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DISCUSSÃO

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Como já esclarecido na seção dedicada ao método dessa pesquisa, a diferença entre o número de prontuários e o de crianças e adolescentes se deve a organização coparticipante (CRAMI – Ficar de bem) adotar como critério um prontuário para cada família atendida. Assim sendo, a amostra de 2470 crianças e adolescentes demonstra que, em algumas famílias, mais de uma criança ou adolescente sofreu violência.

A discussão dos resultados será apresentada a partir de categorias sistematizadas a posteriori, a fim de facilitar a compreensão da complexidade dos dados obtidos nos Resultados. Assim, considera-se:

 Caracterização das crianças e adolescentes vítimas por natureza da violência;

 Caracterização dos autores de violência: conforme sexo, idade, vínculo com a vítima e violência praticada;

 A participação dos serviços da rede de atendimento nos períodos mencionados.

a) Sexo e idade das crianças e adolescentes vítimas por natureza da violência

No que tange ao sexo das vítimas, foi identificada uma prevalência de sexo feminino (52,8%) sobre o masculino (47,2%), o que vai ao encontro de pesquisa realizada por Gawryszewski et al. (2012) e Cezar et al. (2017), que analisaram notificações referentes a maus tratos sofridos por crianças e adolescentes, com o objetivo de descrever o perfil das notificações. Relacionando sexo e idade das vítimas, Gawryszewski et al. (2012) identificou a prevalência da idade de 10 a 14 anos (38,8%) entre as vítimas do sexo feminino e abaixo de 5 anos (35,8%) em meninos.

Os resultados encontrados referente à faixa etária das crianças e adolescentes atendidas pela organização coparticipante, Ficar de Bem - CRAMI, no período de janeiro/93 a dezembro/17 apontaram uma distribuição quase

homogênea dos casos ao longo das idades, com 39,1% das notificações concentradas na primeira infância (0 a 6 anos de idade), seguido pela faixa dos 8 anos aos 11 de idade (34%) e adolescência (26,9%), diferindo do perfil encontrado por Gawryszewski et al. (2012).

A diferença identificada nos resultados pode ser decorrente dos critérios adotados no que se refere aos registros das informações pelos diferentes serviços pesquisados ou na coleta dos dados realizados pelos pesquisadores, tais como se foi considerada a idade da vítima por ocasião da notificação ou a idade da criança quando as agressões começaram a ocorrer.

Importante frisar que a idade considerada para caracterização do perfil das crianças e adolescentes na região do Grande ABC, objeto desta pesquisa, foi a adotada pela instituição pesquisada, que considera a idade da vítima por ocasião do recebimento da notificação. Na leitura dos prontuários das crianças e adolescentes participantes da pesquisa, foi observado relato de que a violência já acontecia há mais tempo, muitas vezes há anos.

Como hipótese para a notificação tardia, pode-se pensar que nos primeiros anos de vida, a socialização da criança fica mais restrita ao ambiente familiar. A partir dos 6 anos de idade, a criança é inserida na vida escolar, sendo que este fato amplia seu círculo social e comunitário, possibilitando que sejam percebidos eventuais sinais de que sofra violência a ocorrência de notificação. A falta de inserção da criança no mundo da escola pode representar uma vulnerabilidade, visto que em outros espaços públicos tais como as unidades de saúde, as visitas são esporádicas e as ocorrências podem escapar da percepção dos profissionais. Esta hipótese considera o papel que o professor exerce para identificação da violência e a importância da Política Pública da Educação enquanto integrante do Sistema de Garantia de Direitos (Assis, 1994; SEDH, 2004).

Desta forma, pode-se questionar se o resultado encontrado quanto à distribuição homogênea na idade das vítimas é fidedigno, uma vez que vários casos que foram computados na faixa etária acima dos 8 anos de idade, já sofriam a violência desde a primeira infância, independente da natureza da violência.

Violência física

A violência física predominou entre as crianças e adolescentes pesquisadas, seguida da negligência/abandono. Caso se considere a violência física de uma forma isolada ou acompanhada de violência psicológica, sexual ou negligência, a mesma incidiu em 57,7% da amostra pesquisada. Das 1474 crianças e adolescentes vítimas de violência física, 51,1% foram do sexo masculino e 48,9% do sexo feminino.

