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A responsabilidade solidária prevista na Lei 12.846/2013 frente ao fenômeno dos grupos de sociedades.

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO

DIEGO DO NASCIMENTO KIÇULA

A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PREVISTA NA LEI 12.846/2013 FRENTE AO FENÔMENO DOS GRUPOS DE SOCIEDADES

SÃO PAULO - SP 2017

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DIEGO DO NASCIMENTO KIÇULA

A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PREVISTA NA LEI 12.846/2013 FRENTE AO FENÔMENO DOS GRUPOS DE SOCIEDADES

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito e Desenvolvimento da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito e Desenvolvimento, sob a orientação do Prof. Dr. Danilo Borges dos Santos Gomes de Araújo. Área de Concentração: Direito dos Negócios e Desenvolvimento

Econômico e Social.

SÃO PAULO – SP 2017

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Kiçula, Diego do Nascimento.

A responsabilidade solidária prevista na Lei 12.846/2013 frente ao fenômeno dos grupos de sociedades / Diego do Nascimento Kiçula. - 2017. 154 f.

Orientador: Danilo Borges dos Santos Gomes de Araujo

Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas.

1. Crime contra a administração pública. 2. Responsabilidade social da empresa. 3. Brasil. [Lei n. 12.846, de 1 de agosto de 2013]. 4. Corrupção administrativa - Brasil. I. Araujo, Danilo Borges dos Santos Gomes de. II. Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. III. Título.

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DIEGO DO NASCIMENTO KIÇULA

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito e Desenvolvimento da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito e Desenvolvimento..

Monografia apresentada em ____/____/_____

_______________________________________________ Orientador Prof. Dr. Danilo Borges dos Santos Gomes de Araujo.

_______________________________________________ Prof. Dr. Luís André Negrelli de Moura Azevedo.

_______________________________________________ Prof. Dr. Davi de Paiva Costa Tangerino.

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À Deborah, meu amor, e a Rafaela e Pedro, joias de minha vida. Pessoas que Deus me deu a graça de ter como família.

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AGRADECIMENTOS

Como todo grande marco em nossas vidas, a jornada de um Mestrado Acadêmico é impossível de ser percorrida sozinho. O resultado de tal caminha, consubstanciado nas páginas a seguir, não seria possível sem a essencial ajuda de determinadas pessoas. Talvez por entender a enorme gratidão que temos a essas pessoas, a Academia nos permita dirigir algumas palavras de agradecimento, como forma de reconhecer que estas são parte efetiva deste trabalho.

Assim, primordialmente me dirijo a ela, Deborah Barcia Kiçula, amor da minha vida e melhor amiga de todas as horas. Você sabe que sem seu apoio incondicional, percorrer a jornada de um mestrado não seria possível. Obrigado por todas as palavras de incentivo, acolhimentos, alertas e afagos nos momentos certos. Obrigado pelos passeios com as crianças sem a minha presença para que eu pudesse estudar, por ter sido, muitas das vezes, pai e mãe deles nos últimos dois anos.

Não posso deixar de dirigir algumas palavras a Rafaela e Pedro. Meus filhos, vocês não sabem o quanto vocês, com um pequeno sorriso, com um carinho, um olhar, me incentivaram nessa caminhada. Vocês tornaram os momentos difíceis mais doces.

Dirijo-me, também ao Prof. Dr. Danilo Borges dos Santos Gomes de Araujo. Obrigado pela a orientação, disponibilidade, paciência e carinho com que me ajudou a percorrer essa jornada. Tenho muita sorte de tê-lo como orientador e também como amigo.

Meus sinceros agradecimentos a Suely e Avelino Barcia, queridos sogros que me dão o privilégio de ser tratado como um filho, sem o apoio emocional e material de vocês, nada disso seria possível. Também, gostaria de registrar meu muito obrigado aos meus pais, Naura e Lourival e aos demais membros de minha família pelo apoio dispensado a mim, compreendendo quando, por conta dos estudos, deixei de ir a festas, encontros ou reuniões.

Dedico, também, um especial agradecimento ao amigo de todas as horas e companheiro de batalhas hercúleas, Robson Mechi Nunes. Obrigado pelo apoio, incentivo e companheirismo e apoio dispensado a mim esses últimos dois anos. Sinto-me

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privilegiado de tê-lo como um dileto amigo. Agradeço, também a César Augusto Pires Viana, Mario Roberto Naletto e Raphael Procópio, pela atenção, compreensão e incentivo dados a essa jornada.

Por fim, como não poderia deixar de ser, meus sinceros agradecimentos à Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, por acreditar nesse “decano” de sua turma e abrir as portas dessa instituição para a realização de um sonho. Orgulho-me dessa escola que mudou minha vida. A todos, professores, funcionários e alunos recebam, na pessoa de Cristiane Samária Gomes da Silva, meu muito obrigado.

A todos aqui mencionados, que Deus lhes dê em dobro tudo que desejarem e que Nossa Senhora sempre os proteja.

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RESUMO

A Lei 12.846/2013 trouxe inúmeras inovações ao Direito brasileiro, criando importantes mecanismos para a responsabilização das pessoas jurídicas envolvidas em atos de corrupção, ou nos termos da lei, em atos contrários a Administração Pública. Dentre tais inovações inclui-se aquela contida no §2º do Artigo 4º da Lei Anticorrupção, que determina que as empresas coligadas, controladoras e controladas são solidariamente responsáveis pela reparação do dano e pagamento das multas ocasionadas por uma empresa a ela ligada.

Nesse sentido, a Lei busca normatizar, em seu âmbito, um dos mais relevantes temas do direito societário moderno, ou seja, a referida legislação busca estabelecer as regras para aplicação de suas sanções dentro do contexto dos grupos de sociedades. Com efeito, a preocupação do legislador nacional em estabelecer um regramento sobre o tema parece ser legítima, uma vez que essa é a forma de organização recorrente dos grandes empreendimentos nacionais e multinacionais.

É na análise do encontro desses dois institutos que se desenvolve a presente dissertação: como se dá a imposição da solidariedade da lei? Qual a melhor interpretação que pode ser dada a questão para que, por um lado, a lei consiga garantir a aplicação efetiva de suas sanções e, por outro lado, os ditames da legislação não tornem inviáveis os empreendimentos desenvolvidos pelas sociedades plúrimas.

Assim, a partir da contextualização do fenômeno da corrupção, apresentam-se as inovações trazidas pela lei e sua aplicação prática até o momento para, ao final, colocar a problemática trazida pelo aludido §2º do art. 4º da Lei e então, sugerir uma possível solução para o tema.

Palavras-chave: Lei 12.846/2013; Corrupção; Solidariedade; Grupos de Sociedades; Compliance; Programas de Conformidade.

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ABSTRACT

The Brazilian Law 12,846/2013 has brought innumerable innovations to Brazilian legal order, creating important mechanisms for the accountability for Companies involved in acts of corruption, or under the terms of the law, in acts contrary to Public Administration. Among these innovations is included the §2 of Article 4 of the Anti-Corruption Law, which establishes that the associated companies, controlling companies and controlled companies are jointly and severally liable for compensation for damages and payment of fines caused by a related company.

In this sense, the Law seeks to regulate, in its scope, one of the most relevant subjects of modern corporate law. It’s seeks to establish the rules for the application of its sanctions within the context of the Corporate Groups. Indeed, the concern of the national legislature to establish a rule on the subject seems to be legitimate, because this is the recurrent form of organization of large national and multinational companies.

