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Conjecturas livres para construção de uma compreensão acerca do pós-modernismo<br>Issues for the construction of an understanding of post-modernism

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Conjecturas livres para construção de uma compreensão

acerca do pós-modernismo

Gilberto Lacerda Santos* Resumo: Este texto constitui um exercício de integração das contribuições de diferentes autores que abordaram conceitualmente o modernismo e o pós-modernismo, com o objetivo de explicitar a associação do primeiro ao processo de industrialização e o segundo à emergência da sociedade da informação. O trabalho segue uma lógica que permite, primeiramente, abordar o movimento modernista, enfatizando suas dimensões culturais, econômicas e sociais e, em seguida, abordar o movimento pós-modernista, ressaltando as mesmas dimensões. Trata-se, evidentemente, de um esforço comparativo, com o objetivo de elaborar, embrionariamente que seja, uma compreensão acerca do tema, capaz de nos permitir a associação do movimento pós-moderno à valorização da informação, principalmente tendo em vista os consideráveis avanços no campo das tecnologias de comunicação, que fizeram do conhecimento um produto de massa.

Palavras-chave: Modernismo. Pós-modernismo. Sociedade da informação

Issues for the construction of an understanding of post-modernism

Abstract:This text integrates contributions from different

authors who have conceptually approached modernism and post-modernism, in order to explain the association of the former to the process of industrialization and the latter to the emergence of the information society. The study first reviews the modernist movement, emphasizing its cultural, economic and social dimensions, and then the same dimensions of the post-modernist movement. The goal of this comparison is to develop an understanding about the theme, that associates the post-modern movement to information, considering the significant advances in the field of communication technologies, that have made knowledge a product for mass consumption.

Key words: Modernity. Post-modernity. Information society

*Professor-adjunto da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Mestre em Tecnologias na Educação, Ph.D. em Educação, Doutor em Sociologia. E-mail: glacerda@unb.br

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1 Tentativa de abordagem do que se costumou chamar de pós-modernismo

Abordar o pós-modernismo e a pós-modernidade e tentar defini-los, delimitá-los, compreendê-los, parece ser uma tarefa ao mesmo tempo simples e complexa, pertinente e desprovida de sentido. Simples e pertinente porque muito se escreveu e se falou sobre estes conceitos que, para inúmeros autores e estudiosos, assumem formas absolutamente concretas e explícitas, cuja manifestação é, inequivocamente, visível em muitas instâncias da sociedade; complexa e desprovida de sentido porque são conceitos extremamente abstratos, na medida em que os situamos na continuidade e não na ruptura com manifestações socioculturais precedentes, na medida em que questionamos sua originalidade estrutural e sua função como paradigma novo, suscetível de explicar, empregando ótica inédita, a dinâmica de funcionamento da sociedade atual.

O pós-modernismo surge, segundo Featherstone (1995), como um novo filão cultural e estético, como uma substituição do pensamento característico da sociedade moderna, segundo o qual existiam, de um lado, princípios unificadores que pudessem ser impostos às manifestações socioculturais e, de outro lado, metanarrativas capazes de atribuir algum sentido de coerência e de irrefutabilidade à História. Igualmente, o pós-modernismo surge como um processo de rejeição a princípios universalistas e globalizantes pretensiosos de explicar a aventura humana e de associá-la a um fio condutor mais ou menos previsível. É, certamente, esta a fronteira mais tangível entre o modernismo e o pós-modernismo: ao longo do período moderno, acreditava-se que seria possível compreender a História, tendo em vista a formulação de grandes teorias explicativas de todos os fenômenos e processos sociais. Com o advento da compreensão de que a totalidade é um equívoco, de que a universalidade é uma via sem saída, de que a homogeneização é redutora, surge espaço para uma nova forma de decodificar a História, forma esta chamada de pós-modernismo. Para melhor fixar esta configuração básica do pensamento pós-modernista, abordemos, com o auxílio de alguns autores, os elementos básicos do modernismo.

