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2. O acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva

3.4. A subsidiariedade da tutela jurisdicional conferida pela CEDH

Importa neste ponto atender ao modo como se inter-relaciona a tutela jurisdicional nacional e a proteção conferida pela Convenção. A relação é desde logo norteada por um princípio fundamental de fonte internacional que, no entanto, se encontra implícito no texto da Convenção, referimo-nos ao princípio da subsidiariedade dos meios de tutela previstos na CEDH, em relação aos meios internos de cada Estado Parte. Quer isto significar que, os Estados não devem responder pelas suas atuações, ainda que internacionalmente ilícitas, perante organismos supranacionais, sem que aos

70A título de exemplo, veja-se o Acd. Affaire Beires Côrte-RealL c. Portugal, de 11 de Outubro de 2011, condenando o Estado Português a pagar ao requerente, 7500€ por danos morais e 500€ por custos e despesas e por qualquer imposto exigível ao requerente.

71ALVES, Jorge de Jesus Ferreira, in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada e Protocolos Adicionais Anotados”, Legis, 2008, pág. 6.

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mesmos tenha sido atribuída a possibilidade de resolver na ordem jurídica interna e segundo os seus próprios meios, os litígios resultantes dessas condutas73.

O carácter subsidiário da Convenção foi declarado no acórdão Handyside c.

Reino Unido, de 07de Dezembro de 1976, de onde se pode retirar a afirmação, “O

Tribunal realça que o mecanismo de garantia instaurado pela Convenção reveste carácter subsidiário relativamente aos sistemas nacionais de garantia dos Direitos do Homem (…). A Convenção confia, em primeiro lugar, a cada um dos Estados Contratantes o cuidado de assegurar o gozo dos direitos e liberdades que ela consagra. As instituições por ela criadas prestam o seu contributo para o efeito, mas não entram em jogo senão pela via contenciosa e após o esgotamento das vias de recurso internas”74

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FAUSTO DE QUADROS, em 1990, na Revista da Ordem dos Advogados, relativamente ao “princípio da exaustão dos meios internos “, “ensina que o indivíduo não tem acesso ao exercício da protecção diplomática activa para a salvaguarda dos seus direitos e das suas liberdades enquanto não tiver esgotado todos os meios jurídicos que o Direito interno lhe faculta”.

O fundamento jurídico do princípio da exaustão reside primeiramente no respeito pela soberania do Estado contra o qual o individuo pretende utilizar um meio contencioso reconhecido pelo Direito Internacional. Desta ideia principal decorrem outras, desde logo, a ideia de que, ele permite ao Estado ter a prioridade na reparação do prejuízo que ele causou ao cidadão e fazê-lo de modo efetivo; pretende-se ainda prevenir a utilização abusiva da proteção diplomática; exprime a subordinação voluntária do cidadão ao Direito do Estado da sua residência; previne um uso precipitado da proteção diplomática, enquanto faculta ao Estado a oportunidade de retificar os erros dos seus órgãos através do seu próprio Direito Interno e por fim, que só ele assegura o respeito pelo princípio da igualdade entre pessoas nacionais e estrangeiras75.

73O carácter subsidiário da CEDH, foi declarado no Acd. Handyside c. Reino Unido, de 07 de Dezembro de 1976, considerando 48. “O Tribunal realça que o mecanismo de garantia instaurado pela Convenção reveste carácter subsidiário relativamente aos sistemas nacionais de garantia dos Direitos do Homem”; Acd. Kudla c. Polónia, de 26 de Outubro de 2000, considerando 152. “O mecanismo da queixa no Tribunal tem carácter subsidiário relativamente aos sistemas nacionais de garantia dos Direitos do Homem. Essa subsidiariedade está expressa nos artºs 13º e 35º, nº1 da Convenção”.

74No mesmo sentido, o acórdão Kudla c. Polónia, de 26 de Outubro de 2000 e acórdão Azinas c. Chipre, de 28 de Abril de 2004. 75QUADROS, Fausto de, “O princípio da Exaustão dos meios internos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a Ordem Jurídica Portuguesa” in “Revista da Ordem dos Advogados”, 1990, pág. 119.

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Ainda quanto ao “princípio da exaustão”, tal como é consagrado na CEDH, continua a valer como princípio fundamental na Ordem Jurídica criada à sombra da CEDH, mas não é menos verdade que os muitos limites e as várias exceções que o princípio da exaustão sofre, nos obrigam a ver nele um princípio muito enfraquecido e de âmbito bastante restringido.

Relativamente à CEDH, considera-se que os Estados Parte estão, à partida, em melhores condições para responder às consequências das suas atuações violadoras de obrigações internacionais, devendo para isso dispor de meios internos eficazes, art.13.º da CEDH. De acordo com o art.35.º, n.º1 da CEDH, o encargo primário da tutela dos direitos consagrados na Convenção pertence aos Estados Membros, enquanto o TEDH apenas deve intervir se for instado para tal, em fase ulterior, depois de esgotados os meios internos76.

Neste sentido, os mecanismos de proteção supraestadual conformam uma modalidade de tutela de segundo grau, ou em certa medida, um meio complementar em face dos direitos internos de proteção estadual, que reside no respeito pela soberania dos Estados Partes da Convenção.