It is the analysis of these two institutes that this dissertation takes care wondering: how does the imposition of the solidarity of the law takes place? What is the best interpretation that can be given to the question so that, on the one hand, the law can guarantee the effective application of its sanctions and, on the other hand, the dictates of the legislation does not make impracticable the ventures developed by Corporate Groups.

Thus, from the contextualization of the phenomenon of corruption, the innovations brought by the law and it’s practical application until the moment are presented, so that, in the end, the problem brought by the aforementioned §2 of art. 4 of the Law can be identified and then a suggestion of a possible solution to the theme can be made.

Keywords: Law 12,846/2013; Corruption; Solidarity; Corporate Groups;

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ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa do Índice de Percepção de Corrupção da Transparência

Internacional...31

Figura 2 - Incorporação societária...79

Figura 3 - Fusão societária. ... 80

Figura 4 -Sociedade Monossocietárias Vs Sociedades GrupaiS...100

Figura 5 - Organograma Societário Grupo Pão de Açúcar. ... 116

Figura 6 – Fluxograma: Proposta de modulação dos efeitos da solidariedade prevista na Lei Anticorrupção...136

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ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Corrupção e PIB das maiores economias do Mundo...28

Tabela 2 - Valores arrecadados por autoridades Norte-Americanas na aplicação de multas por violação da FCPA ... 29

Tabela 3 - Ranking da percepção de corrupção nos países - Transparência Internacional. ... 34

Tabela 4 - Evolução histórica da classificação dos BRICS na classificação da Transparência Internacional. ... 364

Tabela 5 - Índice de Percepção de Corrupção Comparado com Índice GINI. ... 36

Tabela 6 - Empresas inscritas no CNEP. ... 88

Tabela 7 - Sorteio pesquisa empírica - Programas de Compliance...90

Tabela 8 - Sorteio 2 da pesquisa empírica - Programas de Compliance. ... 91

Tabela 9 -Sorteio final da pesquisa empírica - Programas de Compliance. ... 91

Tabela 10 - Resultados pesquisa programas de Compliance. ... 92

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 14

1.1. Metodologia ... 20

2. ASPECTOS SOBRE A CORRUPÇÃO ... 22

2.1. A corrupção no Brasil ... 24

2.1.1. Uma breve história ... 24

2.2. Os números da corrupção – A espantosa abrangência da indústria da corrupção no mundo ... 28

2.2.1. A corrupção é um problema apenas de países em desenvolvimento? ... 32

3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI 12.846/2013 (LEI ANTICORRUPÇÃO) E O SISTEMA DE COMBATE À CORRUPÇÃO NO BRASIL ... 40

3.1. A Lei 12.846/2013 – origem e influências ... 40

3.2. A Lei 12.846/2013 – Aspectos gerais ... 46

3.3. A Lei 12.846/2013 – Regime jurídico da Lei ... 46

3.3.1. Argumentos para se atribuir o Regime Jurídico Penal da Lei Anticorrupção ... 47

3.3.2. Argumentos para atribuir o Regime Jurídico administrativo-civil da Lei Anticorrupção ... 52

3.4. Responsabilidade Objetiva das Pessoas Jurídicas ... 58

3.5. Programas de Conformidade – Compliance ... 63

3.5.1. Suporte da alta direção ... 67

3.5.2. Análise dos riscos ... 70

3.5.3. Políticas e Procedimentos ... 72

3.5.4. Comunicação e treinamento... 75

3.5.5. Auditoria ou Due diligence ... 76

3.5.6. Canais de denúncia e investigação interna ... 78

3.6. Sociedades sucessoras na Lei 12.846/2013 ... 80

4. A LEI ANTICORRUPÇÃO E ESTADO BRASILEIRO – UMA ANÁLISE EMPÍRICA SOBRE A APLICABILIDADE DA LEI ANTICORRUPÇÃO PELO ESTADO ... 86

4.1. Coleta e sistematização dos dados ... 87

4.2. Aplicação da Lei Anticorrupção pela Administração Pública e pelo Judiciário ... 89

4.3. Reflexo da Lei Anticorrupção no incentivo à adoção de programas de Compliance ... 92

(13)

5. A RESPONSABILIZAÇÃO DOS GRUPOS DE SOCIEDADE NO ÂMBITO

DA LEI 12.846/2013 ... 99

5.1. Breves Considerações sobre os Grupos de Sociedades ... 100

5.1.1. Grupos de Sociedades – Multiplicidade de entidades jurídicas ... 101

5.1.2 Grupos de Sociedades – Direção Unitária ... 105

5.2. A regulamentação dos Grupos de Sociedade pela Lei brasileira e seus reflexos na Lei 12.846/2013 ... 109

5.3. A Problemática da abrangência da responsabilidade solidária prevista na Lei Anticorrupção ... 113

6. A CONSTRUÇÃO DE UMA SOLUÇÃO PARA O TEMA A PARTIR DOS ENSINAMENTOS DA DOUTRINA ROZENBLUM ... 125

6.1. A delimitação da responsabilidade dos Grupos de Sociedades realizada pela Doutrina Rozenblum. ... 126

6.2. A modulação dos efeitos da solidariedade prevista no Art. 4º §2º da Lei 12.846/2013, como solução para a conformação da efetividade das sanções impostas e do fenômeno da sociedade grupal. ... 131

7. CONCLUSÃO ... 140

(14)

1. INTRODUÇÃO

Segundo estimativas do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) cerca de 5% do produto interno bruto (PIB) mundial é desviado em atos de corrupção1. A cada ano, um trilhão de dólares são despendidos diretamente com subornos e cerca de 2,6 trilhões de dólares são desviados pela corrupção.

A expressão da corrupção fica ainda mais impressionante quando comparamos os números de tal “indústria” com o PIB das nações. Isso porque, se considerarmos o movimento de riqueza produzida pela corrupção como se fosse o de um país, a soma de 3,6 trilhões de dólares o colocaria em quarto no ranking mundial (como veremos mais adiante), ou seja, o que a humanidade dispende em atos de corrupção supera o que se produz na maioria dos países do mundo, por exemplo, o montante de riqueza produzido pela economia brasileira e portuguesa em conjunto.

Nesse sentido, a corrupção consome parte relevante de tudo aquilo que é produzido por todas as nações do mundo como um verdadeiro parasita que cresce matando seu hospedeiro, prejudicando as instituições democráticas, freando o desenvolvimento econômico e contribuindo para a instabilidade política. No Brasil2, por exemplo, “estima-se que o custo médio da corrupção varie entre 1,38% a 2,3% do PIB, o que vale dizer que os recursos públicos desperdiçados com essa prática variam de R$ 50,8 Bilhões a R$ 84,5 Bilhões por ano.” 3.

É a partir de tal diagnóstico que diversas iniciativas surgem para o combate à corrupção, quer seja nas esferas nacionais, como a relevante Foreign Corrupt Practice Act (FCPA) 4 norte-americana, a relativamente recente United Kingdom Bribery Act

1UNODC. Reporting on corruption: A Resource tool for Governments and Journalists. Disponível

em: <http://www.unodc.org/documents/corruption/Publications/2014/13-87497_Ebook.pdf>. Nova Iorque, 2014. Acesso em: jul. 2016.

2E aqui cabe frisar que, ao contrário da sensação de grande parte da população brasileira, nosso país não é

classificado como um dos mais corruptos do mundo, conforme se depreende do mapa da corrupção elaborado pela ONG Transparência Internacional no ano de 2015. Disponível em: <http://www.transparency.org/cpi2015>. Acesso em: jun. 2016.

