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O Sistema de Garantia de Direitos

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2. REVISÃO TEÓRICA

2.2. Marcos legais da infância

2.2.5. O Sistema de Garantia de Direitos

O ECA, enquanto instrumento jurídico, formulou os direitos de crianças e adolescentes. Para garantir o atendimento desses direitos foi definida a participação de diversas instâncias públicas governamentais e da sociedade civil que, articuladas e integradas, constituem um sistema, denominado Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGD). Essa nomenclatura passa a ser oficialmente utilizada a partir da Resolução nº 113 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), publicada em 19 de abril de 2006 (CONANDA, 2006).

A configuração do SGD é definida no artigo 1º da Resolução 113:

O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal (CONANDA, Resolução 113, art. 1º).

A efetivação dos direitos humanos deve contemplar os

direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, coletivos e difusos, em sua integralidade, em favor de todas as crianças e adolescentes, de modo que sejam reconhecidos e respeitados como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento; colocando-os a salvo de ameaças e violações quaisquer de seus direitos, além de garantir a apuração e reparação dessas ameaças e violações (CONANDA, Resolução 113, art. 2º).

Na perspectiva da garantia de direitos, “a proposta do CONANDA é que o enfrentamento e as ações de prevenção da violência doméstica contra crianças e adolescentes tenham participação efetiva das instâncias componentes do SGD” (Branco & Tomanik, 2012, p. 404). Essas instâncias são formadas pelos órgãos públicos e pelas organizações da sociedade civil que atuarão em rede, a partir de três eixos de ação: defesa, promoção e controle da efetivação dos direitos humanos (CONANDA, Resolução 113, art. 5º).

O eixo da defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes caracteriza-se pela garantia do acesso à justiça, sendo responsabilidade do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensorias Públicas, Segurança Pública, Conselhos Tutelares, Ouvidoria e Entidades Sociais de Defesa dos Direitos (CONANDA, Resolução 113, Capítulo IV).

O eixo estratégico da promoção dos direitos humanos de crianças e adolescentes operacionaliza-se através do desenvolvimento da política de atendimento, sob responsabilidade do Estado, da família e da sociedade. As ações se dão por serviços e programas das políticas públicas, de medidas de proteção de direitos humanos e de execução de medidas socioeducativas (CONANDA, Resolução 113, Capítulo V).

As Políticas Públicas, especialmente as políticas sociais, assegurarão o acesso de todas as crianças e adolescentes a seus serviços, especialmente àquelas com direitos violados ou em conflito com a lei (CONANDA, Resolução 113, art. 16).

Os serviços e programas de execução de medidas de proteção de direitos humanos “têm o caráter de atendimento inicial, integrado e emergencial, desenvolvendo ações que visem prevenir a ocorrência de ameaças e violações dos direitos humanos de crianças e adolescentes e atender as vítimas imediatamente após a ocorrência dessas ameaças e violações” (CONANDA, Resolução 113, art.17).

Os programas de execução de medidas socioeducativas são destinados ao atendimento dos adolescentes autores de ato infracional, em cumprimento de medida judicial socioeducativa (CONANDA, Resolução 113, art. 19).

O eixo do controle e da efetivação dos direitos humanos é tratado no Capítulo VI da Resolução 113:

O controle das ações públicas de promoção e defesa dos direitos humanos da criança e do adolescente se fará através das instâncias públicas colegiadas próprias, onde se assegure a paridade da participação de órgãos governamentais e de entidades sociais, tais como: I - conselhos dos direitos de crianças e adolescentes; II - conselhos setoriais de formulação e controle de políticas públicas; e III - os órgãos e os poderes de controle interno e externo definidos nos artigos 70, 71, 72, 73, 74 e 75 da Constituição Federal (CONANDA, Resolução 113, art. 21).

O parágrafo único do referido artigo destaca que “o controle social é exercido soberanamente pela sociedade civil, através das suas organizações e articulações representativas”.