As limitações do princípio e mesmo as “novas conceções acerca do papel da soberania estadual no moderno Direito Internacional, bem como a necessidade sentida pela doutrina, pela prática da Comissão e pela jurisprudência do Tribunal, de se dar cada vez maior eficácia, utilidade e celeridade ao sistema de garantia dos Direitos do Homem criado pela Convenção”, levam Fausto de Quadros a afirmar que, falar-se hoje de “exaustão” dos meios internos é excessivo, pois, embora continue a vigorar, apresenta vários limites e exceções, sendo mais rigoroso falar-se em subsidiariedade dos meios da Convenção em relação aos meios internos, querendo com isto significar que, “o indivíduo terá acesso aqueles sempre que estes não estiverem aptos a realizar de modo eficiente e eficaz a função de reparar a violação da CEDH e os seus efeitos”.

3.4.1.O princípio da subsidiariedade na ordem jurídica portuguesa

Seria desprovido de sentido a referência ao princípio da subsidiariedade da tutela jurisdicional da CEDH, sem fazermos referência à ordem jurídica portuguesa. No primeiro capítulo deste trabalho debruçamo-nos sobre o sistema de garantia dos direitos e das liberdades dos cidadãos, e tivemos a oportunidade de referir que a CRP consagra

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uma lista bastante alargada dos direitos fundamentais, tornando o sistema português de garantia dos direitos e das liberdades dos cidadãos um sistema complexo, pesado e imperfeito.

Complexo e pesado pois, comparativamente com outros sistemas estrangeiros, o ordenamento jurídico português compõem-se de muitos e díspares meios graciosos e contenciosos, gerais e especiais, ordinários e extraordinários, principais e acessórios e sujeitos a diferentes regimes substantivos e processuais.

Imperfeito, porque os meios graciosos e contenciosos funcionam lentamente, o que origina grandes atrasos na proteção dos direitos e das liberdades e diminui a sua utilidade e a sua eficácia e porque o cidadão português não dispõe dos meios mais eficazes que o Direito Comparado coloca ao dispor do indivíduo para a defesa dos seus direitos e liberdades, designadamente, a queixa constitucional77.

Ora, sendo que um dos princípios fundamentais que regem a interpretação e aplicação da CEDH, é o princípio da igualdade de todos os Estados partes na Convenção, para que seja respeitada, é necessário que se comece por não discriminar, tratando de modo igual todos os cidadãos dos vários Estados membros. Nesse sentido, se o princípio da exaustão fosse interpretado com o mesmo grau de rigidez e relação a um Estado que possuí um complexo e pesado sistema de garantia dos direitos e das liberdades dos cidadãos, como o português, e em relação a um Estado que possui um simples e célere sistema, estar-se-ia a violar os princípios fundamentais da Convenção. Nesse sentido, o Tribunal de Estrasburgo não abdica de examinar se tais recursos internos são úteis e eficazes e, consequentemente, esgotáveis à luz dos art.13.º e 35.º da CEDH.

O caso mais frequente que dispensa Portugal da exaustão dos meios internos é o recorrente atraso da justiça. A remoção da violação e dos seus efeitos pressupõe que o lesado, quando lance mão de um meio contencioso, a sentença do tribunal transite em julgado a tempo de produzir efeitos, portanto, a tempo de útil e eficaz.

Em Portugal, por exemplo, quanto à questão de saber se a ação sobre responsabilidade civil enquadrada no art.22.º da CRP, constituiria ou não um recurso útil e eficaz a esgotar antes do recurso aos órgãos da Convenção, a resposta foi dada em sentido negativo78 e assim aconteceu mais vezes, ao longo da década de noventa.

77QUADROS, Fausto de , “O princípio…” pág. 148.

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De facto, a CEDH não fixa qualquer prazo máximo para a duração do processo, limita-se a exigir no art.6.º, que o processo seja julgado “num prazo razoável”, e saber quando é que o prazo deixou de ser razoável é algo que só se poderá aferir em cada caso concreto. Mas na opinião de FAUSTO DE QUADROS, um prazo da ordem dos três ou quatro anos numa mesma instância, não será um prazo razoável, ou mesmo dos sete ou oito anos nas três instâncias, quando se mostrar evidente que para a resolução do caso em concreto o prazo poderia ser encurtado, ou devido à simplicidade do pleito, ou mesmo por um comportamento mais diligente da do Tribunal, nestas situações o interessado não será obrigado a esperar pelo termo do processo ou pelo proferimento duma sentença com trânsito em julgado, podendo lançar mão da queixa individual.

Como consequência, a responsabilização no foro nacional pela violação do direito ao processo temporalmente justo, para satisfazer as decorrências do art.6.º e 13.º da CEDH, tem vindo a acontecer com mais frequência, fazendo-se sentir a influência da jurisprudência europeia. O resultado é o aperfeiçoamento e consolidação que os Estados têm levado a cabo, tanto é que o tribunal de Estrasburgo já se tem pronunciado afirmativamente quanto à necessidade de esgotamento dos recursos internos79, relativamente ao regime da responsabilidade civil do Estado patente no art.22.º da CRP.