3MOREIRA, Diogo de Figueiredo; FREITAS, Rafael Véras. A Juridicidade da Lei Anticorrupção:

Reflexões e interpretações prospectivas. Revista Fórum Administrativo, Belo Horizonte, Editora Fórum, vol.14, n.156, fev. 2014, p. 12.

4ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Foreign Corrupt Practices Act of 1977. 15 U.S. Code, §§ 78

dd-1, ET seq. (“FCPA”). Disponível em: <https://www.law.cornell.edu/uscode/text/15/78dd-1>. Acesso: Nov. 2016.

(15)

(UKBA)5, do Reino Unido, ou em foros supranacionais como a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção de 20036 e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, produzida pela Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE)7.

Tais medidas legislativas buscam, por inúmeros meios, coibir a corrupção em suas diversas esferas, combatendo tais atos dentro do governo, buscando formas mais rigorosas de tratamento aos agentes públicos que se veem envoltos em escândalos de corrupção, mas também atacando a esfera privada, ou seja, criando mecanismos de repressão e desincentivos à prática de atos de corrupção realizados, seja para obter vantagem indevida ou para evitar a apuração de determinada infração legal ou regulamentar8.

Nesse sentido, o legislador deixa de se focar exclusivamente nas pessoas naturais envolvidas no ato de corrupção em si e passa a combater aqueles beneficiários finais de tais atos, notadamente a empresa e o grande empresário. Assim, o estudo do crime corporativo:

(...) significou uma mudança de foco daquele alhures social e das minorias imperfeita que os habitam, para indivíduos e grupos que habitam mercados ou organizações públicas e privadas. A Criminologia finalmente sai dos esgotos e (...) permite que estudantes do desvio incluam, entre as causas do crime, a disponibilidade de recursos em excesso ao invés de sua falta (...). (RUGGIERO, 2008) 9

5 REINO UNIDO. U.K. Bribery Act 2010. Disponível em

<http://www.legislation.gov.uk/ukpga/2010/23/contents>. Acesso em: nov. 2016.

6A referida Convenção foi assinada pelo Brasil em 09 de dezembro de 2003 e promulgada pelo decreto nº

5.687/2006, de 31 de janeiro de 2006.

7A Convenção da OCDE foi ratificada pelo Brasil em julho de 2000 e promulgada pelo Decreto n° 3.678,

de 30 de novembro de 2000.

8O tema corrupção na esfera privada não se limita à relação entre o Estado e os entes privados, notadamente

as empresas, quando tratamos dos programas de compliance. Nesse sentido, é importante ressaltar os inúmeros trabalhos e estudos desenvolvidos para o combate à corrupção privada em sentido estrito, ou seja, ocorrida na relação entre entes privados. Em termos legislativos, a UKBA e a lei Italiana inovam nesse ponto ao impor punições severas a tais atos.

9RUGGIERO, Vincenzo. Crimes e Mercados: Ensaios em Anticriminologia. Rio de Janeiro: Editora

(16)

Aqui, portanto, é necessário criar meios para coibir o comportamento corruptivo das pessoas coletivas impondo sanções10 de modo a coibir as condutas indesejadas e incentivar, por outro lado, o comportamento conforme, garantindo a competitividade do mercado e, porque não, preservando a integridade do sistema econômico e da relação público-privado. É nesse segundo âmbito que se insere a Lei 12.846/2013.

Conhecida como Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, esta introduz no direito brasileiro severas punições administrativo-civis, com o objetivo de sancionar a pessoa jurídica que se envolve nos chamados atos contra a administração pública11. Mais ainda, a aludida lei inova ao criar verdadeiros incentivos à adoção de política de compliance (ou de Conformidade) pelas empresas12, criando sensíveis reduções nas penas previstas na Lei para aquelas empresas que comprovem a existência de um programa de conformidade efetivo em seus quadros.

Mas como os dispositivos de tal legislação acomodaram a problemática dos grupos de sociedades, uma vez que tal estrutura jurídico-organizativa é largamente

10Como se verá adiante no presente trabalho, referidas sanções podem assumir o caráter

administrativo-civil e não necessariamente ter natureza de sanção penal.

11Na forma do Art. 5o. Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os

fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o,

que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV - no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional. (BRASIL. Lei n° 12.846, de 1 de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Brasília, DF. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: Nov de 2016.).

12 Se fala em incentivo porque a Lei 12.846/2013 premia as empresas que comprovem a manutenção de um

programa de compliance efetivo, com redução (ou até extinção) das penas impostas pela própria lei, de forma que a adoção de tais programas se torna de suma importância para mitigar riscos e diminuir o escopo das penalidades que a referida empresa se sujeita.

(17)

utilizada para emoldurar a empresa de grande porte, de atuação global, e opção comum na formação das médias e grandes empresas no Brasil?13

Ao tratar das grandes corporações multinacionais, a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, produzida pela OCDE assegura que:

As corporações têm sido os motores da industrialização e da globalização da economia. Porém logo se percebeu que estas poderiam causar sérios danos aos indivíduos, a sociedade e ao nosso meio ambiente (como por exemplo, na catástrofe de Bhopal). Além disso, especialmente as grandes empresas multinacionais demonstraram que com o abuso ocasional de poder que as autoridades públicas, em particular nos países em desenvolvimento, podem ter dificuldade em defender o Estado de Direito14.

Portanto, não se pode olvidar a importância da grande empresa, mormente organizada na forma de grupo de sociedades, para o desenvolvimento da civilização ocidental, bem como, a relevância desta para a economia mundial. É fácil se denotar tal fato quando verificamos que a riqueza produzida pelas “oito maiores empresas multinacionais (Exxon, GM, Ford, General Electric, IBM, Microsoft, Texaco, Shell) é superior à soma do volume orçamental bruto de seis dos maiores Estados membros da União Europeia (Alemanha, França, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo); e o volume de negócios de muitas dessas empresas chega mesmo, por si só, a ser superior ao PIB de mais de 130 nações, dentre as quais está Portugal15”.

13Segundo Lazzarini, a característica hierárquica da variedade do capitalismo brasileiro acaba por incentivar

a verticalização da cadeia de produção o que incentiva a criação de grupos empresariais paras as empresas de médio e grande porte (LAZZARINI, Sérgio Giovanetti. Capitalismo de Laços: os donos do Brasil e suas conexões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 32.).

14“Corporations have been drivers of industrialization and globalization of the economy. But it soon became

obvious that they could cause serious harm to individuals, groups our the environment (consider the catastrophe of Bhopal). Furthermore, especially large multinational enterprises (MNEs) have demonstrated with their occasional abuse of power that public authorities, in particular in developing countries, may find it difficult to uphold the rule of law.” (OCDE. Convenção sobre o Combate da Corrupção de

Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais. Tradução livre. 2000,

nota 7).

15ANTUNES, José Engrácia. Estrutura e responsabilidade da empresa: O moderno paradoxo

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Não obstante, tal protagonismo tem para algumas dessas organizações uma outra face. A pujança econômica das sociedades plúrimas, normalmente associadas aos grandes empreendimentos e/ou à atuação transnacional, por vezes se traduz no exercício de uma forte influência destas sobre governos, governantes e administradores públicos, o que pode ser contrário ao legítimo interesse da nação por estes dirigida. Talvez a face mais espúria de tal influência seja a atuação para obtenção de benefícios da Administração Pública por meio de atos de corrupção, conforme se depreende de relevantes escândalos como o da Siemens16, Alcoa17 e o da Petrobrás18.

