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A (in)existência de apoio judiciário na arbitragem administrativa: o direito de acesso à tutela jurisdicional efetiva?

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outubro de 2014

Ana Cristina Castro Felgueiras Preto

A (in)existência de Apoio Judiciário na

Arbitragem Administrativa: o Direito de

Acesso à Tutela Jurisdicional Efetiva?

Universidade do Minho

Escola de Direito

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UMinho|20

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Trabalho realizado sob a orientação da

Professora Doutora Isabel Celeste M. Fonseca

outubro de 2014

Ana Cristina Castro Felgueiras Preto

Universidade do Minho

Escola de Direito

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Direito Administrativo

A (in)existência de Apoio Judiciário na

Arbitragem Administrativa: o Direito de

Acesso à Tutela Jurisdicional Efetiva?

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Agradecimentos

Antes de mais quero agradecer à minha orientadora, à Professora Doutora Isabel Celeste Monteiro Fonseca, sem a qual esta dissertação não seria possível, sem deixar de ressalvar o otimismo e motivação que desde sempre transmitiu. Pela disponibilidade, conselhos

Também não posso deixar de agradecer a todos aqueles que de forma direta ou indireta me ajudaram e incentivaram neste caminho, penoso e muitas vezes solitário. Obrigada às minhas colegas, em especial à Lígia Costa Santos que, passando pela mesma experiência, foram uma presença constante, a troca de inquietações e inseguranças que mutuamente fomos superando e pelos momentos de descontração e motivação que partilhamos.

Não poderia deixar de agradecer à minha família que sempre me apoiou, principalmente nos piores momentos, com palavras sábias, tornando este caminho menos árduo.

Também deixo os meus agradecimentos à minha Patrona, à Dra. Paula Lopes Pereira e demais Advogados que me orientam no Estágio de Acesso à Ordem dos Advogados, pela disponibilidade de tempo e compreensão.

Por último queria agradecer à Faculdade de Direito da Universidade do Minho que, não tendo sido a instituição onde finalizei a minha Licenciatura, me acolheu surpreendendo-me pelo bom acolhimento e orgulhando-me por de ter sido este o caminho que decidi tomar.

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Resumo

A (in)existência de Apoio Judiciário na Arbitragem Administrativa: o Direito de Acesso à Tutela Jurisdicional Efetiva?

Este trabalho resume-se à consciencialização de que o fenómeno da desjudicialização da justiça, operada pelos ADR, e em concreto a arbitragem administrativa, é apontada como um fator de numerosas vantagens.

A arbitragem é um meio jurisdicional de resolução de litígios, com uma existência milenar e que, atualmente, se assume como um mecanismo em extensão, acreditamos mesmo de que é uma realidade com futuro, no entanto, ainda imperfeita e algumas contendas que têm levantado controvérsia.

Os Tribunais arbitrais têm uma natureza jurídica mista, pois nascem de um acordo de vontades, mas exercem uma função jurisdicional, não são órgãos de soberania, no entanto têm dignidade constitucional, administrando a justiça em nome do povo. Para além da dignidade constitucional que lhe é inerente, a arbitragem, articulada com outros modos alternativos de resolução de conflitos, poderá ser um instrumento de grande valia. Há mesmo quem defenda que certos conflitos parecem especialmente vocacionados para soluções de tipo arbitral, nomeadamente, relativos a contratos e à responsabilidade da administração, os litígios de natureza acentuadamente técnica e mesmo casos no exercício de poderes discricionários da administração.

Apesar destas considerações, o nosso estudo pretende aprofundar a inexistência do instituto do apoio judiciário para o acesso aos tribunais arbitrais, questionando-nos sobre uma possível violação ao direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 20.º da CRP. Reportando-nos às instâncias internacionais, será que a falta de patrocínio judiciário nos tribunais administrativos, não comportará uma violação ao princípio do processo equitativo, consagrado no art.6º da CEDH e densificado pela jurisprudência do TEDH. O estudo que levamos a cabo passa inevitavelmente pela jurisprudência do nosso ordenamento jurídico, relevando para o caso o TC.

No momento certo, tentaremos responder à questão, se de facto, “A (in)existência de Apoio Judiciário na Arbitragem Administrativa: o Direito de Acesso à Tutela Jurisdicional Efetiva? Sem prejuízo de propor algumas soluções para a lacuna que se nos afigura existir.

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Abstract

The (In)existence of Legal Aid in the Administrative Arbitration: the Right of Access Jurisdictional Effective Trusteeship?

This work comes down to the realization that the phenomenon of lessening of the jurisdiction in justice, operated by ADR, and in particular the administrative arbitration, is suggested as a factor of numerous advantages.

Arbitration is a legal means of dispute resolution, with a millenary existence and that, currently, it is assumed as an extension mechanism, we believe that it is a reality in the future, however, still imperfect and some disputes that have raised controversy.

Arbitral courts have a mixed legal nature, as born of a meeting of the minds, but exercising a judicial function, are no sovereign bodies, however have constitutional dignity, administering justice on behalf of the people. Beyond the constitutional dignity that is inherent, arbitration combined with other alternative modes of dispute resolution, can be an instrument of great value. Some even argue that certain conflicts seem especially geared for arbitration solutions kind, including for procurement and management responsibility, disputes markedly technique and even cases in the exercise of discretionary powers of nature management. Nevertheless, it is reiterated that there is a need that arbitration based by purely economic factors, but giving it the necessary legislative basis for the activity developed in the arbitration has the same dignity that the state courts.

Despite these considerations, our study aims to deepen the absence of the institute of legal aid for access to arbitral courts, questioning us about a possible violation of the right of access and the right to effective judicial protection, enshrined in art.20 of the ECHR and the case law of the ECtHR densified. The study we have conducted inevitably passes through the case law of our legal system, pointing to the TC case.

In the right time, we will try to answer the question, if in fact, “(In)existence of Legal Aid Administrative Arbitration: the Right of Access Jurisdictional Effective Trsteeship?” Without prejudice to propose some solutions to the gap that seems to exist.

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Índice

Nota Prévia ... 13

Introdução ... 15

CAPÍTULO I ... 21

O Direito Fundamental de Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional Efetiva ... 21

1. Intróito ... 21

2. O acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva ... 21

2.1.Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa... 21

2.2.O Princípio da Tutela Jurisdicional como corolário do Estado de Direito ... 22

2.2.1. Subprincípios ou corolários da Tutela Jurisdicional ...23

2.3.O artigo 20º da Constituição da República Portuguesa ... 25

2.4.O direito à proteção judicial, em especial ... 26

2.5.Direito de Acesso à Justiça Administrativa ... 27

2.5.1.A Natureza do art. 268.º da CRP...29

2.6. O art. 20.º da CRP de 1976 e as revisões de constitucionais de 1982 e 1997 .. 30

2.7.O regime legislativo do Acesso ao direito em Portugal ... 32

2.7.1.O Acesso ao direito e à justiça- a metáfora das três vagas ... 34

3.O Direito Fundamental de Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional Efetiva à luz da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Direito Europeu ... 36

3.1.O Direito ao processo equitativo na Convenção Europeia dos Direitos Humanos e no direito internacional ...36

