias incestuosas ou incestogênicas geralmente apresentam estruturas fechadas, com pouco contato social. Possuem uma hierarquia rígida,.

(35) 35. com submissão à autoridade masculina. O padrão de relacionamento demonstra uma confusão de papeis e as demonstrações de afeto, quando existem, são misturadas com dose de erotismo (Furniss, 1993; Guerra, 1998). Nesse sentido, o incesto pode ser interpretado e definido por vários ângulos, dependendo se será avaliado como um problema genético, mental, sexual, social, ético ou legal (Cohen, 1993). Importante registrar que, no Brasil, a relação incestuosa em si não caracteriza como crime e nem como violência sexual. Quando estabelecida entre adultos, com consentimento mútuo e sem ameaças ou coerções físicas ou psicológicas, não é considerada crime. Mesmo nesses casos, o Código Civil brasileiro, em seu Artigo 1.521, Incisos I a V, proíbe casamento dos ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; de afins em linha reta; do adotante com quem foi cônjuge do adotado e entre o adotado com o adotante; de irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau; e entre o adotado com o filho do adotante (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002). No entanto, mesmo diante dessas considerações, sempre que a relação incestuosa envolver a relação de um adulto com uma criança ou adolescente será considerado abuso sexual, ainda que não haja o emprego de força física e tenha o consentimento da vítima (Cohen, 1993; Gabel, 1997; SEDH, 2004). Ainda acerca do incesto, Cohen (1993) classifica-o em três tipos: o incesto propriamente dito, praticado entre consanguíneos; o paraincesto, perpetrado por pessoas que poderiam ser considerados parentes, como padrasto, madrasta e filhos destes; e o incesto polimorfo que inclui relações sexuais que ocorrem entre pessoas que se aproveitam do cargo ou função que exercem para se satisfazerem sexualmente com um subalterno, como chefesecretária, médico-paciente. Diante dos estudos acima referidos é possível verificar que diversos autores apontam o pai biológico seguido pelo padrasto, como as pessoas que mais abusam sexualmente de crianças e adolescentes (Ficar de Bem – CRAMI, 2018; Neves et al., 2010; Serafim, Saffi, Achá & Barros, 2011; Saffioti, 1995)..

(36) 36. Do ponto de vista legal, o abuso sexual, sendo este incestuoso ou não, praticado por adultos contra crianças ou adolescentes abaixo de 14 anos é considerado estupro de vulnerável pelo Código Penal Brasileiro, com pena de reclusão que pode variar de 8 a 15 anos (Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940).. Abuso sexual extrafamiliar Trata-se de um tipo de abuso sexual que ocorre fora do âmbito familiar, que pode ser praticado por pessoas desconhecidas ou por pessoas próximas da criança e do adolescente, tais como amigos da família, vizinhos, professores ou demais pessoas sem relações de parentesco ou de responsabilidade formal em relação à criança ou ao adolescente abusado(a) (CRAMI ABCD, 2008; Pires & Miyazaki, 2005; SEDH, 2004).. Abuso sexual em instituições de atendimento à criança e ao adolescente É uma modalidade de abuso sexual similar aos tipos já mencionados, que ocorre em instituições públicas (governamentais) ou privadas encarregadas de prover, proteger, defender e cuidar de crianças e adolescentes (CRAMI ABCD, 2008; SEDH, 2004). Pode ocorrer em qualquer instituição que ofereça atendimento, espaços de socialização, serviços de acolhimento institucional e de cumprimento de medidas socioeducativas instituições educacionais e de saúde, tais como escolas, hospitais, clínicas, entre outros. O abuso pode ocorrer entre as próprias crianças e adolescentes ou entre os profissionais da instituição e as crianças/adolescentes.. Quando. ocorre. entre. as. próprias. crianças. e. adolescentes, “os recém chegados são forçados a se submeterem sexualmente a grupos de adolescentes mais velhos e antigos na instituição e que dominam o território e poder local” (SEDH, 2004). No caso de abuso praticado pelos profissionais, a violência sexual não tem necessariamente a função de satisfação do prazer, mas sim de poder e subjugação da vítima (SEDH, 2004). Pode-se dizer que o abuso sexual em.

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