2 O movimento modernista como lógica cultural do movimento industrial

Segundo Buarque (1995), nos tempos modernos e até os anos de 1960, os homens julgavam que suas sociedades caminhavam movidas por desejos sociais similares, por um padrão igual de modernidade e por um destino comum, e este período chegou a seu termo quando se descobriu, quase que de repente, o valor da diversidade, do pluralismo, da heterogeneidade, da diferenciação, palavras-chave do movimento

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pós-moderno. Nesta mesma ordem de idéias, Touraine (1995) explica que a concepção de modernidade estava estreitamente associada à concepção da racionalização e que a rejeição de uma implicava na rejeição da outra. Em outras palavras, o autor vê como elemento básico da sociedade moderna o esforço de organização lógica das diferentes instâncias sociais em torno de uma objetividade racional, que suprime o sujeito em função do coletivo, pois “[...] o que (valia) para a sociedade, (valia) para o indivíduo.” (TOURAINE 1995, p. 20). Este autor insiste bastante sobre a natureza revolucionária do Modernismo com relação ao Iluminismo, período durante o qual a idéia de sujeito subordinado a uma vontade divina estava presente na organização da sociedade como um todo, fundamentada, principalmente, na tradição e nos costumes. Enquanto que o Iluminismo, de vocação transcendental, pretendia unir o Homem ao Cosmos, o Modernismo, de vocação telúrica, pleiteou a união do Homem ao Mundo, obrigando-o a, constantemente, reinventar-se (FOUCAULT, 1986).

É importante salientar que o movimento modernista surgiu, parafraseando Jameson (1996), como a lógica cultural do movimento industrial, em comunhão com a “progressiva racionalização e diferenciação econômica e administrativa do mundo social – [...], processos que resultaram na formação do estado moderno capitalista-industrial [...]” (FEATHERSTONE, 1995, p. 20). E não é difícil imaginar o cenário-berço do movimento moderno, pautado pela organização das grandes metrópoles, pelo esvaziamento do campo e do trabalho agrário, pelo estabelecimento de novos códigos sociais, pela reestruturação da célula familiar, pelo surgimento dos movimentos operários e sindicais, pelo fortalecimento do aparato produtivo da industrialização e, conseqüentemente, do capital, pelo estabelecimento de um novo modo de vida, mais adequado à cidade. Era o cenário da passagem da primeira para a segunda onda de desenvolvimento tecnológico, conforme nos diria Toffler (1980). Em um tal cenário, a sociedade capitalista exigia que o Homem se voltasse para o funcionamento objetivo e racional das coisas, do mundo e das engrenagens.

Bradbury e Mcfarlane (1989) nos relatam que a escritora inglesa Virgínia Woolf chegou mesmo a datar o epicentro do movimento de mudança que gerou o modernismo:

Em ou por volta de dezembro de 1910, a natureza humana mudou. [...] Todas as relações humanas se modificaram - entre patrões e empregados, maridos e mulheres, pais e filhos. E, quando as relações humanas mudam, há ao mesmo tempo uma mudança na religião, no comportamento, na política e na literatura. (WOOLF, 1966 apud BRADBURY; MCFARLANE, 1987, p. 27).

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Por sua vez, esses autores apontam o ano de 1880 como o início do movimento modernista, em um momento em que “[...] a inteligência crítica do iluminismo se combina com a sensibilidade exploradora do romantismo para dar estímulo à obra da primeira geração dos escritores realmente modernos”. (BRADBURY; MCFARLANE, 1987, p. 27).

Que seja ou não possível datar tão precisamente o advento do modernismo, o fato é que existe consenso em torno de seu advento e das modificações que o caracterizaram, e autores como Berman (1986) dedicaram a maior parte de suas vidas para tentar descortinar os sentidos possíveis da modernidade. Para ele, o marco principal do empreendimento humano nos séculos XIX e XX é a manifestação de preocupações eminentemente modernas nas artes, nos ambientes espaciais e sociais e na vida real e ficcional das pessoas: “São todos movidos, ao mesmo tempo, pelo desejo de mudança - de autotransformação e de transformação do mundo ao redor - e pelo terror da desorientação e da desintegração, o terror da vida que se desfaz em pedaços” (BERMAN, 1986, p. 13). Avançando em sua conceituação, conclui que:

Ser moderno é viver uma vida de paradoxos e contradições. É sentir-se fortalecido pelas imensas organizações burocráticas que detêm o poder de controlar e freqüentemente destruir comunidades, valores, vidas; e sentir-se compelido a enfrentar essas forças, a lutar para mudar o seu mundo transformando-o em nosso mundo. É ser ao mesmo tempo revolucionário e conservador: aberto a novas possibilidades de experiência e aventura, aterrorizado pelo abismo niilista ao qual tantas das aventuras modernas conduzem, na expectativa de criar e conservar algo real, ainda quando tudo em volta se desfaz (BERMAN, 1986, p. 13).