Portanto, é importante para todo o sistema econômico mundial e por que não para o equilíbrio sustentável da humanidade19, que tais iniciativas sejam severamente punidas pelos ordenamentos jurídicos. Mais, que sejam incentivados meios de prevenção e mitigação de condutas não conformes, estimulando e difundindo a cultura da conformidade, da cidadania, do bem público.

Entretanto, o remédio dado ao paciente não pode matá-lo, ou seja, a sanção administrativa imposta deve ser suficiente para penalizar a empresa envolvida sem acarretar o seu perecimento, afinal a empresa é o motor essencial para criação e

16A multinacional alemã Siemens, se viu envolta, em 2008, em denúncias que demonstravam que a

Companhia se utilizava, rotineiramente, de métodos de corrupção para se ver vencedora em concorrências públicas realizadas por países em desenvolvimento. O acordo celebrado pela Multinacional com as autoridades americanas e alemãs, demonstrou a existência de um verdadeiro programa de proteção aos funcionários envolvidos nos esquemas de corrupção que era mantido e incentivado pela alta direção da empresa (o que acarretou na demissão de toda alta direção mundial da Siemens). Assim, verificou-se a atuação sistemática da companhia em atos de corrupção ao redor do mundo.

Referido acordo com as autoridades americanas e alemãs, impôs a aplicação da maior multa por violação às regras de FCPA que se tem registro até hoje (cerca de 800 milhões de dólares apenas para as autoridades americanas, e 1,6 bilhões de dólares no total). Além da severa sanção pecuniária, as autoridades americanas e alemãs impuseram à Siemens a criação de um extenso programa de Compliance que acabou por se tornar um modelo de eficiência para outras empresas, além de impor a obrigação de levar ao conhecimento das autoridades locais e americanas de todos os casos de corrupção que a empresa se envolveu antes da criação do programa, o que resultou nas denúncias do escândalo do metrô de São Paulo.

17A Multinacional americana Alcoa, celebrou um acordo com o Departamento de Justiça Norte Americano

declarando-se culpada em um escândalo de corrupção que envolveu a sua subsidiária no Bahrein. Dentre outras diversas sanções, a Companhia foi condenada ao pagamento de US$ 384 milhões ao governo norte-americano.

18O caso Petrobrás, ainda sob investigação no Brasil e no Exterior tendo em vista que a Companhia

petrolífera brasileira possui valores mobiliários listados na Bolsa de Nova Iorque, tem proporções assombrosas e segundo diversos analistas deve se traduzir no maior escândalo de Compliance do mundo, sendo as penalidades estimadas superiores às aplicadas no caso Siemens pelas autoridades americanas.

19Essa afirmação pode parecer exagerada em um primeiro momento. No entanto se levarmos em

consideração que a humanidade enfrenta graves problemas relacionados à escassez de recursos (naturais, financeiros etc.) em vista da necessidade de escala destes e da destruição ambiental causada no processo de obtenção de tais recursos, a eliminação da indústria da corrupção, bem como, de todas aquelas ligadas à atividades largamente repudiadas pelas nações (como o tráfico de armas) pode configurar uma significativa injeção de recursos, financeiros, naturais e humanos, que pode contribuir de maneira expressiva para a sustentabilidade da economia mundial.

(19)

distribuição de riqueza e a estrutura elementar para a aglutinação do capital, do trabalho e da inovação.

Tais afirmações podem parecer óbvias e simples de serem solucionadas quando analisamos a extensão das penalidades impostas às estruturas societárias únicas, mas o mesmo não acontece quando analisamos a abrangência de uma punição imposta a uma sociedade de estrutura molecular, em que a empresa não se resume à atuação de um ente, mas sim de vários, muitos dos quais sem qualquer ligação, senão a societária.

É sobre o mecanismo criado para garantia da efetividade das sanções às sociedades grupais que repousa a indagação que move a presente pesquisa, ou seja, o presente trabalho se propõe a discutir a problemática trazida pelas disposições do §2º do Artigo 4º da Lei 12.846/2013, que determinou ser solidária à responsabilidade entre as sociedades controladoras, controladas, coligadas, quanto aos atos contrários à administração pública praticados por uma pessoa jurídica a ela ligada, em vista das peculiaridades da estrutura jurídico-organizativa dos grupos de sociedades.

O que se busca com a presente investigação, portanto, é entender como as disposições da Lei Anticorrupção se moldam ao fenômeno da empresa grupal, como a estratégia adotada para efetivação de eventuais sanções impostas a empresas pertencentes aos grupos de sociedade se desenvolve e qual a sua real efetividade.

Diante de tal desafio, estabelece-se como ponto de partida da presente jornada a análise do fenômeno da corrupção, notadamente sem seu viés empresarial. Para tanto, o segundo capítulo do presente trabalho se dedica a apresentar estudos que demonstram a amplitude desta “indústria”, por meio do movimento financeiro realizado pela corrupção ao redor do globo. Mais ainda, esta abordagem inicial colocou em perspectiva tais dados, confrontando-os, de forma alarmante, com o Produto Interno Bruto das nações.

Uma vez apresentada a dimensão que a corrupção atinge em nossos dias, se inicia uma discussão acerca da localização de tal “patologia”. Propõe-se aqui, discutir se a corrupção é um mal que afeta tão somente os países em desenvolvimento ou se podemos entende-lo como fenômeno global.

Uma vez construída a macro visão da corrupção, o capítulo terceiro do presente trabalho traz considerações sobre a Lei 12.846/2013, seus principais fundamentos e pontos de inovação e de conflito, partindo da análise de suas origens e fundamentos,

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regime jurídico, questões relevantes e apontando as questões controvertidas trazidas pelo texto legal.

A partir de então, já no capítulo quarto, se realizará um breve ensaio empírico, para verificar se a Lei Anticorrupção já conseguiu gerar reflexos em nossa sociedade, quer pela aplicação de suas sanções, quer pela geração de efeitos positivos na sociedade por meio da criação de programas de conformidade, incentivados pelo novel legal. Para tanto, realizar-se-á uma pesquisa jurisprudencial visando evidenciar julgados que tiveram a aplicação da presente Lei, bem como se voltará os olhos para as principais empresas nacionais, com vistas a analisar a implantação de programas de conformidade com a lei referida.

A partir do capítulo de número cinco, esta obra passa a discutir a sua questão central, qual seja, a abrangência e efeitos da solidariedade prevista no §2º do artigo 4º da Lei 12.846/2013 frente ao fenômeno da empresa grupal. Nesse sentido, investigar-se-á se as disposições trazidas pela Lei Anticorrupção se aplicam a todas sociedades, indistintamente, sejam elas empresárias ou não, pertencentes a grupos de fato e de direito, bem como qual a abrangência da responsabilidade solidária prevista na Lei 12.846/2013.

Aproximando-se de seus termos finais, o presente trabalho, em seu capitulo sexto, lançará o olhar para o futuro, buscando apresentar uma possível solução para acomodação do fenômeno da solidariedade frente às estruturas de sociedade grupais, traçando um possível método para se atingir esse fim. Aqui, buscar-se-á fazer uso do ferramental existente para se solucionar a questão como está posta, sem que seja necessário a alteração do texto estudado.

Por fim, apresentar-se-á algumas considerações finais sobre o tema, em sede de conclusão.

1.1. Metodologia

Para que seja possível alcançar os objetivos da presente pesquisa, o trabalho dedica a maioria de seus esforços em uma revisão de literatura buscando investigar (i) o fenômeno da corrupção e sua relação com as empresas, notadamente com aquelas organizadas na forma de grupo de sociedades (ii) como se dá a aplicação da

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responsabilidade solidária prevista no § 2º do Artigo 4º da Lei 12.846/2013. O que se pretende aqui é entender o fenômeno da corrupção empresarial, seus efeitos negativos às empresas, mercados e nações, para então investigar se a estratégia utilizada pela Lei brasileira para disciplinar a aplicação de sanções aos grupos de sociedades foi a mais acertada.

