PUC-SP
Patrícia Rosset
Relações entre poderes na Constituição Brasileira
DOUTORADO EM DIREITO
PUC-SP
Patrícia Rosset
Relações entre poderes na Constituição Brasileira
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito Constitucional sob a orientação do Prof. Dr. Marcelo Figueiredo.
Banca Examinadora
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
INVICTUS
Do fundo desta noite que persiste,
a me envolver em breu – eterno e espesso, a qualquer deus – se algum acaso existe, por minha alma insubjugável agradeço.
Nas garras do destino e seus estragos
sob os golpes que acaso atira e acerta,
nunca me lamentei – e ainda trago minha cabeça – embora em sangue – ereta.
Além deste oceano de lamúria,
somente o horror das trevas se divisa;
porém o tempo, a consumir-se em fúria,
não me amedronta, nem me martiriza.
Por ser estreita a senda – eu não declino, nem por pesada a mão que o mundo espalma;
EU SOU DONO E SENHOR DO MEU DESTINO;
EU SOU O CAPITÃO DA MINHA ALMA.
Há um olhar que sabe discernir o certo do errado e o errado do certo.
Há um olhar que enxerga quando a obediência significa desrespeito e a
desobediência representa respeito.
Há um olhar que reconhece os certos caminhos longos e os longos caminhos curtos.
Há um olhar que desnuda, que não hesita em afirmar que existem fidelidades
perversas e traições de grande lealdade.
Este olhar é o da alma.
Rabino Nilton Bonder
ROSSET, P. Relações entre poderes na Constituição Brasileira. 2012. 259 f. Tese (Doutorado) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.
O presente estudo não visa dar soluções para tão complexos problemas em que estão inseridos os Estados no mundo, hoje, com a clara mitigação do princípio da soberania e na enorme dificuldade em defender a democracia no aspecto formal. A sociedade de hoje se apresenta com uma multiplicidade fática, decorrente da existência de atores na arena decisória no âmbito da economia, do poder político, do poder empresarial, das ONG(s), da internet, dentre outros. O Estado não é o único ator no cenário nacional e internacional, posição essa unânime entre os filósofos contemporâneo, constitucionalistas ou não. O que visamos no presente estudo é delinear o que pode ser levado à reflexão, analisado no âmbito das relações institucionais, no sistema político brasileiro, focando o Poder Legislativo, como se apresenta e quais são suas competências constitucionais, os desafios que estão postos para então dar algumas soluções visando um melhor desempenho e eficácia nas suas prerrogativas fundamentais, ou seja, de representante do povo brasileiro. Assim da leitura do texto constitucional, analisar os fatores decorrentes que levaram ao quadro atual em que se encontram as relações entre os três poderes. Nesse contexto, faz-se necessário delinear como o Estado e o Poder Legislativo se apresentam contemporaneamente e suas dificuldades postas pelas complexidades mundiais. O passo seguinte é abordar o Poder Legislativo na Constituição de 1988, retomando as discussões que precederam o texto constitucional durante o período da Constituinte, fazendo menções aos debates e às preocupações e sugestões apresentadas, para entender a configuração do texto da Magna Carta e o que resultou desses trabalhos. Em terceiro lugar, analisar o papel institucional do Supremo Tribunal Federal nessas relações entre os poderes na salvaguarda da Constituição. Para, enfim, focar o presidencialismo de coalizão, modus operendi
atual de relação entre os poderes no cenário Pátrio, com base na sua definição, como se apresenta, e requisitos de existência, problematizar que tal prática instalada se trata de uma anomalia institucional face aos princípios constitucionais da nossa Carta vigente. Para concluir, apresentamos nossas respostas e propostas para alguns desses problemas e possíveis soluções no sentido de fortalecer a instituição Legislativa.
ROSSET, P. Relationships between the powers on the Brazilian Constitution. 2012. 259 f. Tese (Doutorado) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.
This study is not intended to provide solutions for the complex problems in which the States are inserted in the world today due to the clear mitigation of the Principle of Sovereignty and the enormous difficulty in defending democracy in the formal aspect. Today’s society presents itself with a factual multiplicity arising from the existence of actors in the decision-making arena in economy, political power, corporate power, the NGOs and internet among others. The State is not the only actor in the national and international scene, this is a unanimous position among contemporary philosophers, constitutionalists or not. What we aim in this study is to outline what can be taken under consideration analyzed institutional relationships in the Brazilian political system, focusing in the Legislative, how it presents and which are its constitutional competences, the challenges that are set and then give solutions for better performance and efficiency in its fundamental prerogatives, that is, as representative of the Brazilian people. Therefore, from the reading of the constitutional text, analyze the factors that led to the current situation where the Legislative meets. In this context it is necessary to outline how the State and the Legislative presents contemporaneously and the difficulties posed by global complexities the next step is to approach the Legislative in the 1988 Constitution, resuming the discussions that preceded the constitutional text during the debates of the Constituent mentioning the debates, the concerns and suggestions presented, to understand the configuration of the Magna Carta text and what resulted from those studies. Thirdly analyze the institutional role of the Supreme Court in these relations between the powers in the Constitution safeguard. To finally focus in the coalition presidentialism, current modus operandi in the current relationship between the powers in native scenario, based in its definition, how it shows and its requirements of existence, questioning such practices installed since it is an institutional anomaly against the constitutional principles of our current Charter. In conclusion, we present our answers and proposals for some of this problems and possible solutions to strengthen the Legislative.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 13
CAPITULO I – A CARTA CIDADÃ ... 16
I. A FEIÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ... 16
II. ALGUNS DESAFIOS DA SOCIEDADE E DO ESTADO BRASILEIRO COM ADVENTO DA CARTA DE 1988 ... 23
III. SOCIEDADE POLITICAMENTE ORGANIZADA E DEMOCRACIA REPRESENTATIVA ... 29
IV. DO PRINCÍPIO REPÚBLICANO E DO PRINCÍPIO FEDERATIVO ... 40
1. O princípio republicano. ... 40
2. Do conceito federativo. ... 45
2.1. Os desafios do sistema federativo sob a ótica financeira. ... 49
2.2. A Lei de Responsabilidade Fiscal e o sistema federativo ... 51
V. ELABORAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E A IMPORTÂNCIA DO ARTIGO 23 DA CF E O SISTEMA DE COOPERAÇÃO. ... 52
1. A previsão de leis complementares no parágrafo único do artigo 23. ... 53
2. Da importância da competência comum do artigo 23... 54
3. Das políticas públicas e seus desafios regionais ... 55
4. Da falta de clareza no texto constitucional o que se traduz em repartição das matérias e respectivas competências. ... 56