3.2.A Convenção Europeia dos Direitos do Homem e Portugal ...38

3.3. A CEDH e a garantia do seu cumprimento ...40

3.4.A subsidiariedade da tutela jurisdicional conferida pela CEDH ...40

3.4.1.O princípio da subsidiariedade na ordem jurídica portuguesa ...42

3.5.O papel da União Europeia no Acesso ao Direito e à Justiça ...44

4.Balanço ... 47

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x

A Arbitragem ... 49

1.Intróito ... 49

2.A Arbitragem em geral ... 49

2.1.Sistemas de resolução de conflitos ... 49

2.2. A Arbitragem- noção ... 52

2.3.Arbitragem e Jurisdição ... 53

2.4.A Justiça como monopólio estadual? ...55

2.4.1.Breve referência ao monopólio estadual da Justiça na história ...55

2.4.2.A Arbitragem como caminho da Justiça ...58

2.4.3.O Estatuto Deontológico do Árbitro ...60

2.4.4.A Sentença Arbitral ...62

2.5.A evolução histórica da Arbitragem Administrativa ...65

2.5.1.Arbitragem Administrativa, que relação? ...67

2.5.2.Âmbito das matérias que podem ser submetidas à arbitragem ...68

A.O critério da disponibilidade do direito...70

B.O critério da patrimonialidade na NLAV ...74

2.6.E os Tribunais Arbitrais Necessários? ...75

2.6.1.O caso do Tribunal Arbitral do Desporto ...77

2.7. O direito à arbitragem ...80

3.Balanço ... 82

CAPÍTULO III ... 85

Posição do Tribunal Constitucional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ... 85

1.Intróito ... 85

2.Jurisprudência do Tribunal Constitucional ...86

2.1- Uma análise ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº25/01, de 30 de Janeiro de 2001 ... 86

2.1.2.O sentido da decisão do Tribunal Constitucional ...87

2.2.Uma análise ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 311/08, 30 de Maio de 2008 ..88

2.2.1. O sentido da decisão do Tribunal Constitucional ...90

3.A posição do Tribunal Constitucional quanto à não concessão de Apoio Judiciário à Arbitragem ...91

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4.1.Processo Equitativo à luz da CEDH ...94

4.2.Direito de acesso a um tribunal e a (não) concessão de apoio judiciário...97

4.3.A Arbitragem na Convenção Europeia dos Direitos do Homem...98

4.3.1.O problema do âmbito de aplicação do artigo 6º da Convenção ...99

4.4. Jurisprudência do TEDH, o conceito-chave de “Tribunal” ...101

4.5.1.A falta de Apoio Judiciário na Arbitragem à luz da CEDH ...105

5. Balanço ... 109

TESES: ... 113

CONCLUSÕES E PROPOSTAS ... 113

1.Conclusões ... 113

2.Propostas... 117

2.1Como articular o direito de acesso à justiça e arbitragem ... 117

2.2.A nossa proposta... 120

Bibliografia ... 123

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Lista das principais abreviaturas

Acd.- Acórdão

ADR- Alternative Dispute Resolution APA- Associação Portuguesa de Arbitragem art.- artigo

CA- Código Administrativo

CAAD- Centro de Arbitragem Administrativa

CEDH- Convenção Europeia dos Direitos do Homem CPC- Código de Processo Civil

CPTA- Código de Processo nos Tribunais Administrativos CRP- Constituição da República Portuguesa

D.L.- Decreto- Lei

DUDH- Declaração Universal dos Direitos do Homem ETAF- Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ICC- International Chamber of Commerce

ICC Rules- International Chamber of Commerce Rules on Arbitration LAV- Lei da Arbitragem Voluntária

LTC- Lei do Tribunal Constitucional n.º- Número

NAI- Neatherland Arbitrage Institut Pág.- Página

PIDCP- Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos

PIDESC- Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos Sociais e Culturais ss.- seguintes

STA- Supremo Tribunal Administrativo TAD- Tribunal Arbitral do Desporto TC- Tribunal Constitucional

TCE- Tribunal Constitucional Espanhol

TEDH- Tribunal Europeu dos Direitos do Homem TUE- Tratado da União Europeia

Vol.- Volume

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Nota Prévia

Olhando para a realidade hoje existente, facilmente se afere um novo paradigma, co-inerente à natureza do ser humana que se transmuta, porquanto também as instituições que o rodeiam não ficam alheias à mudança. Socialmente, o Homem é uma criatura que carece de um sistema regulador da sua conduta, pois bem, também no Direito esse fenómeno se afere, assim, a Humanidade vai desenvolvendo e criando novas formas de resolução dos conflitos que surgem no seu seio.

Falando a propósito da arbitragem, este instituto não é recente, de facto, o auxílio de terceiros para que as partes pudessem chegar à solução dos seus conflitos, há muito que tem lugar na história.

Nos tempos que correm, este instituto tem ganho um novo folego, assumindo um papel preponderante na sociedade, inerente à mutação da sociedade atual e à demanda de novos meios de organização social e novos métodos para a satisfação das suas carências. Há de facto uma rutura vertiginosa na confiança na justiça do Estado, para os cidadãos é pacífica esta rutura entre o Direito e a justiça, até então administração do Estado.

Nomeadamente, a insuficiência para atender a toda a conflitualidade existente, surgem problemas como a morosidade, burocracia excessiva, elevados custos e distanciamento entre juiz e parte. Soluções urgem no sentido de dar resposta aos problemas estruturais e metodológicos com que o Poder Judiciário se depara.

É imperativo repensar o Direito e o Acesso à Justiça.

Os meios alternativos de resolução de litígios ganham relevo nesta conjuntura, como via natural de resolução dos conflitos. Os cidadãos têm assumido também a resolução dos seus conflitos, “através de estruturas montadas e desmontadas”, “resolvendo, neste sentido, o seu conflito, não através de terceiro, do Estado, mas por si mesmos, através dos seus mandatários.”1

É neste contexto que pretendemos desenvolver o nosso estudo, partindo de conceitos como o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e de que forma a arbitragem concretiza esse direito fundamental. Neste sentido, a arbitragem será outro meio de obter tutela para os interesses e valores indicados.

1CAMPOS, Diogo Leite de, in “A Evolução do Direito no século XXI, Estudos de Homenagem ao Prof. Arnoldo Wald”, Coimbra: Almedina, 2007, pág. 46.

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O Direito como uma realidade em constante mutação reclama aperfeiçoamento constante, também o instituto da arbitragem, ainda imperfeito, carece de bases legais sólidas que lhe confiram exequibilidade e eficácia. O Apoio Judiciário, conferido pelo Estado à parte com dificuldades financeiras para aceder à Justiça, é considerado um direito conexo ao direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, dando-lhe exequibilidade e efetividade material, caso contrário seria apenas teórica a sua consagração constitucional.

Após a explicitação do objeto do nosso estudo, condensada a sua finalidade e os motivos que nos moveram, é oportuno indicar a sequência a que obedecerá a presente dissertação.

Num primeiro Capítulo, densificaremos conceitos que nos parecem adequados à exposição dos motivos por que se move o presente trabalho. Num primeiro ponto densificaremos o direito à proteção judicial, bem como o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 20.º da CRP, sem prejuízo de uma breve referência histórica dos conceitos. Um tópico essencial no trabalho, consideramos o Regime do Acesso ao Direito e respetiva evolução histórica e numa perspetiva atual. No segundo ponto, faremos referência à tutela jurisdicional efetiva à luz da CEDH e o direito fundamental de acesso ao direito, sem prejuízo da respetiva consagração e influência da Convenção em Portugal. Num último ponto do primeiro capítulo, referir-nos-emos ao instituto da arbitragem e em particular à arbitragem administrativa.

No segundo Capítulo, dedicar-nos-emos a uma análise jurisprudencial, tanto do TC como do TEDH, apesar de no nosso ordenamento jurídico não vigorar o princípio do precedente vinculativo, não se ignora a influência das decisões jurisprudenciais.