O movimento modernista, como estilo da época moderna, ultrapassou, de toda evidência, as fronteiras das manifestações artísticas e se materializou, igualmente, nas manifestações científicas, no campo da indústria e da economia e nas relações sociais. Tal movimento,

[...] embora não seja nosso estilo total, torna-se o movimento que tem expressado nossa consciência moderna, criando em suas obras a natureza da experiência moderna em sua plenitude. Pode não ser a única corrente, mas é a principal. (BRADBURY; MCFARLANE, 1989, p. 20).

Como ponto de convergência da aventura humana dos séculos precedentes e espaço de despojamento face às demandas do tempo e da história, o modernismo não

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tem uma única face, uma única “visage” e não estabelece, segundo HOWE (1967), um estilo predominante próprio, pois à medida que o fizesse, negaria a si mesmo, deixando de ser moderno.

No campo das artes, o movimento moderno, com seu furor renovador, transformador e desestabilizador, foi o pivô da motivação de centenas de artistas inquietos e intrigados com o mundo em transformação como Picasso, Matisse, Braque, Miró. Tais artistas se propuseram a retratar o mundo e o homem de frente, sem meias imagens, sem os atalhos do academicismo e sem as emboscadas da fuga do mundo real para um mundo ficcional estático, moroso e irreal. Nesse sentido, o modernismo se manifesta por uma profusão de estilos, de referenciais, de ritmos e de visões do mundo. Mas, apesar do caos aparente, e como nos advertem Bradbury e Mcfarlane (1989, p. 21), há, na arte moderna, “um centro discernível, um certo conjunto fluido, mas detectável de pressupostos, fundados numa estética largamente simbolista, numa concepção vanguardista do artista e numa noção sobre a relação de crise entre a arte e a história”.

No campo da indústria e da economia, a ação transformadora do homem moderno se manifestou na profusão de invenções, no louvor e na denúncia de uma era tecnológica emergente, de sorte que os cinqüenta anos que precederam a Primeira Guerra Mundial constituíram o período de crescimento econômico mais notável de história, sem excluir o período atual (BULLOCK, 1989). A industrialização, o grande aumento da população urbana, a mecanização da produção e o surgimento da produção de massa para um mercado de massa, o surgimento da indústria da diversão de massa e dos meios de comunicação de massa são ícones do modernismo (ou da modernidade) tanto quanto o são a literatura de André Gide, Kafka e Thomas Mann, a poesia de Rilke e de Lorca, a música de Debussy, o teatro de Brecht e a arquitetura padronizadora de Le Corbusier1. Nesse sentido, o modernismo se manifesta por uma profusão de estratégias voltadas para a acumulação do capital no contexto de trabalho e mercados de produtos competitivos, para o controle da informação e a supervisão social, para a instauração da idéia de que “os seres humanos vivem em um ambiente criado, em um ambiente de ação que, é claro, é físico, mas não apenas mais natural” (GIDDENS, 1991, p. 65).

No que diz respeito às relações sociais, a modernidade impôs modificações feéricas. As migrações do campo para as cidades fizeram surgir as grandes metrópoles e

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O c r í t i c o d e a r t e f r a n c ê s M i c h e l R a g o n f a z u m i n t e r e s s a n t e h i s t ó r i c o d a a r q u i t e t u r a e d o u r b a n i s m o m o d e r n o s q u e é u m a p o d e r o s a f o n t e d e r e f e r ê n c i a s p a r a o s i n t e r e s s a d o s n a t e m á t i c a . RAGON, M. Histoire de l’architecture et de l’urbanisme modernes. Paris: Casterman. 1986.