5. Desafios postos ao princípio federativo e à jurisprudência da STF. ... 60
CAPITULO II – O PODER LEGISLATIVO ... 63
I. O PODER LEGISLATIVO NA ASSEMBLEIAASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE ... 63
1. Do momento singular da Assembleia Nacional Constituinte ... 63
2. Da subcomissão do Poder Legislativo. ... 64
2.1 Da experiência da Carta de 1946 ... 65
2.2 Dos pontos de consenso ... 65
2.5. Sugestões quanto à garantia do processo legislativo ... 68
2.6. Em busca de um Legislativo democrático ... 68
2.7. Das complexidades das relações entre Legislativo e Executivo ... 69
2.8. Da imprensa e seu papel, necessária mudança de postura ... 70
2.9. Dos vários trabalhos no âmbito do Legislativo ... 71
2.10. Da importância dos trabalhos das comissões ... 71
2.11. Do excesso de proposições e falta de tempo para a apreciação ... 72
2.12. Da dificuldade de realizações de comissões mistas ... 72
2.13. Da edição desenfreada dos decretos-leis ... 72
2.14. Dos Vetos ... 73
2.15. Das Emendas à Constituição ... 73
2.16. Da importância da democracia direta ... 74
2.17. Das instituições intermediárias e seu papel ... 74
2.18. Da descentralização política e a importância do município ... 75
2.19. Do papel das Câmaras Municipais ... 75
2.20. Da necessidade de resgatar a independência dos Estados ... 75
2.21. Da necessidade de transparência do Legislativo ... 76
2.22. Da opinião pública e participação da sociedade ... 76
2.23. Da responsabilidade do Congresso quanto a sua imagem negativa ... 77
II. O PODER LEGISLATIVO NA CARTA DE 1988. ... 78
1. Dos princípios do Poder Legislativo. ... 79
1.1. As novas configurações do Poder Legislativo ... 80
2. Do Congresso Nacional. ... 83
2.1. Da competência do Congresso Nacional ... 83
2.2. Das Comissõesdo Congresso Nacional ... 86
3. Da Câmara dos Deputados... 88
3.1. Competência privativa da Câmara dos Deputados ... 89
3.2. Da Mesa Diretora ... 90
3.3. Órgãos da Câmara dos Deputados ... 90
3.4. Colégio de Líderes ... 90
3.5. Das Comissões ... 90
3.6. Do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. ... 92
3.7. Procuradoria Parlamentar ... 92
3.8. Dos corregedores ... 93
3.9. Procuradoria Especial da Mulher... 93
4.1. Da sua competência ... 95
4.2. Órgãos do Senado Federal ... 96
4.3. Conselho de Ética e Decoro Parlamentar ... 97
4.4. Corregedoria Parlamentar ... 97
4.5. Procuradoria Parlamentar ... 97
4.6. Conselho do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz ... 98
4.7. Das Comissões no Senado Federal ... 98
5. Da atribuição ao Congresso da Fiscalização, Contábil, Financeira e Orçamentária 100 5.1. Controle externo com auxílio do Tribunal de Contas ... 101
5.2. Dos Contratos considerados irregulares pelo TCU. ... 102
5.3. A composição do Tribunal de Contas da União ... 102
6. Do controle interno ... 103
7. Do Processo Legislativo ... 104
7.1. Processo Legislativo na Constituição Federal ... 105
7.1.1. Os Princípios do processo legislativo ... 106
7.2. Do Regimento Interno ... 108
8. Da assessoria existente e sua estrutura ... 109
III. DOS LÍDERES E DO COLÉGIO DE LIDERES ... 112
1. Da Liderança Partidária ... 112
2. Dos Blocos Parlamentares... 117
3. Do Colégio de Líderes ... 119
IV. DOS CÓDIGOS DO CONGRESSO NACIONAL ... 120
V. A CONSTITUIÇÃO E SEPARAÇÃO DOS PODERES ... 123
1. O Princípio da Separação dos Poderes ... 124
2. A separação dos poderes, sociedade e grupos. ... 126
3. A missão atual dos juristas ... 127
4. O Poder do Estado é compartilhado ... 127
5. A escolha constitucional pelo Estado de Direito e pela Democracia ... 127
VI. DO PODER JUDICIARIO ... 128
2. A importância do Poder Judiciário na Economia ... 131
3. O papel do Poder judiciário e a relevância do juiz. ... 132
4. Aspectos relevantes da crise institucional do Poder Judiciário e da necessidade de adotar um novo parâmetro de gestão ... 134
VII.O PODER EXECUTIVO ... 136
1. Do significado do Poder Executivo na Constituição de 1988. ... 136
2. Competência do Poder Executivo. ... 137
3. Da proeminência do Poder Executivo. ... 138
4. Os instrumentos constitucionais de participação da atividade legislativa ... 139
5. O Poder Executivo legislador ... 141
5.1. Leis delegadas ... 141
5.2. Das medidas provisórias ... 143
CAPÍTULO III – AS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS ENTRE OS PODERES E O PRESIDENCIALISMO DE COLIAZÃO ... 149
I. PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO... 149
1. Como surge o conceito presidencialismo de coalizão. ... 149
2. Importância da experiência de Carta de 1946 ... 151
3. O desafio institucional posto na Constituinte de 1988. ... 151
4. O contexto da América Latina e o presidencialismo. ... 156
5. A figura do Presidente da República. ... 157
6. Dos interesses dos parlamentares e seu comportamento. ... 158
7. A Primeira vertente: preponderância decisória do Executivo baseada no poder de agenda institucional. ... 159
8. A segunda vertente: preponderância decisória do Executivo baseada na transação de interesses. ... 161
9. A terceira vertente: preponderância decisória entre o Executivo e o Legislativo baseada na gestão transversal do Poder pelos Partidos... 170
II. DAS CRÍTICAS AO PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO. ... 174
1.1. As medidas provisórias e sua inserção na Carta de 1988. ... 177
1.2. Os trabalhos das Comissões e sua importância ... 182
2. O desrespeito aos princípios informadores das leis orçamentárias. ... 189
2.1. A importância das leis orçamentárias no sistema constitucional da Carta de 1988. .. 189
2.2. Elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias e Orçamento ... 190
2.3. Da necessária participação de todos os poderes na elaboração da LDO ... 191
2.4. A independência financeira ou não dos Poderes. ... 192
2.5. Do Estado e da Administração Pública. ... 193
2.6. Dotação orçamentária ou independência financeira? ... 194
2.7. O princípio da reserva legal ... 194
2.8. Da distorção do uso pelo Poder Executivo dos créditos adicionais ... 195
2.9. Sobre o dinamismo e flexibilidade orçamentária ... 196
2.10. Da limitação de corte pelo Poder Executivo ... 197
2.11. Aprovada a lei orçamentária, o comando é do Executivo ... 197
2.12. Das políticas públicas e dos entes federados ... 197
2.13. Do crivo do Poder Legislativo ... 198
2.14. O monopólio do Poder Executivo e as Emendas Parlamentares ... 199
2.15. Da existência de cotas e liberação dos recursos ... 199
2.16. Da execução da lei orçamentária ... 199
2.17. Do que denominamos voto de cabresto ... 200
2.18. Do papel do Legislativo ... 202
2.19. Cargos ministeriais ocupados por indicações de parlamentares ... 203
2.20. No direito comparado as nomeações para Ministros ... 205
2.21. Nomeações e princípio republicano no sistema brasileiro. ... 207
2.22. Analise econômica das Constituições e seus reflexos ... 208
2.23. Do pedido de impeachment de Ministros no presidencialismo de coalizão ... 210
2.24. Do mandato imperativo ... 213
2.25. Consequências outras do presidencialismo e coalizão ... 215
IV. A IMPORTÂNCIA DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ... 216
V. FALTA DE COMUNICAÇÃO À SOCIEDADE DOS TRABALHOS ... 222
1. A importância do Poder Legislativo e participação da sociedade ... 224
CONCLUSÃO ... 229
INTRODUÇÃO
O presente estudo está dividido em três capítulos, a saber: A Carta Cidadã, O
Poder Legislativo e As relações institucionais entre os poderes e o presidencialismo
de coalizão.