O SGD articula-se com os demais sistemas nacionais de Políticas Públicas, especialmente nas áreas da saúde, educação, assistência social, trabalho, segurança pública, planejamento, orçamentária, relações exteriores e promoção da igualdade e valorização da diversidade (CONANDA, Resolução 113, art. 1º, § 1º). Neste contexto, a garantia de direitos, é de responsabilidade de diferentes instituições que atuam de acordo com suas competências:

as instituições legislativas nos diferentes níveis governamentais; as instituições ligadas ao sistema de justiça — a promotoria, o Judiciário, a defensoria pública, o conselho tutelar — aquelas responsáveis pelas políticas e pelo conjunto de serviços e programas de atendimento direto (organizações governamentais e não governamentais) nas áreas de educação, saúde, trabalho, esportes, lazer, cultura, assistência social; aquelas que, representando a sociedade, são responsáveis pela formulação de políticas e pelo controle das ações do poder público; e, ainda, aquelas que têm a possibilidade de disseminar direitos fazendo chegar a diferentes espaços da sociedade o conhecimento e a discussão sobre os mesmos: a mídia (escrita, falada e televisiva), o cinema e os diversificados espaços de apreensão e de discussão de saberes, como as unidades de ensino (infantil, fundamental, médio, superior, pós-graduado) e de conhecimento e crítica (seminários, congressos, encontros, grupos de trabalho) (Baptista, 2012, p. 187).

Segundo Baptista (2012), as ações dos programas e serviços “têm sido historicamente localizadas e fragmentadas, não compondo um projeto comum que permita a efetividade de sua abrangência e maior eficácia no alcance dos principais objetivos por elas buscados” (p. 187).

A superação da violação de direitos demanda uma intervenção concorrente de diferentes setores, e a efetividade e eficácia das intervenções dependem da dinâmica e articulação estabelecidos entre as diversas instâncias

do poder estatal e da sociedade, tendo como princípio norteador a transversalidade.

Essa articulação deve levar à composição de um todo organizado e relativamente estável, norteado por suas finalidades. Esse tipo de organização configura um sistema, que se expande em subsistemas, os quais, por sua vez, ampliam‑ se em outros subsistemas de menor dimensão, cada qual com suas especificidades (Baptista, 2012, p. 188). Segundo Baptista (2012) a organização e as conexões da complexidade do SGD envolvem articulações intersetoriais, interinstitucionais e inter-regionais, com a definição clara dos papéis dos diversos atores sociais para que não ocorra o acúmulo de funções e sobreposição das ações. A articulação dessa rede relacional apoia‑ se na clareza dos profissionais nela participantes, de que nenhuma de suas instituições pode alcançar seus objetivos sem a contribuição e o alcance de propósitos das outras.

A partir de uma reflexão sobre a dinâmica histórica do SGD, Baptista (2012) propõe a inclusão de dois eixos aos já propostos pelo CONANDA: um eixo inicial da “instituição do direito”, e um quinto eixo que trataria da “disseminação do direito”.

O primeiro trataria do direito legal instituído, configurado pelas leis e regras que norteiam as relações da sociedade, cuja formulação é responsabilidade do Poder Legislativo. Segundo Baptista (2012) na medida em que a instituição dessas regras “é determinada pelos processos permanentes de mudança que incidem sobre as relações de sociedade [...], as etapas a ser percorrida para garantir direitos básicos devem ir além da garantia do instituído”, considerando as mudanças que ocorram, seja no sentido do avanço ou do retrocesso (p.192). Baptista propõe a inclusão da instância legislativa no Sistema de Garantia de Direitos com o objetivo de “harmonização das propostas legislativas com os propósitos dos demais parceiros do sistema e com as expectativas da sociedade em relação aos direitos humanos” (p.193).

O eixo da disseminação do direito no SGD teria por objetivo preparar a sociedade para a construção de uma “cultura de cidadania, no qual a exigibilidade e o respeito aos direitos humanos sejam fundamentais” (Baptista, 2012, p. 196). Para Baptista, a inclusão deste eixo poderia ser uma estratégia

para difundir uma cultura de promoção, defesa e garantia de direitos na sociedade. Participariam desse eixo os diferentes meios de comunicação e de formação: as instituições educativas em todos os níveis, primário ao universitário; os órgãos de divulgação — imprensa, rádio, televisão; o cinema e demais meios de comunicação (internet, espaços de encontro e discussão e outros).

No que tange ao sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, destaca-se que em 04 de abril de 2017 foi decretada e sancionada a Lei nº 13.431, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente e estabelece medidas de assistência e proteção a esse público. A lei conceitua e tipifica as formas de violência, além de instituir como essas crianças e adolescentes serão ouvidas, diferenciando a escuta especializada e o depoimento especial, de acordo com a finalidade da entrevista e o serviço responsável pela realização da mesma.

A escuta de crianças e adolescentes vítimas de violência no âmbito judicial vem sendo amplamente debatida pelos Conselhos Federais de Psicologia e Serviço Social, motivo pelo qual será apresentado o contexto que culminou na promulgação desta lei.

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