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alteraram, de modo irreversível, a dinâmica familiar. A industrialização crescente e a valorização da força de trabalho humana fizeram surgir o sindicalismo, o socialismo, o comunismo. O estilo de vida nas metrópoles provocou alterações incomensuráveis em códigos legais, morais e religiosos. Distanciadas do ambiente natural e inseridas em um ambiente criado, as relações do homem moderno com seu semelhante e com seu habitat tornam-se pautadas, segundo Carvalho (1995), por um processo de construção social de sua identidade através de uma luta em dois rounds: primeiramente o coletivo (o ambiente criado) é palco da luta pela igualdade. Em seguida, este mesmo coletivo serve de ringue para a luta pelo direito à diferença, através da expansão máxima das liberdades individuais, que acaba por ser angariada à custa de isolamento, anonimato, reserva e diferenciação pontual para com todos os outros. Afirma também Carvalho, na mesma obra, que a cidade moderna, sendo o locus por excelência da coletividade e também do individualismo, instila uma existência marcada pelos pontilhados de uma solidão nefanda e pelos traços de uma sociabilidade dissociada e fraturada, pelas marcas de um distanciamento intransponível entre os homens e por um mal-estar existencial, construindo cenários heróicos da liberdade, da afirmação e da auto-realização individual. Neste sentido, a vida urbana é apontada como sendo responsável pela incomunicabilidade e pelo vazio existencial no mundo moderno, elementos que são a própria base e o firme cimento da vida social moderna.

Mas, apesar de sua poderosa premissa revolucionária, passados cerca de duzentos anos, sociólogos contemporâneos debatem em torno do esgotamento do modernismo e do advento do movimento pós-moderno que, como enfatiza Featherstone (1995, p. 13), “[...] certamente ultrapassou a duração de uma onda e dá indícios de se conservar como uma imagem cultural poderosa ainda por algum tempo”. De fato, é possível perceber, claramente, que a motivação que conduziu o movimento modernista e que fez dele uma espécie de estratégia organizada em função de levar o homem a se dar conta de que ele é parte integrante de uma máquina que funciona incólume, indefectível, independente da vontade ou da intencionalidade de suas partes, foi substituída por outra motivação, aparentemente menos determinista, menos objetiva e menos hermética. Para muitos teóricos, tal “substituição de motivações” constitui uma verdadeira ruptura de paradigmas, no sentido proposto por Kuhn (1970), com relação a qual estaríamos ainda em um momento de superposição de premissas, em um momento de crise paradigmática, apenas no limiar do deslocamento (BELL, 1976; FEATHERSTONE, 1995.; HARVEY, 1989). Para outros, trata-se de uma continuidade

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natural dos elementos estruturais do movimento modernista, tendo em vista o esgotamento do sistema produtivo concebido e, sistematicamente, adotado a partir da revolução industrial (LYOTARD, 1986; JAMESON, 1991). Imbuído da intencionalidade de apontar caminhos para a compreensão da natureza do pós-modernismo, Harvey (1989, p. 47) apresenta o seguinte questionamento:

O pós-modernismo representa uma ruptura radical com o modernismo ou é apenas uma revolta no interior deste último contra certa forma de ‘alto modernismo’, representada, digamos, na arquitetura de Mies van der Rohe e nas superfícies vazias da pintura expressionista abstrata minimalista? Será o pós-modernismo um estilo ou devemos vê-lo estritamente como um conceito periodizador? Terá ele um potencial revolucionário em virtude de sua oposição a todas as formas de metanarrativa (incluindo o marxismo, o freudismo e todas as modalidades de razão iluminista) e da sua estreita atenção a ‘outros mundos’ e ‘outras vozes’ que há muito estavam silenciados (mulheres, gays, negros, povos colonizados com sua história própria?) Ou não passa de comercialização e domesticação do modernismo e de uma redução das aspirações já prejudicadas deste a um ecletismo de mercado ‘vale tudo’, marcado pelo laissez-faire? Portanto, ele solapa a política neoconservadora ou se integra a ela? E associamos a sua ascensão a alguma reestruturação radical do capital, à emergência de alguma sociedade pós-industrial, vendo-o até como a ‘arte de uma era inflacionária’ ou como a ‘lógica cultural do capitalismo avançado’ (como Newmam e Jameson propuseram)?