No primeiro capitulo, iremos delinear a feição da Constituição Federal de
1988, ressaltando os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, que culminou
na vanguarda do texto constitucional. Várias foram as questões debatidas naquela
ocasião com objetivo de instituir o Estado Democrático de Direito Brasileiro, dentre
eles, a responsabilidade política, o exercício da cidadania, a importância da
participação e soberania popular em busca de ideal democrático, decorrente dos
desafios inerentes ao processo de redemocratização em nosso país.
Com advento da Carta de 1988, o papel da sociedade bem como do Estado
brasileiro no enfrentamento da concretização dos princípios constitucionais em face
da rapidez das mudanças contemporâneas e da influência desse fenômeno no
conhecimento, no papel do Estado-Nação, com o surgimento de outros atores no
cenário mundial e o predomínio da lógica financeira, traduz-se no desafio
institucional político-representativo em efetivar mecanismos eficazes participativos.
Quanto ao Estado, fatores complexos decorrente das recentes transformações pelas
quais vem passando, nas últimas décadas, em relação as suas características rumo
ao Estado subsidiário e suas implicações, traduziu-se em outro grande desafio a ser
transposto.
Dessa forma, a sociedade politicamente organizada e a democracia
representativa tornaram-se alvos de estudos, com vistas a delinear conceitos sobre
a democracia e representação, originando várias tendências no sentido de viabilizar,
efetivar e transpor obstáculos acima referidos, com foco no cidadão e no seu papel
dentro desse contexto, ressaltando a importância de que, qualquer reflexão no
tocante a relações institucionais, o ponto convergente deverá ser sempre o cidadão
capaz de exercer seus direitos e deveres.
Nessa esteira, a Carta de 1988 destacou o cidadão como foco dos objetivos
republicanos e federativos na configuração do poder do Estado, no exercício de
suas atividades e as limitações existentes, por todo esse complexo contexto mundial
e nacional, que acabam por influenciar diretamente a formulação e execução das
políticas públicas desenvolvidas e as questões financeiras estatais, no tocante ao
sistema cooperativo instituído pelo artigo 23 da Carta Magna.
Assim, o Poder Legislativo tem um papel de relevância para que a
democracia brasileira se concretize, ao mesmo tempo em que enfrenta ainda o
amesquinhamento de algumas práticas do período de exceção pelo qual nossa
Pátria passou. Dessa forma, compreender o Legislativo, seja na sua estrutura, seja
na dinâmica dos seus trabalhos não se traduz numa tarefa fácil.
Temas como Líderes e Colégio de Líderes, Mesa Diretora e Comissões,
devem estar elucidados nesse tópico do presente estudo, de forma a esclarecer que
a função atual do Parlamento, além da legiferante, hoje, também é fiscalizadora.
Assim, aliado a esse raciocínio, o princípio da separação dos poderes e a
forma como deve ser compreendido atualmente não pode ser mais aquela fincada
na conceituação clássica elaborada por Montesquieu, devendo ser observado o
Poder Judiciário e sua importância constitucional na concretização dos princípios e
regras constitucionais, bem como o papel do Poder Executivo em relação aos
demais poderes, com base na análise do que a Constituição de 1988 lhe reservou e
atribuiu.
Para finalizar o presente estudo, no capitulo três as relações institucionais
foram analisadas sob o enfoque do denominado presidencialismo de coalizão, no
qual se traduz esse conceito, hoje, tão disseminado pela ciência política à luz do
texto constitucional. Portanto, apenas conceituar presidencialismo de coalizão não
basta, pois, mesmo o seu conceito não unívoco, uma vez que existem pelo menos
três grandes vertentes que partem de premissas diferenciadas para definir essa
relação institucional entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo.
E toda essa análise vai desaguar na visão do Supremo Tribunal Federal, às
vezes omissa e por muita outras vezes atuante em áreas que não lhe dizem
respeito, principalmente quando o assunto é base de governo, coligações partidárias
ou mesmo na análise constitucional do devido processo legislativo, traduzindo a
O tema é apaixonante, mas, ao mesmo tempo, multifacetário, motivo pelo
qual, em nossas conclusões, propomos algumas soluções possíveis para alguns
desses desafios aqui postos, no âmbito do Poder Legislativo, visando fortalecer o
sistema democrático representativo e o aumento da participação cidadã na arena
decisória.
Não pretendemos esgotar o tema e muito menos dar soluções para todos os
itens postos por nós como problemáticos, pois seria de nossa parte uma verdadeira
audácia vislumbrar solucionar todas essas questões, mas buscamos, sim, após anos
de estudo, contribuir um pouco para o debate sobre as relações institucionais entre
CAPITULO I
–
A CARTA CIDADÃ
I. A FEIÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Pátria não é como um sistema, nem uma seita, nem
um monopólio, nem uma forma de governo. Pátria é o
céu, o solo, o clima, a tradição, a consciência, o lar. O
berço dos filhos e o túmulo dos antepassados. A
comunhão da lei, da língua e da liberdade.
Ruy Barbosa
A feição da Constituição de 1988 e de seu texto pode ser extraída da leitura
do seu preâmbulo:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.1
Assim, inaugura o texto constitucional da denominada carinhosamente de
“Carta Cidadã”, que não surge imposta e sim almejada.
Tem como ponto de partida o ideal de cidadão consciente do pacto
constitucional e dos princípios adotados pelo Estado Brasileiro.
Foram inúmeros os movimentos sociais que culminaram na elaboração da
Carta de 1988, carta esta que agradou somente o “Povo”. Pioneira no mundo em normatizar, traz em seu corpo os direitos humanos, transformando-os, assim, em
direitos fundamentais, rol extenso e de primeira importância, como por exemplo, o
artigo 5º e seus incisos.
1
Trouxe avanços como a preocupação com o social. Elogiada e exaltada pela
Organização das Nações Unidas – ONU, por ser pioneira em proteger e disciplinar sobre o meio ambiente. Rica em princípios, que garantem direitos ao “Povo” brasileiro.
Por todos esses atributos e qualidades inovadoras é que foi tantas vezes
atacada com constantes emendas, tantas vezes mal compreendida em sua riqueza
e por sua complexidade, e tantas vezes denegrida por aqueles que pretendem retirar
o seu principal objetivo, qual seja: “Que a República Federativa do Brasil seja um Estado Democrático de Direito”.
O fundamento de um Estado Democrático de Direito pressupõe, de um lado,
que todos os indivíduos, os grupos sociais e o Estado estejam sujeitos às leis, como
expressão da vontade geral. No dizer de Rousseau; de outro lado, significa que as
leis, a que todos se submetem, deverão ser promulgadas com respeito aos
princípios democráticos, entre os quais, especialmente, o princípio segundo o qual a
promulgação deve ser feita por aqueles a quem a Constituição atribui competência
para fazê-lo em nome e em proveito da sociedade.
Não obstante, as reformas liberalizantes, seguindo a tendência universal de
enxugamento do Estado, como leciona Marcelo Figueiredo,2 “remanesce(m) com a alma e com a espinha dorsal de um Estado Democrático de Direito, comprometido
com os valores substantivos de promoção de justiça social, igualdade e liberdade,
fazendo valer o caráter compromissório da Constituição de 1988”.
Em contrapartida, a Constituição de 1988, valorizou a participação e o
exercício da cidadania identificada à responsabilidade política de cada um.
Destacou a organização voluntária da vida social contra as lógicas não-políticas de
mercado ou daquelas que não tenham por fim o interesse nacional.
