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CAPITULO II – O PODER LEGISLATIVO

VII. O PODER EXECUTIVO

5. O Poder Executivo legislador

5.2. Das medidas provisórias

As medidas provisórias surgem como espécies legislativas em que o Presidente da República pode, primariamente, inovar o ordenamento jurídico sem qualquer autorização prévia do Parlamento, na tentativa de confortar as rápidas e imprevisíveis alterações observadas nos quadrantes social e econômico.

A primeira consideração a ser feita sobre as medidas provisórias, novamente, é que na redação final aprovada pela Comissão de Sistematização da Constituição de 1988, no artigo 59 e posteriormente em votação pelo plenário, nos seus dois turnos, não existia essa espécie legislativa, ou seja, em nenhuma fase do processo da Constituinte constava o texto aprovado da medida provisória. Aparece na fase da Comissão de Redação.

A discussão sobre a adoção de medida provisória no texto constitucional, remete ao movimento para que o Brasil adotasse o regime parlamentarista durante a época da Assembleia Nacional Constituinte e, por esse motivo, a espécie legislativa da medida provisória foi introduzida, inspirada no decreto-legge do sistema Italiano, a fim de acalorar os ânimos entre as forças políticas atuantes no Parlamento. Essa expectativa foi frustada quando da realização do plebiscito previsto com data para o dia 21 de abril de 1993, no qual os brasileiros confirmaram a opção pelo regime presdencialista, assim surge a primeira grande confusão, importou-se de uma forma

de governo parlamentarista um mecanismo que acabou por ser aplicado num regime presidencialista. Surge aqui a primeira grande confusão em nosso ordenamento jurídico.

Com a espécie legislativa inserida no rol do artigo 59 da CF, passou então a doutrina brasileira a analisar, e em sua maioria pareceu convergir num ponto fundamental: que se trata de ato normativo primário, sendo atos extra ordinem que derrogam parcialmente o princípio da divisão de poderes. Isto porque o artigo 44 da Constituição dispõe que a função legislativa é exercida pelo Parlamento202

.

A questão que se põe é em que medida as medidas provisórias são atos elaborados de forma legítima, já que são atos legislativos formal e organicamente diferenciados dos atos legislativos do Parlamento? E qual o resultado do uso dessa espécie legislativa no presidencialismo de coalizão?

Cabe sempre recordar que o processo de formação das leis, em um Estado Democrático de Direito deve ser legitimado, pois a democracia, vale dizer, é a fonte democrática do sistema normativo e não apenas a existência deste como mecanismo regrador dos aspectos jurídicos da vida social.203

Leciona Clève que

a força de lei é um conceito relacional, que se decompõe num duplo alcance material e formal, como a capacidade de dispor, positiva e negativamente, orginária e superveniente, sobre as relações e situações da voda, e como capacidade de agir ou reagir relativamente a outros atos-jurídicos (...) Logo a legislação pelo parlamento envolve a noção de rpresentativa e de debate público anteorior a eficácia do ato ilustrando a ideia de que a democracia não se exaure no momento eleitoral. Na democracia pluralista, a lei formal configura espécie de condensação de relação de forças entre sujeitos coletivos disttintos, mediatizados pela figura do mandatário eleito (...) No direito brasieliro adotado o regime presidencialista de governo, a lei formal carrega ainda, a noção de

202

Segundo Seixo Kadri, a medida provisória torna-se uma das amarras de difícil desate no direito constitucional brasileiro, sendo várias as teses apresentadas sobre a natureza jurídica que vão desde natureza de ato administrativo até à de ato legislativo strito sensu. Cf. Omar Francisco de Seixo Kadri., 2004. Op. cit. p. 227.

203

Cf. Hilda de Souza, 1998.Op. Cit. p. 29.

Nesta mesma seara, segundo Seixo Kadri, para Canotilho num Estado Democrático de Direito não importa tanto saber se o Poder Executivo pratica atos legislativos, mas sim se eles podem ser feitos e são feitos de forma legítima.

somatória de vontades manifestadas por dois Poderes, o Legislativo e o Executivo. Trata-se portanto, de ato complexo. Entre nós, em consequência, a lei formal é espécie de ato legisaltivo definida pela origem (ato do Congresso Nacional), pela forma (forma de lei complementar ou ordinária), pelo procedimento (devido processo legislativo: ato público em que o debate procede a vigência), por força (força ativa e passiva de lei), assim como pela natureza (ato complexo). Neste ponto, é possível superar um argumento recorrente nos escritos daqueles que negam a medida provisória a natureza de lei: não se converte em lei algo que não é.

