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B. O critério da patrimonialidade na NLAV

4.4. Jurisprudência do TEDH, o conceito-chave de “Tribunal”

4.5.1. A falta de Apoio Judiciário na Arbitragem à luz da CEDH

Centrando-nos no objeto do nosso trabalho, por tudo o que supra se expos, não fará sentido que, mesmo à luz da CEDH, baseando esse entendimento no art.6.º que o instituto do Apoio Judiciário seja estendido à arbitragem?

Tendo presente que a CEDH assegura a todos o direito de acesso a tribunal sendo que as dificuldades financeiras das partes não podem restringir esse mesmo direito. A arbitragem, pelo contrário, é uma forma de justiça privada financiada pelas partes, ora a falta de meios financeiros é o bastante para encerrar o acesso à arbitragem.

Pois bem, neste sentido a relação de “marriage”229 entre a arbitragem e a falta de meios financeiros foi recentemente afirmada pelo Tribunal de Recurso de Paris em 17 de Novembro de 2011, nesse sentido, “arbitral tribunals are not exempt from applying [the right of access to justice]”230.

228Acd. do TC n.º52/92. 229

KUDRNA, Jaroslav, “Arbitration and Right of Acces to Justice: Tips for a Successful Marriage”, in New York University- Journal of International Law and Politics Online Forum, February 2013, em: www.nyujilp.org .

230Acórdão do Tribunal da Relação de Paris n.º09/24158, de 17 de Novembro de 2011, “the right of access to justice implies that a person cannot be deprived of the concrete faculty to have its claims decided by a judge; any restriction to the right of access to justice must be proportionate to requirements of sound administration of justice; arbitral tribunals are not exempt from the application of these principles.” E segundo KUDRNA, Jaroslav, “Arbitration…”, nota 4, “The substance and limit of right of access to justice announced by the Court echoed directly the ECtHR’s case law”.

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O Tribunal da Relação de Paris, chamado a pronunciar-se sobre o direito de acesso à justiça, de acordo com o art.6.º da CEDH, deparou-se com o seguinte problema: deverá uma sentença arbitral que, seguindo as decisões do ICC, recusa a apresentação de reconvenção pela falta de pagamento das custas do processo devido a dificuldades financeiras, ser anulada por violação do direito de acesso à justiça?

Esta questão levantou-se relativamente a um caso que remonta ao ano de 2001, entre a empresa Pirelli e uma empresa espanhola Licensing Project (LP), em que a LP se comprometia a produzir e vender calçado para a marca Pirelli, em 2007, surgiu um litígio que envolvia o uso da marca. A LP suspendeu o pagamento de royalties e consequemente o acordo firmado entre as duas empresas terminou. Mais tarde, em 2007, a LP foi considerada insolvente e em 2009 abriu-se o incidente de liquidação. Por seu lado, a Pirelli iniciou o processo de arbitragem com recurso à International

Chamber of Commerce Arbitration Rules (ICC Rules) em Paris, de acordo com a

cláusula arbitral consagrada no contrato celebrado entre as partes. A Pirelli requereu o reconhecimento da denúncia do acordo e o pagamento dos royalties pela LP. Por sua vez, a LP na respetiva contestação alegou vários argumentos acrescentando um pedido reconvencional, pelo facto da empresa Pirelli se ter obrigado a disponibilizar a licença de uso da marca, e sem o ter feito, terá sido a razão para a rescisão do contrato.

Em 2009, a Pirelli requereu ao ICC Court, uma provisão no sentido de antecipar os custos da arbitragem, de acordo com o art.30.2 ICC Rules de 1998231. O ICC Court deferiu o pedido da Pirelli, apesar das objeções da LP no sentido da falta de meios financeiros para cobrir a provisão requerida. Impossibilitada de pagar a provisão, o ICC

Court decidiu não dar provimento às objeções da LP de acordo com o art.30.4 da ICC Rules de 1998232. Posteriormente, o ICC Court admitiu todo o alegado pela Pirelli desconsiderando a contestação apresentada pela LP, considerando ainda que as pretensões de defesa da LP não ficariam precludidas, podendo sempre recorrer futuramente.

Em sede de recurso, a LP argumentou que o processo arbitral, no qual não se teve em conta a contestação da LP devido à falta de pagamento da provisão, mesmo alegando dificuldades financeiras, violava o direito de acesso à justiça e principalmente o princípio da igualdade, ambos previsto no art.6.º da CEDH. O Tribunal de Recurso de Paris anulou a sentença arbitral com base nestes dois argumentos.

231Hoje correspondendo ao art.36º do ICC Rules de 2012, em: www.iccwbo.org/ . 232Ibidem, hoje correspondendo ao art.36.º, n.º6.

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JAROSLAV KUDRNA fala a este propósito, de um “marriage” entre o direito de acesso à justiça e a arbitragem, no sentido de que é uma relação forçada em que o direito de acesso à justiça triunfa perante a autonomia privada.