A repartição social do poder entre o Estado e outros titulares de poderes
públicos não-estatais está prevista no decorrer do texto da nossa Carta, ao abordar
no artigo 7º, incisos XI e XXVI, 10, 187, 194, 198, inciso III, 204, inciso II as
2
modernas teorizações do princípio da separação dos poderes3
. Em outras
palavras, a participação popular como princípio constitucional também resulta da
descentralização político-administrativa, o que mantém sempre atual a discussão
sobre federalismo cooperativo, consórcios, convênios e poder local.
No âmbito da administração pública, diversos são os dispositivos da
Constituição Federal para estabelecer a corresponsabilidade Estado e sociedade
civil:
a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação (artigo 10, C.F); participação de seis brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, com mandato de três anos, no Conselho da República, órgão superior de consulta do Presidente da República (artigo 89, inciso VII, C.F.); a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos (artigo 144, C.F); a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo (artigo 174, §2°, C.F.); participação dos acionistas minoritários na constituição e funcionamento dos conselhos de administração e fiscal das empresas públicas (artigo 173, inciso IV, C.F); planejamento e execução da política agrícola, na forma da lei, com a participação dos produtores e trabalhadores rurais, bem como os setores de comercialização, armazenamento e transportes (artigo 187, C.F.); caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados (artigo 194, inciso VII, C.F.); descentralização e participação da comunidade no sistema único de saúde (artigo 198, incisos. I e III, C.F.); participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas de assistência social e no controle das ações em todos os níveis (artigo 204, inciso. II, C.F.); gestão democrática de ensino público, na forma da lei (artigo 206, VI, C.F.); promoção e proteção do patrimônio cultural brasileiro com a colaboração da comunidade (artigo 216, §1º, C.F); participação de entidades não-governamentais nos programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente (artigo 227, §1º, C.F); os meios de comunicação não podem ser objeto de monopólio ou oligopólio (artigo 220, §5º, C.F); aproveitamento de recursos hídricos e lavra das riquezas minerais com audiência e participação das comunidades indígenas nos resultados da lavra de riquezas minerais e no aproveitamento energético, na forma da lei (artigo 231, §3º C.F); e por fim, o dever do poder público e da
3
coletividade de defesa e preservação do meio ambiente para as futuras gerações (artigo 225, C.F)4
No dizer de Adrian Gurza Lavalle,
Constituição de 1988 foi um marco nesse sentido – a participação foi entrando na estrutura estatal e se tornando uma feição do Estado brasileiro e (...) Não há outro país que tenha um arcabouço institucional de instâncias participativas tão federalizado, diversificado e abrangente quanto o Brasil5
.
A cidadania, com a importância dada pela Constituição, não se resume só a
uma identidade com a consciência nacional, mas com um “espírito de corpo”, que respalda na democracia, mediante a solidariedade de direitos e de participação
direta ou indireta na gestão da sociedade.
4
Cf. Nardi Gilberto Fonseca. A participação popular na administração pública. Audiências públicas na elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos dos municípios. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília ano. 40 n. 160 out./dez. Senado Federal, Brasília: 2003. pp. 291-305.
5
Cf. Flávio Lobo. Na pátria da democracia ‘pós-participativa’. Entrevista com Adrian Gurza Lavalle. Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/
Para conselhos administrativos consultar: Neuma Aguiar. (Org.) Desigualdades sociais, redes de sociabilidade e participação política. Belo Horizonte: UFMG, 2007; Leonardo Avritzer. (Org.) A participação social no Nordeste. Belo Horizonte: UFMG, 2007.
Juliana Brina Corrêa Lima de Carvalho. Conselhos Gestores de Políticas Públicas: institucionalidades
ofensivas ou espaços de burocratização do “mundo da vida”? In: Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico n. 6, 2012.
Vera Schattan P. Coelho. A democratização dos conselhos de saúde. Novos Estudos n. 78, julho. São Paulo: Cebrap, 2007. p. 77-92.
Vera Schattan P. Coleho & Andrea Cornwall. Novos Espaços Democráticos. Perspectivas Internacionais. Singular. São Paulo: Esfera Pública, 2009.
Mario Fuks & Renato Monseff Perissinoto & Ednaldo Aparecido Ribeiro. Cultura política e desigualdade: o caso dos conselhos municipais de Curitiba. In:.Revista de Sociologia Política n. 211, Nov. Curitiba: UFPR, 2003.125-145.
Ana Cláudia Nogueira. Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social: uma afronta ao Poder Legislativo? In: Revista Symposium ano 7, n. 1, janeiro-junho. Recife: Universidade Católica do Pernambuco. 2003.
Lucia Conde de Oliveira & Roseni Pinheiro. A participação nos conselhos de saúde e sua interface
com a cultura política. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232010000500020&script=sci_arttext;
Segundo os artigos sobre os direitos políticos, a previsão é que a soberania
popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor
igual para todos e, nos termos da lei, mediante: plebiscito, referendo e iniciativa
popular.
No Brasil, tivemos duas experiências de referendo: em 06 de janeiro de 19636
e com a Lei 10.826 de 2003, sobre a proibição de comercialização de arma de fogo
e munição. Quanto ao plebiscito, tivemos a experiência da escolha da forma de
governo, conforme estatuído no art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias7 .
No que concerne à iniciativa das leis, está prevista na Constituição Federal,
em seu artigo 61 e § 2º, desde que o projeto de lei seja subscrito por no mínimo 1%
do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de
três décimos por cento dos eleitores de cada um deles8 .
6
Cf. Adrian Sgarbi. O Referendo. Rio de Janeiro: Renovar: 1999. pp. 3-375. p. 318.
7
Cf. Maria Elizabeth G. T. Rocha. Referendo e Plebiscito. Instrumentos de Participação popular na formação de atos de governo. In: Revista Jurídica Consulex. ano IX. n. 209. 30 de setembro, Brasília: Editora Consulex, 2005. pp. 7-10. p.8
8
No Brasil, noticia-se projeto de iniciativa popular pretendendo a criação de um Fundo Nacional de Moradia Popular. Projetos que se tornaram normas jurídicas: o da inclusão como hediondo o homicídio qualificado e o simples, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que só por um agente, com aprovação de incisos no art. 1º da Lei nº 8.072/1990; o projeto contra a corrupção eleitoral, com aprovação de inclusão de dispositivos na Lei nº 9.504/1997 e alteração do Código Eleitoral; e o projeto que culminou nas alterações sobre as regras de inelegibilidades, a culminar com a Lei Complementar nº 135/2010. Ademais, reporte-se que os projetos de iniciativa popular, no Brasil, tiveram autoria atribuída a membros do Legislativo.
José Duarte Neto. A iniciativa popular na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. pp142-143.
Bruno Batista da Costa de.Oliveira. A participação popular no processo legislativo. O Exercício da Cidadania ativa e o discurso no Estado Democrático de Direito no Brasil. Dissertação de Mestrado em Direito. São Paulo: USP. pp. 1-198, p. 163
Para consultar:
Carlos Alberto Farias Nery. A iniciativa popular na elaboração legislativa: um estudo sobre a participação da sociedade no processo de formulação das leis. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2001.
Com efeito, Paulo Bonavides afirma incisivamente que não passa de uma
aplicação parcial e limitadíssima de três técnicas do sistema democrático direto: o
plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Considera
que há necessidade de alargar a brecha constitucional, para converter instrumentalmente numa realidade de poder soberano a vontade do povo. De tal sorte que a democracia neste país deixe de ser o que tem sido até agora em todos os tempos – a utopia do idealismo constitucional – e passe da esfera da crença e das formas fictícias para a esfera do concreto do real, do fático, com o povo absolutamente senhor do seu destino e de suas faculdades decisórias.9
Desde a promulgação da Carta de 1988, as experiências quanto a plebiscito,
refendo e iniciativa popular, como vimos, foram muito escassas diante do ideal
almejado de participação.
