RevPaulPediatr.2016;34(3):251---253
REVISTA
PAULISTA
DE
PEDIATRIA
www.rpped.com.br
EDITORIAL
Em
tempo:
a
persistência
da
sífilis
congênita
no
Brasil
---
Mais
avanc
¸os
são
necessários!
In
time:
the
persistence
of
congenital
syphilis
in
Brazil
---
More
progress
needed!
Joshua
M.
Cooper
a,
Ian
C.
Michelow
b,
Phillip
S.
Wozniak
ae
Pablo
J.
Sánchez
a,∗aNationwideChildren’sHospital,TheOhioStateUniversityCollegeofMedicine,Columbus,EUA bRhodeIslandHospital,AlpertMedicalSchoolofBrownUniversity,Providence,EUA
Apesardedécadasdeexperiênciaepidemiológicaeclínica com sífilis materna e congênita, ambas continuam a ser importantesproblemasdesaúdepúblicanoBrasilenoresto dasAméricas.Em2010,comoapoiodaOrganizac¸ão Mun-dial de Saúde (OMS),os Estados-Membrosda Organizac¸ão Pan-Americana daSaúde(Opas) aprovaram a Estratégiae PlanodeAc¸ão paraaEliminac¸ão daTransmissão Materno--Infantildo HIV e daSífilis Congênita, com o objetivo de reduzir a incidência de sífilis congênita para ≤0,5 casos para1.000nascidosvivosem2015.1Em2014,17.400casos
(1,3/1.000 nascidosvivos) de sífilis congênitaforam noti-ficados nas Américas e 17 países podem ter eliminado a transmissão materno-infantil da sífilis.2 Apesar de alguns
progressos,oBrasil nãocumpriuametadeeliminac¸ãoda sífiliscongênita,mas,aocontrário,aepidemiacontinuae resulta em mortalidade neonatal e fetal significativa. Em 2010,6.916casos(2,27/1.000nascidosvivos)desífilis con-gênitaforamnotificados aoMinistério daSaúde eà Opas, enquanto queem 2013o númerodecasosaumentou para 13.705 (4,70/1.000nascidosvivos)antesdediminuir para 6.793casosem2014.2,3
DOIserefereaoartigo:
http://dx.doi.org/10.1016/j.rppede.2016.06.004
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:pablo.sanchez@nationwidechildrens.org(P.J.Sánchez).
Asífilis congênita éumadoenc¸aevitável edeve haver tolerânciazero paraasuaocorrência,poisatémesmo um casorepresentaumafalhadosistemapúblicodesaúde.Os profissionaisdesaúdesabemoquedeveserfeitopara preve-nirasífiliscongênitaesuascomplicac¸ões,queincluemparto denatimorto,prematuridade,hidropsiafetalnãoimunee mortalidadeneonatal.4AOMSestimaque,globalmente,1,5
a1,85 milhãode mulheres grávidas estão infectadascom sífilis anualmente e metade delas tem filhos com resul-tados adversos.4 Nos Estados Unidos, de 1999 a 2013, a
mortalidade neonatalsecundária à sífilis congênitafoi de 12/1.000 nascidos vivos, com uma taxa de letalidade de 6,5%.5Das418mortesregistradas,82%foramnatimortose
89%das mãestinham sífilis nãotratadaoutratada inade-quadamente.Alémdisso,menoscuidadospré-nataisforam associadoscom um aumentodo risco de morte e, impor-tante,59%dasmortesocorreramporvoltade31semanas degestac¸ão.
