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O art 20.º da CRP de 1976 e as revisões de constitucionais de 1982 e 1997

2. O acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva

2.6. O art 20.º da CRP de 1976 e as revisões de constitucionais de 1982 e 1997

A Constituição da República Portuguesa de 1976 viria a acolher o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos no art.20.º, inspirada na Declaração Universal dos Direitos do Homem pelo art.8.º47. Sob a epígrafe “Defesa dos direitos”, inserido no capítulo dos direitos e deveres fundamentais, determinava no n.º1 que, “A todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.

Com a revisão constitucional de 1982, o art.20.º foi alterado, passando a sua epígrafe a ser “Acesso ao direito e aos tribunais”, alterando-se a configuração do artigo, o anterior n.º1 passou a ser o n.º2.

O novo n.º1 determinava que “Todos têm direito à informação e à proteção jurídica, nos termos da lei”. Esta alteração terá sido uma “inovação sem precedentes em constitucionalismo comparado”48, pois até então, apenas se falava em “acesso à justiça”,

apenas consagrando o acesso aos tribunais, de garantia da via judiciária para a defesa de direitos.

Nas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, a revisão do art.20.º permitiu a distinção de dois direitos conexos mas distintos, o direito de acesso ao direito, previsto no n.º1 e o direito de acesso aos tribunais no n.º2. Entendiam que a referida conexão seria evidente, porquanto o conhecimento dos direitos é condição necessária para o seu exercício. Nesse sentido, o direito de acesso ao direito abarcaria o direito à informação e à proteção jurídicas, e o direito de acesso aos tribunais, que além de ser um instrumento de defesa dos direitos, é também um elemento integrante do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático4950.

47O art.8.º da DUDH consagra que “toda a pessoa tem direito ao recurso efetivo às jurisdições nacionais competentes contra atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei”. No mesmo diploma, no art. 6.º, n.º3, determina- se que todo o acusado tem direito a “Defender-se a si próprio ou ter assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, por ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem”.

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RAPOSO, Mário, “Nota Sumária sobre o artigo 20º da Constituição da República”, in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, 1984, pág. 524.

49CANOTILHO, Gomes e MOREIRA, Vital, in” Constituição … “pág. 180.

50No entanto, e apesar da referida “inovação sem precedentes”, nas palavras de Mário Raposo, a revisão de 1982, implicou para o Estado a obrigação de, “por medidas concretas, a todos «fornecer» esses dois direitos (…). E, como reverso, todos passaram a poder exigir do Estado essas prestações. (…) Parece, no entanto, que a constitucionalização de tal «política» foi um equívoco (…) porque o Estado não poderá, por si só, cumprir a obrigação assim assumida (…). RAPOSO, Mário, “Nota…”, pág. 526.

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A segunda revisão constitucional viria a ocorrer em 1992, o art.20.º, denominado “Acesso ao direito e aos tribunais”, adotou no n.º1 o texto do n.º2 da anterior versão, passando agora o n.º2 a estabelecer que “Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário”. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, quanto à nova conceção do artigo, referem que reconhece vários direitos, conexos mas distinto, nomeadamente, o direito de acesso ao direito, o direito de acesso aos tribunais, o direito à informação e consulta jurídica e o direito ao patrocínio judiciário. De acordo com as palavras dos autores, a conexão entre estes direitos é evidente, visto serem componentes de um direito geral à proteção jurídica, sendo, cada um deles, um elemento essencial da ideia de Estado de Direito51.

Na perspetiva dos mesmos autores, o acesso ao direito nos moldes traçados, abarca desde logo, o direito à informação jurídica e ao patrocínio judiciário, remetendo para a lei a concretização do âmbito desse direito, para além destas possibilidades incontestáveis, com o prejuízo do direito de acesso ao direito se tornar um “direito fundamental formal”, os mesmos autores identificam desde logo, o “direito de ação”, isto é, o direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional, solicitando a abertura de um processo, com o consequente dever (direito ao processo) do mesmo órgão de sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada, art.208.º, n.º 1 da CRP. O “direito ao processo” inclui a possibilidade do direito de vista do processo, ou seja, a possibilidade de consulta dos autos, que só poderá ser restringida observados certos pressupostos52.

Neste contexto, também se fala em direito a prazos razoáveis de ação ou de recurso, proibindo prazos de caducidade exíguos do direito de ação ou de recurso. O direito de acesso aos tribunais concretiza-se também através do direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas5354.

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CANOTILHO, Gomes e MOREIRA, Vital, in “Constituição…”pág. 161. 52Ibidem, pág. 163.

53Ibidem, sobre o “direito a prazos razoáveis de acção ou recurso”, referem que “este direito é uma dimensão ineliminável do direito a uma tutela judicial efectiva. As partes formais de um processo judicial em tramitação têm o direito de obter do órgão jurisdicional competente uma decisão judicial dentro dos prazos legais pré-estabelecidos, ou, no caso de esses prazos não estarem fixados na lei, de um lapso temporal proporcional e adequado `a complexidade do processo”, pág. 163.

54Quanto ao direito à tutela jurisdicional efetiva e a garantia de um prazo razoável, FONSECA, Isabel Celeste, in “Processo…” refere que “o direito de acesso aos tribunais deve traduzir-se na existência de procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade. (…) Por conseguinte, o direito de acesso ao direito e aos tribunais está consagrado em preceitos constitucionais e, segundo uma abundante jurisprudência do TC, este direito integra, para além da dimensão à protecção jurídica, outras vertentes

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GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA referem ainda que o acesso à via judiciária não pode ser prejudicado pela insuficiência de meios económicos, cabe à lei “assegurar a actuação desta norma constitucional, não podendo, por exemplo, o regime de custas judiciais ser de tal modo gravoso que torne insuportável o acesso aos tribunais, ou as acções ou recursos estarem condicionados a cauções ou outras garantias financeiras incomportáveis. (…) A Constituição não determina a gratuitidade dos serviços de justiça, como sucede em princípio com os serviços de saúde (…). Mas o direito de acesso à justiça proíbe seguramente que eles sejam tão oneroso que dificultem consideravelmente o acesso aos tribunais (…)”55

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