Devem-se destacar as exigências de uma Constituição voltada para o futuro,
segundo Bobbio, pois
o ideal democrático supõe cidadãos atentos à evolução da coisa pública, informados dos acontecimentos políticos, à corrente dos principais problemas, capazes de escolher entre as diversas alternativas apresentadas pelas forças políticas e fortemente interessados em formas diretas ou indiretas de participação.10
A par de toda a estrutura estatal e procedimental, no tocante à participação e
ao exercício da cidadania como nos referimos anteriormente,e não são poucos, a
realidade brasileira no exercício dessas prerrogativas está longe de ser a desejada e
delineada pelo constituinte originário.
Númerosas pesquisas demonstraram que o interesse pela política está
circunscrito a um círculo bem limitado de pessoas, que, em geral, os resultados
indicam que os níveis de participação política são mais elevados entre os homens,
9
Cf. Paulo Bonavides. Democracia Direta e Democracia no Terceiro Milênio. In: Estudos de Direito Constitucional. Em homenagem à professora Maria Garcia. (Org.) Luciana. A. Accorsi Berardi e Lauro.L. Gomes Ribeiro. São Paulo: IOB Thomson, 2007. p. 413.
10
nas classes altas, nas pessoas de mais elevado grau de instrução, nos centros
urbanos mais que nas zonas agrícolas, entre pessoas educadas em família na qual
a política ocupa um lugar de relevo, entre os membros de organizações ligadas
mesmo indiretamente à política, entre os que estão facilmente expostos a contatos
com pessoas ou ambientes politizados.11
11
Cf. Noberto Bobbio e N. Matteucci, e G. Pasquino Dicionário de Política. 5 ed. São Paulo: UNB/ Imprensa Oficial, 2000. p. 890.
Para a motivação psicossocial da participação política e para a atitude de participação política, consultar:
Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Direito da Participação Política. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 21-24.
Para a falta de presença da mulher na política, podem-se consultar:
Teresa Sacchet. Capital social, gênero e representação política no Brasil. vol. 15. n. 2, novembro. Campinas: Opinião Pública, 2009. pp306-332.
COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA. A mulher na reforma política. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputasdos, 2009. disponível em: http://bd.camara.gov.br
Wilson Tosta. Procurador quer cota para mulheres cumprida à risca. Jornal O Estado de São Paulo, 06/11/2007. p. A12.
Marilene Mendes Sow. A participação feminina na construção de um parlamento democrático.
Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009. http://bd.camara.gov.br
Luis Felipe Miguel. Teoria polítca feminista e liberalismo: o caso das cotas de representação. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais vol. 15 n. 44 out. São Paulo: . ANPOCS, 2000.
Le Parlement est-il ouvert aux femmes? Évaluation. septiembre. Genéve: UNION
INTERPALEMENTAIRE, 2009. pp. 28-29.
Clara Araújo. Partidos políticos e gênero: mediações nas rotas de ingresso das mulheres na representação política. In: Revista de Sociologia Política n. 24. Curitiba: UFPR, 2005.
Thiago Cortez Costa. Representação política feminina. Modelos hierárquicos para análise dos resultados eleitorais de 2006. IBGE. Rio de Janeiro: ENCE, 2008.
Márcio Nuno Rabat. A reserva de vagas nas listas de candidaturas no contexto da evolução histórica da participação das mulheres na política. Brasília: Câmara dos Deputados, 2002. disponível em: http://bd.camara.gov.br
COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA. Trilhas do poder das mulheres. Experiências internacionais em ações afirmativas. Brasília: Câmara dos Deputados, 2009. disponível em: http://bd.camara.gov.br
II. ALGUNS DESAFIOS DA SOCIEDADE E DO ESTADO BRASILEIRO
COM ADVENTO DA CARTA DE 1988
O sobrevoo na feição da Magna Carta nos remete a alguns dos desafios
quanto à sua concretude diante do contexto mundial que se impõe.
O cotidiano de hoje não se compara ao do século XIX. Estamos no século
XXI, e a humanidade nunca presenciou tanto desenvolvimento e com uma incrível
velocidade em todas as áreas das ciências, como o que ocorreu no século XX. O
homem de hoje carece de necessidades completamente diferentes do homem dos
séculos passados, e, portanto, a regulação de suas relações, em todos os aspectos,
é de outra ordem.
Tudo gira com muita rapidez, redes sociais são consultadas a cada instante,
as comunicações são quase que imediatas a ponto de presenciarmos guerras
travadas pela televisão ao mesmo que os ataques estão correndo, a exemplo do
Iraque. Os campeões de venda são os livros de autoajuda que tentam auxiliar o
homem atual em meio à toda essa rapidez e aos imensos fluxos de informações.
Gerenciamento de conhecimento é a nova palavra de ordem.
O conceito do “Estado, organização política sob a qual vive o homem
moderno, caracteriza-se por ser resultante de um povo vivendo sobre o mesmo
território delimitado e governado por leis que se fundam num poder não sobrepujado
por nenhum outro externamente e supremo internamente”12
. Devido a uma série de
fatores, esse conceito tem sido questionado pelos acontecimentos recentes da
economia globalizada e da intensa e crescente rapidez de novas tecnologias, fatores
que se tonaram imbricados nas relações entre todos os países, alterando as suas
políticas internas e a forma de programar seus projetos governamentais.
No seu plano interno, os países enfrentam uma crescente pluralidade e
heterogeneidade de situações e desafios inéditos. No que se refere ao plano
Denise Mercedes Nuñez Nascimento Lopes. Para pensar a confiança e a cultura política na América Latina. vol. X, n.1, maio Campinas: Opinião Pública, 2004.
Ednaldo Aparecido Ribeiro. Cultura política, instituições e experiência democrática no Brasil. In: Revista de Sociologia Política n. 28. Curitiba: UFPR, 2007.
12
externo, deparam-se com fluxos sobre os quais não conseguem mais exercer sua
autoridade tradicional, variando tal fenômeno de país para país13 .
O surgimento de organismos multilaterais, conglomerados mundiais, centros
de expertise e organizações não-governamentais (ONGs) acabam por empalidecer a ideia de Estado-nação, em decorrência de uma crescente e complexa trama de
relações motivadas por interesses distintos entre esses atores.
De fato, o predomínio da lógica financeira sobre a economia real tem tornado
as fronteiras mais porosas, e, portanto, os espaços tradicionalmente reservados ao
direito e à política tendem a não mais coincidir com o espaço territorial, mitigando-se
o alcance e a efetividade do princípio da soberania.14
No que diz respeito ao plano institucional, essas transformações acabam por
esvaziar o alcance da efetividade das instituições político-representativas e dos
mecanismos de participação, organizados em bases nacionais, afetando a vida do
cidadão e seu patrimônio, enfraquecendo as próprias liberdades públicas e os
direitos fundamentais, uma vez que as esferas de decisões estão relativizadas15 .
Daí, a enorme dificuldade em defender a democracia no aspecto formal16.
