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B. O critério da patrimonialidade na NLAV

4.3. A Arbitragem na Convenção Europeia dos Direitos do Homem

O TEDH já se pronunciou sobre a aplicação da Convenção a todos os tribunais e instâncias, aliás para a questão que nos propusemos investigar, faz todo o sentido perceber qual a posição do TEDH nesta matéria.

No acórdão Platakou c. Grécia, de 11 de Janeiro de 2011, o tribunal veio dizer que é aos tribunais nacionais que incumbe interpretar a legislação interna, nomeadamente as

207Acórdão Ernst c. Bélgica, de 15 de Julho de 2003. 208Em: http://hudoc.echr.coe.int/ .

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regras processuais relativas às formas e prazos relativos aos recursos. A função do Tribunal é limitar-se a verificar a compatibilidade com a Convenção dos efeitos de tal interpretação. Posto isto, veio o Tribunal afirmar que, a Convenção não obriga os Estados a criar tribunais superiores, mas se existirem, o Estado tem a obrigação de zelar para que os sujeitos processuais neles usufruam das garantias fundamentais do art.6.º. Mais uma vez reiterando a posição de que o art.6.º não obriga os Estados a criar tribunais de recurso, mas se existirem, devem assegurar as garantias fundamentais previstas pelo disposto no art.6.º da Convenção210.

Nessa decorrência, e tomando como nota o que DIOGO LEITE DE CAMPOS afirmou, ainda que relativamente à arbitragem em matéria tributária, “a arbitragem é equiparável ao processo judicial, à resolução da questão por juízes do Estado. Com efeito, e repetimos, tanto a Administração Pública como os contribuintes se encontram aqui em situação de igualdade, sujeitos a juízes/árbitros estranhos”, na opinião do autor, “não basta entender, como nos parece inequívoco, que a arbitragem em matéria tributária decorre do sentido da Constituição da República e de todos os valores interesses e invocáveis, nomeadamente do valor fundamental do Direito de acesso à justiça ou a uma tutela judicial efetiva”211.

Nesse sentido, não fará sentido a aplicação do disposto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem à Arbitragem? Para responder a esta questão é incontornável uma dissecação dos conceitos chave do art.6.º da Convenção.

4.3.1.O problema do âmbito de aplicação do artigo 6º da Convenção

A dissecação do âmbito de aplicação do art.6.º da CEDH é um trabalho que levanta muitas questões, não se revelando tarefa fácil, basta ter em conta o núcleo do referido artigo para a perceção da complexidade do preceito. Quanto ao objeto deste trabalho, importa aferir da conformidade do art.6.º com a existência da arbitragem, uma vez que esta se propõe à resolução dos litígios sem recurso a um tribunal do Estado, o que à primeira vista parece contrariar aquela norma.

No seguimento do que o TEDH já veio dizer, os Estados não estão obrigados a criar tribunais, mas a partir do momento em que existam, deverão estes respeitar o disposto no art.6.º da Convenção. Estabelece a Convenção que “toda a pessoa tem direito a um

210Acórdão Delcourt c. Bélgica, de 17 de Janeiro de 1970, considerando 25.

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tribunal, independente e imparcial, estabelecido pela lei”212, como referimos supra, este direito não é absoluto desde que não atinja este direito na sua substância.

Mas o que é um tribunal independente e imparcial?

Na perspetiva de IRENEU CABRAL MONCADA será o poder de tornar uma decisão obrigatória que não pode ser modificada por uma autoridade não judiciária em prejuízo de uma parte213. Independência face ao poder executivo e às partes, mas independência também perante o poder legislativo ou os grupos de pressão, políticos, económicos e sociais. Ainda na opinião do autor, é necessário também a presença de magistrados profissionais, mas já não é necessário que o tribunal seja composto apenas por magistrados, pode compreender outras pessoas, desde que gozem de um estatuto que as proteja214. Inquestionavelmente que a forma de nomeação dos juízes é elemento tocante da sua independência e inamovilidade, bem como exige que os mesmos não sofram influências no exercício das suas funções215. IRENEU CABRAL MONCADA vem ainda dizer que estes princípios valem também para os jurados.

Ora, na nossa perspetiva, os princípios da independência e imparcialidade são as mais importantes regras éticas que impendem sobre o árbitro. Nas palavras de AGOSTINHO PEREIRA DE MIRANDA, relativamente à presente questão, quanto aos deveres éticos do árbitro, refere que a “grande parte das leis nacionais e dos regulamentos de arbitragem preveem a exigência de que os árbitros sejam independentes e imparciais”, «Segundo Fouchard, a importância do dever de independência é tal que só se justificariam outros requisitos éticos em casos limitados»”216.

O direito a um tribunal estabelecido pela lei, em sentido formal, emanada do órgão legislativo. Esta disposição tem por objeto evitar que, numa sociedade democrática, a organização do sistema judicial, isto é, a criação de um tribunal, assim como a definição da sua competência material e territorial, seja deixada à discrição do executivo217. Diz-

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BARRETO, Ireneu Cabral, in “ A Convenção…2, pág. 105.

213Acórdão Van de Hurk c. Holanda, de 19 de Abril de 1994, considerando 45.

214MONCADA, Ireneu Cabral, in “A Convenção… “quanto à jurisprudência do TEDH, refere o acórdão Piersack, de 1 de Outubro de 1982, considerando 39 a 40 e o acórdão Ettl e outros, de 23 de Abril de 1987, considerando 39.

215Ainda quanto à independência e imparcialidade dos magistrados, o autor refere os acórdãos Sramek, considerando 38 e o acórdão Campbell e Fell, considerando 79.

216MIRANDA, Agostinho Pereira de, in “O Estatuto…” pág. 46.

217Neste sentido, MONCADA, Ireneu Cabral, in “A Convenção…”, nota de rodapé nº247, pág. 111, aponta o relatório de 12 de Outubro de 1978, no “Caso Zand”, DR, 15, pp.96-97, e de 6 de Setembro de 1990, Queixa nº13274/87, DR, 66, p. 64. in “A Convenção…”.

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nos IRENEU CABRAL DE MONCADA que o objetivo é evitar a criação de tribunais

ad hoc, encarregados de casos determinados, e os chamados tribunais de exceção.

Contrariamente, já será compatível com este requisito, os tribunais que julgam uma categoria geral e indeterminada de casos, como por exemplo, os tribunais militares, como se consente um tribunal para julgar os titulares de altas funções. O TEDH, ainda veio dizer que, a lei pode limitar-se a definir os princípios de base deixando ao executivo a tarefa da sua regulamentação218.

Mas mantém-se a questão, será que o art.6.º da Convenção se aplica aos tribunais arbitrais?

CARLO FOCARELLI, bem como outros autores, já problematizou a interpretação do art.6.º, inclusive afirma que, na realidade, o problema da aplicação do normativo é complexo, mesmo limitando-nos a seguir uma configuração corrente, é de extrema dificuldade atribuir aos termos “chave” do normativo um significado suficientemente preciso219. Uma das questões problematizadas pelo autor refere-se inclusive ao termo “tribunal”, nomeadamente, se refere apenas às pessoas qualificadas como juízes no ordenamento jurídico em que a decisão foi tomada, ou se aplica a terceiros, sejam eles privados (como os árbitros ou a órgãos judiciais de associações privadas) ou públicos (como os órgãos administrativos, executivos ou legislativos do Estado).