No Capítulo III, ambicionamos obter conclusões que nos permitam adotar uma posição clara e constante, sem prejuízo de enunciar algumas propostas, evidenciando prós e contras, na ânsia de obter uma resposta cabal à questão que se levantou.

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Introdução

Com a presente dissertação propomo-nos analisar a efetividade do Direito Fundamental do acesso à justiça e a tutela jurisdicional efetiva na Arbitragem. Em concreto, de que forma a inexistência de apoio judiciário na arbitragem contende com a dimensão expansiva do direito de acesso ao direito, à tutela jurisdicional efetiva e ainda com o princípio do processo equitativo densificado pela doutrina e jurisprudência.

Consideramos que o presente trabalho é de todo pertinente, numa época em que não surpreende que, na sequência de um litígio, as partes recorram à constituição de um tribunal arbitral, preterindo o sistema de justiça pública, a desjudicialização da justiça é cada vez mais uma realidade, operada não só pelo cidadão, mas pelo próprio legislador, conquistando um lugar de destaque. De facto, não se pode mais alcançar uma visão da justiça, sem se considerar o lugar que a arbitragem foi fazendo sucessivamente seu.

Esta realidade espelha, não só, mas também, a evidência de que os órgãos jurisdicionais públicos não conseguem dar resposta às necessidades que se fizeram e se vão fazendo sentir. Basta para isso referir o interesse que as partes podem ter em obter uma decisão célere e especializada, colocando o Estado numa posição fragilizada para apreciar a controvérsia, na procura, simplesmente, de uma solução justa.

Nas palavras de ISABEL CELESTE FONSECA “não é por acaso, de facto, que a arbitragem é um mecanismo de resolução alternativa de litígios em expansão”2

, no sentido de se tratar de uma realidade com futuro, é na atualidade uma realidade ainda imperfeita, com algumas contendas que têm levantado controvérsia. De facto, poderíamos apontar várias questões pertinentes que gravitam à volta dos tribunais arbitrais, no entanto, não é esse o objetivo desta anotação. Apesar de tudo, a arbitragem se for articulada com outros modos alternativos de resolução de conflitos, poderá ser um instrumento de grande valia.

Alias, certos conflitos, na opinião de JOÃO CAUPERS, parecem especialmente vocacionados para soluções de tipo arbitral, nomeadamente, os relativos a contratos e à responsabilidade da administração, os litígios de natureza acentuadamente técnica, diversos casos de exercício de poderes discricionários3. Hoje, o recurso à arbitragem não se tem por novo, poderemos falar antes num recrudescimento da arbitragem, numa

2FONSECA, Isabel Celeste, “ A Arbitragem Administrativa: uma realidade com futuro?” in, A Arbitragem Administrativa e

Tributária, problemas e desafios, FONSECA, Isabel Celeste, Coimbra: Almedina, 2ªEdição, 2013, pág. 164.

3CAUPERS, João, “A Arbitragem nos litígios entre a administração pública e os particulares”, in, CJA nº18, Novembro, Dezembro 1999, pág. 10.

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fase em que começa a entrar num período de maturidade e de absorção pelo pensamento jurídico. E neste sentido, é indispensável que assente em bases sólidas e não sejam ditados por razões meramente conjunturais, orientadas pela preocupação única de satisfazer a opinião pública, aliviando o juiz administrativo dos litígios que exigem uma técnica complexa para os quais este não se sente à vontade para decidir4. São ainda muitas as lacunas que enfermam o regime da arbitragem, consagrado pela LAV5, e dos meios de resolução alternativa de litígios, no entanto, apenas nos debruçaremos sobre uma questão particular…

A inexistência do instituto do apoio judiciário para o acesso aos tribunais arbitrais comporta uma violação do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrados no art.20.º da CRP?

O direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva decorre imediatamente da ideia de Estado de Direito e é tido como direito fundamental, beneficiando do regime qualificado de proteção dos direitos, liberdades e garantias, consagrado no art.20.º da Constituição da República Portuguesa. Um direito fundamental revestido de uma dimensão garantística imprescindível- a defesa dos direitos através dos tribunais- inerente à ideia de Estado de direito. Ao mesmo tempo que lhe é congénita uma dimensão prestacional, o dever de o Estado assegurar meios (como o apoio judiciário) tendentes a evitar a denegação da justiça,6 sem prejuízo da margem de densificação do preceito que é dada ao legislador ordinário.

O preceito reconhece vários direitos conexos, como o acesso ao direito, o acesso aos tribunais ou a um juiz e o direito ao procedimento em lato sensu. Como refere GOMES CANOTILHO a “todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”7. O direito à informação e consulta jurídica, o direito ao patrocínio judiciário e o direito à assistência de advogado, qualquer uma destas garantias constitui um elemento essencial à ideia de Estado de Direito.

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CAUPERS, João, “A Arbitragem…”, pág. 11.

5Lei da arbitragem voluntária, Lei nº63/2011, de 14 de Dezembro, que revogou a Lei nº31/86, de 29 de Agosto. No entanto, quanto à questão em análise, o regime manteve-se inalterado. O instituto do apoio judiciário continua exclusivo dos tribunais estaduais, não se prevendo a extensão aos tribunais arbitrais.

6 CANOTILHO, J.J. Gomes/ MOREIRA, Vital, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol I, 4ª Edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 408.

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Mas o direito de acesso ao direito não é apenas instrumento da defesa dos direitos, é também integrante do princípio da igualdade e da universalidade consagrados no art.13.º e 12.º da CRP.

No art.20.º, n.º1 da CRP, vem expresso que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais, segundo GOMES CANOTILHO, essa tutela sendo jurisdicional, não tem que ser judicial, ou seja, não tem de provir de um tribunal estadual, mas sim, e sempre, de uma entidade estadual ou privada, que cumpra com os requisitos constitucionais do art.20.º da CRP8. Relativamente à jurisdição da nossa vizinha Espanha, GONZÁLES PÉREZ, identifica o direito à tutela jurisdicional com todo o conteúdo do art.24.º da Constituição Espanhola9 e, portanto, com todas as garantias que se incluem no modelo processual supranacional.

O TC tem-se vindo a pronunciar sobre a questão da inconstitucionalidade de normas ordinárias que densificam o direito de acesso aos tribunais, reiterando a liberdade conformadora do legislador infraconstitucional, uma vez que à luz da Constituição, a justiça não tem que ser gratuita10, no entanto deve respeitar os princípios básicos do Estado de Direito, como o princípio da proporcionalidade e da adequação11. Segundo a jurisprudência do TC, muitas são as limitações e condicionantes que o legislador ordinário está autorizado a concretizar com justificações várias.

Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA “o direito ao patrocínio judiciário (art.20.º, n.º2) destina-se fundamentalmente a promover a igualdade dos cidadãos no acesso ao direito e aos tribunais em caso de carência de meios económicos”12

.

E neste sentido parece-nos pertinente perguntar, que igualdade se promove quando não se prevê a extensão de tal instituto aos tribunais arbitrais?E em última instância, será que a falta de patrocínio judiciário nos tribunais judiciais não comportará uma violação ao princípio do processo equitativo, consagrado na nossa CRP, bem como na CEDH e densificado pela jurisprudência do TEDH?

Como nos diz QUILLERÉ-MAJZOUB, “Le droit à un procés équitable est la base de l’idée même de prééminence du droit, et sans lássurance de son respect er de sa

8CANOTILHO, Gomes,” Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, Coimbra: Almedina, 7ª Edição, 2003, pág. 495.

9Consagra a tutela jurisdicional efectiva “Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los yueces y tribunales

en el ejercicio de sus derechos e interesses legiitimos, sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión”.