Essa racionalidade, por vezes à revelia da ordem jurídica vigente, muitas vezes objetiva alterar direitos constitucionais oriundos de conquistas históricas da civilização ocidental, como o uso de mecanismos de padronização com base na justificativa pelo mito da neutralidade, da técnica e da negação ao fenômeno político, retrocedendo nos avanços conquistados em relação a direitos diante do absoluto desprezo que tem pelo Homem e pelo social. 17
13
Cf. José Eduardo. Faria. Direito e conjuntura: sociologia jurídica. FGV – Direito GV. São Paulo: Saraiva, 2008. 11-47. pp. 31.
Para consultar:
H. C. F. Mansilla. Conflicto, Pluralismo y Mercado: como elementos de la democracia moderna. In: Revista de Estudios Políticos n. 39, mayo/junio. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1984. pp29-48.
14
Cf. José Eduardo Faria, 2008. Op. Cit.pp. 12-32
15
Cf. José Eduardo Faria 2008. Op. Cit. p. 34
16
Cf. Marcelo Figueiredo. As Agências Reguladoras: o Estado Democrático de Direito no Brasil e sua atividade normativa. São Paulo: Malheiros, 2005.
17
O Estado Liberal se caracterizou pela racionalização e despersonalização
do poder político, instituindo a legalidade como controle da atuação do poder
estatal diante dos particulares, como forma basilar de garantir os direitos
fundamentais individuais. O poder passa a ser exercido na estrita forma da lei,
consagrando o Estado de Direito.
Nessa medida, na qual qualquer intervenção na esfera econômica deveria
ser mínima, com o mercado determinando os caminhos e a forma de disciplina da
atividade, através da sua lógica, em que qualquer distorção era corrigida,
mecanismo denominado, por Adam Smith, de “mão invisível”, o modelo liberal clássico impunha ao próprio mercado, e somente a ele, a função de determinar os
rumos da economia e, por conseguinte, os eventuais desequilíbrios deveriam ser
corrigidos pela sua lógica.
Com efeito, a regulação privada pelo mercado, centrada na livre iniciativa,
na livre concorrência e na propriedade privada dos meios de produção afastava
qualquer atuação positiva do Estado, pois o universo dos indivíduos era
salvaguardado pelo princípio da legalidade.
Mas cabia ao Estado a função de garantidor da ordem institucional,
garantindo a propriedade privada e o cumprimento dos contratos, alguns serviços
públicos, que pela sua própria natureza e ante a possibilidade de falta de lucros,
deveriam ser prestados pelo ente estatal; isso tudo, sem prejuízo nas suas outras
funções, como: segurança, legislação e jurisdição.
Em decorrência das imperfeições desse modelo, surge a crise do Estado
Moderno, que se operou nas esferas política e econômica, já que era patente um
déficit de legitimidade no exercício do poder, diante da cumplicidade do Estado com os detentores dos meios de produção e da concentração e do abuso do poder
econômico. Tudo isso a demonstrar que a autorregulação, pelo mercado, restava
essencialmente falha.
No que tange às necessidades sociais, o Estado Liberal demonstrou não
conseguir suprir, devido a um regime de mercado ineficiente para movimentar
grandes recursos para essa demanda, o que forçou a busca de uma nova forma de
legitimar seu poder político diante da sociedade. Aliado a isso, os acontecimentos
1929, o fortalecimento do sindicalismo, a influência da ideologia socialista e a
transformação da sociedade para pluriclasse, em que ocorreu a multiplicação de
interesses e demandas sociais, fizeram surgir o Estado Social, ou o ‘Estado do
Bem-Estar’18
A nova ordem, ou seja, o Estado Social buscava na ampliação das
atribuições do Estado a transformação de determinadas atividades comerciais,
industriais e sociais em prestação de serviços públicos, em nome da realização de
atividades econômicas, julgadas essenciais ou estratégicas, e até a utilização do
planejamento como fundamental instrumento para atingir a realização do interesse
público.
Ao poder de polícia, nesse contexto, na qualidade de regulador, coube uma
ampliação, já que o Estado intervém em todos os setores da vida social de duas
formas: a atuação em setores não relacionados com a segurança, atingindo
diretamente os particulares, e, por fim, a imposição de obrigações de fazer.
Em razão dessa mudança, com uma lógica a ser implementada, ocorreu um
visível fortalecimento do Poder Executivo em face do Legislativo, com ampliação
de suas atribuições na sua forma de atuação e de regulação através de
normativas, como decretos-leis, leis delegadas, regulamentos autônomos, medidas
provisórias, tudo acarretando em um inchaço de diplomas, que dificultou o devido
controle da função administrativa - a qual se incrementou para acima e para além
da possibilidade de controle19 .
Por outro lado, o Estado Social e seus desafios, para se manter
politicamente legitimado, necessitou da captação de recursos financeiros, oriundos
dos próprios agentes econômicos, por conseguinte, da manutenção do regime
capitalista, mas sem descurar do objetivo visado e de seu fim: o interesse público.
A ingerência e intervenção do Estado, através de instrumentos de dirigismo
econômico, como fomento, prestação direta de atividades econômicas essenciais,
ampliação da estrutura, aliada a excessivas e inúmeras regulações que limitavam
18
Cf. Paulo Bonavides. Do Estado Liberal ao Estado Social. São Paulo: Malheiros, 2009.
19
e afetavam liberdades econômicas e sociais fundamentais para alguns, contribuiu
para outra crise do Estado, originando a necessidade de um processo de reforma.
Com essa lógica, o Estado Social gerou uma nova crise, ou seja, nesse
plano de inserção do pressuposto de que o Estado, além de garantir a ordem
interna, a estabilidade da moeda e o funcionamento dos mercados, tem um papel
fundamental de coordenação econômica, ocasionando as crises: fiscal, do modo
de intervenção no plano econômico, e o social; da forma burocrática de
administrar.
Assim, pôs-se o desafio de necessidade de reforma no Estado diante do
conflito das forças dos interesses sistêmicos - acumulação capitalista –, dos interesses coletivos - a legitimação política - e dos interesses burocráticos, que
acarretou nas ditas: crise fiscal, crise de legitimação e na crise de governabilidade.
Na realidade, as crises que se instauram estavam associadas, de um lado,
ao caráter cíclico da intervenção estatal, de outro, ao processo de globalização,
que reduziu a autonomia das políticas econômicas e sociais dos estados
nacionais20
, urgindo por uma solução. A proposta encontrada, como solução,
deveria decorrer das reformas: administrativa, fiscal e política.
As novas tendências mundiais de reforma do aparato estatal caminhavam
para: a despolitização, a pluralização dos interesses, a subsidiariedade e a
delegação social, fatores entrelaçados de várias maneiras.
Nessa esteira, a despolitização vem a ser a eliminação do conteúdo político
desnecessário de decisões relativas aos interesses públicos, tomando por base as
vantagem por entes técnicos ou comunitários. No caso dos entes técnicos,
afasta-se a interferência inútil da política partidária e da burocracia; e no caso dos entes
comunitários, a esses efeitos, acresce-se o não menos relevante incremento da
legitimidade das decisões.
A pluralização dos interesses surge como resultado da identificação das
categorias metaindividuais, interesses coletivos e interesses difusos, que
combinam de vários modos com as categorias tradicionais, interesses públicos e
privados, tanto no campo da gestão como no da proteção.
20
E o Estado subsidiário21
deve prever que o Poder Público se retraia a uma
atuação subsidiária da atividade gestora das entidades privadas, tendo como
núcleo do seu princípio o reconhecimento da prioridade da atuação dos corpos
sociais sobre os corpos políticos no atendimento de interesses gerais22 .