As medidas provisórias são atos legislativos não-ordinários, cujo requisito de relevância se refere ao elemento físico que deriva de apresentação no quadrante social de uma exigência de normação jurídica aliado à urgência que guarda referência com a dimensão temporal, num sentido de ajustar de modo proporcional o conteúdo da normação jurídica reivindicada – matéria – a um procedimento legislativo idôneo (forma) que possa conformar - resposta jurídica - de modo imediato ao quadrante social, sem que experimente prejuízos por falta de previsibilidade constitucional de um instrumento legislativo expedido.204

Quanto à questão de delegação ao não, Clève demonstra que o

particular é suficiente para demonstrar que o Presidente dispõe de competência própria (embora expecional) para adotar a medida provisória, inocorrendo, no caso, por consequencia, a hipótese de automática delegação legislativa (ocorrentes os pressopostos de habilitação).

Para o Presidente da República editar medida provisória há a necessidade de preencher os requisitos de relevância e urgência constantes no artigo 62, uma vez que não foi entregue ao Chefe do Executivo uma competência ordinária, mas não se trata de atos extra ordiem205

ou excepcionais, uma vez que a própria

204

Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri, 2004. Op, cit. p. 228 205

Ver:

Pedro Vieira Abramovay.A separação de Poderes e as medidas provisórias em um Estado Democrático de Direito.Dissertação de Mestrado em Direito. Brasília: UnB, 2010.

Marco Aurélio Sampaio. A Medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007.

Constituição disciplina os casos de excepcionalidade ou anormalidade em seus artigos 136 e 137.

A primeira observação sobre os pressupostos de relevância e urgência fica claro, pelo exposto, que o Poder Executivo não tem competência para exercer função legislativa plena, mediante medida provisória, pois nesse caso a sua atuação é excepcional, submetida a controle posteriori do Congresso Nacional206

. O urgente deve ser além da adoção da norma editada (vigência), e sua incidência (aplicação), portanto é inadmissível a adoção de medida provisória para produzir efeitos após determinado lapso temporal (eficácia diferida).207

Assim, cabe ao Presidente da República demonstrar, mediante motivação, a ocorrência dos pressupostos autorizadores, bem como a existência de correlação estreita ente os motivos invocados (e, em consequência, também, a sitação de necessidade) e a disciplina normativa aplicada, segundo Clève.208

Dessa forma, o Presidente da República, através de medidas provisórias, pode veicular unilateralmente normas jurídicas destinadas a inovar o ordenamento jurídico sem qualquer participação nas diversas forças políticas que se personificam no Parlamento, indispensável num Estado Democrático.

A primeira questão era a submissão imediata do Congresso Nacional,no prazo de 30 dias, que ao proceder a análise do ato legislativo adotado pelo Poder Executivo, podendo o Parlamento rejeitar ou não a medida apresentada devendo somente, por previsão constitucional, de disciplinar as relações jurídicas dela advindas.

A EC nº 32/01 visou limitar o poder de edição de medidas provisórias, delimitando quais poderiam ser as matérias alvo desta espécie legislativa, ou seja, determinando que seriam as matérias objeto de lei ordinária, por impossibilidade decorrente de seu regime jurídico-constitucional. Assim, a limitação material para a edição de medidas provisórias (EC. 32/01) será a mesma existente em relação à lei

206

Cf. Clèmerson Merlin Clève, 2011. Op. Cit. p. 80. 207

Cf. Clèmerson Merlin Clève, 2011. Op. Cit. p. 96. 208

delegada, ou seja, pelos motivos expostos, quando tratamos do assunto se aplica o mesmo raciocínio.

A única diferença recairá sobre a matéria tributária. Mas como no caso da lei ordinária, há divisões até os nossos dias quanto à questão.