Com relação à idade das vítimas, a violência física predominou em quase todas as faixas etárias, com exceção a crianças com idade inferior a 3 anos, nas quais prevaleceu a negligência.

O predomínio da violência física também foi identificada por Cezar, Arpini e Goetz (2017) e a prevalência da violência física sofrida por meninos corrobora com os resultados encontrados por Gawryszewski et al. (2012). Entretanto, os índices apontam quase que um equilíbrio entre o sexo das vítimas, o que pode estar relacionado ao fato de ser aceito em nossa cultura o uso de castigos e punições físicas na educação de crianças e adolescentes, independente do sexo. Este aspecto pôde ser percebido na leitura dos prontuários consultados para a pesquisa, em que constam vários relatos que legitimam o uso da prática da violência física, tanto por parte das vítimas (“eu mereci”, “apanho só quando faço algo errado”), quanto pelos autores da violência (“eu apanhei na infância e me tornei uma pessoa de bem”, “eu sofri vários castigos e sobrevivi”).

Outro aspecto identificado na análise dos prontuários é a subjetividade na delimitação do que seria “aceito” como prática educativa: o que é considerado “leve” para alguns, poderia ser “espancamento” para outros, uma vez que o critério estaria na pessoa que pratica a agressão e não na vítima. O desconhecimento sobre outras formas de educar também foram encontrados no registro dos relatos de pais, responsáveis e demais cuidadores de crianças e adolescentes.

Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente afirme que “a criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo

físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto” (Art. 18), essas práticas ainda são adotadas por pais e responsáveis.

A proteção de crianças e adolescentes da violência física envolve ações que considerem o aspecto intergeracional da mesma, os danos e prejuízos aos envolvidos, considerando o âmbito da saúde, social e legal (Azevedo, 1997; Guerra, 1998; Minayo, 2001; OMS, 2002; Sanches & Minayo, 2006; CRAMI- ABCD, 2008).

Violência sexual

Associando o sexo da criança e adolescente vítima com a natureza da violência, nas ocorrências de violência sexual é onde foi identificada a maior diferença percentual entre vítimas do sexo masculino e feminino. A amostra pesquisada contemplou 430 crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, seja ocorrendo de forma isolada ou acompanhada de outros tipos de violências.

A análise dos dados das notificações de violência sexuais mostrou que a média de idade de quem sofreu a violência sexual foi de 9,2 anos, com 67,1% estando na faixa etária de 5 a 13 anos de idade. A maior frequência foi entre as crianças e adolescentes do sexo feminino (77,9%), corroborando com os resultados encontrados na pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde (2018) dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes notificados pelos serviços de saúde no Brasil no período compreendido de 2011 a 2017.

A pesquisa do Ministério da Saúde identificou a predominância de vítimas do sexo feminino, sendo 74,2% na faixa etária de 0 a 9 anos e 92,4% dos 10 aos 19 anos, ou seja, assim como nas demais regiões do Brasil, as crianças e adolescentes da região do Grande ABC que sofreram violência sexual, são predominantemente do sexo feminino.

A prevalência de vítimas do sexo feminino na violência sexual pode estar associada às questões de gênero que foram apontadas por diversos autores como Chauí (1985); Safiotti (1995); Faleiros (2000); Moreira e Sousa (2012);

Fonseca et al. (2012) e Bandeira (2014). Nesses casos, a violência é motivada por desigualdades baseadas na questão do feminino, sendo tratado de forma subalterna e inferior acarretando na configuração de relações caracterizadas de forma hierárquica. Nesta análise, o gênero é considerado um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e uma forma primeira de significar as relações de poder, com naturalização da subordinação de mulheres e meninas, aspecto este corroborado por Fonseca et al. (2012).

No entanto, os dados da presente pesquisa apresentam um volume importante de notificações contra as crianças e adolescentes do sexo masculino, tema que precisa ser melhor visibilizado, conforme apontado em Boletim Epidemiológico publicado pelo Ministério da Saúde em 2018. Segundo Fonseca et al. (2012) as ações contra meninos são omitidas, apontando uma invisibilização social. A subnotificação dos casos nos quais os meninos são vítimas de violência sexual, pode estar relacionado a fatores culturais e sociais diante dos quais é esperado que o gênero masculino ocupe um lugar de dominação e não de dominado, apontando que a violência sexual contra meninos vem sendo banalizada devido a estereótipos de masculinidade, conforme apontado por Hohendorff et al. (2012) e Moreira e Sousa (2012).