10FONSECA, Isabel Celeste, “A Arbitragem...”, pág. 175. 11A este respeito, veja-se o acórdão do TC n.º465/96.

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proteccion par les États, il ne saurait être question de qualifier ceux-ci d’États de Doits”13

. O mesmo autor refere que a melhor proteção do direito a um processo equitativo deverá ser reivindicada perante as jurisdições nacionais e se o seu respeito não for assegurado, deverá ser defendido perante as instâncias internacionais, à luz dos textos da CEDH.

A densificação do conceito de processo equitativo pressupõe uma análise da jurisprudência do TEDH, de facto o art.6.º da CEDH estipula que todas as pessoas têm o direito a que a sua causa seja julgada equitativa e publicamente num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, segundo o TEDH, sobre a forma como deveremos interpretar o art.6.º da CEDH, “l’esprit de la Convention comande de ne pas prendre le terme dans une acception trop technique et d’en donner une définition matérielle plutôt que formelle”14. No mesmo sentido se pronuncia GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “O due process positivado na Constituição portuguesa deve entender-se num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa (…), mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais”15

.

No que à justiça administrativa diz respeito, em Portugal, à semelhança do que se vai desenhando na Europa, o uso da arbitragem tem-se estendido à resolução dos conflitos emergentes das relações jurídico-administrativas. Esta tendência, igualmente com o que acontece com o Direito Privado, deverá corresponder não apenas ao desejo de “alijar a carga”16

da jurisdição administrativa. De modo diferente, no Direito Administrativo, o recurso à arbitragem é mais recente e nem sempre é encarado de forma pacífica, ora admitindo ora negando o recurso à arbitragem. Esta ideia deriva de uma certa consideração “ideológica” da administração como “poder”, na medida em que é difícil admitir que um poder público se subtraia à jurisdição estatal, para se submeter a um órgão de justiça privada17.

Mas se o estudo exaustivo da relação entre o Direito Administrativo e a arbitragem desde o início do séc. XIX aos dias de hoje fosse o objeto do nosso estudo,

13QUILLERÉ-MAZJOUB, Fabienne, La Défense du Droit à un Procés Équitable, 1999, Bruylant Bruxelles, p.229. , inspirado pelo art.6º, nº1 CEDH.

14Ibidem, pág. 166.

15CANOTILHO, Gomes, MOREIRA, Vital, “Constituição…” pág. 415.

16CAUPERS, João, “A arbitragem na nova justiça administrativa”, in CJA, nº34, Julho/Agosto 2002, pág. 65. 17ESQUÍVEL, José Luís, “Os contratos administrativos e a arbitragem”, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 136.

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colocaria de parte esta questão dada a sua vastidão. Fenómeno este que vai para além da administração da justiça, de facto o Estado tem vindo a aceitar a colaboração, alguns casos até substituição de certas funções sociais de regulação, não se tratando a função jurisdicional de uma exceção. Como refere, DIOGO LEITE DE CAMPOS, “Os cidadãos organizados socialmente e utilizando o Estado como um dos instrumentos de vida em comum têm vindo a erigir as suas vontades, (…) como criadoras do seu «direito» e da resolução dos seus conflitos”18.

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CAPÍTULO I

O Direito Fundamental de Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional Efetiva 1. Intróito

Num primeiro capítulo consideramos pertinente realizar uma incursão pelos conceitos fundamentais, partindo de uma análise da Constituição da República Portuguesa e posteriormente dos textos internacionais, mormente, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da União Europeia.

No sentido de alcançar uma solução para a nossa questão principal, é inevitável a densificação de certos conceitos, passando pela análise da jurisprudência e da doutrina que se versa pela matéria, não ignorando a pertinência de tal contributo.

Perante a questão por nós colocada, é inevitável uma análise aprofundada do art.20.º da CRP, sob a epígrafe, “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva”, direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais, sendo inerente à ideia de Estado de Direito. Tal como o art.268.º da CRP, prescrevendo os “Direitos e garantias dos administrados”, são preceitos que carecem de conformação legal, ao mesmo tempo que lhe é congénita uma dimensão prestacional por parte do Estado e, hoje, também da União Europeia, no sentido de colocar à disposição dos indivíduos uma organização judiciária e um leque de processos garantidores da tutela jurisdicional efetiva.

A natureza de direito prestacional dependente e de direito legalmente conformado é especialmente visível no direito de acesso aos tribunais, nomeadamente o instituto do patrocínio judiciário, pois ninguém pode ser privado de levar a sua causa à apreciação de um tribunal.

Sem nos alongarmos demasiadamente nesta primeira aproximação, sem prejuízo de deixarmos já salientes as traves mestras por que se pautará este primeiro capítulo.

2. O acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva

2.1.Os Direitos Fundamentais na Constituição da República Portuguesa

Efetuando uma leitura simplista pela Constituição da República Portuguesa, revelam-se-nos claramente os objetivos fundamentais que se assinalam ao Estado. Logo no preâmbulo detetam-se preocupações com a construção de uma “sociedade socialista,

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22

no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno”19

.

O art.2.º da Constituição da República Portuguesa, define a República Portuguesa como um “Estado de direito democrático, baseado (…) no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais (…)”. Ao Estado incumbe, não só respeitar, mas também, garantir a efetivação dos direitos fundamentais. Daqui resulta o afastamento de uma conceção formal ou liberal dos direitos fundamentais20, que os restrinja a meros direitos a simples abstenções do Estado.

No art.9.º, epigrafado de “Tarefas Fundamentais do Estado”, prescreve-se a garantia pelo Estado dos direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado e de Direito Democrático.

Desta forma, a Constituição da República Portuguesa protege a pessoa humana ao mais alto nível e com todas as garantias consagradas pelos Direitos Fundamentais21. No entanto, tal não significa que apenas a Constituição seja protetora da pessoa humana, também esse propósito é defendido por outros ramos jurídicos, nomeadamente pelo Direito Penal, ao punir com as penas mais graves os crimes contra as pessoas e os seus mais elevados valores22, ao nível do Direito Internacional Público, ao abrigo dos sistemas de proteção de direitos humanos que se têm multiplicado e aperfeiçoado23 e ao nível do Direito da União Europeia, num extenso catálogo que consta do projeto TCE e mesmo através de outros esquemas de receção, nomeadamente a partir da CEDH.

2.2.O Princípio da Tutela Jurisdicional como corolário do Estado de Direito

Para além da previsão extensa que a Constituição faz dos Direitos Fundamentais, a Constituição prevê formas de proteção dos mesmos. A posição jurídico-constitucional dos direitos fundamentais, bem como a sua tipificação e a abertura da respetiva

19

Preâmbulo da Constituição da República Portuguesa; 20

CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital, “ Constituição …”pág. 208

21GOUVEIA, Jorge Bacelar, “Manual de Direito Constitucional”, Almedina, 2011, 4ª Edição Revista e Atualizada, pág. 1026, o autor refere que em “em nenhum outro lugar do Direito Positivo se pode dar, nestes termos máxima efetividade, tanta proteção à

pessoa como pela consagração de direitos fundamentais”.

22Como é o caso da vida, intrauterina e extrauterina, da integridade pessoal ou da honra.

23Desde logo a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), que decorre em linha reta da Carta das Nações Unidas, o Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC), destinada a dar exequibilidade à Declaração, o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), entre outros, destinados a dar exequibilidade à Declaração. Para uma consulta sobre os principais textos internacionais, consultar MIRANDA, Jorge, “Direitos do Homem- Principais textos

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23

positivação, são elementos essenciais na respetiva efetividade desses mesmos direitos24. Não é suficiente afirmar-se ou consagrar-se na Lei Fundamental um determinado direito, é sobretudo necessário que ele possa ser assegurado e efetivado25.

