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Desafios postos ao princípio federativo e à jurisprudência da STF

CAPITULO I – A CARTA CIDADÃ

V. ELABORAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E A IMPORTÂNCIA DO

5. Desafios postos ao princípio federativo e à jurisprudência da STF

Como se pode observar, a Carta de 1988 poderia ter estabelecido maior autonomia aos estados-membros quanto à repartição da competência legislativa, mas não o fez. Constata-se que é mínimo o campo do seu exercício, motivo pelo qual se diz que cabe a eles legislar principalmente e somente no que corresponde ao administrativo, ao financeiro, aos serviços sociais, à gestão de seus bens, no que resulta uma mínima atuação normativa sobre outras matérias.

Segundo Fernanda Dias Menezes de Almeida, utilizando-se da citação de Giorgio Del Vecchio, de que o Estado federal equivale a um “suicídio de Estados”, a autora observa que a soberania passa a ser apanágio exclusivo daquele, sendo essa a primeira nota distintiva da Confederação. Desfrutam os estados-membros de autonomia, ou seja, capacidade de autodeterminação dentro do círculo de competências traçado pelo poder soberano, que lhes garante auto-organização, autogoverno, autolegislação e autoadministração, exercitáveis sem qualquer subordinação hierárquica dos poderes estaduais aos poderes da União89

. E, alerta, Anna Cândida da Cunha Ferraz, 90

que a inexistência de qualquer de um desses quatro aspectos da autonomia dos estados-membros é suficiente para desqualificar uma unidade federada.

Em estudo dedicado à interpretação das decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o princípio federativo91

, José Roberto Anselmo, de pronto leciona que

O federalismo se constitui em verdadeira obra de engenharia estrutural de um Estado, sendo definido por uma série de

88

Cf. Andyara Sproesser, Op. cit.,p. 67. 89

Cf. Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências na Constituição de 1988. São Paulo: Editora Atlas, 2000. p 33.

90

Cf. Anna Cândida da Cunha Ferraz . Poder Constituinte do Estado-membro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979. p. 54.

91

Cf. José Roberto Anselmo. O papel do Supremo Tribunal Federal na concretização do federalismo brasileiro. Tese de Doutorado em Direito Constitucional. São Paulo: PUC, 2006. p.9

características, que são consideradas verdadeiras vigas de sua sustentação. A existência dessas características serve para indicar que o Estado adotou a forma federal. A mais importante característica da forma federal é a coexistência, simultânea, de um ordenamento jurídico nacional, uniforme e aplicável em todo território do Estado, e de um ordenamento jurídico de cada Estado membro da federação, que, por sua vez, é variável e aplicável apenas ao território estadual. Os ordenamentos jurídicos nacional e estadual nascem a partir da divisão de competências estabelecida constitucionalmente entre os membros da federação.

Mas, alerta que a simples divisão constitucional de competências, no momento da construção do sistema, não é suficiente para garantir uma convivência pacífica entre esses dois ordenamentos, sendo necessária a criação de um controle capaz de garantir a sobrevivência da estrutura federal.

Assim, cabe ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal de 1988, responsável pela definição da linha que separa as competências da União e as dos estados-membros. Esse controle deve conduzir à coexistência de duas tendências conflitantes: a unidade e a diversidade, isso porque os Estados Federais buscam manter a unidade do todo, preservando as diversidades locais.

O estudioso conclui, após análise de jurisprudência, com a exposição do decidido por aquela Corte, tendente à centralização da competência legislativa dos estados-membros nas competências da União.92

E finaliza com afirmação de que:

em uma interpretação mais preservacionista da competência dos Estados-membros, tendo em vista o princípio federalista, o Supremo Tribunal Federal poderia ter adotado o posicionamento de julgamento “conforme a Constituição”, a fim de ajustar o dispositivo referente ao impacto ambiental descrito no artigo 225, § 1º, inciso IV da Constituição.

92

Remete ao caso da suspensão da lei estadual paranaense de n. 14.162, de 27 de outubro de 2003, que estabelecia a vedação ao cultivo, a manipulação, a importação, a industrialização e a comercialização de organismos geneticamente modificados. Na citada hipótese, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o estado violou competência privativa da União no tocante aos art. 22, incisos I, VII, X e XI; e, também a competência disposta no art. 24, I e VI, do mesmo ente para editar normas gerais. O estado de Santa Catarina buscava disciplinar a instalação de áreas de florestamento e reflorestamento para fins empresariais. Naquela ocasião, ante a ausência de norma geral sobre o assunto, o estado editou uma lei estadual em que dispensava a realização de estudo de impacto ambiental, utilizando-se para tanto de sua competência estabelecida no artigo 24, parágrafo 3º da Constituição. Assim, sem adentrar no mérito referente ao estudo de impacto ambiental, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal negou a competência plena ao Estado com base em falta de peculiaridades locais. p. 208.

Há uma conscientização de que o Governo Federal é que pode tudo, é quem manda, é melhor para tudo, como assevera Alexandre de Morais ao expor sobre a questão das competências dos estados-membros93

.

Pelo exposto, problemas e desafios quanto à repartição das competências e a interpretação centralizadora do Supremo Tribunal Federal em nome de uma denominada “uniformidade” das normas do ordenamento jurídico94

não auxiliam no combate à prática denominada presidencialismo de coalizão, como iremos constatar, muito pelo contrário, pois quando os temas são políticas públicas e orçamento, estes influenciam diretamente a atuação do Poder Legislativo.

93

Cf. Alexandre Morais. In: Temas de Direito constitucional Estadual e questões sobre o Pacto Federativo. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. São Paulo: ALESP, 2004.p.121.

94

Nesse mesmo sentido, citando vários outros casos em que o Supremo Tribunal Federal poderia ter ido além da interpretação restritiva centralizadora de competência em favor da União, vários autores, dentre eles, Sérgio Rezende de Barros, Manoel Gonçalves Ferreira filho, Alexandre Moraes, Monica Herman Salem Caggiano e André Ramos Tavares. In: Temas de Direito constitucional Estadual e questões sobre o Pacto Federativo. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.São Paulo: ALESP, 2004.