Através deste questionamento, é bastante visível a preocupação de toda uma geração em identificar parâmetros para a compreensão da sociedade contemporânea, substancialmente diferente em sua dinâmica de funcionamento, tanto em campos artísticos, intelectuais e acadêmicos, quanto em campos econômicos e sociais no sentido amplo do termo. Nesse sentido, Hassan (1985), em uma tentativa de esclarecer a dinâmica estrutural do paradigma pós-modernista, estabelece diferenças esquemáticas entre este e o modernismo, certamente procurando enfatizar a migração de uma perspectiva material para uma perspectiva cultural:

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Modernismo Pós-modernismo romantismo/simbolismo parafísica/dadaísmo

forma (conjuntiva, fechada) antiforma (disjuntiva, aberta) propósito jogo projeto acaso hierarquia anarquia domínio/logos exaustão/silêncio objeto de arte/obra acabada processo/performance/happening distância participação criação/totalização/síntese descrição/desconstrução/antítese presença ausência centração dispersão gênero/fronteira texto/intertexto semântica retórica paradigma sintagma hipotaxe parataxe metáfora metonímia seleção combinação raiz/profundidade rizoma/superfície interpretação/leitura Contra-interpretação/desleitura significado significante

lisible (legível) scriptible (escrevível)

narrativa/grande história antinarrativa/história do cotidiano

código mestre idioleto

sintonia desejo tipo mutante genital/fálico polimorfo/andrógino paranóia esquizofrenia origem/causa diferença/vestígio metafísica ironia determinação indeterminação transcendência imanência Fonte: Hassan, (1985, p. 123-124).

A perspectiva adotada por Hassan (1985) para comparar o modernismo e o pós-modernismo evidencia a idéia de que o primeiro movimento era marcado por uma intencionalidade, por uma racionalidade voltada para a intervenção no mundo, para mudar o mundo, enquanto que o segundo movimento é justamente marcado pela aleatoriedade, pela racionalidade voltada para explicitar as inúmeras facetas do mundo, para explicar o mundo sem a pretensão de modificá-lo. Assim sendo, as diferenças esquemáticas propostas por Hassan, mostradas na tabela apresentada, evocam a idéia de que o modernismo realmente estaria ultrapassado, tendo em vista a emergência da necessidade de se abrir o campo de visão para tudo o que acontece fora de estruturas pré-determinadas, previsíveis, fora de padrões estabelecidos por elites intelectuais e econômicas.

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Outros autores, como Bell (1991) também discutem o esgotamento do movimento moderno enfatizando que a fragmentação da cultura modernista em setores estanques tende, inevitavelmente, a quebrar a linguagem que dá sustentação à cultura de toda a sociedade. Desta quebra, continuamos nós, nasce justamente esta parafernália de ícones, mensagens, conhecimentos, informações, códigos e sentidos a que se chamou de pós-modernismo.

3 O pós-modernismo como lógica cultural da sociedade da informação

O pós-modernismo surge, assim, como um termo para detectar, indicar, estabelecer e legitimar uma ruptura. Segundo Featherstone (1995), o termo foi empregado pela primeira vez por Federico de Onis, em 1934, para indicar uma reação de menor importância ao modernismo, enquanto que, segundo Hassan (1985), o termo foi empregado em 1947, por Toynbee, para designar um novo ciclo da civilização ocidental. Mais ou menos recente, o pós-modernismo surge inicialmente como uma estratégia de vanguarda, que aparece primeiro no campo artístico e se estende em seguida, tanto quanto o movimento modernista, para os campos da indústria, da economia e das relações sociais.

No campo das artes, e a título de exemplo, o pós-moderno mostra sua face através de um movimento empírico, caótico e heterogêneo (JAMESON, 1991), facilmente detectado, segundo nossa percepção, nas obras analíticas e de fácil consumo de Andy Warhol, na arte conceitual de Yoko Ono, na maravilhosa música minimalista de Phillip Glass, no cinema caótico, angustiado e onírico de Win Wenders, na ficção “colagem de tempos e de personagens” de Marguerite Yourcenar, na arquitetura emblemática de Ioh-Ming Pei, que inseriu uma pirâmide de vidro na entrada do Louvre. Tais artistas, entre tantos outros, concentraram seus esforços para atrair nossa atenção para as mudanças que vêm ocorrendo na cultura contemporânea, para o esfacelamento e para a democratização da cultura, para a vitalidade e a centralidade da cultura, que está viva e presente, tanto nas partes quanto no todo, premissa fundamentalmente oposta à do modernismo. Nesse sentido, não são poucos os teóricos que, como Lyotard (1986), enfatizam que o movimento pós-moderno substitui o conhecimento narrativo pela pluralidade de jogos de linguagem e ultrapassa o universalismo para valorizar o localismo. Tanto quanto o modernismo, o movimento pós-moderno pode, também, ser compreendido por suas intencionalidades renovadoras e transformadoras e pelo