Além de que os direitos fundamentais nunca estão integralmente realizados, a sua realização efetiva está sempre aquém do exigível e do possível. A realidade social exige novas garantias, novos direitos, um alargamento do espaço de realização dos direitos fundamentais.

Seguindo ADELIO PEREIRA ANDRÉ, quanto à efetivação dos direitos humanos, “permanecem ainda, muitas vezes, sem ser reconhecidos, se não mesmo ludibriados, ou então o respeito que se lhes vota é puramente formal”26

.

É necessário mecanismos destinados à sua defesa, a proteção dos direitos fundamentais jamais se poderia bastar com a sua mera existência27. Como diz JORGE MIRANDA “O eficaz funcionamento e o constante aperfeiçoamento da tutela jurisdicional dos direitos das pessoas são sinais de civilização jurídica”28.

2.2.1. Subprincípios ou corolários da Tutela Jurisdicional

Uma breve análise pela Constituição da República Portuguesa permite-nos concluir que a tutela jurisdicional adquire um conteúdo muito rico, não se quedando pelo art.20.º, mas desdobrando-se em subprincípios ou princípios autónomos, como se lhes refere JORGE MIRANDA29, refletindo-se em novos direitos fundamentais e em múltiplas áreas em especial.

Como verdadeiros direitos, liberdades e garantias, desde logo o direito de acesso a tribunal, ou seja, o direito de ação, art.20.º, n.º1, 2.ª parte, o direito ao patrocínio judiciário, art.20.º, n.º2, 2.ª parte e art.32.º, n.º3, 1.ª parte; o direito a um processo equitativo, art.20.º, n.º4, 2.ª parte; o direito a decisões em prazo razoável, art.20.º, n.º4,

24

GOUVEIA, Jorge Bacelar, “Manual…”, pág. 1111, relativamente à tutela efectiva: jurisdicional e não jurisdicional.

25ANDRÉ, Adélio Pereira in “Defesa dos direitos e acesso aos tribunais”, Livros Horizonte, 1980, pág. 123, refere-se, relativamente a esta necessidade, a um problema de coincidência necessária entre o formal e o real.

26

ANDRÉ, Pereira André, citando Paulo VI, in “Defesa dos direitos e acesso aos tribunais”… pág. 124.

27De notar que a Constituição da República Portuguesa prevê um numeroso e rico elenco de direitos fundamentais.

28MIRANDA, Jorge, “Manual de Direito Constitucional- Direitos Fundamentais”, Tomo IV, 5º Edição, Coimbra Editora, pág. 354. 29MIRANDA, Jorge, “Manual…” pág. 354. De referir que quanto a esta matéria não há uma definição unitária na doutrina, outros autores referem-se-lhes como “Modalidades ou meios de defesa”; no mesmo sentido, FONSECA, Isabel Celeste, in “Processo

Temporalmente Justo e Urgência- Contributo para a autonomização da categoria da tutela jurisdicional de urgência na Justiça administrativa”, Coimbra Editora, 2006, pág. 255.

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1.ª parte; por outro lado, o direito a que a justiça não seja denegada por insuficiência de meios económicos, art.20.º, n.º1, 3.ª parte.

Já como manifestações especiais de tutela jurisdicional, podemos referir, por exemplo, a revisão de sentenças criminais injustas, art.29.º, n.º6; o habeas corpus contra o abuso do poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, art.31.º; o direito dos cidadãos de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, art.268.º, n.º5; a garantia do recurso de inconstitucionalidade e de ilegalidade de normas jurídicas, art.280.º.

Ou ainda, no plano objetivo, o princípio do contraditório, art.32.º, n.º5; ou o princípio do juiz natural ou legal, art.32.º, n.º9; o princípio da independência dos tribunais e dos juízes, art.203.º, e o art.216.º ou ainda o princípio da adequada proteção do segredo de justiça, art. 20.º, n.º330.

PAULO OTERO refere-se ao acesso à justiça e aos tribunais, no sentido de que, sendo uma imposição do Estado de Direito, deverá ser entendido numa máxima e efetiva proteção, falando-se nesse sentido em tutela jurisdicional efetiva31.

Mas desengane-se quem acredita que uma condensação do princípio da tutela jurisdicional efetiva é uma tarefa percetível. Seguindo o que PAULO OTERO menciona, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consistirá, antes de tudo, que a cada posição jurídica subjetiva corresponda sempre a existência de uma ação ou meio processual de garantia junto dos tribunais. A tutela jurisdicional efetiva pressupõe a existência de tribunais para defesa das posições jurídicas subjetivas das pessoas, art.20.º, n.º1, o controlo objetivo da violação da juridicidade e o dirimir de conflitos de interesses, art.202.º, n.º2. O acesso aos tribunais nunca poderá ser negado por carência de meios económicos, art.20.º, n.º1, nomeadamente, o reconhecimento a todos de um direito ao patrocínio judiciário, art.20.º, n.º2, neste sentido, a tutela jurisdicional efetiva envolve uma dimensão prestacional fáctica, passando também pela existência de meios humanos tendentes a garantir o real acesso aos tribunais32.

A efetividade da tutela jurisdicional pressupõe que exista uma decisão sobre a causa em prazo razoável, art.20.º, n.º4, incluindo medidas cautelares dotadas de celeridade e prioridade, art.20.º, n.º5 e art.268.º, n.º4. No âmbito criminal, a tutela jurisdicional

30Apontamos apenas alguns direitos como título exemplificativo, ver MIRANDA, Jorge, in “Manual…”… pág. 357 e ss, ou ANDRÉ, Adélio Pereira, in “Defesa…”… pág. 130 e ss.

31OTERO, Paulo, “Direito Constitucional Português- Vol. I- Identidade Constitucional”, Vol. II, Coimbra: Almedina, 2010, pág. 94. 32Quanto a esta questão será melhor desenvolvida num momento mais adequado.

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efetiva nunca dispensa a presunção de inocência do arguido, art.32.º, n.º2, a irretroatividade da lei incriminadora, art.29.º, n.º1 e n.º3, nem a proibição de aplicação de pena ou medida de segurança mais grave do que a existente à data da conduta em causa, art.29.º, n.º4, tal como impõe que a causa seja decidida pelo tribunal cuja competência estava fixada em lei anterior, art.32.º, n.º9.

A tutela jurisdicional efetiva pressupõe um processo equitativo, art.20.º, n.º4, envolvendo também a independência dos tribunais e a imparcialidade do juiz, art.203.º, e ainda, a admissibilidade de recurso de todas as decisões judiciais proferidas em primeira instância. O princípio da tutela jurisdicional efetiva, determina ainda, a estabilidade das decisões judiciais, isto é, a imodificabilidade do caso julgado e exige ainda que as decisões dos tribunais prevaleçam sobre as decisões de outras autoridades e que sejam obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas, art.205.º, n.º2.

2.3.O artigo 20º da Constituição da República Portuguesa

O art.20.º da Constituição da República Portuguesa merece um especial destaque na defesa dos direitos fundamentais, primeiro até pela sua inserção sistemática, assumindo-se como um princípio geral em matéria de “Direitos e Deveres Fundamentais”.

O Direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva é ele mesmo um direito fundamental, “constituindo uma garantia imprescindível da proteção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito”33

, uma “norma-princípio estruturante do Estado de Direito democrático (…) e de uma Comunidade de Estados (União Europeia) informada pelo respeito dos direitos do homem, das liberdades fundamentais e do Estado de direito (TUE, art.6º)”34

. Nas palavras de ISABEL CELESTE FONSECA, “o direito de acesso ao direito e aos tribunais decorre imediatamente da ideia de Estado de direito e, não obstante ser por vezes reconduzida à figura qualificada e protegida de direitos, liberdades ou garantias, a verdade é que este direito fundamental carece de conformação legal e encerra uma dimensão prestacional a cargo do Estado”35

.