Desta forma, é possível inferir que o perfil das crianças e adolescentes vítimas de violência sexual na Região do Grande ABCD/SP não difere de outros locais do Brasil, nos quais há uma predominância de vítimas do sexo feminino, com uma subnotificação dos casos envolvendo meninos como vítima.

Violência psicológica

No que concerne à violência psicológica, não foram encontradas pesquisas epidemiológicas recentes sobre o tema, o que corrobora as afirmações de Assis (2006) sobre a ausência de estudos nacionais sobre o tema, que refere que o abuso psicológico não era reconhecido como uma violência em si, sendo sempre associada a outros tipos de violência.

Outro aspecto que possivelmente dificulte a identificação da violência psicológica, é que caso a mesma não seja presenciada, os indicadores para sua identificação são mais sutis e subjetivos, ao contrário dos demais tipos de violência que apresentam indicadores físicos evidentes (lesões, desnutrição, problemas de saúde, entre outros). Embora seja uma forma mais subjetiva de violência, esta pode ocorrer associada com agressões corporais e deixar profundas marcas no desenvolvimento da criança e do adolescente, conforme apontado por Serafim e Satti (2019).

Entretanto, ainda que haja escassez de pesquisas sobre o tema, Calza et al. (2016) apontam que em pesquisa realizada junto ao Programa Saúde da Família em Niterói/RJ sobre as notificações realizadas no período de 2011, a violência psicológica foi identificada em 96,7% dos domicílios. Dados semelhantes foram encontrados pelos autores em relato de pesquisa realizada no município de Araçatuba/SP com 390 adolescentes, em que 72,3% relataram ter sofrido algum tipo de violência durante a infância, com predomínio da violência psicológica (61,3%).

Os critérios adotados pela Ficar de Bem – CRAMI levam em consideração tanto a prática isolada da violência psicológica, quanto quando associada a outras formas de violência. No entendimento da instituição a violência psicológica está presente em todos os episódios de violência sofridos pela criança ou adolescente, seja de qual natureza for, pois os atos violentos são acompanhados de ameaças, humilhações, desrespeito, entre outras formas de desqualificação da vítima. Situações envolvendo alienação parental também são consideradas pela instituição como violência psicológica. Mas, a violência psicológica foi registrada e considerada nos prontuários apenas nos casos nos quais houve a menção da mesma por parte do órgão que encaminhou a família para o atendimento.

A instituição Ficar de Bem – CRAMI classifica como violência psicológica de uma forma isolada, quando os atos citados acima não são acompanhados de agressões físicas, sexuais ou negligência. As ocorrências de violência psicológica de uma forma isolada corresponderam a 6,2% da amostra pesquisada, em que houve uma predominância de vítimas do sexo masculino

(51%) sobre o feminino (49%), e uma incidência maior dos casos na faixa etária de 8 a 11 anos (28,1%), seguido pela faixa de crianças com até 4 anos de idade (22,8%).

Quando foi considerada a violência psicológica notificada com outros episódios de violência (física, sexual e negligência), a violência psicológica passa a compor 25,8% da amostra. Nesses casos, a média de idade da vítima foi 9,1 anos e o perfil inverteu, predominando o sexo feminino como vítima (51,7%) em relação ao masculino (48,3%). Pode-se levantar como hipótese que essa diferença se deve ao fato de que a análise passa a ser “contaminada” com as características de outros tipos de violência, como, por exemplo, a predominância de vítimas de sexo feminino nas ocorrências de violência sexual, e que estão sendo consideradas neste agrupamento.

Desta forma, analisando-se os resultados, observa-se um equilíbrio entre os percentuais das vítimas da violência psicológica no tocante ao sexo da vítima (51% e 49%), com a diferença não sendo significativa estatisticamente, o que pode estar relacionado ao fato de que algumas atitudes, tais como gritos e xingamentos não serem consideradas como violência por pais e responsáveis, que acreditam que essas práticas são naturais no processo de educação de crianças e adolescentes, independente do sexo.