Para tal tarefa, além de se lançar sobre a literatura produzida sobre o tema corrupção empresarial, será necessário realizar uma ampla pesquisa exploratória com vistas a averiguar o que as fontes de renome nacional e internacional como as Nações Unidas, OCDE, International Chamber of Commerce (ICC) e International Anti-Corruption Academy (IACA), produziram sobre o tema. Há também de se verificar como literatura acadêmica, produzida no contexto da FCPA e UKBA, contribui para o tema e como o direito comparado se relaciona com a questão nacional.

Outrossim, em um capítulo específico realizaremos uma breve incursão empírica sobre o tema, buscando investigar (i) se a Lei 12.846/2013 vem sendo aplicada por nossos tribunais e julgadores administrativos e (ii) se referida lei foi capaz de gerar um efeito positivo na propagação da adoção de programas de integridade pelas empresas nacionais.

A primeira tarefa se buscará cumprir por meio de uma pesquisa jurisprudencial em nossos tribunais, bem como pela, consulta dos bancos de dados oficiais sobre o tema. Buscará investigar casos que já tenham sido concluídos, com as penalidades efetivamente aplicadas.

Por outro lado, para a segunda tarefa será necessário a construção de uma amostra que represente as empresas nacionais. Aqui, em vista da dificuldade de obtenção de dados confiáveis e que sejam disponíveis ao público, optaremos por realizar um corte no corpo empírico, adotando como amostra as mil maiores empresas do Brasil, conforme o ranking de um renomado jornal nacional.

A partir deste corpo, como será detalhadamente explicado no capítulo de número quatro, serão realizadas diversas seleções conforme regras preestabelecidas para formar nossa amostra que, enfim, será submetida à análise da existência e eventual motivação de seus programas de conformidade, sendo os resultados devidamente analisados.

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2. ASPECTOS SOBRE A CORRUPÇÃO

A palavra corrupção tem sua origem na palavra latina corruptione, que denota decomposição, putrefação, depravação, desmoralização, sedução e suborno20. Existem muitos sentidos que podem ser atribuídos a ela, mas todos estão associados ao envolvimento de pelo menos dois agentes: o corrupto e o corruptor, os que corrompem e os que são corrompidos.

Em muitos países, como é o caso do Brasil, os atos de corrupção somente são criminalizados quando envolvem agentes públicos, fixando tal conceito à moral dos políticos e agentes públicos de maneira geral. No entanto, é crescente a criminalização dos atos de corrupção privada (ou seja, que envolvem apenas agentes privados), o que tem demonstrado uma maior rejeição da sociedade à conduta.

Segundo Meneguello, “a corrupção seria a causa e a consequência do baixo desempenho do sistema, levando a redução da confiança dos cidadãos nas instituições, no governo e em sua capacidade de solucionar problemas” 21. Uma vez que não existe dinheiro público já que “o Estado, nas democracias constitucionais, apenas se apropria legalmente de parte da renda nacional para produzir bens públicos” 22, o que se espera é a administração transparente de tais recursos e não sua utilização para fins individuais.

Mas, como podemos definir o que seria corrupção? Por mais singelo que possa ser o presente questionamento, ele guarda grande complexidade e importância para o presente trabalho. A partir da definição do que se entende por corrupção é que se estabelecerá a abrangência do questionamento que se pretende apresentar por meio da presente pesquisa.

No entanto, a corrupção em nosso tempo ganha contornos bastante fluidos, ganhando significados mais amplos do que aqueles estabelecidos como conduta-tipo nos

20CUNHA, Antônio Geraldo. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Lexikon

Editorial, 2010.

21MENEGUELLO, Rachel. O Lugar da corrupção no mapa de referências dos brasileiros: aspectos da

relação entre corrupção e democracia. In AVRITZER, Leonardo; BIGNOTTO, Newton; GUIMARÃES, Juarez; STARLING, Heloisa Maria Murgel (Orgs.). Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte, UFMG, 2008, p. 4.

22SILVA, Marcos Fernandes Gonçalves. A Economia Política da Corrupção no Brasil. São Paulo: Senac,

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arts. 31723 e 33324 do Código Penal. Neste sentido, melhor do que buscar dar uma definição daquilo que seria a corrupção, parece-nos salutar apresentar qual a definição de corrupção que se adotará no presente trabalho, reconhecendo, pois a fluidez de tal conceito.

Portanto, para o presente trabalho, considerar-se-á corrupção como sendo os atos praticados em prejuízo da Administração Pública nacional, estrangeira ou internacional e que visem conceder a determinado particular vantagem ou benefício (legítimo ou não) mediante o pagamento de valores.

Nesse sentido, adotamos um conceito amplo de corrupção que abarca diversas condutas que estariam contidas em outros tipos penais, que não aqueles tidos como de corrupção ativa e passiva. Condutas como: fraude a licitações e desvio de finalidade de contratos públicos, estão contidos na conceituação adotada pelo presente trabalho para corrupção, em que pese não sejam tipificados criminalmente nos aludidos artigos 317 e 333 do Código Penal.

Por fim, cabe um esclarecimento adicional. A adoção de tal conceituação ampla está em consonância com a adotada por diversos documentos internacionais sobre o tema, bem como, com a conceituação adotada pela Lei 12.846/2013 em seu artigo 5º, que será explorado ao longo do presente trabalho.

23“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes

de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. §1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. §2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.(BRASIL. Código Penal. Lei n° 2.848, de 7 de dez. de 1940. Disponível em:

https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10598684/artigo-317-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940. Acesso em: dez. de 2016).

24Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar,

omitir ou retardar ato de ofício: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional. (BRASIL. Código Penal. Lei n° 2.848, de 7 de dez. de 1940. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10598684/artigo-317-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940. Acesso em: dez. de 2016).

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2.1. A corrupção no Brasil

Existe um senso comum sobre a corrupção ser um traço da cultura do brasileiro. Uma prática já arraigada em nossa sociedade. De maneira geral, parece que a sociedade brasileira está acostumada a conviver com a constante eclosão de escândalos de corrupção envolvendo políticos e empresários, sempre girando em torno do desvio de vultosas quantias. Mas, por outro lado, a mesma sociedade parece não ser capaz de enxergar em si os pequenos atos de corrupção comumente praticados no dia-a-dia e que, por sua vez, alimentam a cultura corruptiva e a sensação de que o fenômeno se intensifica a cada ano.

Para que seja possível entender a origem e a abrangência da corrupção no Brasil, poderíamos nos valer de diversos métodos: por setores, por mercados, etc. Aqui, optamos por uma análise com base em nossa história.

2.1.1. Uma breve história

É importante entendermos que durante o período do Império no Brasil, o termo corrupção foi raramente usado. Isto porque conceitos variam de acordo com períodos e vão acumulando em si as significâncias que recebem ao longo do tempo. Além do mais, vivia-se uma monarquia, onde a figura do Rei era endeusada, estando as concepções deste governo distantes de igualdade ou justiça, noções estas que se vinculam ao conceito de corrupção.

O início da colonização brasileira foi marcado por explorações duvidosas, negociações escondidas com outras nações e privilégios individuais. Bueno (2006, p. 15) 25 nos traz um descritivo sobre as pessoas que figuravam no Governo Central, os influenciadores e tomadores de decisões. Uma lista composta por homens acusados de corrupção, muitos com grau de parentescos entre si ou com autoridades de Portugal.