O preceito reconhece vários direitos conexos, mas distintos, o direito de acesso ao direito; o direito de acesso aos tribunais; o direito à informação e consulta jurídicas; o

33CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital, “ Constituição…” pág. 408., nota I. 34CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital, “Constituição…” pág. 409., nota II. 35FONSECA, Isabel Celeste M., in “Processo…”, pág. 258.

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direito ao patrocínio judiciário e o direito à assistência de advogado. Todas estas componentes preenchem, dão efetividade, a um direito geral à proteção jurídica.

Mas não devemos interpretar o art.20.º de forma restritiva, em que o direito se realiza apenas através do recurso aos tribunais ou através da solução judicial de litígios, o direito de acesso à via judicial é apenas uma das dimensões do direito de acesso ao direito.

O direito de acesso aos tribunais, a que se refere o n.º1, inclui desde logo quatro “subdireitos” ou dimensões garantística, como se lhes refere GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em primeiro lugar, o direito de ação ou direito de acesso aos tribunais; o direito ao processo perante tribunais; o direito à decisão da causa pelos tribunais e ainda o direito à execução das decisões dos tribunais36.

2.4.O direito à proteção judicial, em especial

De qualquer modo, para além de todos os direitos conexos e componentes de um direito geral à proteção jurídica, o direito de acesso à justiça e a proteção através de um tribunal é uma das dimensões mais importantes do acesso ao direito. O próprio TC já afirmou, em reiterada jurisprudência, que o direito de acesso aos tribunais é “tanto instrumento da defesa de direitos e interesses legítimos dos cidadãos como elemento integrante do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático”37.

Não é suficiente garantia o direito de acesso aos tribunais ou o direito de ação, a tutela através dos tribunais deve ser efetiva. A epígrafe do art.20.º da CRP refere-se expressamente ao direito à tutela jurisdicional efetiva, concretizando-se no n.º5 do mesmo preceito.

O princípio da tutela jurisdicional efetiva deverá ser entendido como uma relação entre direitos materiais e direitos processuais, entre direitos fundamentais e organização e processo. Ou seja, não obstante de se reconhecer o direito não é suficiente

36Aliás, a jurisprudência do TC já há muito que vem considerando que o direito de acesso aos tribunais se “desdobra em três momentos distintos: primeiro, no direito de acesso a tribunais para defesa de um direito ou interesse legítimo, isto é, um direito de acesso à Justiça, a órgãos jurisdicionais ou, o que é o mesmo, a órgãos independentes e imparciais cujos titulares gozam de prerrogativas de inamovilidade e de irresponsabilidade pelas suas decisões; segundo, uma vez que concretizado o acesso a um tribunal, no direito de obter uma solução num prazo razoável; terceiro, uma vez ditada a sentença, no direito à execução das decisões dos tribunais ou no direito à efectividade das sentenças”, neste sentido, FONSECA, Isabel Celeste, in “Processo…”, pág. 258.

37Sobre este tema, FONSECA, Isabel Celeste, in ”Processo…”, pág. 258; CANOTILHO, Gomes e MOREIRA, Vital, in ”Constituição…”, pág. 410.

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para se lograr uma tutela efetiva, esta consagração impende em primeiro lugar sobre o legislador que a deve ter em consideração na organização dos tribunais e nos instrumentos processuais.

Quando os textos constitucionais, internacionais e legislativos reconhecem um direito de acesso aos tribunais, este direito apresenta-se-nos como uma dupla dimensão: (1) um direito de defesa ante os tribunais e contra atos dos poderes públicos; (2) um direito de proteção do particular através dos tribunais, no sentido de este o proteger perante a violação dos seus direitos por terceiros.

Referindo-nos em especial à segunda dimensão, a intervenção do Estado para defender os direitos dos particulares perante outros particulares, para muitos era claro que o particular só o poderia fazer, em geral, através dos órgãos jurisdicionais do Estado.

Esta ideia está de todo ultrapassada, no sentido de que, hoje se assiste ao desenvolvimento de outras formas de acesso ao direito fora dos esquemas organizatório estatais, nomeadamente, os tribunais arbitrais e centros de arbitragem. Neste sentido, convém desde já esclarecer, apesar de ser ponto assente na doutrina, de que a dependência do direito à proteção judicial de prestações do Estado significa que o conteúdo essencial do direito de acesso aos tribunais é a garantia da via judiciária, ou seja, a garantia da proteção jurídica através dos tribunais, sejam eles do Estado ou não38.

2.5.Direito de Acesso à Justiça Administrativa

O princípio da tutela jurisdicional efetiva foi o motor e o catalisador da reforma do contencioso administrativo iniciado no início do século XXI, evidenciando-se desde logo no art.2.º do CPTA, como um princípio estruturante, quer no CPTA quer no ETAF. Assistindo-se a uma vaga subjetivista, valorizando-se a posição dos direitos dos cidadãos face aos poderes públicos39. Constituindo o postulado informador de toda a

38Neste sentido, CANOTILHO, Gomes, in “Direito…”, pág. 483; MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui, in “Constituição da República Portuguesa- Anotada”, Coimbra: Wolters Kluwer Portugal, 2ª Edição, 2010, Vol. I, onde refere que “Tutela jurisdicional não significa, na realidade, o mesmo que tutela judicial, havendo no ordenamento diferentes categorias de tribunais ou de ordens jurisdição”, pág. 433.

39SILVA, Vasco Pereira da, “Para um contencioso administrativo dos particulares. Esboço de uma teoria subjectivista do recurso

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reforma do contencioso administrativo40, ressaltando, como mais marcante e positiva alteração de ordem substancial ou material, a concretização ao nível ordinário do direito fundamental dos particulares administrados a uma tutela plena, efetiva e eficaz dos seus direitos41.

Aliás, refere ISABEL CELESTE FONSECA, relativamente à tutela jurisdicional de urgência na justiça Administrativa, que não tivessem sido os tribunais administrativos sensíveis ao princípio da tutela jurisdicional efetiva, significativa parte das pretensões jurídico administrativas ter-se-iam perdido com o excessivo decurso no tempo do recurso contencioso de anulação. A partir desta nova metodologia de interpretação, inspirada no direito à tutela jurisdicional efetiva, os tribunais administrativos foram colmatando algumas das insuficiências da lei processual administrativa42.

No que respeita à Administração Pública, este princípio está vertido no art.268.º, n.º4 da CRP, onde se prescreve que “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, (…)”.

Este preceito é densificado pelo legislador ordinário no art.2.º do CPTA43, “…tutela jurisdicional efectiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”, querendo com isto significar que a todo o direito ou interesse legalmente protegido, corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, enunciando o legislador, de forma não taxativa, os conteúdos das possíveis pretensões, ou ações, que podem ser apresentadas pelos cidadãos junto dos tribunais administrativos.

Nas palavras de VIEIRA DE ANDRADADE, relativamente à inserção do art.268.º na CRP, não se pretende “… uma regulamentação global da justiça administrativa, mas apenas definir as garantias dos administrados nas suas relações com

40Corporizado primacialmente no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro e no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro. Quer um quer outro diplomas legais entraram em vigor por força da Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, a 1 de Janeiro de 2004.