O princípio do Estado subsidiário aponta, assim, para a delegação social
como forma de devolver à sociedade organizada todas as atividades que, não
obstante a serem de definido interesse público, não necessitem de tratamento
político-burocrático, nem exijam ordinariamente o emprego do aparelho coercitivo
estatal23 .
Por seu turno, as entidades intermediárias com as feições da antiga teoria
dos corpos intermédios, tal como via Montesquieu – que se originaram da concepção pluralista da sociedade -, recentemente com a expansão dos interesses
metaindividuais, perdem algumas de suas características históricas em face do
campo fértil para sua multiplicação.
A expressão subsidiariedade abrange tanto as normas criadas pela
sociedade para cuidar de problemas derivados desses interesses coletivos e
difusos, quanto às criadas pelo Estado para atuar, por delegação, mais
proximamente das comunidades diretamente interessadas.
Dentro desse contexto surge a proposta de um Estado subsidiário como
solução. Modelo pelo qual deixa à iniciativa privada a realização das atividades
econômicas, restando para si aquelas de que participa ou nas quais intervém, ou
seja, somente em setores essenciais ou indelegáveis, cujo desempenho da
iniciativa privada apresente-se deficiente e ao mesmo tempo enseje uma
21
Conceito originado na prática federal suíça, exaltado no magistério pontifício, na Encíclica Quadragésimo Ano, publicada em 15 de maio de 1931, na qual o Papa Pio XI ofereceu em enunciado; apontado como inspirador da Lei Fundamental da República da Alemanha e aplicado explicitamente pelo Tratado de Maastricht, o documento maior da União Europeia.
Para consulta:
José Alfredo de Oliveira Baracho. O princípio da subsidiariedade: conceito e evolução. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. v. 5 n. 19. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. pp7 – 36.
22
Cf. Diogo Figueiredo Moreira Neto. Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. pp. 53-152.
23
participação maior da sociedade na esfera política, bem como no controle das
atividades do governo.
Em termos esquemáticos, esse modelo se caracteriza pelo uso de
instrumentos como a desestatização, que ocorre através da privatização de
empresas públicas, prestadoras de serviços públicos ou não; ampliação de
fomento estimulando o particular na satisfação dos seus próprios interesses; de
parcerias com o setor privado; a desregulamentação, restabelecendo a liberdade
de atividade econômica do indivíduo; e a alteração do conceito de interesse
público.
Com relação, especificamente, à desregulamentação representa um
conjunto de medidas liberativas visando diminuir restrições que o modelo estatal
social impôs à iniciativa privada, principalmente, no campo econômico. Apesar de
o Estado renunciar desempenhar diretamente atividades econômicas, ele vai
buscar, através da criação de agências reguladoras, uma intensificação da
regulação de forma externa. Isso quer dizer que o papel do Estado produtor e
prestador de serviços, na área de serviços públicos, traz como consequência um
aumento significativo do seu papel de regulador. O desafio de agora é de
administrar contratos24 .
Como podemos observar, nesse modelo de Estado, a sociedade terá um
papel essencial e fundamental, mas como ela se encontra no contexto pátrio se
traduz em mais um desafio a ser transposto, como iremos ver adiante.
III. SOCIEDADE POLITICAMENTE ORGANIZADA E DEMOCRACIA
REPRESENTATIVA
Para uma análise contextual da sociedade, o enfoque atual das instituições
nos remete a algumas inserções necessárias.
A primeira decorre da constatação de que qualquer que seja a ação vital
compartilhada pelos homens de uma sociedade está presente a política, seja no
24
aspecto privado ou público. A vida em família, as interações com as pessoas no
bairro, na escola, como partes integrantes da cidade, a pertença a um Estado e a
um país pressupõem algum envolvimento com a esfera política.
A ação de se jogar lixo nas ruas ou não, a participação na associação de
bairro ou o ato de fazer parte de uma entidade religiosa ou trabalhar com voluntário
em uma causa demandam, no mínimo, o conhecimento de algumas regras de
convivência social, e isso já configura uma ação política. Assim sendo, é preciso não
confundir a ação política com o simples ato de votar. A ação política permeia todas
as atitudes do cotidiano de uma sociedade.
Assim, a política tem sido considerada em sua relação com o espaço público,
no qual são deliberadas e decididas as ações concernentes à coletividade, de
maneira que determine as formas de sociabilidade nas sociedades. Essas
deliberações e decisões definem, por conseguinte, a forma de poder e o exercício do
governo. Concebe-se, assim, a política a partir do Estado e das instituições estatais,
das formas de governos, da existência de partidos políticos e da presença ou
ausência de eleições.25
Na realidade, as formações sociais são instituídas pela ação política, havendo
uma distinção entre força, autoridade e poder. A força opera por meio da violência,
com a finalidade de eliminar diferenças; a autoridade, pela formação do sentimento
comunitário, considerando as diferenças como secundárias.
De fato, o poder, quando não se transforma em dominação, opera no sentido
de legitimar as diferenças26
. O poder é essencialmente repressivo e o torna por dois
ângulos: pelo uso da vigilância constante e difusa, e na instituição da sociedade
disciplinar.
Nesse sentido, daí a assertiva de Foucault sobre a soberania ser o poder de
fazer morrer ou deixar viver 27 .
25
Cf. CHAUI, M. O que é política? In: O Esquecimento da Política. (Org.) NOVAES, A. Rio de Janeiro: Agir, 2007. pp. 27-54. p. 33.
26
Cf. Hannah Harendt apud CHAUI, M. O que é política? In: O Esquecimento da Política. (Org.) NOVAES, A. Rio de Janeiro: Agir, 2007, pp. 27-54, p. 33
27
Mas no contexto Pátrio, nos dias atuais, deparamos-nos com uma sociedade
multiétnica, nacional, linguística ou religiosa. E para atingir a almejada paz, urge a
necessidade não só de impedir a discriminação das minorias, mas também de criar
formas de preservar a sua identidade e, como decorrência do princípio majoritário,
de moldar-se, em observância não apenas aos limites formais ou procedimentais,
mas também aos limites materiais28 .
Na tarefa da análise da sociedade decorre a necessidade de se refletir sobre
três aspectos: democracia, representação e participação, o que iremos proceder a
seguir.
O conceito de democracia, como a forma de governo em que o poder é
atribuído ao povo e o qual é exercido em harmonia com a vontade expressa pelo
conjunto dos cidadãos titulares de direitos políticos, enquanto tal, traduz os anseios
coletivos, não se traduz mais simplesmente na titularidade do poder atribuída ao
povo ou ao seu reconhecimento na vontade do povo, que dá origem à soberania.
Também, não basta declarar que o poder em abstrato pertence ao povo, ou que já
lhe pertenceu num momento pretérito e que ele o exerceu de uma vez para sempre – donde a legitimidade de tipo democrático, em que o poder constituinte, aprovação da Constituição positiva competiu ao povo, ficando os poderes constituídos para os
governantes.
A democracia, hoje, exige muito mais para viabilizar um exercício de poder
pelo povo, pelos cidadãos com direitos políticos, em conjunto com os governantes. A
atualidade desse exercício traduz a capacidade dos cidadãos de formarem o que se
convenciona chamar de vontade política autônoma perante os governantes, significa
que a vontade do povo, quando manifestada nas formas constitucionais, deve ser o
critério de ação dos governantes.29
28
Cf. Jorge Miranda. Povo, democracia, participação política. In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. n. 8. janeiro/junho. Fortaleza: Instituto Albaniza Sarasate, 2008. 16-49. pp . 27.