Em vários prontuários consultados constavam relatos que banalizam a violência psicológica como tal (“minha mãe só ameaça, mas não bate”, “dizem que eu sou burro e que não sirvo para nada, mas ninguém me agride”, “meus pais dizem que eu não devia ter nascido e que eu não sirvo para nada”).

Ainda que tenham sido encontradas pesquisas que apontem a incidência de notificações de ocorrências de violência psicológica (Assis & Abranches, 2011; Calza et al., 2016; Fundação ABRINQ, 2018), as mesmas não mencionam a caracterização das vítimas, tais como sexo e idade. Desta forma, os dados obtidos na literatura não permitem afirmar que o perfil das crianças e adolescentes vítimas de violência psicológica na região do Grande ABC são semelhantes às de outros locais no Brasil.

Negligência e abandono

Analisando a incidência da negligência, observa-se que esta foi a segunda maior violação identificada na amostra pesquisada, representando 20% quando considerada como única violação sofrida e 37,8% quando acompanhada por episódios de violência física, psicológica ou sexual.

Verificou-se, nos resultados obtidos, a predominância de vítimas do sexo masculino quando a negligência aconteceu de forma isolada ou acompanhada de violência física (29,3%). Quando acompanhada de atos de violência psicológica (1,6%) e sexual 0,6%) meninas predominaram como vítimas. A predominância de vítimas do sexo feminino quando a negligência foi acompanhada da violência sexual, pode ter se dado por esta sofrer influência das questões de gênero já mencionadas nos casos de violência sexual.

Ao contrário das violências de outra natureza, houve um decréscimo constante no percentual observado, conforme aumenta a idade da vítima, saindo da faixa de 40-50% na faixa abaixo de 7 anos até chegar entre 3% por volta dos 16/17 anos.

O índice predominante na primeira infância (47,7%) pode estar relacionado ao fato de bebês e crianças dependerem de adultos para suprir suas necessidades básicas, tais como alimentação, higiene e demais cuidados indispensáveis para sua sobrevivência. O adolescente, embora ainda necessite de atenção e proteção, apresenta maior autonomia e condições para suprir suas necessidades básicas.

A alta incidência das notificações envolvendo negligência contra crianças e adolescentes (37,8%) corroboram com pesquisa realizada pela Fundação ABRINQ (2018) referente às denúncias realizadas ao “Disque 100”, que apontaram a negligência como a maior violação de direito denunciada no ano de 2016. A negligência também apareceu como a maior violação denunciada ao Conselho Tutelar de Caruaru/PE no ano de 2006, conforme pesquisa realizada por Gawryszewski et al. (2012) e em denúncias verificadas e comprovadas junto ao SOS de Curitiba/PA no ano de 2002 (Calza et al., 2016).

O alto índice e notificações de negligência tendo crianças como vítimas é comprovado em vários estudos, sendo identificado que, na maioria dos casos, há falta de supervisão parental, referente a cuidados com alimentação, vestimenta, higiene, saúde física, saúde mental e educação (Calza et al., 2016; Cezar et al., 2017; Silva et al., 2013).

O perfil das crianças e adolescentes vítimas de negligência e abandono na região do Grande ABC é semelhante ao perfil descrito em estudos que analisaram as notificações ocorridas outros locais do Brasil, nos quais também houve uma prevalência da negligência, principalmente com crianças de menor faixa etária (Calza et al., 2016; Gawryszewski et al., 2012; Silva et al., 2013).

Desta forma, a proposição e criação de Políticas Públicas que fortaleçam o papel protetivo da família, considerando o contexto social, econômico e cultural da mesma, por meio da oferta de orientação a pais e responsáveis sobre os cuidados necessários para que crianças e adolescentes tenham um adequado desenvolvimento físico e emocional, poderia contribuir para superação do alto índice de negligência que afeta crianças e adolescentes em todo o Brasil.

b) Caracterização dos autores de violência: sexo, idade, violência praticada e vínculo com a vítima

Com os autores da violência, a amostra da pesquisa foi composta por 1783 pessoas, número inferior ao número de crianças e adolescentes vítimas, fato que se justifica devido a uma mesma pessoa cometer agressão contra mais de uma criança ou adolescente.