41Quanto à remodelação da organização e funcionamentos dos tribunais administrativos e fiscais, consultar OLIVEIRA, António Cândido de, “A reforma da organização dos tribunais administrativos e tributários”, in CJA, n.º 22, Julho/Agosto de 2000, pág. 15 e ss e ALMEIDA, Mário Aroso de, “Considerações sobre o novo regime do contencioso administrativo”, in A Reforma da Justiça Administrativa, Stvdia Ivridica, 86, BFDUC, Coimbra Editora, 2005, pág. 13 e ss.

42Isabel Celeste M. Fonseca, in “Processo …”, pág. 166. 43Aprovado pela Lei nº.15/2002, de 22 de Fevereiro.

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a Administração- em especial, o princípio da justiciabilidade dos atos da Administração, assegurado por um direito fundamental específico de acesso aos tribunais, um direito a um procedimento”44. O legislador constitucional, ao consagrar o direito dos cidadãos a

uma tutela jurisdicional efetiva, não quis assumir uma visão de regulação total do processo administrativo, permitindo ao legislador ordinário um abundante espaço de conformação.

2.5.1.A Natureza do art. 268.º da CRP

No entanto, o art.268.º da CRP, especialmente o n.º4, garante aos particulares a tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Tratando-se de uma concretização da garantia de acesso aos tribunais, configurando-se como uma garantia de proteção jurisdicional, possuindo, ela própria, a qualidade ou natureza de direito análogo aos direitos, liberdades e garantias45.

O art.268.º apresenta-se-nos como uma imposição legiferante, tal como o referido art.20.º, mas tal não significa que o juiz não possa aplicar diretamente o preceito, interpretando o direito ordinário em conformidade com a Constituição.

Esta consequência tem larga relevância prática, desde logo na possibilidade de desaplicação por inconstitucionalidade de normas erguidas como impedimento legal a uma proteção adequada de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Depois, na formatação judicial constitucionalmente adequada de instrumentos processuais já existentes, nomeadamente, as providências cautelares não especificadas, no sentido de acelerar os processos dando realização prática ao princípio da tutela jurisdicional efetiva.

Para além da aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias, o art.268.º, configura-se como uma garantia institucional46, ou seja, a exigência e garantia de uma organização judiciária possibilitadora de uma proteção jurídica eficaz e temporalmente adequada dos particulares.

44ANDRADE, Vieira, in “A justiça administrativa: lições”, Coimbra: Almedina, 11º Edição, 2011, pág. 50.

45Art.17.º da CRP, que consagra a aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias aos direitos fundamentais de natureza análoga e também aos consagrados no Título II.

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2.6. O art. 20.º da CRP de 1976 e as revisões de constitucionais de 1982 e 1997

A Constituição da República Portuguesa de 1976 viria a acolher o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos no art.20.º, inspirada na Declaração Universal dos Direitos do Homem pelo art.8.º47. Sob a epígrafe “Defesa dos direitos”, inserido no capítulo dos direitos e deveres fundamentais, determinava no n.º1 que, “A todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.

Com a revisão constitucional de 1982, o art.20.º foi alterado, passando a sua epígrafe a ser “Acesso ao direito e aos tribunais”, alterando-se a configuração do artigo, o anterior n.º1 passou a ser o n.º2.

O novo n.º1 determinava que “Todos têm direito à informação e à proteção jurídica, nos termos da lei”. Esta alteração terá sido uma “inovação sem precedentes em constitucionalismo comparado”48, pois até então, apenas se falava em “acesso à justiça”,

apenas consagrando o acesso aos tribunais, de garantia da via judiciária para a defesa de direitos.

Nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, a revisão do art.20.º permitiu a distinção de dois direitos conexos mas distintos, o direito de acesso ao direito, previsto no n.º1 e o direito de acesso aos tribunais no n.º2. Entendiam que a referida conexão seria evidente, porquanto o conhecimento dos direitos é condição necessária para o seu exercício. Nesse sentido, o direito de acesso ao direito abarcaria o direito à informação e à proteção jurídicas, e o direito de acesso aos tribunais, que além de ser um instrumento de defesa dos direitos, é também um elemento integrante do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático4950.

47O art.8.º da DUDH consagra que “toda a pessoa tem direito ao recurso efetivo às jurisdições nacionais competentes contra atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei”. No mesmo diploma, no art. 6.º, n.º3, determina-se que todo o acusado tem direito a “Defender-determina-se a si próprio ou ter assistência de um defensor da sua escolha e, determina-se não tiver meios para remunerar um defensor, por ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem”.

48

RAPOSO, Mário, “Nota Sumária sobre o artigo 20º da Constituição da República”, in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, 1984, pág. 524.

49CANOTILHO, Gomes e MOREIRA, Vital, in” Constituição … “pág. 180.

50No entanto, e apesar da referida “inovação sem precedentes”, nas palavras de Mário Raposo, a revisão de 1982, implicou para o Estado a obrigação de, “por medidas concretas, a todos «fornecer» esses dois direitos (…). E, como reverso, todos passaram a poder exigir do Estado essas prestações. (…) Parece, no entanto, que a constitucionalização de tal «política» foi um equívoco (…) porque o Estado não poderá, por si só, cumprir a obrigação assim assumida (…). RAPOSO, Mário, “Nota…”, pág. 526.

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31

A segunda revisão constitucional viria a ocorrer em 1992, o art.20.º, denominado “Acesso ao direito e aos tribunais”, adotou no n.º1 o texto do n.º2 da anterior versão, passando agora o n.º2 a estabelecer que “Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário”. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, quanto à nova conceção do artigo, referem que reconhece vários direitos, conexos mas distinto, nomeadamente, o direito de acesso ao direito, o direito de acesso aos tribunais, o direito à informação e consulta jurídica e o direito ao patrocínio judiciário. De acordo com as palavras dos autores, a conexão entre estes direitos é evidente, visto serem componentes de um direito geral à proteção jurídica, sendo, cada um deles, um elemento essencial da ideia de Estado de Direito51.

Na perspetiva dos mesmos autores, o acesso ao direito nos moldes traçados, abarca desde logo, o direito à informação jurídica e ao patrocínio judiciário, remetendo para a lei a concretização do âmbito desse direito, para além destas possibilidades incontestáveis, com o prejuízo do direito de acesso ao direito se tornar um “direito fundamental formal”, os mesmos autores identificam desde logo, o “direito de ação”, isto é, o direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional, solicitando a abertura de um processo, com o consequente dever (direito ao processo) do mesmo órgão de sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada, art.208.º, n.º 1 da CRP. O “direito ao processo” inclui a possibilidade do direito de vista do processo, ou seja, a possibilidade de consulta dos autos, que só poderá ser restringida observados certos pressupostos52.

Neste contexto, também se fala em direito a prazos razoáveis de ação ou de recurso, proibindo prazos de caducidade exíguos do direito de ação ou de recurso. O direito de acesso aos tribunais concretiza-se também através do direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas5354.

51

CANOTILHO, Gomes e MOREIRA, Vital, in “Constituição…”pág. 161. 52Ibidem, pág. 163.

53Ibidem, sobre o “direito a prazos razoáveis de acção ou recurso”, referem que “este direito é uma dimensão ineliminável do direito a uma tutela judicial efectiva. As partes formais de um processo judicial em tramitação têm o direito de obter do órgão jurisdicional competente uma decisão judicial dentro dos prazos legais pré-estabelecidos, ou, no caso de esses prazos não estarem fixados na lei, de um lapso temporal proporcional e adequado `a complexidade do processo”, pág. 163.