É evidentequeasmulheres grávidas devem teracesso aopré-natal precocee ser testadas sorologicamentepara sífilis na primeira consulta pré-natal e, em áreas de alto risco,novamentede28a32semanasduranteagestac¸ãoe noparto.6DeacordocomaOpas,94%dasmulheres
grávi-dasnasAméricascomparecemapelomenosumaconsultade pré-natalduranteagravideze80%sãotestadasparasífilis emalgummomentoduranteagravidez.2NoBrasil,
Domin-gues et al.7 entrevistaram 23.894 mulheres no pós-parto
252 CooperJMetal.
e relataram que 98,7% tinham tido pelo menos uma con-sultapré-natal,89% tinhamdocumentac¸ãodepelo menos umtestedesífilis registrado nasfichas depré-natal, mas apenas um adicional de 41% tinha sido submetido a um segundoteste.De2011a2014,aOpasrelatouumaumento de 81% para 86% em mulheres infectadas com sífilis que tinham documentac¸ão de tratamento adequado, embora aindaestivesseabaixodesuametade95%.2Portanto,não
ésurpreendenteque a sífiliscongênita continue aser um grandeproblemanoBrasilenorestodasAméricas.
Alémdaidentificac¸ãodemulheresgrávidasinfectadas,o tratamentooportunoéobrigatórioparaprevenc¸ãodasífilis congênita.8,9 Emlocaisonde oacompanhamentoéincerto
oudifícil, o teste rápido de sífilis point-of-care deve ser feitodemodoaqueasmulheressejamtratadasnolocale semdemora.Alémdisso,otestesorológicoeotratamento presuntivodoparceiro sexualsão essenciaisparaevitar a reinfecc¸ãoeatransmissãoparaofeto.10NoBrasil,estima-se
queapenas12%dosparceirossexuaisrecebamtratamento paraasífilis,11 certamenteumafalha dainfraestruturade
saúdepública,já queo rastreamento decontatoe trata-mentoéoprincipalmétododecontroledatransmissãoda sífilisnascomunidades.
Penicilina G é o único agente antimicrobiano eficaz conhecidopara prevenir atransmissãovertical dasífilis e tratamentodainfecc¸ãofetal.6Asmulheresgrávidasdevem
receberoesquemadetratamentocompenicilinaadequado paraoestágiodainfecc¸ãoesequalquerdosedaterapianão foradministradaparaasífilislatente,oesquemacompleto detratamentodeveserrepetido.Asmulheresgrávidasque têmumhistóricodealergiaàpenicilinadevemser dessen-sibilizadasetratadascompenicilina.
Infelizmente,odiagnósticodesífiliscongênitacontinua aserumproblemadevidoàincapacidadedesedetectarou cultivarTreponemapallidum emamostras clínicas.Assim, énecessáriodependerdeexameslaboratoriaisque detec-tamanticorposIgGmaternos em testes nãotreponêmicos etreponêmicostransmitidosporviatransplacentáriaparao feto.Noentanto,ousodotestedeimmunoblottingparaIgM, ensaiosdePCRetestedeinfecciosidadeemcoelhos(RIT ---ainoculac¸ãodefluidodopacienteinfectadoemtestículos decoelhocomresultanteinfecc¸ãosifilíticadocoelho)em laboratóriosdepesquisapermitiuaanáliseracionalbaseada emevidênciaparaomanejodecrianc¸asnascidas demães comsorologiareativaparasífilis.12---15
Recém-nascidos com sífilis comprovada ou muito pro-vável, istoé, aquelesque têm umexame físicoanormal, titulac¸ão sorológicanãotreponêmica quantitativanosoro queéquatrovezesousuperioràtitulac¸ãodamãe, micros-copiadecampoescuropositivaouPCRdelesõesoufluidos corporais/tecidos/placenta,16 são prontamente
diagnosti-cadose devemreceber10diasdetratamentointravenoso compenicilinaGcristalinaaquosaoutratamento intramus-cularcompenicilinaG procaína.Virtualmentetodasessas crianc¸as têm umteste de immunoblotting para IgM posi-tivo,e,pelomenos,50%delestêmespiroquetasdetectadas nolíquidocefalorraquidianopormeiodeRIT.17
A crianc¸a com boa aparência, com um exame físico normal e nascido de umamãe com sífilis não tratada ou inadequadamente tratada(<4 semanas antes doparto ou qualquer forma de tratamento sem penicilina G) conti-nua a ser um dilema diagnóstico. No entanto, enquanto