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emprego de uma profusão de estilos, de referenciais, de ritmos e de visões do mundo. No entanto, o foco, agora, é o homem e não mais o mundo. E o pós-modernismo, assumindo o papel de lógica cultural do capitalismo tardio (JAMESON, 1991) ou da sociedade pós-industrial (BELL, 1976) ou, ainda, da sociedade da informação, evolui sem um fio condutor discernível, “[...] envolvendo uma multiplicidade de noções como ‘perda do sentido do passado histórico’, ‘cultura esquizóide’, ‘cultura excrementícia’, ‘substituição da realidade por imagens’, ‘simulações’, ‘significantes desencadeados’ etc.” (FEATHERSTONE, 1995, p. 29).

No campo da indústria e da economia, o pós-modernismo (ou melhor dizendo, a pós-modernidade) se caracteriza tanto pelo movimento de globalização quanto pela tendência de localização, isto é, pela necessidade de se reestruturar a produção e o consumo de massa para valorizar hábitos de consumo locais no desenvolvimento de bens e na prestação de serviços. Talvez, nesse sentido, o pós-modernismo tenha como ponto de ênfase o estabelecimento de uma nova lógica da mercadoria, como o supõe Baudrillard (1985), segundo a qual públicos diferenciados manifestam desejos de consumo diferenciados. Tal concepção provoca o mesmo esfacelamento e a mesma diversificação na produção de mercadorias que são detectados na produção artística. Conseqüentemente, a premissa pós-modernista da democratização da cultura e do aumento significativo de atores envolvidos na produção de bens simbólicos também é válida para o campo da produção de bens materiais (BOURDIEU, 1984 apud FEATHERSTONE, 1995). Tanto quanto no modernismo, a indústria na pós-modernidade concentra esforços no sentido da acumulação de capital no contexto de trabalho e mercados de produtos competitivos. No entanto, tais esforços devem conseguir conjugar a globalização com a abolição da padronização, da maximização, da sincronização, da concentração e da centralização, palavras-chave do período industrial, e por analogia da era moderna, conforme nos esclarece Toffler (1980).

No campo das relações sociais, acreditamos que o movimento pós-moderno tende a concentrar-se na enfatização das diferenças individuais, o que corresponderia a voltar-se para uma apologia da cultura do indivíduo, unidade fundamental da cultura do coletivo. Nesta ordem de idéias, Carvalho (1995) observa que o processo histórico em torno da modernização da sociedade, que culminou no pós-modernismo, gerou um curioso fenômeno (real ou imaginário, é preciso verificar) de independência das estruturas micro e macro-sociais, de independência do coletivo e de reforço e apologia do individual. Vivenciamos então, ao longo da História, um processo de construção social de uma cultura privada individual. Isto ocorre, como repetidas vezes enfatiza o