29
Cf. Jorge Miranda, .2008. Op. Cti p 27.
Cf. José Afonso da Silva. Democracia e direitos fundamentais. In: Direitos humanos e democracia. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. 369-370.
Consulte-se obra de referência:
Ora, se a democracia é o governo do povo, fica evidente no contexto
contemporâneo que este, diretamente sozinho, não tem condições de exercer o
governo30
, o que se traduziria numa autêntica democracia direta, onde os
participantes do grupo social votam diretamente as leis que governam, muito
embora, no final do século passado, essa ideia tenha reaparecido, ainda como
utópica, é verdade, graças ao desenvolvimento da informática31 .
Tal ideia de representação surge na época de Revolução Francesa, quando
se desenvolveu cabalmente esse conceito32 .
30
Ver nesse sentido.
Celso Ribeiro Bastos. Teoria do Estado e Ciência Política. 6ª ed.. São Paulo: Editora Celso Bastos, 2004. p. 129
31
Nesse sentido ver
Tércio Sampaio Ferraz Junior. Assembleia Constituinte, Processo, Poder. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 21.
Sérgio Soares Braga. Podem as novas tecnologias de informação e comunicação auxiliar na consolidação das democracias? Um estudo sobre a informatização dos órgãos legislativos na América do Sul. vol. 13, n. 1, junho. Campinas: Opinião Pública, 2007.
COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO PARTICIPATIVA. Cidadania, mídia e política: relacionamento sociedade civil, meios de comunicação e parlamento. Biblioteca Digital. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008. http://bd.camara.gov.br;
Nilson Vidal Prata. Informação, Democracia e Poder Legislativo: a dimensão informacional do processo de participação política. v. 11. n. 17, jul./dez. Belo Horizonte: Cadernos Escola do Legislativo. 2009.pp 29-58.
Alejandro Vivanco Sepúlveda Parlamento eletrônico e transformação da democracia representativa.
Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2002. Fabiana de Menezes Soares & Louise Menegaz Barros & Natália de Assis Faraj. Legimática: a tecnologia da informação aplicada à qualidade da produção legislativa. v. 6, n. 2, out. Brasília: Senatus, 2008.
32
No tema, consultem-se:
José Carlos Brandi Aleixo. Democracia representativa. In: Revista Informação Legislativa ano 14, n. 53, jan./mar. Brasília: Senado Federal, 1977.
Fátima Anastasia & Felipe Nunes. A reforma da representação. In: Reforma Política do Brasil. Leonardo Avritzer & Fátima Anastasia. (Orgs). Belo Horizonte: UFMG, PNUD, 2007.
Andrew Arato. Representação, soberania popular e accountability. In: Lua Nova n. 55-56, São Paulo: CEDEC, 2002.
Mas, será na Idade Média que encontraremos as primeiras manifestações
do que viria, mais tarde, a ser um sistema representativo. A democracia
representativa, no seu delinear histórico, como se referiu Montesquieu, ou na alma
anglo-saxônica, sempre a pleitear liberdade ou ainda formas eletivas como
estabelecidas na Igreja Católica e nas ordens religiosas, é fruto das ideias de
Sieyès, preclaro teórico da primeira fase da Revolução Francesa, quando afirmou: “o
povo não pode ter mais que uma voz: a legislação nacional”.
Desde então, muito polemizada até os nossos dias, a democracia
representativa sempre suscita acirradas controvérsias, em outras palavras, nunca foi
um conceito pacífico. Já que, ela pressupõe voto, e daí surge uma das primeiras
grandes discussões sobre quem tem direito e dever de exercer o voto. Hoje, resta,
em grande parte superada, a polêmica quanto ao voto das mulheres e dos
analfabetos, os desafios que se põem são de outra ordem.
A história do voto, no Brasil, remonta às eleições dos oficiais das Câmaras
Municipais - ainda enquanto colônia -, seguida pelas eleições gerais para as Cortes
Paulo Bonavides. O sistema representativo. In: Revista de Informação Legislativa vol. 7 n. 26, abril/junho. Brasília: Senado Federal, 1970.
Joaquim Francisco. A democracia representativa na República (Antologia). Brasília: Senado Federal, 1998.
Bolivar Lamounier & Francisco C. Weffort & Maria Victoria Benevides. (Orgs). Direito, Cidadania e Participação. São Paulo: T.A. Queiroz, 1981.
Adrián Gurza Lavalle & Peter P. Houtzager & Graziela Castello. Democracia, pluralização da representação e sociedade civil. In: Lua Nova, Revista de Cultura e Política n. 67, São Paulo: Cedec, 2006.
Bernard Manin. As metamorfoses do governo representativo. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais n. 29 ano 10, outubro. São Paulo: ANPOCS, 1995.
John Stuar Mill. O governo representativo. Trad. E. Jacy Monteiro. São Paulo: IBRASA, 1983.
Agamenon Bezerra de Menezes & Rui Verlaine. Representação política no pensamento de Hobbes, Locke e Burke. In: Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais n.9, julho/dezembro. Fortaleza: Instituto Albanisa Sarasate, 2008.
Agerson Tabosa Pinto. Da representação política no governo da Roma antiga. In: Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais n.6, julho/dezembro. São Paulo: Del Rey, 2005.
Fernando Sabóia Vieira. Representação e participação no Parlamento. In: Débora Messenberg [et al].
de Lisboa, pelas eleições no Império (1824-1889), com a prática do voto no primeiro
período republicano até os nossos dias33 .
Mas no que o voto se traduz? O voto para o senso comum se traduz em um
ato de cidadania, em um direito e em um poder, uma garantia livre de opinião
política, símbolo da democracia; nas definições conceituais, o modo de se
manifestar a vontade ou opinião num ato eleitoral ou numa assembleia; sufrágio; ato
ou processo de exercer o direito a essas manifestações, e seu resultado.
A partir dessa reflexão da relação entre o cidadão e o Estado, o voto faz parte
do rol de seus deveres cívicos e deve traduzir as escolhas pelas políticas e pelo
cuidado com as coisas públicas. Portanto, deve procurar as informações
necessárias para que se exerça essa prerrogativa com o máximo de consciência
possível.
Mas, aqui, reside o desafio do direito e do exercício do voto que se impõem
na democracia representativa, os problemas atinentes à vida do Estado tornaram-se
muito complexos no mundo moderno, implicando conhecimentos de toda sorte:
econômicos, sociais, diplomáticos, que, na maioria das vezes, não estão ao alcance
do cidadão comum.
Voto e Estado não são abstrações, geram os recursos da sociedade e o
bem-estar, e o sucesso pessoal está na estrita dependência de uma sociedade regida por
pessoas competentes e dentro de princípios mínimos de ética e moralidade34.
Na realidade, urge então a especialização aliada à constatação de que as
grandes massas não possuem condições de tomar decisões ponderadas e
refletidas, pois a psicologia social já identificou com bastante precisão os fenômenos
de despersonalização do indivíduo quando envolvido em movimentos
multitudinários.35
A falsa convicção de que basta cuidar dos seus assuntos pessoais
para se alcançar êxito em detrimento de interesse pelas coisas públicas não irá
ofuscar a realidade e a verdade, que estão colaborando para a manutenção do
status quo.
33
Cf. Leticia Bicallo Canêdo. Aprendendo a votar. In: História da Cidadania. (Org.) Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinky. São Paulo: Contexto, 2008. pp517-543.
34
Cf. Celso Ribeiro Bastos, 2004, Op. Cit. pp.48 - 49
35