A história avança dando conta da construção de diversas relações duvidosas entre governantes e o erário público. Casos de nepotismo, favoritismo, escolhas de cargos por alcance das relações e não pela capacidade do candidato se mostram comuns, apontando

25BUENO, Eduardo. A Coroa, a Cruz e a Espada: Lei, Ordem e Corrupção no Brasil Colônia. Rio de

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para um emaranhado que se formava entre as esferas pública e privada, na ocasião do estabelecimento do Governo Central do país, quando precisava ganhar legitimidade e estabilidade.

O Império tinha urgência em fornecer recursos ao governo central, deixando os municípios cada vez mais pobres. Assim, até precários remendos de ruas, calçadas e pontes eram feitos por habitantes. “Ao que tudo indica, essa aplicação de recursos privados em serviços públicos foi rotineira” 26 e não estava ligada somente ao dinheiro.

Muitas propriedades, prédios e instalações particulares eram utilizadas para repartições públicas.27 Logo, essa mistura do público e privado fundamenta a extensão do controle pessoal a todo o Estado. Segundo Franco (1997, p. 67) 28:

O homem que sustenta com recursos particulares as realizações próprias do governo está subjetivamente pronto para considerar como seu o conjunto de bens públicos confiados a sua guarda. Por que não o faria? Por que não satisfaria aos próprios objetivos com o dinheiro do governo se, não raro, as dificuldades deste último eram resolvidas com haveres seus, pessoais?

A situação econômica do país era de completa escassez. “A revisão do aparelho tributário acabou por fazer-se em fins de 1834. O impasse em que se encontrava o governo realmente pressionava no sentido desta regulamentação” 29. No entanto, como aponta Schwarcz (2008, p.32):

A partir da década de 1880, porém, o Império seria assolado por questões que inaugurariam uma nova agenda de acusações, estando na linha de frente a própria idoneidade do sistema. Se o conceito de corrupção está vinculado ao ato de “corromper” e a ação de “subornar”, o fato é que pela primeira vez o regime seria caracterizado por este tipo de prática30

26Ibidem. p. 23.

27SILVA, Marcos Fernandes Gonçalves. A Economia Política da Corrupção no Brasil. São Paulo: Senac,

2001, p. 28.

28FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. 4. ed. São Paulo, UNESP,

1997, p. 67.

29Ibidem. p. 67.

30SCHWARCZ, Lilia Moritz. Corrupção no Império. In: AVRITZER, Leonardo; BIGNOTTO, Newton;

GUIMARÃES, Juarez; STARLING, Heloisa Maria Murgel (Orgs.). Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte, UFMG, 2008. p. 32.

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Não que antes não haviam atos ilícitos sendo cometidos, mas com um governo forte e apoiado pela sociedade, tais atos não vinham à tona. As constantes viagens de D. Pedro ao exterior, o questionamento do poder do monarca, a imprensa extrapolando a esfera pública e cobrindo fatos privados de sua vida foram alguns fatores que auxiliaram a descoberta de diversos escândalos.

O mais emblemático desses escândalos, chamado de “Roubo das Jóias da Coroa31”, aconteceu em 1882 e foi imediatamente utilizado pela oposição para desacreditar uma monarquia que sequer conseguia manter os seus pertences em segurança.

A despeito da rapidez com que o crime foi solucionado, o que de fato chamou a atenção foi a forma como a Monarquia decidia-se com relação a funcionários e os próprios suspeitos, condecorando-os e distribuindo títulos reservados a nobreza.

Estas práticas eram vistas como forma de silenciar, e hoje poderiam muito bem enquadrar-se como corrupção política e favoritismo. Tal roubo ganhou o judiciário, com a Câmara e o Senado reclamando atitudes do Ministro da Justiça e de D. Pedro, que apenas disse que não interferiria nas investigações e dava o caso por encerrado.

Três dos principais jornalistas da época escreveram matérias sobre o roubo, muito menos preocupados com a segurança dos pertences da família real e muito mais com a capacidade de D. Pedro governar e a forma como se colocava acima das leis. Davam conta de um poder público frágil e dominado por interesses vis: “Um soberano que faz simples acordos com seus funcionários é cada vez menos soberano do Estado, pois está sujeito às mesmas tentações de seus súditos.” (BUENO, 2006, p. 67) 32.

31O episódio do roubo das jóias da coroa se traduziu em um episódio de conivência e manipulação de

informações pela família real que acabou por desgastar de vez a imagem do Imperador. Conta a história que na madrugada de 17 para 18 de março de 1882, teria sido furtado do palácio real em São Cristóvão jóias da Imperatriz Tereza Cristina e da Princesa Isabel. O que poderia ser entendido como um furto comum acabou por revelar um escândalo que envolvia o Imperador e seu staff mais próximo. Isso porque o governo buscou plantar evidências no palácio para desviar as investigações dos reais autores, que se encontravam dentro do palácio. Ao final, as jóias foram encontradas na residência de um funcionário próximo à família real, junto com outros diversos adornos reais. Esse episódio acabou por macular a imagem da família real que manejou para colocar “panos quentes” no desvio ocorrido, plantando evidências para culpar terceiros, estranhos ao centro do poder. Mais informações vide SCHWARCZ, op. cit. (nota 11) p. 228 a 230.

32BUENO, Eduardo. A Coroa, a Cruz e a Espada: Lei, Ordem e Corrupção no Brasil Colônia. Rio de

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Nos anos que seguiram os jornais estavam cheios de fatos como estes, que questionavam a idoneidade do sistema, culminando com a queda do regime monarquista em 1889, quando houve a proclamação da República.

A corrupção então é uma noção que surge neste contexto, ligada a uma crítica de governo, a uma não aceitação da forma política e não ao soberano em si, a figura individualizada. Interessante notar, igualmente, que a conceituação da corrupção no Brasil surge da prejudicial simbiose entre bens públicos e privados, não havendo uma delimitação clara entre esses, que são apropriados indevidamente de parte a parte.

A partir de 1945 a percepção da corrupção se altera e o termo passa a ser associado claramente aos políticos e não à insatisfação com o governo como um todo. “Corruptos eram os indivíduos, os políticos getulistas, o próprio Vargas. Expulsos o presidente e seus aliados, voltaria a correr água cristalina nas tubulações da República” (CARVALHO, 2008, p. 238) 33.

Mais adiante, na Ditadura militar, existia uma falsa ideia de que não teria havido corrupção no Brasil. Apesar da blindagem proporcionada ao governo por restrições ao legislativo, judiciário e imprensa, é possível resgatar denúncias de corrupção desta época.

É verdade que na democracia, é possível saber quem corrompe e quem é corrompido com mais facilidade, pois o sistema judiciário tem mais independência em relação ao Poder Executivo, a imprensa pode investigar livremente casos de corrupção e o cidadão se sente mais à vontade para fazer denúncias que envolvam autoridades, enquanto nas ditaduras tudo isso fica mais difícil, mas não impossível. Portanto é possível

33CARVALHO, José Murilo. Passado, presente e futuro da corrupção brasileira. In AVRITZER, Leonardo;

BIGNOTTO, Newton; GUIMARÃES, Juarez; STARLING, Heloisa Maria Murgel (Orgs.). Corrupção:

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pontar exemplos de atos lesivos cometidos nesta época como i) Contrabando na polícia do exército34; ii) Caso Lutfalla35; iii) Delfim e a Camargo Corrêa36, entre outros.