Mas quanto a impossibilidade de matéria de lei complementar ser editada por medida provisória, pelos motivos e especificações constitucionais, é clara pela própria característica e natureza, pois somente poderão ser matéria de lei complementar aquela relativa ao chamamento no texto constitucional.

A EC nº 7/95 já havia introduzido alterações ao perfil sistematizado no texto da Constituição pelo artigo 246, restrições explícitas ou objetivas consistem na vedação de adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a partir de 1995.

A vigência das medidas provisórias é de até o prazo limitado de 60 dias, prorrogável por 60 dias (EC nº 32/01), consequentemente após sua edição, se não convertida em lei, ocorre a perda de eficácia ex tunc, deixando de existir no ordenamento jurídico e seus efeitos desconsiderados desde o início. Ao ser editada a medida provisória, com força de lei, suspende-se e paralisa-se a eficácia de disposições legais que se encontram em contrário até a sua apreciação.

Essa transitoriedade no ordenamento jurídico associado à perda de eficácia ab initio contribuiu substancialmente para que o ato legislativo governamental tenha uma eficácia precária ou condicionada temporalmente pela pendência de cláusula resolutiva do Congresso Nacional.

Quanto ao Congresso Nacional, dois procedimentos distintos estão contidos na resolução nº 1/89. O primeiro refere-se ao controle político sobre os pressupostos de relevância e urgência, emitindo um juízo de oportunidade política no sentido de verificar a subsistência ou não, no plano fático dos referidos pressupostos. Assim, após isso, a medida provisória segue sua tramitação para se tornar projeto de lei de conversão, podendo ser oferecidas emendas que versem sobre o objeto da medida provisória de modo que o instrumento normativo governamental não seja desconfigurado na sua finalidade.

Outra questão é se o Presidente da República poderá vetar o projeto de lei de conversão, e a resposta deve ser negativa, porque há uma incompatibilidade temporal entre o escasso prazo de vigência da medida provisória e o regime jurídico constitucional do instituto do veto. Por outro lado seria impensável pelo próprio significado de intervenção do parlamento sobre as medidas provisórias (função de controle) que o poder controlado controlasse o controlante209

.

A EC nº 32/01 exigiu do Congresso Nacional pronunciamento prévio e expresso sobre os pressupostos de urgência e relevância como condição para deliberação. Tal medida não produziu o efeito necessário, as reiterações sucessivas de edição de medidas provisórias, não convertidas em lei, retiraram uma das suas características fundamentais, qual seja a sua não-ordinariedade, mantendo indefinidamente no ordenamento jurídico seus efeitos. O resultado foi uma ampliação do poder do Poder Executivo ao incluir o sobrestamento de pauta, assim uma medida provisória que não for apreciada em até 45 dias, ela integrará a pauta em regime de urgência obstruindo as demais deliberações da Casa Parlamentar (EC nº 32/01), o que resultou no controle da agenda da Câmara durante muito tempo, várias foram as obstruções em razão dessa disposição.

Essa prática além de tolher a autonomia da agenda do Legislativo, provocando sua inércia e paralisação, também funcionou como forma de coerção para determinadas deliberações210, sem falar que amarrou a participação do

Legislativo na definição e no estabelecimento de políticas públicas, vez que não havia discussão prévia dessas matérias.

O Poder Legislativo poderia ter invertido toda esta situação se cumprisse com a determinação de apreciar os requisitos de relevância e urgência, no prazo de 10 dias a contar do inicio da data da sua tramitação, detendo a inflação de medidas provisórias, que durante muito assolou o Parlamento, que após a EC 32/01, o Poder Executivo produziu 896 medidas provisórias, entre originarias e reeditadas e iniciou 1.077 leis ordinárias e 3 leis complementares.

209

Cf. Omar Francisco do Seixo Kadri, 2004. Op. Cit. p. 229. 210

Ficou bem evidente essa manipulação por ocasião da votação da CPMF, em que o Chefe do Executivo revogou medida provisória que estava sobrestando a pauta para poder incluir a votação sobre a CPMF. Tal procedimento foi objeto de apreciação do Supremo Tribunal Federal.

CAPÍTULO III – AS RELAÇÕES INSTITUCIONAIS ENTRE OS