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autor citado, como um fenômeno social característico das metrópoles modernas do mundo ocidental, como um fenômeno eminentemente urbano, tanto quanto o é o movimento pós-moderno. Este enfraquecimento do coletivo avança par i passu com o enfraquecimento das metanarrativas modernistas e é cada vez mais acentuado, levando o indivíduo a se isolar mais e mais à medida que interage com conhecimentos descontextualizados, fragmentados, náufragos em um universo que é cada vez menor ou maior, dependendo da ótica do observador. Para fazer frente a este movimento que caracteriza a sociedade da informação, ao turbilhão de informações, de mensagens, de códigos, de processos, de demarchas, de abordagens excessivamente objetivadas, padronizadas e massificadas, a pós-modernidade dá ao indivíduo o poder de dizer não ao coletivo, ao padronizado, ao contextualizado, e de se identificar livremente com diferentes grupos e práticas, de exercer um direito à individualidade, ao nosso ver, absolutamente salutar no que diz respeito à própria compreensão do indivíduo, da sociedade e do mundo. E, juntamente com Hobsbawn (1995) e Touraine (1995), acreditamos que nesta dimensão da contemporaneidade reside uma via bastante promissora para o futuro da humanidade. A premissa pós-modernista instaura a idéia de que não se pode mais lançar mão da riqueza do indivíduo em função da riqueza do coletivo, de que não há mais lugar para o coletivo como projeto coletivo, mas apenas como somatório de projetos individuais que se encontram, se cruzam, se interpenetram, mas que são (ou tendem a ser) profundamente independentes, como no caso de um grande hipertexto. No entanto, é preciso salientar que, no processo de construção de relações sociais, a independência do coletivo é apenas aparente, tendo em vista que é preciso que os indivíduos bebam na mesma fonte (a da cultura coletiva) para que se instrumentem para a defesa consciente de sua cultura individual, pois nos parece incorreta a idéia defendida por Carvalho (1995) de que o desenvolvimento pessoal do homem moderno depende exclusivamente dele mesmo, prescindindo de todo e qualquer conteúdo público ou social, à medida que não existe mais um substrato em comum que reúna os indivíduos em uma comunidade de interesses. É importante frisar, também, que a idéia pós-modernista combate a uniformização crescente de espaços sociais, os não-lugares de Augé (1994), constantemente associados a um empobrecimento do meio social que leva o indivíduo a demarcar sua casa como reduto de sua individualidade, como único espaço a oferecer um referencial para o sujeito que perambula pelos espaços tensos e padronizados de lugares coletivizados.

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5 Conclusão

Considerando o exposto, parece-nos franqueada a elaboração do raciocínio de que a virada pós-modernista está estreitamente associada a potencialização máxima do valor da informação, principalmente tendo em vista os consideráveis avanços no campo das tecnologias de comunicação e de informação, que fizeram do conhecimento um produto de massa. Em 2001, o físico americano Michio Kaku, em entrevista ao repórter Sílio Bocaneira, no programa Milênio, da GNT, chamava a atenção, justamente, para o fato de que somos cada vez mais precocemente confrontados a um universo extremamente heterogêneo de dados, no qual uma variedade extraordinária de informações e de símbolos convive exatamente como em uma colagem, como em uma montagem aparentemente sem sentido, desconexa e aleatória. Jamais, em nenhum momento da história da humanidade, tantas informações estiveram tão facilmente disponíveis e, tampouco, foram tão rapidamente transformadas em objetos de comunicação de massa. Nesse sentido, o movimento pós-modernista parece-nos estar vinculado a uma perspectiva cognitivista que valoriza as possibilidades individuais para compreender, integrar e disseminar códigos múltiplos e variados que modelam a sociedade atual. A facilidade de disseminação de informações na sociedade atual e os inúmeros suportes existentes, mais ou menos acessíveis ao universo da população, constituem, a nosso ver, o principal fator da fusão entre a alta e a baixa culturas e do processo de popularização da cultura junto às massas, fenômeno essencial para a democratização do conhecimento e premissa básica do pós-modernismo, que atribui o mesmo valor, como expressão da cultura e da pulsação de uma sociedade, a um quadro de Van Gogh e a um grafite feito sobre um muro qualquer. É possível, então, concluir que, talvez, a grande pretensão deste movimento seja a união do homem ao homem, na medida em que ele é substancialmente valorizado e reverenciado como agente ativo da construção da história, não através de um engajamento em movimentos sociais quaisquer, mas apenas existindo, contribuindo para a riqueza universal com sua riqueza individual. Tal idéia ressalta uma vocação humanística do pós-modernismo e o situa na posição de uma grande metanarrativa suscetível de justificar e explicar, da maneira mais holística possível, a dinâmica funcionalista da sociedade contemporânea.

Referências

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Endereço:

Campus Universitário Darcy Ribeiro – Edifício FE-3 – Sala AT-26 70910-900 – Brasília – DF

glacerda@unb.br

Recebido: Agosto/2004 Aprovado: Outubro/2004

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