Com o fim do regime militar, o primeiro presidente eleito, Fernando Collor de Mello teve seu governo marcado por escândalos de corrupção culminando em seu impeachment. De lá, para cá, foram diversas denúncias, muitos políticos envolvidos. A corrupção tornou-se um evidente entrave ao desenvolvimento de diversas áreas do país.

Com a pressão mundial por meio dos diversos acordos internacionais de combate à corrupção dos quais o Brasil é signatário, aliada às pressões internas ocorridas pelas manifestações de julho de 2013, o Brasil aprovou as pressas a Lei 12.846/13, objeto deste estudo.

2.2. Os números da corrupção – A espantosa abrangência da indústria da corrupção no mundo

A corrupção, ou a percepção do grau desta em uma sociedade, tem efeitos destruidores na economia de um país. Afinal, o ambiente de pouca confiança afeta as decisões de investimentos, limita o crescimento econômico, altera a composição dos gastos governamentais, causa distorções na concorrência, abala a legitimidade dos governos e a confiança no Estado, causando implicações não apenas a economia de determinada nação, mas também ao desenvolvimento humano e social da mesma. Nos dizeres da OCDE (2014):

34Trata-se de um episódio de corrupção envolvendo o 1º e 2º da Polícia do Exército no Rio de Janeiro.

Militares desses batalhões envolveram-se com contrabandistas da cidade, utilizando da máquina estatal para o transporte de itens contrabandeados ou mesmo para alienar bens apreendidos de outros contrabandistas. O esquema tinha um líder, o Capitão Aílton Guimarães Jorge, que após o episódio e após ter sido inocentado por conta da anulação dos depoimentos incriminadores, pois estes tinham sido obtidos por meio de tortura, se tornaria um notório bicheiro na cidade e presidente da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro.

35O caso Lutfalla envolve um personagem celebre, Paulo Maluf. Dois anos antes de assumir o Governo do

Estado de São Paulo, por determinação do governo central, em 1979, ele foi acusado de corrupção no caso conhecido como Lutfalla – empresa têxtil de sua mulher, Sylvia, que recebeu empréstimos do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento) quando estava em processo de falência. O caso terminou por ser abafado e acabou sem punições.

36Delfim Neto foi um dos personagens civis mais marcantes dos chamados anos de chumbo, uma vez que

foi um importante Ministro da Fazenda durante o Governo Médici e Embaixador brasileiro e Ministro da Agricultura nos governos seguintes. Essa influente pessoa foi acusada de beneficiar o a empreiteira Camargo Corrêa a ganhar a concorrência da construção da hidrelétrica de Água Vermelha (MG). O caso também terminou sem a aplicação de punições.

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Corrupção e a percepção da corrupção destroem a confiança nos governos, mercados e negócios. No rescaldo da maior crise financeira do nosso tempo, precisamos reconstruir essa confiança mais do que nunca. A corrupção também mina o crescimento e o desenvolvimento dos países. Por um lado, as empresas renunciam à inovação e à competitividade em prol do suborno. Por outro lado, os indivíduos dentro dos governos desviam para si valores que deveriam ser usados para promover o bem-estar das pessoas. Ao acabar com a impunidade e responsabilizar as pessoas corruptas, podemos restaurar a fé em nossas instituições e indústrias37.

No entanto, para que se possa entender a magnitude de tal indústria e o desafio que se impõe aos países e à sociedade mundial, faz-se necessário traduzir com maior detalhe o fenômeno da corrupção em números. Tal tarefa não é tão fácil como possa parecer, uma vez que não há como seguramente aferir os custos de tal indústria de modo que, ora se realiza estimativas com base na percepção da corrupção em determinado país, ora se utiliza como base de análise os dados coletados a partir de casos investigados ou em processo de investigação pelas autoridades.

Não obstante, a análise por meio de tais matrizes nos traz interessantes dados sobre a corrupção. Assim, por exemplo, a partir da estimativa apresentada pelas nações do valor despendido com a corrupção, podemos realizar a alarmante comparação dessa indústria com o PIB das principais nações do mundo. A tabela abaixo ilustra a comparação do volume financeiro movimentado pela corrupção com o volume de riqueza produzido pelas maiores economias do mundo.

37OCDE. Foreign Bribery Report: An analysis of the crime of bribery of foreign public officials. Tradução

livre. 2014. Disponível em: < http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/governance/oecd-foreign-bribery-report_9789264226616-en#.WCrVxWorLIU#page4>. Acesso em: nov. 2016. p 12.

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Tabela 1- Corrupção e PIB das maiores economias do Mundo

Como sinalizado na tabela, o movimento estimado de 3,6 trilhões de dólares por ações ligadas à corrupção, equivale à quarta posição entre as maiores economias do mundo, superando importantes países como Alemanha, Reino Unido ou mesmo o Brasil. Impressiona mais ainda saber que a estimativa produzida pela Organização das Nações Unidas (ONU) leva em consideração apenas os valores despendidos em atos de corrupção, sem incluir em tal número o montante gasto por países, organismos internacionais e empresas com a manutenção de sistemas para mitigação da corrupção e sua persecução.

De certo é impossível aferir com segurança esse valor, no entanto tranquilamente a soma de tais dispêndios alçariam o “país corrupção” à terceira colocação entre as maiores economias do mundo. Afinal, apenas a persecução Norte Americana realizada para coibir atos de corrupção praticados por pessoas físicas ou jurídicas sujeitas à sua jurisdição, já logrou êxito na aplicação de multas impressionantes, como visto anteriormente. O quadro abaixo apresenta a evolução do valor arrecadado pelas autoridades americanas em razão de violações ao FCPA.

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Tabela 2 - Valores arrecadados por autoridades Norte-Americanas na aplicação de multas por violação da FCPA

A enorme relevância dos números movimentados pela corrupção também pode ser diagnosticada quando as estimativas dos valores desperdiçados com corrupção são colocadas em perspectiva

Como apontado acima, estima-se que 1,38% a 2,3% do PIB brasileiro seja consumido em corrupção, o que nos leva a prever que R$ 50,8 bilhões a R$ 84,5 bilhões por ano são consumidos em corrupção no país. Ao compararmos tais valores com a receita dos estados brasileiros, chegamos a estarrecedora informação de que, se considerarmos a avaliação mais favorável, ou seja, de que a corrupção consome R$ 50,8 bilhões do PIB brasileiro, tal valor supera todos os estados da federação, à exceção apenas dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Se olharmos pelo lado pessimista, este valor apenas não supera o orçamento do estado de São Paulo.

Os mesmos dados, quando comparados frente ao orçamento da União, apontam para a mesma conclusão, qual seja da relevância dos valores despendidos com tais atos ilegais e a necessidade de combatê-los. Afinal, a corrupção, em sua estimativa menos favorável, consome cerca de 87% do valor orçado pela União para educação no Brasil e supera, substancialmente, o montante orçado para questões relevantes como Ciência e Tecnologia38.

O reflexo material da corrupção traz consigo inúmeros outros que, em que pese não sejam diretamente traduzidos em cifras financeiras, acabam por tornar ainda mais devastador o universo afetado por esse fenômeno. Questões envolvendo o ambiente de negócios, o grau de confiança de uma sociedade em suas instituições e,

38O orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia é de cerca de 9 bilhões de reais. Cf. BRASIL. Lei nº 13.255, de 14 de janeiro de 2016. Estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2016. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 15 jan. 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L13255.htm>. Acesso em: ago. 2016.