54Quanto ao direito à tutela jurisdicional efetiva e a garantia de um prazo razoável, FONSECA, Isabel Celeste, in “Processo…” refere que “o direito de acesso aos tribunais deve traduzir-se na existência de procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade. (…) Por conseguinte, o direito de acesso ao direito e aos tribunais está consagrado em preceitos constitucionais e, segundo uma abundante jurisprudência do TC, este direito integra, para além da dimensão à protecção jurídica, outras vertentes

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32

GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA referem ainda que o acesso à via judiciária não pode ser prejudicado pela insuficiência de meios económicos, cabe à lei “assegurar a actuação desta norma constitucional, não podendo, por exemplo, o regime de custas judiciais ser de tal modo gravoso que torne insuportável o acesso aos tribunais, ou as acções ou recursos estarem condicionados a cauções ou outras garantias financeiras incomportáveis. (…) A Constituição não determina a gratuitidade dos serviços de justiça, como sucede em princípio com os serviços de saúde (…). Mas o direito de acesso à justiça proíbe seguramente que eles sejam tão oneroso que dificultem consideravelmente o acesso aos tribunais (…)”55

.

2.7.O regime legislativo do Acesso ao direito em Portugal

A ideia de acesso ao direito não é contemporânea ao Estado de Direito Democrático, embora lhe seja congénito, o instituto começou a ganhar forma em Portugal, embora de uma forma arcaica relativamente ao seu primogénito em algumas normas de direito antigo de que são exemplo as disposições das Ordenações Afonsinas e Filipinas e ainda em diversos alvarás e regimentos do século XVII e XVIII56.

De inspiração francesa, a primeira lei sobre assistência judiciária data de 31 de Julho de 1899, com o intuito de garantir os ideais de justiça e igualdade. Mais tarde, com a publicação do Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto n.º13809, de 22 de Junho de 1927, o regime da assistência judiciária ficou integrado no referido diploma. Este regime, apesar de inspirado pelas ideias de igualdade e justiça, era burocrático e dispendioso para o requerente e muitas vezes ficava dependente de uma informação do pároco da freguesia. Idealizando a concretização do direito de acesso aos tribunais, muitas vezes não passava disso mesmo, de uma mera aspiração.

Em 23 de Fevereiro de 1944 foi publicado, pela primeira vez em Portugal, um diploma legal, que versou exclusivamente a matéria relativa à Assistência Judiciária, com o benefício do patrocínio gratuito e da dispensa do pagamento prévio de custas, o Decreto- Lei n.º 33548, de 23 de Fevereiro de 1944.

garantísticas processuais, incluindo a de acesso a tribunais, à tutela jurisdicional efectiva , o direito ao processo equitativo e a garantia à emissão de decisão em prazo razoável.” pág. 254.

55Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição…”, pág. 165.

56Sobre a evolução do regime legal do acesso ao direito e aos tribunais em Portugal, consultar SANTOS, Boaventura de Sousa, in “Acesso ao Direito e à Justiça: um direito fundamental em questão”, Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, Julho de 2002,pág. 163.

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33

O diploma datado de 1944 foi alvo de diversas e profundas alterações, até 29 de Dezembro de 1987, altura em que foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 387-B/87, ganhando relevância as vertentes da informação e da consulta jurídica, que passam a constituir outra ver vertente da proteção jurídica, e a atribuição à Ordem dos Advogados da nomeação de patronos com uma remuneração mais adequada à profissão. De realçar que, o regime instituído pelo Decreto- Lei n.º 387-B/87 sobre informação jurídica era de facto inovador, nomeadamente, a ideia não concretizada de criar serviços de acolhimento junto dos tribunais e dos serviços judiciários.

O benefício de apoio judiciário e da consulta jurídica estendeu-se também a estrangeiros e a apátridas que residissem habitualmente em Portugal, em contra partida, a extensão da proteção jurídica a pessoas coletivas sofreu algumas restrições.

Com a publicação do Decreto- Lei n.º 391/88, o regime de suporte financeiro do apoio judiciário sofreu alterações, no entanto, a alteração mais importante no sistema de apoio judiciário surgiu com a publicação da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, procedendo-se a uma desjudicialização do processo de apoio judiciário, passando a consistir num procedimento administrativo, a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário passou a ser efetuada pela Segurança Social. Esta medida pretendia a qualificação do apoio judiciário como reforço da igualdade e oportunidades do acesso ao direito e à justiça e simultaneamente, visto que a Segurança Social é um serviço que dispõe de melhores e mais completas informações a respeito do requerente57.

Em 27 de Maio de 2004, foi aprovada uma nova Lei de Apoio Judiciário, introduzindo também uma profunda modificação do regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais e no próprio modelo de gestão. Coadjuvada pela Portaria n º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, que regulava os critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica e explicitava a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de proteção jurídica e pela Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, que fixava o modelo de remuneração dos profissionais forenses que prestem serviços no âmbito do patrocínio oficioso.

Em 2007, entrou em vigor a Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, alterando a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, coadjuvado pela Portaria n.º 11/2008, de 3 de Janeiro,

57De notar que, a transferência de competências para a Segurança Social foi responsável pela notória agilização processual, visto que, aquando da formulação do pedido de apoio judiciário, o regime dispunha a suspensão dos prazos judiciais que estavam em curso, provocando grande morosidade processual.

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adequando o modelo de requerimento de proteção jurídica para as pessoas singulares e para as pessoas coletivas sem fins lucrativos.

No que toca aos meios alternativos de resolução de litígios, a Portaria n.º10/2008 de 3 de Janeiro procedeu ao alargamento do âmbito dos serviços do sistema de acesso ao direito e elevação dos seus padrões, concretizando o disposto no art.17º, n.º 1 da Lei n.º47/2007, a referida supra Portaria, no art.9.º veio concretizar as estruturas de resolução alternativa de litígios a que se aplica o regime do apoio judiciário.

De facto, há estruturas, a que faz referência o art.9.º da Portaria, em que as partes com dificuldades económicas podem recorrer ao instituto do apoio judiciário, nomeadamente, os Julgados de Paz, alguns sistemas de mediação laboral, familiar e penal e alguns centros de Arbitragem58.

Apesar da Portaria n.º10/2008 ter vindo alargar o instituto aos meios alternativos de resolução de litígios, definindo a que estruturas se poderá aplicar, não consideramos que seja suficiente, e que, por referência ao que supra referimos e que posteriormente densificaremos, não respeita nem concretiza verdadeiramente o disposto no art.20.º da CRP nem responde às necessidades que a Justiça exige muito menos respeita a natureza jurisdicional da Arbitragem. Ao prever taxativamente as estruturas a que se aplica o instituto do apoio judiciário ficam defraudadas as garantias do acesso ao direito e à tutela jurisdicional, sem prejuízo do princípio da igualdade.

2.7.1.O Acesso ao direito e à justiça- a metáfora das três vagas

O acesso ao direito e à justiça, para além da dificuldade intrínseca na decomposição do princípio, é um dos temas mais estudados pela doutrina e pela sociologia do direito. Referimo-nos a este propósito, em especial, ao estudo levado a cabo por MAURO CAPPELLETTI e BRIAN GARTH em 1978, sobre o acesso ao direito em diversos países encarando-o como garantia de efetividade dos direitos individuais e coletivos59.

58

Por referência ao Anexo da Portaria n.º10/2008, são: o Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa; o Centro de Arbitragem do Sector Automóvel; o Centro de Informação de Consumo e Arbitragem do Porto; o Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Consumo do Vale do Cávado; o Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Coimbra; o Centro de arbitragem de Conflitos de Consumo do Vale do Ave; o Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Conflitos de Consumo do Algarve e o Centro de Informação, Mediação e Arbitragem de Seguros Automóveis.

Referências

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