até20% dessas crianc¸as têmumtestede immunoblotting
paraIgMpositivo,indicativodeinfecc¸ãointrauterina,quase nenhuma apresentará invasãodo sistema nervoso central
peloT.pallidum seasuaavaliac¸ãocompleta (hemograma
completoeplaquetas,radiografiasdeossoslongoseexame do líquido cefalorraquidiano [LCR]) for normal.17 Essas
crianc¸aspodemreceberumaúnicainjec¸ãointramuscularde penicilinabenzatina(50.000U/kg).6Finalmente,ascrianc¸as
normaisnascidasdemãesadequadamentetratadasdurante agravidezecomdurac¸ãosuperioraquatrosemanasantesdo partodevemserconsideradoscomoum‘‘contatopróximo’’ e receber uma única injec¸ão intramuscular de penicilina benzatina, embora nenhumaavaliac¸ão seja necessáriaou recomendada.6Damesmaforma,crianc¸asnormaisquetêm
um resultado não reativo de teste não treponêmico no soro, mas são filhas de mães com sífilis não tratada ou inadequadamentetratada,podemreceberumadose única intramusculardepenicilinabenzatinasemavaliac¸ão---um cenáriocadavezmaiscomumcomousodetestes treponê-micos,taiscomoimunoensaiosenzimáticosouimunoensaios dequimioluminescênciaparadetecc¸ãodesífilis(triagempor sequênciareversa).18
Comoasífilispodeserumcofatorparaainfecc¸ãopelo HIV, todas as mulheres e seu(s) parceiro(s) sexual(s) que têm sífilis devem ser testadas para a infecc¸ão pelo HIV. Crianc¸as nascidas de mães coinfectadas com sífilis e HIV não requerem diferentes formas de avaliac¸ão, terapia ou acompanhamento.
Todas as crianc¸as com testes não treponêmicos reati-vosdevemreceberexamescuidadososdeacompanhamento e testes sorológicos (istoé, umteste nãotreponêmico) a cada 2-3meses atéque oteste setorne nãoreativo.Um testetreponêmicoreativonosorodepoisdos18mesesde idade, quando os anticorpos maternos já desapareceram, confirmaodiagnósticodesífiliscongênita,emboraaté20% das crianc¸as infectadas possam apresentar soroconversão completaparatestessorológicosdesífilisnãoreativos.
Recentemente, umaescassez de penicilinano Brasil e emoutraspartesdomundorepresentouumagraveameac¸a para a saúde de fetos e filhos de mães com sífilis. Se ospreparadosdepenicilinanãoestiveremdisponíveis,um tratamento de 10 diascom ceftriaxona podeser conside-radocomacompanhamentoclínicoesorológicocuidadoso, incluindoarepetic¸ãodaavaliac¸ãodoLCR.6,19São
necessá-riosesforc¸osdepesquisasparaavaliarseoutrosantibióticos, taiscomoaamoxicilina,podemtrataradoenc¸adosistema nervosocentraldemaneiraefetiva.
Afalta deidentificac¸ãooportunae detratamento ade-quado das crianc¸as infectadas pode ter consequências profundas na vida adulta. Manifestac¸ões da sífilis congê-nita tardia envolvem o sistema nervoso central, ossos e articulac¸ões,dentes,olhosepeleeincluematríadede Hut-chinson (ceratite intersticial,surdez por lesãodo 8◦
nervo craniano, dentes de Hutchinson), em homenagem a Sir JonathanHutchinson(1828-1913),daInglaterra.
Emtempo:apersistênciadasífiliscongênitanoBrasil---Maisavanc¸ossãonecessários! 253
Financiamento
Oestudonãorecebeufinanciamento.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
Agradecimentos
O autor PJS agradece a Michael V.Norgard, PhD, por sua excelenteorientac¸ão ementoria,aGeorgeH.McCracken, MD, por prever que a sífilis congênita era uma área que necessitava demaiores investigac¸ões,e aGeorgeD. Wen-del,MD,por seuconstante apoioenquanto compartilhava seuvastoconhecimentosobresífilismaterna.
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