2008 11 2009 11 2010 23 2011 15 2012 12 2013 12 2014 10 644,00 $ 1.800,00 $ 508,60 $ 259,40 $ 731,10 $ 1.560,00 $

Valor (em milhões de doláres) Empresas Pagantes Ano

890,00 $

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consequentemente, em seus pares para a celebração de contratos e o custo de oportunidade desperdiçado na superação de mecanismos burocráticos que visam trazer maior segurança jurídica a tal ambiente, são consequências também atribuídas à corrupção.

De certo, não se pode olvidar que as questões acima levantadas estão presentes como relevantes características da sociedade dos países em desenvolvimento. No entanto, esse fenômeno se isola nestes países?

2.2.1. A corrupção é um problema apenas de países em desenvolvimento?

Analisar o fenômeno da corrupção sobre a perspectiva brasileira é partir do senso comum de que o país é um dos locais mais propícios para o desenvolvimento de atos de corrupção. Tal sentimento é agravado pela constante eclosão de escândalos de corrupção cada vez mais relevantes como o vultoso caso envolvendo a empresa estatal Petrobrás revelado pelas investigações da Polícia Federal no âmbito da denominada operação Lava-Jato. No entanto, tal senso comum deve ser colocado em perspectiva e, nesta tarefa, o estudo desenvolvido pela organização não governamental Transparência Internacional39 é uma importante ferramenta40. O referido estudo dedica-se a demonstrar como o fenômeno da corrupção é percebido ao redor do globo. Através de uma pesquisa que envolve mais de 160 nações, a transparência internacional divulga anualmente um ranking do índice de percepção de corrupção, que pode ser graficamente representado pelo mapa abaixo:

39TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL. Corruption Perception Index, 2015. Disponível em:

<http://www.transparency.org/cpi2015>. Acesso em: jun. 2016.

40Importante também é frisar que os estudos divulgados anualmente pela Transparência Internacional não

“medem” a corrupção no mundo (até porque tal tarefa me parece ser impossível uma vez que tais atos, de regra, não são públicos), mas sim a percepção que se tem da abrangência desse fenômeno em cada sociedade, ou seja, mede-se o grau de “corruptibilidade” das instituições percebido pelas pessoas e instituições em cada país.

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Figura 1- Mapa do Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional41

Neste, chama a atenção que, dentro do espectro de cores proposto pela transparência internacional, os tons em amarelo, reservados aos países onde a percepção da corrupção é menor, se apresentam em sensível minoria no mapa. Nesse sentido, é possível afirmar que a maioria dos países do mundo possui uma taxa de percepção de corrupção mais elevada do que a tolerada por sua população.

Determinadas regiões, como a Oceania, o Norte da Europa e a América do Norte apresentam índices de percepção à corrupção melhores, no entanto, regiões próximas, contíguas e com índices econômicos e de desenvolvimento humano parecidos apresentam taxas de percepção bastante díspares42.

Portanto, a análise inicial dos dados não nos permite concluir a existência da prevalência de um aspecto regional, ou local, que influa decisivamente na percepção de corrupção. Afinal, por mais que existam algumas prevalências regionais, o mapa acima nos apresenta diversos exemplos de condições econômicas e sociais análogas com resultados diferentes no tema percepção da corrupção; é o caso, por exemplo, dos países da América do Sul.

O mesmo estudo da Transparência Internacional, por meio da classificação dos países conforme o grau de percepção de corrupção, permite constatar dados interessantes

41Cf. TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL. Corruption Perception Index, 2015. Disponível em:

<http://www.transparency.org/cpi2015>. Acesso em: 18.jun.2016.

42 Nesse sentido podemos apontar a diferença existente entre os países componentes da União Europeia ou

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que demonstram o caminho da resposta à pergunta que nos propusemos no começo deste item. Para tanto, nos valemos do ranking produzido pelo estudo da Transparência Internacional em 2015:

Tabela 3 - Ranking da percepção de corrupção nos países (Transparência Internacional)

Dentre as diversas inferências permitidas pela tabela acima, a primeira que salta aos olhos é que, dentre os trinta países melhores classificados, existem representantes de todas as principais regiões do mundo e com estágio de desenvolvimento econômico e humano bem diferentes. Veja, portanto, que o ranking é liderado por três países nórdicos: Dinamarca, Finlândia e Suécia, cada qual com PIB per capita43 de $52.002,20,

$44.433,40, $50.272,90 respectivamente e com excelentes índices de desenvolvimento

43Cf. BANCO MUNDIAL. World Bank open data. Disponível em: <http://data.worldbank.org/5>.

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humano (IDH)44 (0,923, 0,922 e 0,907), e no mesmo corte encontramos o país africano Botsuana, 28º colocado na classificação da Transparência Internacional e que possui PIB per capita e índice de IDH bem diferentes dos melhores colocados ($7.315,02 e 0,698 respectivamente).

Mesmo tendo índices de desenvolvimento, história e condições geográficas muito diferentes apenas 26 pontos separam o país africano da relevante nação sueca. Tal dado é ainda mais curioso quando percebemos que a África do Sul, importante expoente econômico e social daquele continente e substancialmente maior do que a Botsuana sob o ponto de vista econômico, encontra-se na 61ª posição da classificação proposta.

Nesse sentido e sob essa ótica, não parece ser clara a existência de uma correlação entre o desenvolvimento econômico e a percepção de corrupção dos países. Isso porque percebe-se que países com histórico de colonização parecidos e com matrizes econômicas similares possuem índices de percepção bastante díspares, como o caso do Uruguai, classificado na 21ª posição do estudo e da Argentina, que está localizada na 107ª posição, o mesmo se dá quando comparada com a República do Chile, que se encontra na 23ª posição do Estudo. Também quando se volta para países com economias consolidadas e com IDH expressivos como a Itália, e que divide a 61ª posição do ranking com países com históricos bem diferentes, como os africanos Senegal, África do Sul e a república de Montenegro que, há pouco, via-se envolta nas guerras dos Bálcãs.

O avanço econômico também não parece garantir a melhora do índice de percepção da corrupção nos países. Isso porque, ao analisarmos a série histórica dos últimos quatro anos dos estudos da Transparência Internacional sobre os chamados “BRICS” (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), bloco de países que obtiveram sensíveis avanços no campo econômico, percebemos que, mesmo com avanços na produção de riqueza, tal fato parece não ter interferido de maneira substancial na sua classificação no estudo da Transparência Internacional, conforme a tabela abaixo:

44Cf. NAÇÕES UNIDAS. Human Development Report. 2015. Disponível em:

<http://www.hdr.undp.org/en>. Acesso em: nov. 2016. .

(36)

País Posição 2015 Posição 2014 Posição 2013 Posição 2012 Brasil 76 69 72 69 Rússia 119 136 127 133 Índia 76 85 94 94 China 83 100 80 80 África do Sul 61 67 72 43

Tabela 4 - Evolução histórica da classificação dos BRICS na classificação da Transparência Internacional

Assim, não se pode afirmar a existência de uma correlação entre o grau de desenvolvimento de uma nação e sua percepção da corrupção. No entanto, outra correlação pode ser feita, utilizando como uma das bases o estudo produzido pela Transparência Internacional e que parece produzir um resultado positivo: a relação entre um maior nível de desigualdade social e a presença de uma maior percepção de corrupção. Nesse sentido, adicionamos ao estudo da Transparência Internacional, o índice GINI de cada país pesquisado, obtendo o seguinte resultado:

Tabela 5 - Índice de Percepção de Corrupção Comparado com Índice GINI

Não obstante, não nos parece clara a relação de causa e efeito entre corrupção e desigualdade, uma vez que aquele pode ser a causa deste e vice-versa, formando um círculo vicioso.

Referências

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