No tocante ao sexo, houve um certo equilíbrio, com pouco mais da metade de mulheres (50,6%). No que se refere a idade, houve uma maior concentração de agressores na faixa de 21 a 30 anos e 31 a 40 anos de idade (68,3% nessas faixas somadas). Crianças e adolescentes aparecem como agressores em 5,1% dos autores de violência pesquisados.

Importante frisar que a mesma consideração feita quanto à idade da vítima, se aplica ao agente autor da violência. A idade considerada na pesquisa

foi a registrada por ocasião da notificação encaminhada à instituição pesquisada. Na leitura dos prontuários foi observado relato de que a violência já acontecia há mais tempo, muitas vezes há anos, ou seja, quando as violências começaram, o autor da violência tinha idade inferior à considerada nesta pesquisa.

Para análise do vínculo entre vítima e autor da violência foi considerado como referência o universo de 2470 crianças e adolescentes, uma vez que um mesmo agressor pode ter vínculo diferente com as vítimas, por exemplo, quando vitimiza duas crianças, podendo ser pai de uma delas e padrasto de outra. Como cada agente agressor pode ter praticado violência de naturezas diferentes, cabe fazer uma reflexão sobre as características de cada uma delas também.

Violência física

Referente aos autores da violência física contra crianças e adolescentes, considerando as ocorrências em que a violência física ocorreu isolada ou associada a outras violências, os indivíduos do sexo feminino predominaram (55,6%). Nas ocorrências de violência física, a mãe predominou como a maior agente agressora (41,6%), seguida pelo pai (29,3%). Se considerarmos as ocorrências em que ambos cometeram a violência (8,9%), em 79,8% dos casos a violência foi praticada por algum dos genitores.

A prevalência dos pais como autores da agressão corroboram com estudos realizados por Gawryszewski et al. (2012) em pesquisa realizada no estado de São Paulo, que analisou 4085 notificações registradas por 429 serviços ao Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes no ano de 2009.

A aplicação de castigos físicos como forma de educar e disciplinar é uma realidade no Brasil desde o século XVI e aceito ainda hoje, sendo utilizado como prática corretiva e educativa de crianças e adolescentes, conforme apontado por Guerra (1998) e Del Priore (1999).

Os pais aparecerem como os maiores agressores físicos de crianças e adolescentes pode estar relacionado ao fato de serem os principais responsáveis pela criação e educação dos filhos, e reproduzirem nesta relação a

forma como foram educados. A leitura dos prontuários pesquisados demonstra que os pais acreditam no uso do castigo físico, com vários relatos de terem sido criados desta forma. Os relatos também indicam que não consideram os castigos físicos sofridos na infância como uma violência, e sim como forma legítima e natural de correção e disciplina, naturalização esta identificada por vários autores (Assis, 1994; Azevedo & Guerra, 1995; CRAMI-ABCD, 2008; SEDH, 2004).

Em relação à prevalência da mãe, Fonseca et al. (2012) e Silva et al. (2013) atribuem ao fato de ser ela quem está mais próxima fisicamente da criança, o que pode favorecer a ocorrência de situações de violência e explicar os dados referentes à prevalência de mulheres, sujeitos que têm a função de proteger, também como principais agressoras no ambiente doméstico.

A idade dos agentes agressores apresentou maior concentração na faixa etária dos 21 a 40 anos (73,8%). Uma das hipóteses é que esta faixa concentra a idade que pais e demais cuidadores tem crianças e adolescentes sob seus cuidados. Antes dos 21 anos a faixa contempla adultos jovens que ainda não tem filhos, e após os 40 anos, os filhos podem estar com uma idade maior.

Violência sexual

Referente aos autores das violências sexuais contra crianças e adolescentes, considerando as ocorrências em que a violência sexual ocorreu isolada ou associada a outras violências, os indivíduos do sexo masculino foram identificados como os principais agressores, totalizando 91,8% dos casos, o que corrobora com as demais pesquisas realizadas. Segundo Fonseca et al. (2012), a prevalência de homens como autores de violência sexual e meninas como vítimas configura uma forma privilegiada de violência determinada pelo gênero,

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