Mas a verdade é que o Tribunal de Recurso de Paris neste caso, anulando a decisão arbitral por violação do direito de acesso à justiça, também não dá uma resposta apropriada, concordamos com a autora no ponto em que é necessário criar formas de manter um “successful marriage” entre o direito de acesso à justiça e a arbitragem233

. No presente caso, o Tribunal da Relação de Paris anulou a sentença arbitral com base no art.1520.º n.4.º, (violation of due process) e no art.5.º (violation of international public

policy), ambos do Código de Processo Civil Francês. Reafirmando que, ninguém pode

ser privado do direito de reclamar as suas pretensões perante um juiz, qualquer restrição a este direito deverá ser proporcional à boa administração da justiça.

Concretamente, neste caso, o Tribunal considerou que a restrição à apresentação da contestação por parte da LP foi excessiva, de facto a empresa em liquidação encontrava- se numa situação que lhe impossibilitou o pagamento antecipado dos custos da arbitragem.

De salientar que com esta decisão o Tribunal da Relação de Paris salientou o carácter jurisdicional da arbitragem, ao afirmar que a arbitragem não está isenta da aplicação do direito de acesso à justiça, em detrimento da natureza contratual da arbitragem, dando prevalência ao direito fundamental da parte em dificuldades financeiras.

Ainda relativamente ao caso Pirelli vs. LP, o Tribunal decidiu desaplicar as ICC

Rules relativamente à provisão antecipada dos custos, após apurar in concreto que tal

medida era desproporcional, impondo uma restrição desmedida. Concluindo que, no sentido de evitar a anulação da sentença arbitral, o tribunal arbitral deveria ter ignorado a vontade das partes em submeter o litígio às ICC Rules e, assim, assegurar o respeito pelo direito fundamental de acesso à justiça.

Outra consideração que se deve fazer, prende-se com o possível impacto que esta decisão poderá ter na efetividade das futuras sentenças arbitrais, considerando o Tribunal de Recurso de Paris que o direito de acesso à justiça é considerado como parte da ordem pública internacional. Desta afirmação decorre que uma sentença arbitral

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estrangeira que não respeite o direito de acesso à justiça, poderá ver a sua efetividade negada em França.

Sobre a mesma questão já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º1647/02 de 9 de Novembro de 2003234. As partes mediante dois acordos, um de franchise e um segundo de representação de vendas/distribuição, convencionaram para a resolução de qualquer problema que surgisse entre as partes o recurso aos regulamentos de arbitragem dos Países Baixos. Com a emergência do conflito, uma das partes apresentou no Neatherland Arbitrage Institut (NAI), um pedido de arbitragem que deveria ser submetido às Regras do Instituto de Arbitragem dos Países Baixos, no âmbito do qual as partes apresentaram a corresponde Resposta e Reconvenção. No âmbito do referido processo, foram as partes notificadas para efetuarem um depósito, sem o qual a respetiva Reconvenção seria imediatamente retirada. Uma das partes, por fax, comunicou ao Tribunal a sua impossibilidade de efetuar o depósito solicitado, pois a sua situação económica e financeira a impedia de dispor daquele montante.

O Tribunal, indiferente aos argumentos apresentados pela parte em desvantagem financeira, comunicou-lhes que a Reconvenção apresentada iria ser retirada do processo, tendo sido realizada a audiência de julgamento sem a participação da referida parte e proferida sentença arbitral.

Posteriormente, a outra parte apresentou nova petição inicial solicitando um montante indemnizatório pelos danos alegadamente sofridos. Ora, nesta fase, a parte com dificuldades financeiras nem teve qualquer participação no processo, pois tinha conhecimento de que qualquer intervenção não iria ser tida em conta enquanto não realizassem o mencionado depósito, tendo sido proferida a respetiva sentença arbitral e retificação da mesma.

Decorridos os trâmites normais do processo e em requerimento de recurso para o STJ, foi negada a revista e confirmado o acórdão recorrido. O Tribunal veio dizer que, quando as partes acordam com a submissão do litígio à arbitragem, in casu, nos Países Baixos, têm que estar conscientes de que o recurso à arbitragem implica encargos e despesas e nesse sentido devem-se acautelar para esses custos, e nesse sentido, falharam. No entanto, o STJ admitiu que uma coisa é ter pensado ter assegurado um tal aprovisionamento no momento em que subscreve o acordo, diferentemente, é ter caído

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posteriormente, sem culpa, numa situação de insuficiência económica que de todo em todo torna impossível o ser acesso à justiça.

Apesar de todos estes considerandos, o STJ considerou, neste caso, que a parte com insuficiência de meios financeiros deveria ter alegado factos que comprovassem de maneira conclusiva que a obrigação de recorrer à arbitragem se havia extinguido devido à impossibilidade superveniente de suportar os encargos da mesma. E esta alegação não foi feita.

Criticamos tal decisão, de facto a parte com dificuldades económicas não alegou corretamente, ou pelo menos, não terá tido a oportunidade de comprovar a sua situação financeira, no entanto, pensamos que pelo princípio da justiça material e boa administração da justiça, deveria ter sido dada, eventualmente em sede posterior, a oportunidade de a parte alegar e justificar a insuficiência económica.

Embora a decisão de recusa de revista, o STJ admite que em certas circunstâncias, tais como as referidas no caso Pirelli vs LP, onde a LP provou que a arbitragem negou o seu direito de acesso à justiça, numa sentença em que o tribunal arbitral se recuse aceitar o alegado por uma parte, tal sentença deverá ser recusada em Portugal por violação da ordem pública portuguesa.